quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Entrevista: Zeca Brasil

AS BODAS DE PRATA DE ZECA BRASIL EM NATAL

Essa entrevista foi uma sugestão do artista potiguar Dudé Viana, a quem ficam aqui o agradecimento não apenas pela dica, mas, sobretudo pela amizade. Eu já possuía na minha coleção o primeiro disco de Zeca Brasil, Identidade. Mas não o conhecia pessoalmente. Eu e os jornalistas Costa Júnior e Roberto Fontes conversamos com Zeca no restaurante Veleiros, na estrada de Ponta Negra. Ele contou toda sua trajetória, desde a época em que teve que fugir de casa para deixar de ser surrado pela irmã, até a chegada em Natal. Há 25 anos morando na cidade, Zeca construiu uma importante carreira artística e é um legítimo representante da música popular potiguar. Com vocês... ZECA BRASIL!!! (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – Como é o seu nome, Zeca?
ZECA – Zeca Brasil.
ZONA SUL – Mas seu nome é esse mesmo?
ZECA – Se eu disser o outro, ninguém conhece. Hoje meu nome é Zeca Brasil. Nem adianta dizer que é José Camões Marques. Se fizer isso, vão perguntar: quem é esse cara? Ninguém conhece.
ZONA SUL – Onde nasceu José Camões Marques?
ZECA – Em Pinheiro, no Maranhão, em 1962.
ZONA SUL – Como você não usa bigode, não deve ser parente de Sarney...
ZECA – Não, de jeito nenhum, mas Sarney é lá da minha cidade. A família dele é oriunda de Pinheiro. Durante muito tempo fomos obrigados por nossos familiares a sentir respeito por Sarney. Era como ocorria aqui no Rio Grande do Norte com os Alves e os Maia. Quando cheguei a Natal, em 1984, quem não era “bacurau”, era “arara”. No Maranhão, a disputa era entre Sarney e Epitácio Cafeteira.
ZONA SUL – Hoje os dois são aliados políticos.
ZECA – É verdade. Mas graças a Deus não tenho nenhum parentesco nem com um nem com o outro. Sinto-me bastante decepcionado com toda a sujeira que vem sendo divulgada pela imprensa. Lógico que não é só o Sarney. Mas isso tudo envergonha o Brasil.
ZONA SUL – Você saiu de Pinheiro para São Luís ou seu destino foi outro?
ZECA – Saí para a capital do Maranhão quando completei 11 anos. Fugi de casa porque apanhava da minha irmã mais velha.
ZONA SUL – Você não morava com os seus pais?
ZECA – Quando nasci, meu pai separou-se da minha mãe. Nos meus seis anos, ela faleceu. Éramos nove irmãos, alguns casados. Morei um tempo com a minha irmã, que era casada. Às vezes brigávamos, mas eu levava a pior sempre. Então fugi de casa. Fui morar em um pensionato e comecei a trabalhar aos 11 anos. O fato de nunca ter parado de trabalhar me orgulha muito.
ZONA SUL – Como você conseguiu chegar na capital com apenas 11 anos de idade? Você pelo menos tinha o dinheiro da condução?
ZECA – Um irmão meu tinha morado em São Luís. Ele já tinha se mudado para o Rio de Janeiro, mas deixou amizades na capital. Um deles era um jogador de futebol do Maranhão Atlético Clube. Iomar era um meio de campo que jogava muito bem. Ele foi disputar uma partida lá em Pinheiro. Fui nesse jogo. Chegando lá, contei minha situação. Iomar me deixou seu contato. Naquela época não havia um rigor tão grande de fiscalização. Hoje meço hoje 1,57 metro. Naquela época eu media uns 85 centímetros. Eu tinha 11 anos e não pagava passagem. Passava por baixo da roleta do ônibus. Também não pagava a passagem no barco que fazia a travessia. Tudo isso contou a meu favor. Coloquei só a trouxa de roupa nas costas e fui.
ZONA SUL – Quando sua irmã descobriu seu paradeiro não tentou lhe recambiar de volta?
