segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Entrevista: O DUENDE

O DUENDE DE CADA UM DE NÓS




Demorei mais tempo para decidir se publicava ou não essa entrevista do que para prepará-la. Há alguns meses, no primeiro semestre desse ano, o Zona Sul trouxe em suas páginas a inusitada história de Wadão do Jegue do Dente de Ouro. Na abertura da transcrição do bate-papo, coloquei em dúvida algumas das histórias contadas pelo baiano. Mas também revelei que era verdadeiro o que eu pude investigar. Agora é diferente. O entrevistado do mês é uma pessoa que não existe. Aliás, é alguém que existe em mim, e em várias outras pessoas. Cada um de nós acumula histórias que valem a pena ser contadas. Portanto, o que você vai ler a partir de agora é, e também não é, fruto de ficção. São casos que vivi, testemunhei ou ouvi contar. Todos encarnados na figura de um ser encantado que não existe. Quem sabe, um duende criado para protagonizar essa entrevista? (Roberto Homem)



ZONA SUL – Você nasceu em Natal?
O DUENDE – Nasci em Natal, em um dia de Carnaval. Minha mãe estava quase parindo quando apareceram uns papangus. Nasci no meio deles, naquela zoeira toda. Acho que por isso virei duende...

ZONA SUL – Um gnomo nasce após 12 meses de gestação. Uma criança, após nove meses. Mas, ao que consta, você nasceu com 11 meses. Essa informação procede?
O DUENDE – É verdade, sim. Minha mãe estava me esperando para fevereiro e eu só nasci em abril. Ou então ela errou. Talvez ela não fosse muito boa em matemática... Acho que ela errou a conta.

ZONA SUL – Conte para os leitores do jornal como foi sua infância...
O DUENDE – Eu não tive. Pelo menos eu não lembro de nada dessa época. A recordação mais antiga que me vem agora é a do meu primeiro emprego. Meu primo vendia chocolate, confeito, esses negócios... Chamou-me para ajudá-lo. Perguntei o que eu devia fazer. Ele explicou que quando aparecesse um menino acompanhado da mãe, eu devia beliscar a criança. Quando ela começasse a chorar, a mãe iria dizer “chore não, menino, tome um chocolate”. E assim foi meu primeiro emprego. Passava um menino, eu beliscava. Eu tinha uns 13 anos.

ZONA SUL – Você tem recordações antes dessa época?
O DUENDE – Não, lembro não. Lembro só desse emprego do chocolate. Hoje, esse meu primo tem uma loja de doces. Ao que eu saiba, ele não pratica mais nenhum método inusitado para vender seu produto. Ah, também quando era pequeno, uma vez pastorei carro em um velório. Mas não rendeu muito, não. A maioria me esculhambava quando eu pedia grana. Dizia que eu não respeitava a dor alheia... Mas eu acho que era apenas desculpa pra não dar um trocado.

ZONA SUL – Teve uma época em que você andou sofrendo uns acidentes domésticos, não foi?
O DUENDE – Sim. Quebrei os dois pés. Em uma das vezes, eu estava fazendo um strip-tease. Na outra, jogando futebol. Mas esse não foi o problema, o negócio é que era para eu passar um mês no gesso, quando quebrei o pé dançando, e fui obrigado a passar quase um semestre. Na data marcada para tirar a bota, voltei ao hospital com minha mãe e a pessoa responsável para autorizar a remoção do gesso tinha faltado. Estava viajando. Voltei depois várias vezes, mas sempre acontecia um imprevisto. Foram quase seis meses para eu tirar o gesso. Depois desse tempo todo foi que conseguiram achar o cara. Parece que tinha feito um estágio nos Estados Unidos. Por isso essa dificuldade grande. Mas consegui tirar. Quando tirei o gesso, fiquei leve... Parecia que ia flutuar. Eu, aperreado, querendo andar e não conseguia. Só fui andar amparado por duas pessoas. Bem leve.

