domingo, 14 de dezembro de 2008

Entrevista: Makalé

O HOMEM QUE RENASCEU DAS TREVAS



Sidney Seno, Feijoada, Tião Macalé, Makalé. Engraxate, estivador, figurante, ator de cinema, protagonista de shows de sexo explícito, promotor de eventos humanitários. Portador de deficiência visual e ferrenho defensor da chamada Lei Seca, que determina a cassação da carteira de habilitação e a aplicação de multa aos motoristas flagrados excedendo o limite de 0,2 grama de álcool por litro de sangue. Paulista, gaúcho, pauliúcho. Esse é o entrevistado do mês do jornal Zona Sul nessa edição natalina. A conversa foi realizada na Praça da Alfândega, em Porto Alegre, lá no outro Rio Grande, o do Sul. Que a força que Makalé demonstrou quando despertou na cama de um hospital sem a visão sirva de lição para que nós possamos transformar 2009 em início de um novo tempo. Feliz Natal! (Roberto Homem)



ZONA SUL – Como é o seu nome completo?
MAKALÉ – É Sidney Seno. Makalé, com a letra “K”, é o pseudônimo artístico.

ZONA SUL – Você nasceu onde?
MAKALÉ – Nasci na cidade de São Paulo, aos 20 de outubro de 1955. Acabei de completar agora 53 anos muito bem vividos, graças a Deus.

ZONA SUL – Sua família é de São Paulo mesmo?
MAKALÉ – Os familiares do meu pai são italianos. E os da minha mãe são paulistas, de família negra. Minha mãe tinha aquele beiço de negra bem grande. Sou o mascote negrinho da família. O resto é mais claro, com traços de negro. Adoro uma massa, uma lasanha, um espaguete... Tudo que é comida de massa eu adoro. Um pastel muito bem feito... Eu adoro a minha família, adoro o Brasil, adoro ser brasileiro. Sou paulista mas, agora, com muito carinho e com muito amor, naturalizado também no Rio Grande do Sul, com muito orgulho. Há pouco tempo fui chamado de pauliúcho por uma poeta. Mistura de paulista com gaúcho.

ZONA SUL – O que você recorda da sua infância?
MAKALÉ – Graças a Deus eu tive uma infância muito boa. Perdi a minha mãe com um ano de idade, passei a ser criado pela minha avó paternal, Catarina Bonett Seno. Mãe do meu pai. Faleceu em primeiro de abril de 77, vítima de câncer de pulmão, embora ela nunca tenha fumado nem bebido. Ela era minha mãe e minha avó. Todos os irmãos menores e até os um pouquinho maiores foram criados por ela, já que minha mãe morreu cedo. Ela me deu estudo, afeto, carinho e me ensinou a ser uma pessoa honesta, meiga e com disposição para sempre ajudar as pessoas. O que eu sou um pouco hoje eu devo a minha avó. Acho que de algum lugar lá em cima, de alguma estrela onde ela estiver, ela está me olhando, me orientando.

ZONA SUL – Como eram as brincadeiras da sua turma naquele tempo?
MAKALÉ – Carrinho de rolimã era o principal. Soldado-ladrão era outra. À noitezinha a molecada dividia as equipes entre polícia e ladrão e era aquele pega aqui, pega ali, prende, ta preso, ta solto. E também brincava de quebrar vidraça e telhado da casa dos outros. Depois minha avó tinha que pagar. Eu arrumava essas tretas todas. Também mexia com as meninas na praça, na fonte luminosa, no bosque da cidade de Botucatu.

ZONA SUL – Então foi em Botucatu que você passou sua infância...
MAKALÉ – Em Botucatu, São Paulo. Fui criado lá.

ZONA SUL – E na escola? Você foi um bom aluno?
MAKALÉ – Fui. O maior barato foi quando, na primeira série minha, no fim do ano pensei que tinha passado de ano, mas não tinha. Meus colegas todos na fila dos que haviam passado e eu em outra. Foi quando eu soube que havia sido reprovado. Mas depois fui embora até o terceiro ano do ginásio. Fiz exame de admissão no Colégio La Salle, de Botucatu. Às quartas-feiras nós jogávamos bola. Eu era goleiro. Quando a bola vinha para o meu lado eu saltava fora, a bola entrava. Tinha jogador que acho que até hoje quer me pegar, porque eu deixava a bola entrar. Mas foi uma infância muito gostosa, sinto falta. Acho que a juventude de hoje gostaria de ter vivido o que vivi. Era uma infância sadia, não tinha malícia, não tinha violência, como hoje. A coisa era espontânea. A gente queria sair sem problema. Eu usava minha calça curta, calçava sapato novo de domingo para ir à missa na catedral. A cada dez metros que eu andava levantava o pé para limpar a sola do sapato. Hoje em dia não tem nada disso.

ZONA SUL – Você estudou até qual série?
MAKALÉ – Naquela época seria a terceira série, que hoje é a oitava. Sinto falta da aula de francês. Não tínhamos inglês, era francês. Até hoje chego nos amigos e digo “bonjour monsieur”, “bonjour mademoiselle”, “bonsoir”... Lamentavelmente a educação hoje retirou o francês e só deixou o inglês. Eu gostaria muito de pedir ao Ministério da Educação, aos órgãos especializados, que reponham na educação, no estudo hoje em dia o francês. É uma língua muito importante. Claro que o inglês é uma língua importante, mas o francês também é e faz muita falta. É um idioma muito bonito de se pronunciar.

