O
OPERÁRIO DA NOTÍCIA
José
Valdir Julião comemora, em fevereiro de 2014, 35 anos de jornalismo. Apesar de
há quase três décadas e meia estar correndo atrás da notícia para bem informar
aos seus leitores, esse cerro-coraense ainda não demonstra sinais de cansaço. Ao
contrário: ele continua tão entusiasmado com o que faz que sequer cogita trocar
a caderneta de anotações e o gravador – ferramentas que utiliza para arrancar
as declarações que se transformarão em manchete do dia seguinte – por softwares
manuseados pelos editores como Quark Express e Pagemaker. A conversa com Julião
ocorreu via Skype, no comecinho da noite de uma sexta-feira. Convido o leitor a
acompanhar a história que Julião me contou. Os créditos das fotos são de João Maria Alves, o primeiro fotojornalista sindicalizado do Rio Grande do Norte. (robertohomem@gmail.com)
JULIÃO – Antes de
qualquer coisa, quero registrar que essas entrevistas que o Zona Sul tem publicado são maravilhosas.
Por aqui já passou gente de todo o tipo: tanto pessoas humildes, como outros
que têm uma posição vitoriosa na vida e na carreira. Adorei, por exemplo, a
entrevista que você fez com o jornalista João Bosco. Ri demais com as histórias
que ele contou.
ZONA SUL – Naquela
ocasião, durante mais de quatro horas Bosco foi sabatinado por mim e pelo
repórter fotográfico Roque de Sá, aqui de Brasília; e por meu irmão Ronaldo
Siqueira e o jornalista Roberto Fontes - via Skype - aí de Natal.
JULIÃO – Com Bosco
você recolheu histórias para publicar um livro. Comigo vai ser diferente, sou
um cara do interior, um matuto...
ZONA SUL – Bosco também conta
muitas de suas histórias em seu blog, que pode ser acessado no endereço http://www.assessorn.com/. Vale a pena
conferir.
JULIÃO – Vou dar uma
olhada, até porque gosto muito dele. Mas acho que já podemos começar a nossa conversa.
ZONA SUL – Onde você
nasceu?
JULIÃO – Em Cerro
Corá, no dia 13 de abril de 1958. A cidade tinha acabado de se emancipar
politicamente de Currais Novos. Nasci na Maternidade Clotilde Santina. O nome
foi escolhido em homenagem à filha de Sérvulo Pereira de Araújo, magnata da
scheelita no Rio Grande do Norte entre os anos 1940 e 1960. Ele foi dono da
Mineração Bodó, que, embora explorasse minério no município de Santana do
Matos, tinha escritório em Cerro Corá, devido à maior proximidade com Natal e
ao fato de Sérvulo ser filho de um dos fundadores da cidade, Tomas Pereira de
Araújo (primo do ex-governador Cortez Pereira). Essa maternidade foi uma das
primeiras do Rio Grande do Norte a ser administrada pela extinta Fundação
Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). Os apartamentos onde as mães tinham
os seus bebês levavam nomes de minérios. Eu nasci na sala “Berilo”.
ZONA SUL – Seus pais
faziam o que da vida?
JULIÃO – Meu pai, José
Julião Neto, foi eleito 12 vezes vereador de Cerro Corá. Também foi vice-prefeito
e chegou a assumir a prefeitura durante um ano, em 1971. Ele era filho do que
naquele tempo se chamava tropeiro. Era o cara que saía em lombo de burro
negociando em uma cidade e outra. Meu avô era lá do Pataxó, do Vale do Açu.
Depois ele mudou para São Romão, que hoje é Fernando Pedroza. Ele andava no
sertão vendendo as mercadorias que transportava em tropa de burro. Como meu pai
não queria essa vida, meu avô pediu a um amigo, lá em Santana do Matos, que o
empregasse e ensinasse a ele o ofício do comércio, das vendas no balcão de
mercearia. Depois meu pai mudou para Cerro Corá, onde fez muitos amigos. Pelas
mãos de Chico Canário, que não queria mais mexer com política, meu pai foi
eleito vereador. Só saiu da política em 1976, depois que perdeu uma campanha para
a prefeitura.