ZONA SUL – A vida prosseguiu normalmente?
O DUENDE – Sim, pelo menos normalmente à minha maneira, né? Eu tinha uns 18 anos nessa época. Voltei a farrear e a freqüentar as festas nos clubes. Eu tinha certo complexo porque o gesso tinha me deixado um pouco traumatizado. Talvez pela demora em retirá-lo. Uma vez, na Assen (Associação dos Subtenentes e Sargentos do Exército em Natal), chamei uma menina pra dançar e ela respondeu que não ia porque não tinha ido com minha cara. Na mesma hora eu insisti: “não tem problema, eu danço de costas”. Mas nem assim ela quis.

ZONA SUL – Esse acontecimento na Assen foi um fato isolado nessas suas andanças pela noite potiguar?
O DUENDE – Que nada, acontecia direto! Uma vez fui para Caicó, para a festa de Sant’ana. Eu já fui pra lá com medo, porque tinham me contado que a cidade era muito violenta. Cheguei em um bar lotado, e quando estava me dirigindo ao balcão para pedir uma cerveja, um cara, sem ver, pisou no meu pé. Na mesma hora pedi desculpas a ele, apesar de a vítima ter sido eu. Ele respondeu: “eu desculpo, mas da próxima vez você tome cuidado!”.

ZONA SUL – Você tinha mais ou menos qual idade nessa época?
O DUENDE – Uns 23 anos. Faz muito tempo. Logo em seguida eu fui fazer faculdade. Fiz três faculdades, só não fiz a quarta porque faltou cimento... Tou brincando. Fiz Filosofia e Letras.

ZONA SUL – O que você aprendeu na faculdade de Filosofia?
O DUENDE – Não aprendi nada, não. Paguei Corredor 1 e 2... Eu só queria mesmo era aproveitar as companhias femininas da faculdade.

ZONA SUL – Soube de algumas histórias inusitadas protagonizadas por você. Por exemplo, o caso de um professor que dava aula toda segunda-feira, às 19 horas. Naquela época o assinante da revista Veja recebia seu exemplar na segunda à tarde. Esse professor, antes de ir dar aula, passava em casa pra pegar a revista. Na sala de aula, pedia pros alunos conversarem baixinho enquanto ele lia. Às vezes distribuía um papel ou outro. Formalmente ele tinha que fazer provas pra avaliar a turma. Geralmente eram chamadas orais. Em uma dessas vezes, aconteceu uma situação bem engraçada com você. Como foi?
O DUENDE – Ele chegou dizendo que ia fazer uma chamada oral. A turma ficou preocupada, já que ele não tinha nem avisado antes. Chamava um por um e, ao final das perguntas, dava a nota. Chegou minha vez. Ele perguntou se eu tinha assistido às aulas dele. Respondi que sim. Em seguida pediu que eu dissesse o que tinha aprendido nas aulas dele. Perguntei se eu podia falar a verdade. Ele disse que sim. Então revelei que não tinha aprendido nada. Como a disciplina era Ética, ele me deu um 9, pela minha sinceridade.

ZONA SUL – Tem outro episódio dessa mesma época sobre um trabalho para ser feito em casa, passado por outra professora da faculdade de Letras.
O DUENDE – Ela deu um tema e pediu para que cada aluno escrevesse qualquer coisa sobre aquele tema. Podia ser uma poesia, um conto, uma matéria, uma crônica... Eu fiz uma matéria. Uma amiga, que estava grávida, disse que não tinha condições de fazer o trabalho e que seria reprovada, repetiria a disciplina no ano seguinte. Eu fiz pra ela. No dia da entrega dos resultados, a professora classificou o trabalho que eu fiz para a minha amiga como o melhor da turma. Minha amiga olhava pro meu lado com uma vergonha... Mas a professora continuou. “Fulana mereceu um 10, porque seu trabalho foi excelente, mas, em compensação, o Duende fez um trabalho que foi o pior que eu já vi até hoje. Vou dar um 5 apenas para não prejudicá-lo”.

ZONA SUL – O que mais você lembra dessa época de faculdade?
O DUENDE – Não de muita coisa. Lembro mais das brincadeiras que a gente fazia mesmo. Várias que não podem ser contadas aqui. Uma vez saímos para um restaurante eu e mais dois amigos. Terminamos de jantar, ficamos bebendo mais um pouco. Nessa época eu não tinha automóvel, então, quando chegou perto de meia-noite, hora em que circulava o último ônibus, fui para a parada, do outro lado da rua. Meus dois amigos ficaram. Quando cheguei na parada, um cara disse que o último tinha acabado de passar. Resolvi voltar. Tinha um box da polícia militar perto do restaurante. O policial, ao me ver falando com meus dois amigos, veio até onde eu estava: “ei, não pode ficar pedindo comida aqui não”, disse ele pra mim. Queria me prender. Mas meus amigos intercederam, revoltados.