ZONA SUL – Por que você deixou de estudar?
MAKALÉ – Olha, a gente começa a criar idade, a apanhar responsabilidades e aos 18 anos comecei a morar sozinho. Eu havia perdido a minha família, tinha que cuidar de mim. Então parei de estudar e passei a morar sozinho. Trabalhei de engraxate...

ZONA SUL – O seu primeiro emprego foi de engraxate?
MAKALÉ – Foi, na cidade de São Paulo mesmo. Depois passei a trabalhar de ajudante, a fazer um servicinho aqui e outro ali, a carpir quintais, daí fui trabalhar no mercado público ajudando a carregar caixa pra caminhão e assim foi a minha vida. Daí, em 88 eu melhorei. Em 85, aliás. Eu sempre tive vontade de ser artista. Na minha infância eu ia aos domingos ao cinema, de calça curta, com um troquinho no bolso para comprar sorvete, bala, chiclete, distribuir com os amigos. Eu era fã do Tarzan e já pensava naquela época que um dia seria artista de cinema. Eu não sabia o problema que era, a dificuldade que era: eu queria ser artista de cinema. Daí comecei a fazer figuração na televisão.

ZONA SUL – Qual foi sua primeira experiência na televisão?
MAKALÉ – Foi atuar como figurante no programa Os Trapalhões, na extinta TV Tupi. Com o Renato Aragão, Mussum, o Zacarias e aquele pessoal todo. Eu fazia parte do auditório falso, da platéia falsa, que batia palmas e tal. Mas quase não aparecia, entrava mudo e saía calado e ainda gastava o troco que tinha para tomar um lanche no bar do lado. Começava a gravar uma da tarde e acabava meia-noite, uma da manhã, a gravação.

ZONA SUL – Você chegou a ter contato com Mussum, Zacarias, Renato ou Dedé Santana?
MAKALÉ – Não, com eles não. Tive contato depois com o pessoal do SBT, daí fui engrenando, engrenando... Da Tupi fui para o SBT. A primeira cena minha foi no programa do saudoso Jacinto Figueira Júnior, o Homem do Sapato Branco. Eu fiz o papel de bandido metido com tráfico, armas. Foi gravado em São Paulo num galpão lá na Penha. Estava envolvido o Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos, o Garra. O pessoal todo já sabia que era uma gravação. Me deram uma arma, eu gostei tanto que não queria mais devolver o 38. Foi o maior barato. Foi muito bonita a cena. Deu aquela repercussão quando foi ao ar, em um sábado, onze horas da noite.

ZONA SUL – Mas essa cena passou como realidade ou encenação de um caso?
MAKALÉ – Passou como cena real. Eu assaltando. Só que na cena eu estava dormindo no mocó, com esse 38. Daí a polícia chegou, houve tiroteio, fui baleado e saí sangrando. Claro que o sangue não era verdadeiro, nem o tiro. O sangue falso escorreu pela boca, me jogaram dentro de uma viatura do Garra. Terminada a gravação, eu com o revólver na mão não queria mais devolver. No domingo minha família ligou apreensiva querendo saber o que tinha havido. Foi difícil, para mim, explicar que tudo não passava de ficção, de uma filmagem e que não tinha nada a ver com a vida real. Foi uma coisa muito legal. Disso segui em frente. Daí fiz com Wagner Montes um jornal policial, também interpretando o papel de bandido. Só sobrava pra mim papel de bandido. Nunca me viram como astro, como um Sylvester Stallone ou como Arnold Schwarzenegger, que hoje é governador da Califórnia. Tinha também aquele outro que dava um tapa, dava um karatê e virava o pescoço da pessoa. Eles não me viam assim, só no papel de bandido. Você ri, mas é real. Nossa vida era isso aí. Eu adorava. Recebia o cachê e ia gastar no bar da esquina.

ZONA SUL – Esse cachê era muito pequeno?
MAKALÉ – Naquela época era legal. Era trinta, quarenta, cinqüenta cruzeiros. Naquela época era dinheiro. Ia ao boteco da esquina mandava descer cerveja e carne. E eu sempre de olho nas meninas que iam fazer figuração. Sempre saía premiado com uma. Era muito gostoso.

ZONA SUL – Representar o papel de bandido o deixou mais popular entre as meninas?
MAKALÉ – Sim. Mais ainda quando comecei a fazer cinema.

ZONA SUL – Como foi essa troca da tv pelo cinema?
MAKALÉ – Fui trabalhar em um escritório de autônomos de contabilidade e entre eles tinha um cliente dono de uma produtora de cinema em São Paulo, o Jerônimo Freire. Era a Libra Filmes. O nome da empresa era meu signo. Daí, conversando com ele - que era meio nortista, meio acanhadão, meio violento - nesse papo, ele me convidou para fazer parte da produtora dele. Sábados e domingos fazíamos os testes com pretendentes às vagas que oferecíamos em anúncios nos jornais. Quer ser ator, atriz? Venha aqui nos conhecer, fazer um teste conosco. Era uma farra. Eu tinha as guria tudo.

ZONA SUL – Você já foi contratado como ator?
MAKALÉ – Já fui como ator e como professor. Que na realidade eu não era. Mas as meninas não sabiam e estavam tudo na mão.

ZONA SUL – Você foi contratado para fazer qual filme?
MAKALÉ – O filme era para ser rodado em Sergipe, O príncipe da vaquejada. Mas nunca foi rodado. Mas o enredo nosso, tema nosso era muito bonito. Mas o Jerônimo não conseguiu patrocinadores, não conseguiu nada e não teve como rodar.