ZECA – Tentou. Mas aí eu fugi de novo. Na última vez que ela me bateu foi uma história engraçadíssima. Eu, com dez anos, como qualquer criança não tinha muita noção das coisas. Morávamos vizinhos a um rio. Comecei a brincar com um pinto. Eu o jogava dentro do rio para ver se ele voltava nadando. Ele voltou umas três vezes, na quarta, afundou. Eu estava brincando com uma sobrinha, uns três ou quatro anos mais nova. A gente combinou de não dizer nada, mas na hora que minha irmã chegou, foi a primeira coisa que a menina disse. Levei uma senhora surra. Em seguida, eu disse: essa é a última vez que você me bate, pois vou fugir daqui. “Já que você vai fugir, vai apanhar outra vez”, foi essa a resposta da minha irmã, descendo o cacete outra vez. Fiquei revoltado com aquilo. Eu já tinha conhecido o amigo do meu irmão, Iomar. Mais ou menos uma semana depois, ela saiu pra pescar e eu tomei o rumo da rodoviária de Pinheiro. Peguei o ônibus, depois tomei o ferry boat - que fazia a travessia de uma hora e meia sobre o Oceano Atlântico - e cheguei a São Luís.
ZONA SUL – O que você fez ao chegar a São Luís?
ZECA - Procurei o endereço de Iomar e ele me acolheu. Morei com ele dois ou três anos. Arrumei trabalho em uma locadora de automóveis. O dono era um piauiense, seu Luís. A esposa era dona Vilma. Eles insistiram para eu não parar de estudar, o que foi muito bom para a minha vida. Às vezes mandavam o motorista, Francisco, me levar para a escola no carrão da família, um landau. Tenho muito que agradecer a Deus porque todos os planos d’Ele convergiram pra que eu seja o cidadão que sou hoje. Não posso decepcioná-Lo de jeito nenhum.
ZONA SUL - Nessa época passava pela cabeça que a música poderia ser sua profissão?
ZECA – Sim. Com nove anos de idade eu cantei uma música em um programa de calouros, lá em Pinheiro, ainda. Foi na Expoapi - Exposição Agropecuária de Pinheiro. Eu estava lá com uma tia chamada Iracema. Ouvi o anúncio de um programa de calouros e fui lá. Cantei uma música do Raul Seixas dificílima e enorme: “Eu nasci há dez mil anos atrás”. Ganhei um motorádio de presente e fiquei conhecido na cidade. A Expoapi era como a Festa do Boi daqui. Depois disso onde eu passava, me botavam para eu cantar e me davam presentes. Passei a faturar uns trocados, um quilo de arroz ou de feijão, fazenda pra fazer uma roupa. Também ganhei uma bolsa de estudos para a escola particular Nina Rego. Com nove anos descobri que a música poderia ser um caminho. Minha vontade era ser psicólogo. Gosto de observar o ser humano, mas com a música passei a ganhar uns trocados, a ajudar minha irmã. Eu chegava com um peixe seco em casa, já era alguma coisa.
ZONA SUL – Mas já tocava, já tinha instrumento?
ZECA – Não. Porém, uma coisa importante é que nunca parei de estudar e sempre fui um aluno muito disciplinado. Nunca fui reprovado. E sem ter pai, mãe ou irmão para mandar eu estudar ou para ensinar. Tive que aprender sozinho, na marra. Como não tinha violão, quando via alguém tocando eu parava. Ficava fascinado. Eu desenhava no meu braço as seis cordas do violão e ficava brincando. Aos 14 comecei a frequentar um grupo de jovens da igreja católica porque eles tinham dois violões lá. Eu podia ir à tarde ensaiar um pouco. O que fazia no braço pintado com as cordas, eu conseguia fazer também no violão e dava certo. O dom da música Deus já havia me dado. Na mesma época ganhei uma bolsa de estudos pra Escola de Música, já em São Luís. Lá tinha um cover do Tim Maia, seu nome era Francisco, mas a gente chamava de Chico Cabeça. Ele tinha um cabeção danado. Quis me ajudar. Foi em algumas rádios comigo em São Luís. Na época saiu uma matéria de duas páginas no jornal O Estado do Maranhão: “O Camões Pinheirense”. Muita gente ajudou, eu fiquei surpreso. Mas com dois meses de Escola de Música, já aprendendo partitura e tudo, tive sarampo. Fiquei morrendo de vergonha depois, com aquelas marcas, e não voltei a escola. Mas aquilo me animou, passei a comprar discos e a pegar as músicas de ouvido. Eu já sabia que a música seria a válvula de escape para a minha vida. Não parei até hoje. Escuto música todos os dias e todas as horas que posso. Às vezes durmo ouvindo música. Tenho dois violões ao lado da cama, e um na sala. Na hora em que surge uma inspiração, já estou com o violão ali pertinho para não perdê-la.