ZONA SUL – Essa é a história na qual você e seus amigos terminam presos?
O DUENDE – Sim. Quando começou o bate-boca, um dos meus parceiros deu um soco na boca do PM. Os garçons vieram e a confusão se estabeleceu. Todos brigávamos com todos quando chegaram três viaturas da polícia. Os guardas nos dominaram e trancaram dentro do PM box. De lá de dentro nós desferíamos socos em todos os policiais que tentavam entrar. Mas quando conseguiram nos tirar dali... Não gosto nem de pensar porque o corpo todo volta a doer... Dormimos na cadeia, moídos de tanta pancada.

ZONA SUL – Você concorda com a avaliação que várias pessoas fazem de que você não tem sorte?
O DUENDE – Não. Mas não posso negar que coisas estranhas acontecem. Uma vez estava voltando da praia de Pitangui, de carona com um amigo, em um fusquinha novinho. Já chegando no bairro das Quintas, perguntei a ele se aquele carro nunca tinha dado prego. Quando ele acabou de dizer que não, o carro quebrou. Acho que pelo meu jeito essas coisas acontecem. Uma vez estava passando uma moça bem bonita, eu resolvi tirar o chapéu, para cumprimentá-la. Quando fui colocar de novo o chapéu na cabeça, tinha uma ruma de moeda dentro.

ZONA SUL – Outro comentário que fazem a respeito desse seu azar é que na maioria das vezes ele vem com um atenuante. Por exemplo, no dia em que esse fusquinha quebrou, foi em frente a uma oficina...
O DUENDE – Eu também tive sorte, uma vez. Eu estava em João Pessoa, indo para a Ponta do Seixas, de carona com um amigo que mora na capital da Paraíba. Ele estava com a mulher e os filhos. Fomos parados por uma blitz, no bairro de Tambaú. Um guarda pediu os documentos do carro e os do motorista. Estava faltando pagar o seguro obrigatório. Meu amigo perguntou se tinha banco ali por perto, aquela coisa toda. E o guarda sem querer deixar a gente prosseguir. Foi uma dificuldade. Lá pras tantas, depois de uma meia hora, ele olhou pra mim e perguntou: “você é sobrinho de dona Coló, que mora em Natal?”. Eu confirmei. “Ah, então podem ir embora”. Foi nossa sorte.

ZONA SUL - Mas, nesse caso, parece que a sorte foi dessa tia sua, a dona Coló...
O DUENDE – Esse negócio de azar é coincidência. Uma vez fui ao supermercado com um amigo para comprar uma pizza que estava em promoção. Quando chegou a nossa vez, a balconista informou que tinha acabado naquele instante. Meu amigo, que já sabia desse meu histórico de azar, disse pra ela que já esperava aquilo acontecer.

ZONA SUL – É verdade que você teve problemas com a bebida?
O DUENDE – Problemas mesmo com a bebida quem teve foi um amigo meu. Ele é bem reservado. Pelo menos era, na época em que aconteceu essa história. Tomou umas cachaças grandes e saiu agarrando todas as mulheres que passaram pela frente. Eu nunca tinha visto um negócio daqueles. Tenho a impressão de que ele não gosta nem de lembrar desse episódio. Mas eu também cheguei a beber um pouquinho além da conta, sim, em determinada época da minha vida. Lembro de uma ocasião, um domingo à noite, tudo fechado perto de casa. Só tinha uma venda aberta. Fui lá. Não tinha cerveja, não tinha cachaça, nem vinho... Pedi uma garrafa de álcool. Também estava faltando. Tive que me contentar com um tablete de dropes de uísque...