ZONA SUL – Qual seria seu papel nesse filme?
MAKALÉ – Eu seria um vaqueiro. Já pensou Makalé vaqueiro? Era subir no cavalo de um lado e cair do outro. Vai ver seria muito legal... (risos). Mas, lógico, a gente ia ter treino, ia praticar uns quinze, vinte dias antes. Mas, como esse filme não saiu, depois fizemos um super-8 policial, também eu era bandido. Uma parte foi filmada dentro do meu apartamento no centro de São Paulo, perto do mercado público. Era um edifício enorme, até tinha o nome de Balança Mas Não Cai. Foram filmadas muitas cenas, de sexo e tudo, e depois terminamos com a Polícia, lá na zona norte, no Jardim Peri, em um barzinho que o pai de Neilton Mofarrej tinha. Nós estávamos bebendo, a polícia chegou, na fuga houve um tiroteio e, para variar, Makalé foi para o saco novamente. Caí dentro de uma valeta com um revólver na mão, um copo de cachaça. Mas era uma coisa gostosa. Hoje em dia lamentavelmente não temos mais.

ZONA SUL – Esse era um filme pornô ou apenas tinha cenas de sexo?
MAKALÉ – Ele tinha cenas de sexo mas era mesmo um filme policial. Até vou ficar devendo o nome. Mandamos revelar o filme, que era super-8 e depois não tivemos dinheiro para retirar. Até hoje deve estar no laboratório. Pra ver como eram as dificuldades há vinte anos.

ZONA SUL – Foi a partir daí que você começou a trabalhar com cinema pornô?
MAKALÉ – Foi. Eu conheci um camarada que inclusive até hoje ainda não pagou meus direitos. Entrei na justiça contra ele aqui no Rio Grande do Sul, por isso que eu vim para Porto Alegre. Seu nome verdadeiro é Sady Plauth, mas seu nome artístico é Sady Baby. Um louro, gaúcho de Erechim. Era dono das Produções Cinematográficas Sady. Eu era cenógrafo, diretor de produção e coreógrafo. Eu era tudo. Depois dele, era o Makalé. Na época meu nome artístico era Feijoada. Fazíamos filmes no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo. A sede era em São Paulo. E ele sempre enrolando. Chegava o fim de semana ele dava um cheque de 40, 50 ou 60 cruzeiros. A gente subia contente, que tava com um dinheirinho pro fim de semana e tal. Chegava o dia de pagamento ele não pagava também os direitos nossos: INPS, Sindicato, décimo-terceiro, ele nunca pagava, férias... Mas eu tava lá com ele, eu achava que tava numa boa. Até que tivemos um desentendimento aqui em Porto Alegre no Cinema Lido, onde nós trabalhávamos, e daí eu deixei ele. Eu gostava de beber. Ele não, nem fumava. Então ele aproveitava esse dom de eu gostar de beber e ele me enchia de bebida. Pra que eu fizesse tudo o que eles queriam. Na estrada ele parava o ônibus, comprava litros de bebida pra mim, me fazia beber. Quando tinha algum problema, ele me largava na estrada e ia embora. Ele não queria saber onde era, se Rio Grande do Sul ou São Paulo. Me largava no Paraná, em Santa Catarina. Me largava na estrada. Falava: “você bebeu, você encheu a cara, você ficou bêbado, se dane”. Ele tinha essa atitude e tem até hoje. Daí ele perdeu as ações todas na justiça do trabalho, na justiça comum, hoje daria mais de um milhão e meio de reais. Ele arrumou testas de ferro pra colocar os bens em nome dessas pessoas e entrou na justiça como se estivesse falido. Até hoje não recebi um tostão dele. Mas eu sei que um dia ele vai pagar. Não pra mim, mas pro homem lá de cima ele vai pagar. Mas ele me deve muito dinheiro. É muito triste isso aí.

ZONA SUL – Qual foi o primeiro filme pornô que você fez? Como foi a experiência?
MAKALÉ – Emoções sexuais de um cavalo.

ZONA SUL – Esse filme é famoso...
MAKALÉ – Deu muito dinheiro... Pra ele! Pra mim não deu nenhum. Pra mim deu dor de cabeça, problema. Não foi difícil fazer o filme. Ele chegava e dizia: “o roteiro é esse aqui, quer tomar um whiskynho antes?”. Whisky é modo de falar, era cachaça mesmo. Daí eu me empolgava. Mas sempre na cena eu me ferrava, porque sempre acontecia alguma coisa de errado com o bandido que seu eu tivesse no papel são eu não deixava o cara fazer aquilo que tava fazendo. Eu tive cena de a mulher chegar, tirar a roupa e mijar em cima de mim. Pra ele foi ótimo. Ele pôs na tela e tal. Quando vi fiquei sem acreditar que aquilo tinha acontecido comigo. Ele me chapava antes. Fizemos uma cena de assalto, eu era bandido, daí eu ficava encurralado dentro de uma peça, numa choupana, e o pessoal de fora botava fogo. O bandido era eu e me queimou de verdade. Olha, eu tive que ir pra pronto-socorro procurar atendimento de madrugada. Ele me deu, na época, vinte reais e mandou-me comprar uma pomada e passar. A roupa chegou a grudar, da queimadura. Por um triz eu não morri de verdade. O fogo devorando tudo e eu gritando, socorro, socorro! E ele dizendo que eu estava dando vida pra cena. Não era, eu tava mesmo sendo queimado vivo com a roupa de amianto frio, mas que não era uma roupa de boa qualidade. Vazou a gasolina dentro, até que na hora uma menina falou que eu estava me queimando de verdade. Foi quando apagaram o fogo. Mas tive uma parte muito boa, que eu passei a ser um tipo de freelance no programa da Hebe Camargo. Ali sim eu fiquei realizado. No fim do programa eu ia tomar cerveja com ela, ganhava brinde... Cachê eu não tinha, mas a câmera sempre dava close em mim. Aquilo me satisfazia bastante. As pessoas comentavam que tinham me visto no programa da Hebe.