ZONA SUL – Você continuou na locadora do piauiense?
ZECA – Permaneci lá até quando seu Luís teve que voltar para o Piauí. Só não fui com ele porque Iomar não deixou. Seu Luís queria cuidar da minha educação. Mas como eu ajudava Iomar com os filhos e até fazia comida, não era interessante ele me deixar sair. Iomar disse que só permitia com a autorização da minha irmã. A última coisa que eu queria era que ela soubesse onde eu estava. Mas, pouco tempo depois, minha irmã separou-se e mudou para São Luís. Na época eu trabalhava em uma revendedora de automóveis e morava em um pensionato. Ela descobriu meu endereço, foi lá e pegou minhas coisas. Quando cheguei do trabalho, não tinha sobrado nem a escova de dentes. A dona do pensionato, dona Fátima, me entregou o bilhete com o endereço. Tive que sair da revendedora de automóveis, parar de estudar esse ano e fui fazer carvão com minha irmã para sustentar sua família. Ela gerou os filhos, separou porque quis. Perdoem-me se eu estiver errado: mas eu não achei justo, naquele momento.
ZONA SUL – Ainda mais por você ter sido obrigado a isso. Se a iniciativa fosse sua, a história poderia ser diferente.
ZECA – Fui obrigado a fazer isso. Mas a vida prosseguia e eu sempre pensando em uma maneira de sair daquela situação. No final do ano ela permitiu que eu fosse visitar um pessoal em Pinheiro. Só levei a roupa do corpo, para passar uma semana. Mas, quando voltei, já peguei um caminho diferente. Não fui mais para a casa da minha irmã. No período que passei em Pinheiro, conheci Sandoval, que era baterista em São Luís. Ele me deu seu endereço, e tudo. Quando voltei para a capital, o procurei. A providência divina ajudou mais uma vez. Perto da casa dele tinha um senhor chamado Zequita. Alguns músicos da banda de Zequita haviam saído e ele tava pegando outros para formar uma nova. Entrei nessa leva como guitarrista. O trabalho era em um cabaré. Por ser menor de idade, eu tinha que me esconder quando aparecia a fiscalização. A polícia chegava, eu soltava a guitarra e um outro pegava o instrumento. A caixa ficava em uma posição estratégica para eu me esconder atrás. Quando a polícia ia embora, eu reassumia o posto. Comecei a ganhar um dinheirinho com música. Isso aos 15 anos. Com 17 anos eu tive oportunidade de tocar numa banda do interior.
ZONA SUL – Como foi?
ZECA – Essa banda toda foi convidada por um vereador para se transferir para Itapecuru-Mirim. Fiquei lá um ano, mas a gente tocou pouco. O vereador não precisava e achava que a gente também não. Ele emprestava dinheiro e a gente tinha onde comer e dormir, mas não tocava. Certo dia passou pela cidade a banda Os Admiráveis, de Pesqueira, em Pernambuco. Zé Paulo, o vereador, comprou ingresso para todos nós assistirmos essa banda. Eu estava na casa da minha primeira namorada, Ana Lúcia, quando chegou o irmão do Zé Paulo com um ingresso. Ele disse que tava todo mundo me esperando. Eu não estava muito afim, nunca fui muito festeiro. Mas Ana Lúcia argumentou que seria falta de consideração eu não ir, já que estavam esperando. Fui. Ao chegar, já tinha começado, percebi a ausência do som da guitarra. Tinha um cidadão fazendo a muganga, mas não saía som. Fui lá, disse que tocava na banda local, e me ofereci para dar uma canja. Como eu estudava muito, toquei 80% do repertório. No final, eu já estava indo embora quando o pessoal da banda saiu correndo atrás de mim. “Vem cá, menino”. Faltavam três apresentações para eles fazerem no Maranhão. Duas em Bacabal e uma em Caxias, que são cidades grandes. Perguntaram quanto eu queria para tocar guitarra nesses três shows. O irmão do cantor tinha morrido. O cunhado dele era o guitarrista da banda. Os dois tiveram que voltar para Pernambuco. Ofereceram 5 mil. Eu pensei: “5 mil eu nunca vi na minha vida”. Pra mim, naquela época, era como se fosse um milhão agora. Peguei minhas coisas e nem avisei a ninguém. Pegamos o ônibus. No outro dia, passamos no hotel os 20% do repertório que eu não conhecia. Já toquei o segundo dia mais ou menos entrosado e no terceiro dia eu já era um membro da banda.