ZONA SUL – Você falou que pediu uma garrafa de álcool... Teria coragem de tomar álcool puro? O DUENDE – Não!!! Claro que não. Eu estava pensando em tomar o álcool misturado com água e suco de uva, como eu bebi em determinada ocasião com um amigo. O negócio é que pega rápido. A gente termina enlouquecendo ligeiro. Não recomendo. Aliás, desde o dia em que cheguei em casa rebocado, carregado por amigos dentro de um carrinho de mão, que praticamente deixei de beber. Aquela cena foi o fundo do poço.

ZONA SUL – Sério? Aconteceu isso mesmo?
O DUENDE – Sim. Para você ter uma idéia, nessa época eu morava sozinho e basicamente só tinha duas opções de jantar: ou vinho Capelinha com pipoca, ou cerveja com meia dúzia de ovos cozidos. Mas, em determinada ocasião, meus amigos resolveram apostar em mim numa disputa com um professor de educação física que bebia todas. O negócio era ver quem agüentava mais cachaça. Naquela época a Caranguejo era vendida também em meia garrafa, que a gente chamava de “burrinho”. No bar, pedimos dois burrinhos. Um pra mim, outro pra ele. Quando eu estava no quarto burrinho, já estava louco. Meu adversário estava bêbado, mas eu já tinha ficado maluco. De lá fomos para outro bar. Mas eu já não tinha condições mais nem de descer do carro. Eles foram beber. Quando voltaram, viram a cena: eu tinha vomitado em cima das cadernetas de chamada do professor. Ele ficou tão revoltado que me expulsou do carro. Então, meus amigos arrumaram um carrinho de mão emprestado para me levar em casa. Essa foi a história.

ZONA SUL – É verdade que você foi morar no interior para facilitar seu processo de deixar de beber?
O DUENDE – Sim. Fui trabalhar como assistente social em uma comunidade carente. No dia em que eu cheguei lá, Ulysses Guimarães tinha desaparecido naquele acidente de helicóptero. Aquele assunto me atraiu. Pena que pouco tempo depois que eu comecei a assistir o noticiário, a televisão pifou...

ZONA SUL – Você passou quanto tempo como assistente social?
O DUENDE – Não muito. Um dia fui visitar uma família que estava passando sérias necessidades. Levaram-me para um bairro bem pobre. A orientação que eu tinha era preparar um relatório que emocionasse quem lesse. Entrei naquela casa bem humilde. Só tinha um caldo de feijão na panela. Era a única refeição do dia daquela família. Fiquei tão sensibilizado com tamanha pobreza que passei mal e quase desmaiei. Quando eu caí no sofá, passando mal, a mulher correu pra panela e me ofereceu: “tome um caldinho pra melhorar”. Um colega que me acompanhava rebateu na hora: “não dê o caldo a ele não, pois vai acabar o caldo da senhora”. Mas ela insistiu: “deixe ele tomar senão é capaz de não sair daqui vivo”. Ela teve pena de mim. Outra vez fui fazer um trabalho social com uns índios. Quando eu tava me aproximando, eles começaram a atirar pedras. Uma delas pegou na minha testa. Esses índios eram favelados. Eles não gostavam muito de conversa. Depois dessa experiência resolvi experimentar outra profissão.

ZONA SUL – Que profissão escolheu?
O DUENDE – Fotógrafo de uma revista. Certa vez me pediram para fotografar meninos com piolho num bairro de periferia. O repórter já tinha escrito a matéria, mas não tinha levado fotógrafo. Como não conhecia muito bem a cidade, pedi ao motorista que me indicasse um local bem pobre, para eu tirar as fotos. Vi uns galeguinhos brincando e achei legal para ilustrar a matéria. Bati as chapas, voltei pro jornal, entreguei o filme para o laboratorista. Depois que ele me entregou as fotos já reveladas e copiadas, levei para a redação. Deixei na mesa do editor. Enquanto eu conversava com o jornalista, dizia a ele que as fotos já estavam prontas, só ouvi um grito do repórter policial: “o que a foto dos meus meninos está fazendo aqui?”. Por infeliz coincidência, os galeguinhos da peste de piolho eram filhos dele.