ZONA SUL – Você ficava na platéia?
MAKALÉ – Sim. Mas na realidade eu era um contratado. Às vezes Hebe dizia: “o moreninho ali venha tomar cerveja comigo”, e tal. “O moreninho ali vai ganhar um pernil”. Claro que eu não podia ir toda semana, pois ficava manjado. Mas passava um mês, dois meses, eu voltava. Fui crescendo bastante e depois quando era para pegar o pique do auge mesmo, em 1992, no dia 13 de novembro, eu bati com o carro e fiquei cego.

ZONA SUL – Você estava voltando de onde?
MAKALÉ – Eu tinha acabado de fazer um show erótico em uma boate, em São Paulo, no Vagão Plaza, daí fui levar um colega até a casa dele atrás do aeroporto, e bebendo bastante, dirigindo, acabei dormindo ao volante, e acabou acontecendo esse acidente. Era uma sexta-feira 13. Perdi a visão total, meu amigo e empresário ficou lelé da cuca. Deu problema na mente dele. Hoje estou nessa vida, trabalhando em prol da sociedade, das pessoas portadoras de deficiência... Que hoje em dia nem chama mais assim, o correto é portadoras de necessidades especiais. Eu briguei muito por isso, porque deficientes todos nós somos: enxergando ou não, andando ou não. O rico depende do pobre, o pobre do rico. Fiquei feliz com esse novo nome.

ZONA SUL – Antes de prosseguir nessa sua nova fase, vamos voltar um pouco e falar sobre esses shows eróticos.
MAKALÉ – Você gostou da parte do show erótico, né? Eu viajava pelo Brasil quase todo.

ZONA SUL – Como você passou a participar desses shows?
MAKALÉ – Através dessa produtora de cinema do Sady, ela viajava fazendo shows de sexo explícito. A gente se apresentava nos cinemas, fazia dois dias em uma cidade, três em outra e seguia viajando. Eu ia na frente fazendo a ponte, enchendo a cara, ia no juiz, pedia alvará, ia no Juizado de Menores e tudo. A gente fazia aquela festa na cidade. Fizemos muita festa em Porto Alegre. Quem não gostava quando vínhamos aqui para o sul era um grande amigo meu, um grande homem na política nacional, um grande homem do Senado Federal, o senador Sérgio Zambiasi. Quando chegávamos em Porto Alegre ele falava assim “os malfeitores chegaram”. Ele não aceitava, metia o pau em nós.

ZONA SUL – Você não só fazia a parte administrativa, mas também era ator...
MAKALÉ – Também era ator. Era o toma lá dá cá. Todo dia tinha sessão. De manhã a gente dormia até tarde, fazia almoço... Eu era o responsável pela alimentação do pessoal. Depois das duas horas estava aquela fila no cinema para ver o sexo explícito. À noite, quando a gente terminava o show no cinema, ainda ia fazer shows em boates. “O casal 20 de São Paulo”. Fazíamos no cinema quatro sessões.

ZONA SUL – Você conseguia “representar bem” em todas essas sessões?
MAKALÉ – Olha, eu falhava em algumas (risos). O público rachava o bico. Quando falhava, tinha que sair de cinema e funcionava um outro esquema: entrava outro ator na parada. Agora o que eu achava mais gostoso era a fila do gargarejo. Quando você estava naquele auge mesmo, não podia soltar o teu prazer na mulher, tinha que fazer fora. Daí você mirava para a platéia. Era um corre-corre danado na fila do gargarejo. No escuro ainda...

ZONA SUL – Nessa vida você deve ter conhecido muitas mulheres bonitas...
MAKALÉ – Com certeza. Contracenei com muitas mulheres bonitas. No sexo explícito se a guria não for bonita não tem público. Muito velha também não dá ibope.

ZONA SUL – Chegou a acontecer de, depois de alguma apresentação, alguma mulher ir procurá-lo?
MAKALÉ – Mulheres e casais também. Esperavam na saída. O marido chegava e dizia: “quero contratar você para fazer isso, isso e isso com minha mulher e eu nem vou olhar, só vou lhe pagar”. Tinha esse problema também. E ele realmente só ficava olhando, enquanto eu ganhava o meu cachê. Ele pagava e dizia: “a partir desse momento eu não lhe conheço, você não me conhece e tamos conversados”.

ZONA SUL – Você chegou a se apresentar em Natal?
MAKALÉ – Não. Nos apresentamos no Rio de Janeiro, em São Paulo, quase todas as cidades do Paraná. Em Balneário Camboriú tinha uma casa noturna chamada Soltando a franga, que tem até hoje. Também nos apresentávamos na casa de Mário Haus, que era uma casa de travestis, mas todos eles artistas, faziam shows excepcionais. Como fazem até hoje, tanto é que os argentinos quando vem na temporada eles fecham o Mário Haus em Balneário Camboriú para suas festas. A gente fazia o espetáculo de sexo ao vivo, pra dar um tchan neles e depois saíamos fora. E eles continuavam com o show normal de strip-tease, essas coisas.

