domingo, 30 de maio de 2004

Entrevista: PARAHYBA






A ARTE E A VIDA DO POTIGUAR PARAHYBA

O Zona Sul entrevistou, em Brasília, um cantor potiguar nascido em São João do Sabugi que há vários anos faz sucesso no Ceará. Aluízio Medeiros, ou melhor, Parahyba, é o entrevistado do mês. Há alguns anos ele teve a composição “Voar Sem Fim” escolhida como a melhor música da década pela Fundação Demócrito Rocha, dona do jornal O Povo, em Fortaleza. Na noite de uma segunda-feira de muita chuva, Parahyba conversou comigo durante algumas horas.

O compositor e cantor Parahyba, 45, já soma mais de 20 anos de carreira artística. Ano passado ele lançou seu primeiro CD solo, “Arte e Vida Parahyba”, com arranjos, violões, produção e direção geral de Manassés. O disco traz uma retrospectiva do trabalho de Parahyba e inclui antigas e novas canções. O artista esteve em Brasília para algumas apresentações. Foi durante esta visita à capital federal que o Zona Sul descobriu um pouco da história desse potiguar integrante da história cultural do Ceará. O resultado da conversa você confere a seguir. (Roberto Homem)

ZONA SUL – Você nasceu na Paraíba, foi registrado no Rio Grande do Norte, às vezes é chamado de Pará e também já foi conhecido como Parahyba Kid. Como o potiguar batizado de Aluízio Medeiros - e apelidado Parahyba - virou personagem destacado da história da música cearense? Ao destrinchar esse enigma, fale também um pouco sobre a sua infância.
PARAHYBA – É uma história, não é mesmo? Eu nasci na Fazenda Pitombas, na divisa entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Era metade em cada estado. Mas a casa grande ficava no território paraibano. Só que a cidade mais próxima, era São João do Sabugi - o município que consta, na minha certidão de nascimento, como o local onde nasci. Era lá onde minha família fazia a feira, onde tinha os médicos e o cartório. Mas essa embrulhada toda também deve ter a ver com o fato de que o meu pai tinha espírito cigano. E ele deve ter herdado isso do meu avô, que era o dono da Fazenda Pitombas. Lá, todos os anos, meu avô permitia que os ciganos acampassem. E é dessa primeira infância que eu trago muitas influências, até de forma inconsciente. Os aboios dos vaqueiros são o primeiro repertório que tenho gravado no meu inconsciente. Também tenho registrado na memória o som das vacas andando no curral, os chocalhos tocando... Dessa época existem umas fotografias muito engraçadas das pessoas de minha família em volta de um rádio. Prova de que havia uma certa veneração para com a música. Daqueles tempos eu também lembro que ouvia nas emissoras de rádio Jackson do Pandeiro e Beatles, Luiz Gonzaga e Beatles...
ZONA SUL – Quer dizer que São João do Sabugi já era globalizado desde aquela época!
PARAHYBA – (Rindo) Já era globalizado... Aliás, esse foi meu primeiro passo na globalização! Mas, voltando, meu pai tinha esse espírito cigano... Os ciganos acampavam na fazenda da gente. Era um dos pontos onde todo ano vinha um bando e ficava lá. Não sei se por influência dessas pessoas, meu pai exercitou também o seu espírito cigano e se mandou para o Ceará. Depois ele morou no Piauí também. Eu cheguei criança lá no Ceará. Hoje me considero cearense naturalizado. Foi lá onde passei a segunda infância e a adolescência. Também foi em terras cearenses que ganhei esse apelido de Parahyba.
ZONA SUL – Por que Parahyba com “hy” ao invés de Paraíba, “com I e acento agudo”?
PARAHYBA – No começo era Paraíba mesmo, igual ao nome do estado. Só mudou depois, já em Fortaleza, quando fui estudar Filosofia na faculdade. Um professor, um padre erudito, filósofo e teólogo muito conhecido no Ceará, o padre Manfredo, foi quem terminou mudando meu nome, sem querer. Nas aulas, ele não me chamava de Paraíba de jeito nenhum. Era o único. A turma toda só me chamava assim. Mas no final do semestre, ele disse: “vou dar o braço a torcer, vou lhe chamar de Paraíba, mas você será P-A-R-A-H-Y-B-A”. Achei legal, porque deu uma certa erudição ao Paraíba original e virou nome artístico.