ZONA SUL – Você experimentou o ramo da publicidade também?
O DUENDE – Não, mas eu gosto muito. Prefiro aquelas produções meio trashs. Que são baratas, mas criativas. Lembro de duas bem legais. As duas, por coincidência, eu assisti nas minhas viagens pelos quatro cantos do país. Estava havendo muito suicídio no maior prédio de uma cidade. O edifício tinha quatro andares. Então, um publicitário bolou um anúncio e armou tudo para gravar um filme para ser veiculado na televisão. Mas ele queria realismo. No dia da gravação, avisou à imprensa que um cara estava tentando se matar no prédio citado. Esse cara aparentava estar desesperado, e ameaçava pular. Depois de muita confusão, a imprensa toda lá, uma mulher gritou, perguntando ao cara por que ele estava querendo se matar. Ele explicou que a vida não prestava, que estava desempregado e coisa e tal. Ele deu como exemplo da vida não valer a pena o fato de querer pintar sua casa e ter apenas 5 reais no bolso. “Eu vou é pular, não quero entrar o novo ano com a casa suja”, ameaçou. Quando ele ia pulando, a mesma moça que perguntou, que na verdade era uma atriz, disse: pera aí! lá na Sótintas tem uma promoção e o galão de tinta está custando apenas R$ 3,99”. O cara desistiu de se matar e saiu correndo pra garantir o seu galão de tinta.

ZONA SUL – E a outra propaganda?
O DUENDE – A outra era o dono da Só-colchões, que tinha sido preso por estar vendendo barato demais. A concorrência tinha denunciado. A propaganda era dentro de uma cela, na delegacia. Aparecia um repórter imitando Gil Gomes, e perguntava ao empresário por que ele tinha sido preso. Ele respondia que a concorrência estava furiosa e o tinha denunciado por estar vendendo colchão barato demais, a preço de custo. “Pois agora ela vai ficar com mais raiva ainda porque eu dei uma ordem pra baixar mais os preços”. Aí, o imitador de Gil Gomes encerrava com aquela sua voz peculiar: “é louco, esse homem é louco!”.

ZONA SUL – O que mais aconteceu nas suas andanças pelo Brasil?
O DUENDE – Uma vez, ainda na revista que estagiei, faltou um repórter e me mandaram fazer uma enquete quando uma figura importante da cidade foi assassinada. No decorrer da cobertura, certo dia o editor nos chamou para distribuir as tarefas. Ele me pediu que além das fotos eu fizesse também uma enquete. Eu tinha que ouvir as pessoas para saber o que elas achavam: se o crime tinha sido encomendado ou era um latrocínio. Cheguei em uma rua bem movimentada do centro da cidade e fui ouvir a primeira pessoa, uma velha que vinha caminhando na minha direção. Depois que eu me identifiquei, falei que estava fazendo a enquete sobre o assassinato e queria ouvir a opinião dela: se o crime tinha sido encomendado ou se tinha sido latrocínio. “Posso dizer a verdade?”. Eu respondi que podia, claro. “Foi latrocínio, esse cara nunca me enganou”, acusou a mulher. A maioria das pessoas que entrevistei para a enquete acusou latrocínio de ter cometido o crime. Deviam pensar que latrocínio era o nome de um barbudo que estava sendo apontado como suspeito. A enquete deu 7 para latrocínio e 3 para crime encomendado.

ZONA SUL – Você teve outras experiências de emprego?
O DUENDE – Sim. Fui trabalhar numa loja de venda de discos de vinil, ainda não existia CD. Mas não me dei muito bem porque eu não conhecia muitos cantores do Brasil. Um certo dia uma mulher chegou na loja e pediu à outra vendedora um disco de Adilson Ramos, para dar de presente ao seu namorado. A colega, um pouco distante de mim, gritou: "traz Adilson Ramos pra cá'. Eu respondi: "ele já foi embora para o almoço e acho que não volta mais hoje". Eu pensei que Adilson Ramos era um funcionário, jamais imaginava que se tratava do cantor romântico intérprete de grandes sucessos, como por exemplo "Por que não paras relógio".

ZONA SUL – E durou quanto tempo essa experiência?
O DUENDE – Um dia.

ZONA SUL – E sua vida amorosa? Você está apaixonado por alguém?
O DUENDE – Estive, por uma garota. Só que o marido dela vive na colônia penal, o filho está preso no interior e a filha hospedada na delegacia de menores. Só tem ela solta, mas por enquanto. Por isso ta difícil. Foi engraçado quando eu descobri. Um dia perguntei. “Seu ex-marido mora onde?”. “Lá na zona norte”. Eu insisti. “Eu tive até uma namorada lá, ele mora onde?”. “Mora em Santarém”. Eu perguntei de novo. “É perto da colônia penal?”. “É lá”.