ZONA SUL – Em algum desses shows de sexo aconteceu algo pitoresco ou engraçado?
MAKALÉ – No Paraná, acho que em Paranavaí ou outra cidade, na hora eu não funcionei e um cara do auditório começou a me desafiar. Eu disse: então vem. Ele subiu no palco e até que começou bem, mas terminou mal. Ele não conseguiu resistir à tentação e o povo todo gritando, ele também deu pra trás. Daí foi aquela vaia, aquela risada. Porque quem ta de fora é fácil, mas pra quem ta na ativa fica meio difícil. Foram dois, e a guria ficou ali à disposição deles. Na hora chegaram brabos, violentos, com o mastro todo lá, desfraldando a bandeira. Chegou a hora o mastro caiu do palanque, a bandeira caiu. Daí foram embora, não esperaram nem terminar o espetáculo.

ZONA SUL – Como você recebeu a notícia de que tinha perdido a visão?
MAKALÉ – Foi muito fácil. Foi assim: acabei de sair do espetáculo erótico de uma boate de São Paulo. Eu tinha um automóvel Del Rey zero, cor de vinho. E ao lado da boate estava havendo inauguração de uma casa de batidas. Aqui no Rio Grande do Sul batida, pra nós, é suco. Mas lá em São Paulo não, leva cachaça. Experimentei um golinho daqui, um pouquinho daquela ali e já fiquei assim. Um amigo me pediu pra eu levá-lo na casa de sua irmã, para eu conhecê-la, isso o meu empresário. Tirei o carro, ele subiu, no meio do caminho parei num bar pra comprar cigarros e tomei uma meia cerveja. Naquela época tinha garrafa de meia cerveja, da Antarctica. Depois pedi mais uma dose de uísque. Peguei o carro e fui embora. Parava nos sinais direito, quando via que não tinha ninguém eu passava para evitar assalto. Isso em 92. Cheguei na casa dele, tomamos mais uma dose de uísque e fomos embora. Comecei a sentir sono. Na hora em que entrei na Avenida Washington Luís, dei uma freada, passou um ônibus da CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos). Fui atrás, daí eu dormi. Só sei que quando vi subi num canteiro central, bati num semáforo ali onde bateu o avião da TAM, que infelizmente matou 199 pessoas, entre os quais muitos gaúchos. Capotei três vezes e foi fatal. Pra me tirarem do carro teve que vir um helicóptero de salvamento, um Águia e serrar o carro. Na hora fui dado como morto, mas estava vivo. Fizeram o tratamento, entrei em estado de coma três vezes, mas fiquei bastante debilitado. Quando eu voltava do coma eu ficava muito nervoso, brigava com os enfermeiros e eles me chamavam de qualquer nome. Na hora do acidente, tem aquele pessoal que diz que vem ajudar, mas se aproxima pra roubar. Levaram meus documentos, cordão e pulseira de ouro, carteira, dinheiro. Então eu fiquei como um bandido. Negrão. No nosso país tem isso. Eles falam que não, mas tem, a discriminação racial. Negrão, bêbado e de posse de um carro zero quilômetro de marca, é ladrão. Até que depois de uma semana quando descobriram quem eu era, viram que não era nada disso. Mas aí eu já estava ferrado. Depois passei por quatro cirurgias, entre as quatro duas cirurgias plásticas no rosto, eu tinha ficado bastante deformado. Quebrei o maxilar todo, o nariz, tenho o nariz defeituoso até hoje, e cego. Não quebrei costela, não quebrei perna, não quebrei nada mais.

ZONA SUL – A pancada foi toda no rosto...
MAKALÉ – O problema foi todo no rosto. Sinto uma dor no peito até hoje, uma seqüela do acidente que ficou, mas não quebrou. A fratura foi no rosto mesmo. Tive duas paradas cardíacas na mesa de cirurgia e uma no quarto e daí a psicóloga veio falar comigo: “olha, eu tenho uma coisa triste para falar com você”. Eu respondi logo que ela não precisava falar que eu ia ficar cego. “Como é que você sabe?” Eu disse que já imaginava. “E como é que você vai fazer”. Vou sair daqui, por uns óculos escuros e freqüentar uma escola de cegos. Ela falou que era obrigada a tirar o chapéu pra mim. “Aqui não é o programa do Raul Gil, mas vou tirar o chapéu pra ti”. Daí estudei, fui para escola de cegos em Santos, minha irmã me levou para morar um tempo com ela e me pôs no Lar das Moças Cegas, de Santos. Onde também aprontei um monte. Depois de cego continuei aprontando.

ZONA SUL – Aprontando como?
MAKALÉ – Namorando as gurias escondido dentro da escola, até que a mestra pegou a gente aos beijos e abraços, dentro do refeitório. Eu já estava a ponto de ser expulso. A dona lá queria me mandar embora. Mas como eu era um bom aluno e tudo... Eu gostava de namorar, contar história, contar piada. Comecei a aprender piano lá mesmo. Mas foi muito legal. Depois consegui, através de uma colega do Zero Hora, consegui aqui em Porto Alegre ir para o Lar da Amizade, coordenado pela senhora Adolfina Quaresma, no bairro de Ipanema. Fiquei um bom tempo ali também, mas também encrenquei com ela. Eu queria ter um ritmo de vida, ela queria que eu seguisse outro. Ela queria que eu seguisse as leis lá do lar dela, mas não estava legal para mim. Eu queria mais liberdade e ação e ela não me dava essa oportunidade. Daí ela também começou a falar umas coisas que não era e acabei saindo de lá. Somos muito amigos até hoje, ela já me convidou várias vezes para a diretoria, mas eu sempre saio fora. Ela tem um ritmo de trabalho um pouco mais apertado que não combina comigo. Na associação que estou hoje, a Associação de Cegos Louis Braille (Acelb), eu faço parte da diretoria já há doze anos e com toda liberdade.