ZONA SUL - Como a música passou a fazer parte da sua vida?
PARAHYBA - Desde criança meu pai tinha um cuidado para eu não entrar na música. Ele não queria. Mas acho que ele notou muito cedo que eu gostava muito de música. Um dia, em uma cidade perto de São João do Sabugi, chamada Ipueira (que começou a existir quando meu avô doou um terreno para construir uma igreja lá e depois virou cidade), eu fui estudar na casa da minha tia. Meu pai chegou e eu estava cantando um coco em cima do balcão de uma bodega. Minha tia lembra até hoje desse coco. Ela diz que é assim: “Eu dei um pulo por cima da ligeireza / Eu quebrei tamborete e mesa / Cadeira de balançar / Eu dei um pulo por cima da macambira / Se der outro a perna vira / Corro mais do que preá / Taracotaco, bisaco, saco de chumbo / Dei a volta pelo mundo / Balançando um maracá / Ô lua, ô luar...” Meu pai chegou de repente e eu estava no embalo do coco. Menino cantando coco para ganhar bombom. Papai acabou com a farra.
ZONA SUL – Alguém na sua família lhe influenciou musicalmente? Tinha parente tocando algum instrumento, envolvido com a música de alguma maneira?
PARAHYBA – Não. Mas o universo nordestino tem uma cultura muito forte. São os violeiros, os cantadores, os artistas de feira... Por exemplo, vi Sivuca cantando na feira de São João do Sabugi. E muitos outros violeiros e cantadores. Mas, diretamente, não lembro de uma pessoa que cantava na família. Por outro lado, depois que saí desse ninho cultural muito forte e me mudei para o Ceará, na escola, já na cidade de Tauá, decidi entrar para um grupo de jovens. Como meu pai não me deixava chegar em casa com violão, resolvi entrar no grupo do colégio de freira onde eu estudava. O grupo se chamava Som Brasil, o mesmo título de um programa da Rede Globo que surgiu anos depois, mas, lógico, não por influência da gente. Quando a banda acabou, eu herdei o violão, apesar de nem tocar esse instrumento. Eu gostava era do triângulo e cantava alguns cocos. Ganhei o violão porque a turma achou que eu merecia. Eles diziam que, já que eu vivia agarrado ao violão, tinha que ficar com ele.
ZONA SUL – Essa história do violão foi ainda em Tauá, não é? E quando você chegou em Fortaleza, o que aconteceu?
PARAHYBA – Eu já cheguei em Fortaleza tocando violão. Mas confesso que tinha um sentimento de culpa muito grande. Eu era o mais velho dos filhos e tinha os estudos bancados pelo meu pai, que continuava lá, em Tauá. Ele mandava dinheiro para eu estudar e, ao invés disso, eu vivia tocando violão adoidado, vivia na farra em Fortaleza. Mas quando passei no vestibular e entrei na faculdade, me senti aliviado. O primeiro curso que fiz foi Estatística. Desisti. Depois fui fazer Filosofia. Foi lá que o padre Manfredo me batizou de Parahyba. Meu pai queria que eu fizesse Medicina, mas eu vi que não tinha munição para um tiro tão grande. Eu estava enturmado era com a farra, o violão e a música. Mas aconteceu uma coisa boa quando fui aprovado para Estatística na Universidade Federal do Ceará: descobri que não era vagabundo. Me livrei daquele peso, daquele estigma. Descobri que eu era um artista da terra. A descoberta se deu quando surgiu um movimento pela anistia e eu fui convidado para participar. Nos palcos eu era apresentado não como vagabundo, mas como um artista da terra. Imediatamente mandei avisar para o meu pai que eu era um artista da terra.
ZONA SUL – E ele acreditou?