ZONA SUL – Lembra de alguma decepção amorosa?
O DUENDE – Antigamente existia um negócio chamado Disque-Amizade. Você ligava para um determinado número e várias linhas se cruzavam. Nem sei se ainda funciona isso. Vez por outra eu usava esse serviço. Uma vez conheci uma moça e terminei gostando dela. Antes de nos encontrarmos, passamos uns cinco dias conversando só por telefone. Eu a conhecia como Tiazinha. Por causa desse nome, desde o começo eu a imaginei comparando com aquela Tiazinha da tv. Deixa que o apelido dela era Tiazinha porque tinha levado porrada e estava com os olhos roxos, parecidos com a máscara que a Tiazinha verdadeira usava. Quando finalmente a conheci, não me controlei “você é quem é Tiazinha?”. “É, você me quer ou não?”. Como fazia algum tempo que eu não namorava, encarei. Acho que até se fosse Feiticeira - não a do seriado, nem a dançarina da TV Bandeirantes, mas uma feiticeira de capa preta e vassoura - eu teria encarado também.

ZONA SUL – Parece que você não tem sorte com as mulheres...
O DUENDE – Pois é, outra vez eu estava em um shopping de Natal, mandando um e-mail em uma lan house, pois a Internet de casa estava com problema. Apareceu uma conhecida. Começamos a conversar e ela me chamou pra tomar uma cerveja. Eu disse que não queria. Então ela propôs que fôssemos na minha casa, pois precisava escrever um trabalho no meu computador. Concordei. Fomos a pé. Ao chegar, ela perguntou: “não tem cerveja pra gente relaxar?”. Eu perguntei se ela não relaxava com café, que era a única coisa que tinha. Ela disse que servia e pediu bolacha também. Só tinha um pacote de bolacha da minha irmã. A moça comeu quase tudo. Sei que eu tava com ela no computador, crente de que ia sair alguma coisa, quando tou me aproximando dela, ela começa a gritar. Ai aiii aiiiii. Por azar, meu sobrinho ia chegando em casa naquele instante. Fechei a porta rapidamente e tampei a boca dela para abafar o grito e ninguém escutar. Ela: “arhhhg”. As pernas subindo. Teve uma hora que não agüentei mais e soltei. Ela gritou e disse que tinha incorporado um espírito. Ameacei chamar os Bombeiros. Nisso ela correu para o meio da rua e caiu. Cheguei e nada do espírito sair. Ele só foi embora quando eu disse à moça que a levaria em casa. Ela entrou no carro, boazinha. No meio do caminho, descobri que estava sem documento nenhum. Disse a ela que teria que deixá-la ali, que ela fosse o resto do percurso de ônibus. Ela perguntou: “e o espírito”. “Espírito coisa nenhuma, se a polícia nos pegar vamos presos eu, você, espírito e quem mais aparecer, ora”. Deixei ela na parada de ônibus. Nunca mais a vi.

ZONA SUL – Qual sua participação no “apagão” ocorrido no governo Fernando Henrique Cardoso?
O DUENDE – Eu estava em Natal, quando um amigo me telefonou dizendo que tinha conhecido uma pessoa que se dizia tão azarada quanto eu. Como eu e a moça éramos solteiros, esse meu amigo queria nos apresentar, mesmo que fosse por telefone. Quando ele passou o telefone pra ela, que eu disse alô e ela respondeu, metade do Brasil apagou imediatamente. Eu lembro bem porque nessa mesma hora o ABC estava vencendo o Grêmio, em Porto Alegre. Quando a partida foi reiniciada, após os refletores terem sido acesos novamente, o Grêmio virou pra cima do ABC.

ZONA SUL – Essa pessoa que falou com você por telefone, em seus dois últimos aniversários fraturou pedaços da perna. Mande um recado de sorte para ela...
O DUENDE – Espero que no seu próximo aniversário você quebre o dedo mindinho... E que apareça aqui em Natal.