ZONA SUL – Por que você trocou São Paulo pelo Rio Grande do Sul?
MAKALÉ – Por causa desse problema da ação na justiça contra Sady Baby. Como entrei na Justiça em Porto Alegre, mudei para cá para acompanhar o processo. O Sady tentou mandar me matar. Saiu no Zero Hora aqui toda a reportagem. A primeira audiência nossa no Ministério do Trabalho foi registrada pelo Zero Hora. “Confusão no mundo do sexo explícito”. Ele é safado, pilantra. Ele não aceitava perder uma causa ou perder dinheiro. Em qualquer momento ele não aceitava perder. Ele achava que pagando alguém pra ele seria a melhor maneira possível. Eu enxergava ainda quando ele mandou me matar. O rapaz veio com um chequinho dele do Banco Europeu, na época, mas eu descobri. O caso foi para o 1º Distrito Policial de Porto Alegre e ele parou com isso. Mas ele arrumou pessoas que depusessem contra mim. Consegui me aposentar mesmo ele não recolhendo meu INSS, meu Sindicato. Tudo que eu tinha direito nas leis trabalhistas ele não pagou. Mas através da Justiça consegui provar que eu tinha trabalhado pra ele. Me aposentei, sou aposentado até hoje. O dinheiro é pouco, mas pago meu aluguel.

ZONA SUL – O que você acha da chamada “Lei Seca”?
MAKALÉ – Se em 1992, no dia 13 de novembro, ela estivesse em vigor, talvez hoje eu não estivesse aqui falando contigo. Porque eu não teria batido meu carro, não teria ficado cego, nem deixado meu colega xarope, lelé da cuca. Porque eu bebi tudo o que tinha direito de beber, dormi ao volante do carro, causei esse caos todo, dei prejuízo até pro município, quebrei semáforo, luminária, estraguei metrô e um monte de coisa. O dinheiro que eu tinha indenizei esse meu amigo, mas sei que não foi suficiente. Hoje vivo na dependência dos outros. A Lei Seca veio até tarde. Ela deveria ter vindo antes. Ainda hoje, lamentavelmente, no Rio Grande do Norte não sei direito, mas aqui muitos casos ainda temos de pessoas que bebem e pegam o automóvel. Recentemente um funcionário da EPTC (Empresa Pública de Transportes Coletivos) de Porto Alegre, que cuida do tráfego, foi pego completamente alcoolizado com duas garrafas de vodca dentro do carro, furando barreira policial desde a rodovia federal até o centro de Porto Alegre. Num automóvel Honda Cívica que até hoje não sabem como um funcionário municipal de trânsito estava com aquele carro importado. Com vodca caríssima, garrafa vazia, cheia não tinha. Fora esse, muitos outros casos. A cada segunda-feira os jornais de Porto Alegre noticiam sete ou oito casos de acidente causado por alcoolismo. Têm muitas pessoas que não têm consciência. Gostariam muito que tivessem pra não se tornarem hoje um Makalé como eu. Não tirando os meus valores, as coisas boas que guardei. Mas digo no problema, na área da deficiência. A deficiência é muito triste. Sou feliz como cego, até. Se você falar pra mim “quer voltar a enxergar?”, não vou querer. Assim não vou poder enxergar as coisas ruins que acontecem no nosso país hoje em dia. Mas eu não gostaria de ver mais pessoas deficientes, seja auditiva, visual, paralítica causado pela bebida alcoólica. Sou obrigado a cumprimentar o governo federal, o autor da lei. Deveria ter feito há muito tempo. Tem mais. Ela deve ser mais rígida. O brasileiro quando você mexe no bolso dele ele sente. A lei ta muito devagar. 900 pila pra mim é dinheiro que ganho 415. Mas acho que uma multa de 1.500, dois mil reais acho que vamos melhorar pelo menos 60% diminuir os acidentes causados por bebida alcoólica.

ZONA SUL – Quais as principais dificuldades que um portador de deficiência visual enfrenta?
MAKALÉ – Dia 13 de novembro fiz 16 anos de cegueira. A pessoa cega ela tem as condições de fazer tudo o que ela quer. A deficiência nossa, você quer atravessar uma rua e tem uma pessoa do teu lado, ela te olha e vai embora. Na cabeça dela ela pensa: ele é cego, por que não arruma uma pessoa pra andar com ele na rua? Ele que se vire. Mas tem os que vêm e te ajudam. Na minha casa tenho minha mulher que sai de manhã pra trabalhar e chega à noite. Arrumei uma moça pra limpar a casa. Ela acabou limpando diferente. Levou toda a roupa da mulher, levou coisas minhas. Fez uma limpa geral. Isso aí não foi uma, umas três fizeram isso. Aproveitam que você não enxerga e está sozinho. Na tua casa ela não faria isso, na minha ela faz. Temos ainda bastante problemas, discriminação, por exemplo. No Brasil a deficiência, seja ela qual for, é discriminada. É a mesma coisa com a cor. Falam que não discriminam a raça negra, mas discriminam.