ZONA SUL – Terminadas as três apresentações você voltou para a banda do vereador?
ZECA – Não. Fui convidado para integrar definitivamente a banda e mudar para Pernambuco. Topei. Como a banda tinha um ônibus, voltamos para eu pegar minhas coisas. De manhã cedo, eles pararam em Itapecuru-Mirim para tomar café, enquanto eu ia buscar minhas coisas. Encontrei Ana Lúcia, minha namorada, voltando da padaria. “Pensei que você tivesse morrido, três dias aqui sem ninguém saber do seu paradeiro”. Expliquei que tinha viajado para tocar com a banda e que estava indo com eles naquele instante para Pernambuco. Fui à casa do vereador Zé Paulo, expliquei a situação. Ele entendeu. Passei quatro anos em Pesqueira. De lá vim para Natal. Papel Gomes saiu da banda da Casa da Música. Jaime estava precisando de um guitarrista. Ele era de Pesqueira, ligou pra mim. Estou em Natal desde 1984, são 25 anos.
ZONA SUL - Quais shows dessa época de Casa da Música você nunca vai esquecer?
ZECA – Todos os shows foram importantíssimos. Mas na semana que cheguei teve um show com Agnaldo Rayol inesquecível. Ele trouxe apenas o maestro Neves, que depois tocou com Fafá de Belém, e o tecladista. Ensaiamos à tarde. Foi um momento superimportante pra mim porque foi o primeiro show, um rabo de foguete. Foi muito bom. Outros shows também foram bem legais. No meu site (http://www.zecabrasil.com.br/) tem várias fotos, como, por exemplo, com Geraldo Azevedo, Luiz Gonzaga, Elba Ramalho... Dividi o palco da Casa da Música com todos eles.
ZONA SUL – Você chegou a fazer amizade com algum desses artistas que vieram se apresentar em Natal?
ZECA – Com Geraldo Azevedo, com João do Vale... Mas eu conversava com todos porque eu ficava ali na cola. Luiz Caldas almoçou lá em casa com os filhos dele. Eu morava, na época, em uma casa simplesinha, no bairro das Rocas, vizinho à Casa de Mãe. Ficamos muito amigos. Ele só não gravou música minha porque no auge do sucesso ele compunha muito com seus irmãos.
ZONA SUL – Quando você começou a compor e como foi o processo?
ZECA – Foi em Pernambuco. Fiz muitas músicas pensando na primeira namorada que tive havia deixado no Maranhão. Ela foi a minha primeira namorada, a primeira experiência marcante e eu comecei a compor muito por causa dessa menina. Nos primeiros dois anos em Pernambuco eu só saía de casa para almoçar. Viajávamos muito. Eu tinha lido O pequeno príncipe junto com ela. Uma das primeiras músicas que eu fiz foi usando como tema uma frase do livro: “Quando olhares para as estrelas é como se todas te sorrissem, porque numa delas eu estarei sorrindo”. Eu compus: “Já não vejo nas estrelas teu sorriso / Já sei te lembrar sem ter que te esquecer / Já não fico preso às doces lembranças / Dos momentos que passei junto a você / Já não amanheço muito sufocado / Nas noites que eu sonho com nós dois a sós / Já não imagino sempre do teu lado / Nem escuto a todo instante a tua voz”. Daí pra cá não parei mais.
ZONA SUL – Se a gente colocar essa letra sua esposa não vai ficar com ciúmes?
ZECA – Acho que não, de maneira alguma. Hoje em dia sou muito fiel a ela. Como diz um grande músico: “não se aflija com meus amores de antes / todos se tornaram ponte para que eu chegasse a você”. O que eu diria à minha esposa é isso. Ela que nem esquente, o que passou está lá num cantinho do passado, não quero nem relembrar. Hoje em dia é ela o amor da minha vida.
ZONA SUL – A partir de qual momento você decidiu passar a ser cantor além de instrumentista?