ZONA SUL – A vida de um
vereador nas pequenas cidades do interior do estado não era como hoje...
JULIÃO – Naquele tempo
o vereador não ganhava dinheiro, nem tinha salário. Só se dedicava à política aquelas pessoas que gostavam de prestar favor. Meu pai era um desses. Por
exemplo: naquela época ele era o doador de sangue da cidade. Hoje em dia, ainda
é difícil conseguir quem faça isso. Ele salvou muitas vidas doando sangue na
maternidade onde eu nasci. Meu pai foi dono de padarias e abriu falência várias
vezes por causa da política. Ele também gostava muito de jogar futebol, mas
costumava dizer que só conseguia um lugar no time porque era o dono da bola.
Não jogava porra nenhuma!
ZONA SUL – Por qual time
ele torcia?
JULIÃO – Pelo Botafogo
e pelo América de Natal. Começou a torcer pelo Botafogo em 1948, com 18 anos,
quando o time – depois de mais de duas décadas sem ser campeão – venceu o Vasco
por 3 a 1, lá no antigo estádio de General Severiano. Naquele tempo se ouvia
muito, em rádios a válvula, as emissoras do Rio de Janeiro, como Nacional,
Globo e Tupi. Ele começou a torcer pelo Botafogo por ter achado engraçada a
história de Biriba, um cachorro preto e branco que se tornou amuleto da sorte
do time. Toda vez que o diretor Carlito Rocha levava Biriba para o gramado, o
Botafogo ganhava. O time tem muito dessas superstições. Naquele ano de 1948, o
Botafogo derrotou o Vasco e foi campeão com Biriba entrando em campo. Por causa
dessa história engraçada, meu pai simpatizou com o Botafogo. Por consequência,
eu e o meu irmão gêmeo - José Vanilson Julião, que também é jornalista -
viramos botafoguenses. Tornei-me americano ouvindo, pela Rádio Nordeste, a
final na qual o América venceu o ABC por um a zero, com um gol de Alemão. (Com
a vitória o América forçou uma quarta partida e derrotou o rival por 2x0, com
gols de Bagadão e Alemão, levantando o título de campeão estadual de 1969). O
ABC era favorito e o América era mais humilde, mais fraquinho.
ZONA SUL – Fale um pouco
sobre a sua mãe.
JULIÃO – É dona de
casa, mas quando meu pai teve bar e padaria, ela era uma espécie de anjo da
guarda. Meus pais são a confirmação daquele ditado que diz “por trás de um
grande homem sempre tem uma grande mulher”. Minha mãe é quem sustentava o
tranco no balcão, ou administrando a padaria e o bar. Quando sobrava um
dinheirinho, meu pai tirava da gaveta para gastar com time de futebol ou com as
pessoas necessitadas de Cerro Corá. Anos depois de ter perdido a campanha
política para prefeito, ele arranjou um emprego público na Companhia de
Desenvolvimento de Recursos Minerais do Rio Grande do Norte (CDM), atualmente
extinta. Quem conseguiu para ele foi o deputado Cipriano Correia. Naquele tempo
as pessoas conseguiam se empregar sem concurso. O nome da minha mãe é Damiana
Ribeiro Julião, mas ela é mais conhecida pelo apelido de Tinoca. Ela ainda está
viva, mas meu pai morreu em 1989, de enfarte, depois de fazer uma cirurgia para
troca de válvulas. Meu irmão Vanilson Julião já trabalhou na Tribuna do Norte,
Diário de Natal, Jornal de Natal e hoje atua como freelance. Tenho também uma
irmã, Maria José Julião, que é dona de casa. A gente a chama de Mariazinha. Minha
mãe tinha um irmão gêmeo, que já faleceu, minha irmã é gêmea com nosso irmão
que morreu recém-nascido. Uma irmã da minha mãe também teve filhos gêmeos.