ZONA SUL – Investir na educação, então, seria algo que poderia ser feito em benefício dos cegos...
MAKALÉ – Sim. Até tentam fazer. Mas as pessoas não assimilam. Se eu falar que o governo não tenta, vou mentir. Porque faço parte de conferências, monte de atos mas as pessoas que enxergam não comparecem. Eles nem ligam. O próprio deficiente discrimina o deficiente.

ZONA SUL – Na área, por exemplo, de transporte público, o que poderia ser melhorado?
MAKALÉ – O respeito das pessoas. Isso é batido muito. Em Porto Alegre o prefeito Fogaça reservou um lugar para deficientes nos ônibus. Daí entram aquelas pessoas que não querem pagar a passagem, sentam no banco da frente e ficam ali. Entra o cego, ele faz de conta que não viu, que está dormindo ou se passa por cego. O cego fica de pé. Outros falam: “lá atrás tem lugar”, ao invés de ele ceder o lugar para o cego e ir lá para trás. Esses desrespeitam. Na travessia, as pessoas ficam do teu lado, vão embora, te largam. A juventude, as moças, por exemplo, vão embora. Agora se eu fosse garoto 25 anos, olhos verdes e de brinquinho, elas me carregavam no colo. Mas as crianças tem o maior prazer e carinho. Quando chego perto da minha casa, as crianças da rua correm pra me buscar. O Breno, de três anos, já pega na minha mão e pergunta se vou pra minha casa ou pro bar da frente. Com isso já perco um Babalu ou um pirulito pra ele. Minha filha, também com três anos, fui candidato a vereador em Porto Alegre, pelo PMDB, a Daira, ela fez campanha comigo. Mostrava buraco. Teve uma época que quebrei a perna, ela saia comigo e minha irmã teve que botar uma faixa branca na perna dela porque ela queria me imitar. Um cabo de vassoura na mão e a perna enfaixada pra fazer que era gesso. Já o adulto te ignora, acha que o lugar do cego é dentro de casa ou então andar na rua com um acompanhante. Não devia ser assim: todos nós temos nosso direito de ir e vir. Muita gente quer nos tirar esse direito. Por esse direito de ir e vir vou brigar até os últimos dias da minha vida.

ZONA SUL – Você teve quantos votos como candidato a vereador?
MAKALÉ – 710. Me elegeria com 3 mil. Os próprios deficientes visuais não votaram em mim. Porto Alegre tem um número bem alto de cegos. Por eles eu seria eleito. Você vai ficar surpreso, mas a discriminação do cego para o cego e por eu ser paulista. Eles não se conformam de um cego paulista. Teve um cego que recentemente eu tive que processá-lo. Eu participava no rádio e ele sempre depois entrava me xingando, dizendo que meu lugar era em São Paulo. Nem conhecia minha vida. Ouvia eu entrar no rádio e logo em seguida entrava pra esculhambar comigo. Me chamava até de mentiroso. Por exemplo. Eu faço uns eventos e pra ficar bonito o convite eu botava Makalé Produções e Eventos. Ele ficou três dias gastando dinheiro de táxi pra verificar na Junta Comercial se existia Makalé Produções e Eventos. Ele viu que não tinha, foi para a rádio, no ar, dizer que a empresa não existia, que eu era um Pinóquio, me chamando de mentiroso. Ligava pra Associação dizendo que ela tinha que me mandar embora porque eu era mentiroso, isso e aquilo. Até que não agüentei mais e entrei com uma ação judicial por perdas e danos, pedindo indenização. Até deixei indenização pra lá. Só pedi uma coisa ao juiz que Luiz Cláudio Abreu me respeite e quando eu participar no rádio ele esqueça que participei, como eu o ignoro também. Nos almoços de solidariedade que faço todo mês, se forem dois ou três cegos é muito. O resto é pessoa de visão normal.

ZONA SUL – Qual o objetivo desses almoços?
MAKALÉ – Faço o almoço dos amigos do Makalé. Não tem ingresso. Não obrigo ninguém, mas peço que cada um leve um quilo de alimento não perecível para eu doar ou para a Casa Lar do Cego Idoso, como geralmente eu faço a doação com a presença da diretoria da entidade, ou dou para outra entidade, seja ela qual for a área da deficiência. Eu não tenho lucro nem benefício nenhum. Pelo contrário, as vezes tenho despesa pagando almoço pra um, dois, três, quatro. Perdi um grande restaurante onde eu fazia almoços, a Churrascaria Quintinos porque tinham pessoas que além de não levar o alimento, não gastar em algum consumo dentro da churrascaria, ainda levavam dentro de uma sacolinha plástica escondida. Até que daí o proprietário é super-amigo meu da entidade, faz anúncio no jornal da entidade até hoje, me ajudou no evento do meu aniversário financeiramente, com o som e tudo. Mas disse que lá não dá. Ele arranja mil e uma desculpas, que o restaurante está lotado e tal. Mas eu sou esperto e sei.

ZONA SUL – Você falou que não é louro, não tem os olhos verdes, mas...
MAKALÉ – Mas tenho amigas que chamam “meu moreno dos olhos verdes”. Eu falei que ia colocar uma prótese de olhos verdes, mas não pus ainda porque não tenho money. Há dois anos atrás era 3 mil, agora deve estar uns seis. Eu ganhando 415 reais por mês... Mas a vontade é colocar uns olhos verdes.