ZECA – Na Casa da Música eu tive muita satisfação, mas tive também algumas decepções. Uma delas, é a primeira vez que estou falando nisso em público, foi com o dono, o Isaque. Quando Isaque comprou do Jaime a Casa da Música, ele às vezes pedia o sacrifício dos que eram solteiros. A gente passava dois ou três meses sem receber, ele só pagando aos casados. Mas sabíamos que aquilo era temporário, porque ele é um cara honesto. Então Isaque comprou o Mandacaru e formaram-se duas bandas. Pintou uma oportunidade de uma apresentação na Itália. Como tínhamos sido solidários no momento em que ele mais precisou, achávamos que nós viajaríamos. Mas ele mandou a outra banda para a Itália. Perdemos a oportunidade do intercâmbio, de conhecer outra cultura. Essa é a decepção, mas, por outro lado, Isaque é um cara honesto. Tudo o que prometeu, pagou. Me deu emprego durante seis anos, mais dois no Mandacaru. Mas o episódio gerou certa tristeza na gente. Talvez por ter percebido, ele resolveu acabar a nossa banda. Foi quando pintou o Zás Trás, que ao saber que estávamos sendo dispensados, colocou uma grana melhor para a gente ir pra lá. Fiquei um ano.
ZONA SUL – Mas você não falou o seu início como cantor.
ZECA – Uma noite, no Zás Trás, a grande cantora Raquel apareceu por lá e pediu para dar uma canja. Ela cantou uma música difícil do Djavan, Topázio. Só eu e o baixista conhecíamos. Devo ter harmonizado essa música de maneira interessante, pois ela mr propôs tocar com ela no Muralhas. Eu ganhava tipo R$ 250,00 pra tocar a semana toda, menos o domingo. Ela prometeu 500 reais pra tocar três dias. Arranjei um guitarrista pra minha vaga e fui acompanhar Raquel. De vez em quando ela me deixava sozinho no palco, e eu cantava. Eu tocava um violão interessante, mas não tinha o costume de cantar. Depois de perceber que agradava às pessoas, resolvi entrar em uma aula de canto para educar minha voz, ver minha extensão, meu timbre. Procurei conhecer meu instrumento de trabalho. Estudei canto dois anos com uma professora chamada Claudia. Aprendi o básico e depois me virei.
ZONA SUL – Quando suas músicas começaram a ser gravadas?
ZECA - Em 1988, quando nasceu o único filho que tenho, conheci, na Casa da Música, Eliane. Ela é uma cantora de Fortaleza que gravou três músicas minhas. Seu maior sucesso, Caminhos do prazer, é uma música minha. Passei uma semana em Fortaleza, a convite dela, e compus mais duas músicas. Ela gravou. Mas aí fiquei triste com algo que ela fez. Nesse período em Fortaleza, fiz os arranjos de base do disco posterior que ela iria fazer. Oitenta por cento desses arranjos foram aproveitados, mas meu nome não saiu no disco. Saiu o de Manoel Cordeiro, maestro que na época produzia Beto Barbosa, Eliane, Borba de Paula, Zé Orlando e Fernando Luís. Depois disso não me interessei mais em mandar música pra ela. Também fui gravado por Fernando Luiz, Paulinho de Macau e Benê Torres. As gravações mais recentes foram de Valéria Oliveira, Lene Macedo e Lane Cardoso. Leila Pinheiro adorou a música “Quando o amor é lei”, que Lane cantou no festival do SESI para mim, Estou na expectativa que ela grave.
ZONA SUL – Depois de acompanhar Raquel, qual foi o passo seguinte?
ZECA – Passei a comprar os discos do repertório dela, que era muito bonito e complexo. Como bem disse um amigo meu, Fernando Luna, eu tocava o lixo que vem da Bahia e a bosta de gado que vem lá de Fortaleza. Comecei a ouvir outras coisas e aquilo me abriu um horizonte. Passei a comprar João Bosco e a colecionar Djavan. Aquele aprendizado foi fundamental. Ganho a vida do meu violão, de música, da MPB. Não consegui ficar rico, mas moro na zona sul num apartamento meu. Tenho carrinho novo pra andar. Tenho meu equipamento de som. Tudo isso através da música e desse aprendizado.
ZONA SUL – Quando você começou a cantar sozinho?
ZECA – Raquel foi pra Israel e passou quase dez anos lá. Quando ela foi, a casa contratou outras cantoras. Pelos meus acordes passaram Raquel, Mariângela Figueiredo, Dalva Braga, Lenni Caldas, Andreza... Foram muitas. Talvez eu não tenha lembrado todas, peço perdão. Essas cantoras já me davam mais oportunidade, e eu também me sentia mais encorajado. Já tinha colocado as músicas nos meus tons.