ZONA SUL – Até quando
você morou em Cerro Corá?
JULIÃO – Até fevereiro
de 1975. Para estudar o segundo grau, a gente teve que mudar para Natal. Mesmo
financeiramente falido, meu pai fez um esforço enorme e trouxe toda a família
para cá. A gente morou em uma vilazinha que ficava onde hoje é a esquina da
Romualdo Galvão com a Bernardo Vieira. A gente foi morar lá porque era fácil ir
e voltar a pé para a Escola Técnica Federal.
ZONA SUL – O que de mais
expressivo você recorda dos tempos de Cerro Corá?
JULIÃO – Tive uma
infância normal, dentro das condições da época, sem muitos atropelos. A gente
brincava de cavalo de pau, bola de gude, carrinho de rolimã e jogava bola de
meia. Cerro Corá era pacata e maravilhosa. A gente não tinha jornais, nem TV. A
televisão só chegou na década de 1970. Um compadre do meu pai, que morava em
frente, foi o primeiro da rua a ter uma TV em casa. A casa dele virava um
verdadeiro cinema pois todos iam assistir a única emissora que pegava, a Tupi.
Os sucessos eram “Meu pé de laranja lima”, “A fábrica”... Hoje a gente ainda
tem o prazer de rever alguns seriados daquele tempo, como “Jeannie é um gênio”,
“A feiticeira” e “Perdidos no espaço”, que faziam o maior sucesso entre a
garotada da época. Quando meu pai foi prefeito comprou uma televisão e instalou
na praça, em frente à prefeitura. Começou assim a era da mídia eletrônica em
Cerro Corá.
ZONA SUL – Você já se
interessava pelas notícias?
JULIÃO – Naquela época
não havia as facilidades de hoje. Eu costumava ler jornais de outro comerciante da cidade, João Bezerra Galvão. Quando ele vinha a Natal, comprava jornal velho
para enrolar sabão. Eu conhecia principalmente “O Poti” e o “Diário de Natal”,
que eram as coqueluches da época. João Bezerra deixava esses jornais em cima do
balcão. Eu, menino, encostava no balcão e lia esses jornais de enrolar sabão.
Por sinal, foi “n’O Poti” que eu vi a famosa entrevista que Alberi deu, dizendo
que tinha recebido de luvas uma radiola para renovar seu contrato com o ABC.
ZONA SUL – Como foi
trocar Cerro Corá por Natal?
JULIÃO – Uma tia nossa
já morava nas Quintas desde os anos 1940. Então, desde os seis ou sete anos a
gente vinha para cá passar férias. Naquele tempo não tinha ônibus regular. Hoje
também não tem mais, depois dessas crises. Certa vez a gente veio em cima do
caminhão de Maria de Chico de Brito, que era comadre da minha mãe. Quando
chegou na altura de Macaíba, ele deu o prego. Fui dormir em uma rede, embaixo do
caminhão. Só que o caminhão também estava levando para a feira goma, milho,
galinha... Acordei às cinco da manhã, o sol já levantando, todo cagado por duas
galinhas que estavam bem em cima da gente. Alcancei o tempo em que o cobrador
andava com o dinheiro enrolado no dedo para passar o troco aos passageiros.
ZONA SUL – Como foi sua
vida estudantil?
JULIÃO – Em 1970, como
não tinha o ensino do ginásio em Cerro Corá, meu pai - que na época era
vice-prefeito - fez um movimento com alguns amigos e juntos fundaram o Ginásio
Comercial Pedro II, que era vinculado à Campanha Nacional das Escolas da
Comunidade (CNEC). Depois, quando o governo do estado construiu uma escola, esse
Ginásio foi extinto. Fiz as três primeiras séries do ginásio em Cerro Corá. A
quarta série fiz em Açu, no Ginásio Estadual JK. Fui com meu irmão morar na
casa de uma tia. Ao concluir, prestamos um minivestibular para a ETFRN, em
1975. Muitos amigos de Cerro Corá também se submeteram a essa prova. Todos nós
passamos, para você ver o nível do ensino público daquela época, mesmo em uma
cidade pequena do interior.