PARAHYBA – Ele não acreditou não (risos). Ao contrário, chegou a dizer: “eu mandando dinheiro para Aluízio e ele lá, vabagundeando com um violão em Fortaleza”. Mas, depois das apresentações nos palcos da universidade, comecei a aparecer em jornais e em emissoras de televisão... Só que nada de dinheiro. A sorte é que naquela época eu almoçava em restaurante universitário, morava na residência universitária... Em outras palavras, conseguia o suficiente para me manter. Para melhorar a situação, ganhei uma “bolsa-arte” de um projeto da universidade. Foi depois disso que mandei dizer para o meu pai que ele não precisava mais mandar dinheiro para mim. Foi meu primeiro ganho como artista. Ganhando dinheiro, você deixa de ser vagabundo. Você pode até ser vagabundo, mas ganhando dinheiro não é mais.
ZONA SUL – Como surgiram as primeiras composições?
PARAHYBA - Foi nessa época da universidade que comecei a compor. Uma das primeiras composições foi a música “Rosa Branca”. Quando fui morar em Fortaleza, senti muita falta da claridade de Tauá. Lá, nas noites de lua cheia, eu ia com os caçadores caçar tatu. Devido à claridade de Fortaleza, senti muita falta da lua e das estrelas. Foi nessa época que compus a música “Rosa Branca”, em homenagem à lua. A canção está incluída neste CD. Eu não comecei a fazer música pensando em compor para o mercado, eu não tinha nem essa idéia. Foi uma necessidade de me expressar. De falar das minhas angústias...
ZONA SUL – Além de ter vivido a efervescência dos festivais universitários, você disputou os concursos de música que a Rede Globo promoveu no Nordeste. O que você guarda de recordação dessa época?
PARAHYBA – Participei de todos os festivais promovidos pela Rede Globo Nordeste, os chamados Canta Nordeste. Classifiquei em todos os anos. Em termos de mídia, foi muito bom, até porque é Globo, não é? Mas isso não foi uma coisa que marcou a minha vida. Muito melhor foi participar dos festivais universitários. Ali, sim, havia compromisso com a qualidade. Esses festivais da Globo são bons pelo reconhecimento. Mas em termos estéticos, falando em arte mesmo, o nível do festival é muito baixo. Os Globo Nordeste, os Globo Sul não fizeram nada, não deram qualidade, não deram um norte para a estética e a produção artística. Estou dizendo isso, mas foi bom ter participado, pois o artista precisa aparecer. Mas confesso que, melhor do que esse tipo de festival foi aquele calor dos festivais universitários. Amizades daquela época permanecem até hoje porque todas elas foram construídas à base de emoções verdadeiras.
ZONA SUL –Depois da época dos festivais da Globo, o que você andou fazendo?
PARAHYBA - Quando entrou a década de 90, eu já estava com filho e tudo o mais, fui chamado à realidade para ganhar dinheiro, para sobreviver. Eu tinha 30 anos. Estava precisando sistematizar o lado material da minha vida. Então passei a trabalhar na área de publicidade. Fiz muita música de propaganda, principalmente marketing político, fiz muita música para campanha política. De dois em dois anos, a cada eleição, eu pagava minhas contas e fazia um pé-de-meia para o período seguinte. Também fazia jingles para empresas, músicas para propaganda. Mas no final dos anos 90 surgiu uma necessidade muito grande de voltar para a arte. Eu estava me sentindo frustrado por, apesar de estar ganhando dinheiro, não estar mais trabalhando diretamente com arte. Então vi que meus colegas estavam no terceiro, quarto CD. Eu não tinha gravado ainda. Mas para voltar para a arte apenas com um violãozinho debaixo do braço, não tinha muito sentido. Eu também não tinha CD e tocar em barzinho pra ninguém ouvir, também não tinha sentido. Vi que a alternativa seria eu criar um fato novo. Foi aí que eu inventei a Banda de Lata de Todas as Cores.
ZONA SUL – E o que é essa Banda de Lata de Todas as Cores?