ZONA SUL – Você me falou que fazia muito sucesso entre as mulheres. Qual o segredo?
MAKALÉ – Modéstia à parte... Talvez por eu ser considerado e ser muito espontâneo, eu gosto de contar piadas e fazer charadinhas. Isso aí foi criando um grande vínculo meu com as meninas, com as pessoas, com as gurias e tudo. Até hoje tem pessoas que jura, você não vai acreditar, pode por no jornal, que eu sou pedófilo. Dizem que Makalé só gosta de guriazinha, que sou pedófilo, e é mentira. Nunca tive caso com criança. Se alguém, algum vizinho tiver visto algum dia que levei uma criança na minha casa, eu quero que chegue, abra o livro e fale que eu sou pedófilo. Hoje duas gurias, quando saí de casa e cheguei no sinaleiro, 12, 13 anos, “seu Makalé”, chegam me abraçam, me beijam, são minhas vizinhas. Eu estou no bar me dá beijo. Já acham que estou assediando as gurias. Então é uma coisa muito triste. Como sou uma pessoa muito popular, alguns acham que sou pedófilo. Eu gosto de andar com meninas bonitas, meninas novas. A mãe dos meus filhos tem 49 anos. Tenho uma filha com 30 anos que me ignora. Depois que fiquei cego, me ignora. O meu filho de 23 anos depois que fiquei cego também me ignora. Mas em compensação a minha filha de 10 me adora.

ZONA SUL – Sua atual companheira é bem mais nova que a mãe dos seus dois primeiros filhos...
MAKALÉ – É a minha paixão. Meu pezinho de beija-flor. Ela começou como minha assistente lá no Sarandi, onde eu morava, depois teve um desentendimento com os pais, saiu de casa, se complicou, daí ela me procurou. Dei todo apoio. Estamos morando juntos há três anos. Ela tem 19 anos hoje, é geminiana, o nome dela é Vanessa. Ela é arrogante, é prepotente. Não vai aos meus eventos porque têm ciúmes das tias me abraçarem. Sempre dá desculpa. Ela trabalha e tudo direitinho. É uma pessoa que não me explora, tem a vida dela, ganha o dinheiro dela. Quando precisa de alguma coisa extra ela me pede, mas não é aquela pessoa que exige nada. Se eu falar que não posso dar, ela aceita. Não obrigo ela a nada, como ela também não me obriga a nada. A gente vive muito bem. Claro que, como em todo casal, temos algumas discussões. Quando ela está na TPM é um pouco terrível. Mas é uma gata linda que adoro. Ela é morena, mas pinta o cabelo de louro. Então a chamo de minha lagartinha loura. O pezinho a coisa mais linda. Faço massagem todo dia. Passo creme. Ela fala: “esse homem não tem jeito”. Daí as pessoas ficam com ciúmes. Tenho amigos que falam assim: “Makalé negrão, cego, sem dente, sem dinheiro como é que consegue essas gatas lindas maravilhosas passeando pra lá e pra cá no shopping, na Assembléia, na Câmara?”. Mas acho que cada pessoa tem um imã que atrai os outros. Eu tenho isso. Tenho amigas de todas as idades que me adoram. Alguns de cabeça poluída é que confundem essa amizade com algo mais. E não é nada disso. Até porque tenho uma filha com dez anos, a que falei, e o que não quero pra ela não quero para as outras. Cheguei até a fazer campanha de produtos pra crianças recém-nascidos, fraldas, pra duas gurias que estavam gestantes em frente à minha casa, de 14 anos. Ao invés de estar brincando com boneca estavam carregando um filho. E os caras fazem o filho e caem fora. Fiz uma campanha, consegui bastante roupinha, fralda, coisas pra dar banho. Talco, óleo Johnson. Não cobrei um tostão e ainda dei do meu bolso. Isso é que me faz feliz, poder ajudar as pessoas. E por ser paulista, morar no Rio Grande do Sul poder ajudar os gaúchos carentes como eu. Só que felizmente Deus me deu o dom de, mesmo cego, poder ajudar as pessoas que mais precisam. Eu preciso também, mas faço o possível para ajudar quem está mais necessitado ainda. Me sinto muito feliz com isso.

ZONA SUL – E o apelido Makalé, como surgiu?
MAKALÉ – Foi do cinema. Você lembra do saudoso Tião Macalé? Antes o meu nome artístico era Feijoada. Daí um diretor de fotografia da Sadi Produções disse que como eu estava sem dentes, eu tinha que trocar o apelido Feijoada por Macalé. Eu não quis aceitar, argumentei que Tião Macalé me processaria. Mas eles conseguiram uma autorização do próprio Macalé para eu usar o nome. Ele concordou e disse que até seria um prestígio. Só que logo em seguida ele faleceu e fiquei no início Tião Macalé. De um ano e meio pra cá eu passei a usar o Makalé com K.

ZONA SUL – Deixe uma mensagem para o leitor do Zona Sul.
MAKALÉ – Quero deixar um grande abraço e fazer um pedido: as pessoas que bebem, eu também gosto de beber até hoje. Mas façam assim: quando for dirigir, não bebam. Se forem beber, não dirijam. Pra vocês não serem mais um Makalé da vida. Não por que ser cego é ruim. Temos bastante prioridade e ajuda, mas o importante é você ser uma pessoa feliz, normal, sem nenhum tipo de necessidade especial. Ainda mais quando essa dificuldade foi causada pelo alcoolismo e através do volante. Vamos colaborar com essa Lei Seca. No início a gente acha que é ruim, mas se a gente pensar bem, vai ver que é uma coisa necessária. A nossa família nos deixa sair e quer que a gente volte feliz e não voltar deficiente, paralítico ou cego. Então, se beber não dirija, e se for dirigir, não beba, e lei seca para sempre.