ZONA SUL – A partir daí vieram os CDs?
ZECA – Em 1998 o SESC tinha um projeto musical na hora do almoço. Fui pleitear espaço. Babal coordenava. Quando cheguei lá, as vagas para os dois meses seguintes estavam preenchidas. Porém Babal estava preenchendo sua ficha para participar de um projeto de lei de incentivo à cultura. Como ele tinha um formulário disponível, me ofereceu. Babal me ajudou a preencher e depois levei a documentação até a Capitania das Artes. Assim foi gravado Identidade, meu primeiro CD. O disco já está na terceira tiragem. Vendi 3 mil cópias dele. O lado triste é que cheguei a ser humilhado pela contadora de uma das empresas que patrocinou. Sou um cara difícil de chorar, por tudo que passei. Mas essa moça foi a única mulher que me fez chorar. O patrocínio estava certo, só faltava eu receber o cheque. Às 11 da manhã, quando marcaram para eu pegar o dinheiro, ela disse que tava indo pra São Gonçalo do Amarante e que só retornaria às 16 horas. Não adiantou eu explicar que a Secretaria de Tributação fechava às 14 horas. Ela falou umas coisas pra mim que nem vou comentar. Saí do escritório correndo até a sede da empresa, que ficava a uns 2 quilômetros. Expliquei a situação ao diretor da empresa. O padre Hudson, que tinha sido seu professor, foi quem tinha me indicado. Na mesma hora ele mandou a moça ir até lá. Quando ela chegou, do diretor ordenou que o cheque me fosse entregue e um carro fosse me levar até a Secretaria de Tributação.
ZONA SUL – E o segundo CD?
ZECA - No segundo, chamado “A face da luz”, eu já sabia mais ou menos como funcionava. Já fiz três CDs pela lei de incentivo à cultura, o último foi “Conte comigo”. Geralmente dou um prazo de dois anos pra vender. O quarto eu gravei independente, com dois músicos. Hoje em dia você sampleia tudo no teclado e sai o som que você quer. Gastei com 3 mil reais, juntando tudo, inclusive a prensagem. Já vendi 200. Quando vender mais 100, o que vier é lucro. Se eu tivesse condições faria mais de um CD por ano. Material e idéias não faltam. Tenho o projeto de um disco, chamado “Era o dito”, só com músicas clássicas que componho. Um outro projeto se chama “Elas me cantam”. Como geralmente são as mulheres que me interpretam, quero reunir 14 ou 15 mulheres e fazer esse projeto.
ZONA SUL – Tem alguma explicação para o fato de você ser mais cantado por mulheres?
ZECA – Acho que é minha beleza física... (risos). Lógico que estou brincando. Meu estilo é muito eclético. No festival do SESI, Lane cantou essa música “Quando o amor é lei”. A letra é assim: “Quando o sentimento é real / A vida é um sonho tão bom / Quem tenta explicar / Acaba sempre perdendo a razão”. Quando Lane ouviu essa canção disse logo que queria interpretar. Depois Valéria Oliveira gravou “Lua luandê”, e assim por diante. Geralmente são as mulheres que cantam suas músicas.
ZONA SUL – Hoje em dia onde você mostra o seu trabalho?
ZECA – Toco no supermercado Favorito - na quarta, no da Ayrton Senna e no domingo aqui em Ponta Negra. No sábado toco no Ocean Palace. Na sexta-feira, no Eskipeto, no início da Rota do Sol. Domingo à tarde toco no Dunas Self Service Restaurante. Isso fora os extras, como casamentos, aniversários e confraternizações. Aliás, quem quiser me contratar pode ligar para o (84) 9975-1784 ou então entrar no site http://www.zecabrasil.com.br/ Também pode me contatar pelo email zecabrasil_23@hotmail.com
ZONA SUL – Como é a experiência de tocar em supermercado?
ZECA – É maravilhoso. Muitos clientes elogiam a iniciativa do supermercado. As pessoas passam e dizem como é gostoso ouvir minha música enquanto fazem as compras. Fico honrado com isso. Dia desses chegou uma senhora dizendo que estava com o esposo no hospital. Ela tinha saido pra fazer umas compras. Quando me ouviu, esperou até o final porque gostou do repertório. Nesse dia eu tinha cantado umas músicas religiosas, ela disse que era tudo que estava precisando ouvir no momento. Foi um consolo.