PARAHYBA – É uma banda com crianças tocando sucata. Foi ela que fez eu voltar a aparecer na imprensa como um artista, e não mais como autor de jingles. Quando quis voltar para a arte, depois de tanto tempo na propaganda, eu estava sem banda. Resolvi montar a minha com os meninos carentes da beira-mar. Uma organização não-governamental, a Associação Curumins, topou fazer uma experiência. Apresentei um projeto para a criação da Banda de Lata de Todas as Cores e eles toparam fazer uma experiência por três meses. Mas em um mês já me chamaram para conversar novamente, pois a banda chamou atenção da cidade e deu muita visibilidade à instituição. Então fechamos um contrato e trabalho lá até hoje. Mas montar a banda não foi fácil. A primeira dificuldade foi convencer as crianças de que aquilo era uma banda. Mas foi bonito ver quando descobriram que a música não está no violão, não está no piano, não está no instrumento
da loja, a música está dentro de cada um.
ZONA SUL – O que lhe agrada na música que é feita hoje no país? O que há de novo e com qualidade na MPB?
PARAHYBA – Tem muita gente boa que o público sequer tem condição de conhecer. O mercado se interessa mais por coisas descartáveis. Nossa música é tão rica em poesia, mas o mercado só se interessa por baboseiras. Acho que para uma música tocar no rádio não precisa falar besteira. Ela pode até ser mercadoria, mas também ter arte. Acho uma pena que a MPB esteja passando por isso. Pelo fato do Brasil não ter muitos leitores as músicas serviam para enriquecer o vocabulário das pessoas. Hoje está difícil. O que eu ando escutando é muita coisa experimental e alguns cantadores do sertão. Do mercado, gosto de Lenine, Chico César e dessa turma que surgiu desde o Chico Science. Na adolescência eu cantava todas as músicas de Raul Seixas. Até hoje o considero genial. Ele misturou rock com baião, fez a ponte do particular com o universal. Na minha música também tem isso. Talvez influência do Raul. Tem martelos, galopes, também tem a coisa do rock e do baião.
ZONA SUL – Muitos artistas abdicaram do eixo Rio-São Paulo e estão dando continuidade a suas carreiras em outros centros. No Ceará mesmo, entre outros, estão morando Manassés, a cantora Vanusa e até o cantor Sidney Magal, também radicado na cidade, está pensando em candidatar-se a vereador de Fortaleza agora em outubro. A que você atribui o fato dessa “fuga” das maiores cidades?
PARAHYBA – Não posso dizer que todos voltaram pelo mesmo motivo. Mas Manasses, eu sei, voltou porque adora Maranguape. Ele nasceu lá no pé da serra e recentemente voltou. Tem sua horta, sua vida tranqüila. Lá do Ceará ele está antenado com o mundo todo. Tem tardes em que está jogando sinuca em Maranguape e no dia seguinte está em Nova York. Um dia desses vi uma pessoa comentando, em uma emissora de televisão: “esse pessoal depois que fica desempregado está vindo para cá, para o Ceará”. Citou alguns nomes. Mas não sei se é verdade. Certamente alguns voltaram e outros se instalaram em Fortaleza porque a cidade é boa mesmo.
ZONA SUL – Parahyba apenas foi registrado no Rio Grande do Norte ou tem algum tipo de relação com o estado? Você já se apresentou em Natal? Pretende aparecer por lá para lançar seu novo trabalho? Como alguém interessado no CD ou em manter contato poderá fazê-lo?
PARAHYBA – Pretendo lançar meu trabalho também no Rio Grande do Norte. Acho que é saudável eu voltar às minhas origens. Tenho até onde ficar, na casa de familiares em Natal e em São João do Sabugi. Uma vez estive em Natal acompanhando um colega músico, André Lopez, e toquei em Ponta Negra, mas não lembro o nome do local. Mas foi muito rápido. Cheguei num dia, fiz o show e fui embora no dia seguinte. Da próxima vez quero ir com mais tempo, fazer contato com outros artistas, trocar idéias. Como está sendo nessa minha vinda aqui em Brasília. Esse contato mais íntimo eu quero fazer com o pessoal da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Qualquer coisa podem me achar através do e-mail parahybakid@ig.com.br ou pelo telefone (85) 9116-0487.