ZONA SUL – Você chegou a ser convidado para tocar em velório. Como foi?
ZECA – Eu estava me apresentando no supermercado, quando meu celular tocou. Era o pessoal do Morada da Paz, para eu tocar um velório. Até estranhei. Explicaram que foi um pedido da pessoa que morreu. Ela não queria choro nem vela, mas alguém que tocasse violão e cantasse umas canções. Como eu não podia, passei a oportunidade para o Álvaro Barros e também para o João Salinas.
ZONA SUL – João Salinas foi entrevistado pelo Zona Sul e contou que até hoje toca no Morada da Paz.
ZECA – Uma amiga minha tocou lá, mas era violino. Trabalho com ela em casamentos, Larissa Paiva. Ela passou uns cinco anos fazendo velórios no Morada da Paz.
ZONA SUL – Como foi sua participação em festivais?
ZECA – Comecei a participar em 1993, no Canta Nordeste. Não tive uma boa colocação, até porque a apresentação não foi boa. De lá pra cá descobri que esse era um caminho. Em 2007, a música “Nordestinamente” - que faz parte do meu último CD Zeca Brasil pra não dizer que não falei do verso, ficou em primeiro lugar no Forraço, com a interpretação de Lane Cardoso. Também participei de um festival em São Paulo, chamado “Canta São Paulo”, da Musical FM, que me deu muita satisfação. Carlos Zens tocou flauta comigo. Ficamos em segundo lugar entre 1.260 músicas. Fui o único contemplado do Nordeste. A música foi “Lua luandê”. No site tem fotos desse festival. A moça que ganhou cantou divinamente bem uma bossa nova que não lembro o nome.
ZONA SUL – No seu repertório você inclui compositores da terra?
ZECA – Sim, sempre. E os mais diversos possíveis. De Pedro Mendes canto “Linda Baby”, de Babal “O amanhã é distante”, que é uma música de Bob Dylan, mas que tem versão dele. Do Galvão, interpreto “Cantar”. Sempre que vou cantar música de um artista local, digo: “gente nossa da terra” e falo o nome. Sei que muitos que cantam as minhas músicas fazem o mesmo.
ZONA SUL – Quem você admira na música potiguar?
ZECA – Muita gente. Como cantor eu admiro Fernando Luna, um dos melhores do Brasil. Quando abre a voz, é uma sumidade. Como compositor, gosto muito do Cleudo Freire, do Babal, do Galvão, do Mirabô... Ele tem uma música pela qual sou apaixonado: “A quem interessar possa”. Em nível nacional, talvez mundial, o artista que mais escuto é Djavan. Ele ensina a todos os músicos. Djavan costuma dizer que pros músicos o trabalho dele é mais interessante do que para o público em geral. Tenho todos os seus CDs. Meu referencial é Luiz Gonzaga e Djavan.
ZONA SUL – Já pensou em fazer carreira no sul?
ZECA - Já toquei em São Paulo, Campinas e no Rio. Mas nunca tive a pretensão de morar em nenhuma dessas cidades. Desde 1973 não voltou ao Maranhão. Já fiz quatro projetos Seis e Meia, abrindo para Rita Ribeiro, Trio Irakitan, Francis Hime e Kleyton e Kledir.
ZONA SUL – Deixe um recado para o leitor do Zona Sul.
ZECA - Em Natal existe algo que bloqueia o público, que impõe uma certa distância entre ele e o artista local. Eu gostaria que nós, artistas da terra, fossemos mais valorizados, mais aplaudidos. Aplaudam, não é vergonha nenhuma. Se você está gostando, não custa nada aplaudir. Isso vai nos incentivar e ajudar o trabalho a sair melhor. As palmas são o combustível do artista.
ZONA SUL – Ah, faltou perguntar porque seu nome artístico é Zeca Brasil.
ZECA - Zeca vem do José, que é meu nome. Toda a família sempre me chamou de Zeca. Quando fui gravar o primeiro CD, procurei um nome artístico. Pensei em Zeca Marques, Zeca Camões... O Zeca Brasil soou melhor, foi o que soou mais sonoro. Há quinze anos escolhi esse nome.