ZONA SUL – Você concluiu
o curso na então Escola Técnica?
JULIÃO – Terminei o
curso de Geologia em 1977 e fiz o estágio na Nuclan, que era subsidiária da
Nuclebras. Depois fui contratado pela empresa. Trabalhei cinco meses
pesquisando urânio em Patos, Campina Grande, Borborema, Dona Inês, São José de
Espinharas e Pirpirituba. A gente trabalhava 20 dias e tinha uma semana de
folga. Em um desses períodos de descanso, resolvi fazer vestibular em Natal. Como
não era bom em Física, Química e Matemática, nem tentei Geologia. Eu poderia
ter feito História, mas optei por Jornalismo. Depois que saí da Nuclan, abracei
o jornalismo. No próximo ano comemoro 35 anos dentro de redação. Entrei nessa
brincadeira e não consegui sair mais. Vou ser dos poucos jornalistas que
aposentaram como repórter, na essência da redação. A maioria não aguenta o
tranco, o repuxo. Vira publicitário, assessor de imprensa ou dono de jornal, ou
desiste da carreira.
ZONA SUL – Onde foi o
seu primeiro emprego como jornalista?
JULIÃO - Quando fui
estudar jornalismo na UFRN, fui procurar emprego, já que era um cara pobre,
liso, solteiro e estava doido para ganhar dinheiro pelo menos para pagar as
farras. Um dos meus companheiros de faculdade era o radialista Exmar Tavares.
Uma semana depois de eu ter falado para a turma toda que estava querendo
trabalhar, ele me procurou. Disse que Givaldo Batista, o Gigi da Mangueira,
estava precisando de um repórter. Dessa forma entrei no jornal A República. Minha
primeira tarefa foi entrevistar um diretor do América. Hoje em dia o estagiário
chega e já ganha uma bolsa do IEL, entregam a ele um telefone, a pauta e
orientam a pegar um carro da empresa para ele cumprir seu trabalho. Comigo foi
o contrário. Não recebi orientação nenhuma. Chovia torrencialmente na cidade.
Peguei um ônibus, fui ao trabalho do meu pai pegar o carro dele emprestado para
fazer a entrevista. Muitos anos depois eu soube que esse diretor disse a
Givaldo Batista que eu não tinha condições de ser repórter. Como alguém pode
analisar um iniciante que nunca tinha sequer entrado em uma redação, na sua
primeira pauta? Como prever se esse cara dá ou não para o troço? Pelo menos
para ser um jornalista de província, acho que dei o meu recado.
ZONA SUL – Quem era esse
diretor?
JULIÃO – Nem vou dizer,
para não criar constrangimento. (risos). Mas ele é gente boa, polêmico. Talvez
nem lembre mais disso. Mas eu fui trabalhar na editoria de esportes com Givaldo
Batista. Como ele também era dublê de editor de polícia, pedia para eu fazer as
matérias que Ubiratan Camilo trazia das delegacias. Ubiratan não escrevia, só fazia
as anotações.
ZONA SUL – Era igual a
Pepe dos Santos.
JULIÃO – Sim. Hoje Pepe
vive uma situação difícil, está com mal de Alzheimer, internado há alguns meses
e precisando de ajuda financeira. A entrada de Ubiratan Camilo n’A República foi
interessante. Ele veio de Recife cumprir em Natal um resto de pena por
homicídio cometido lá. Ubiratan me contou que um vizinho xingou a sua esposa e
ele, quando chegou do trabalho, foi tomar satisfação. Terminou atirando no
rapaz. Em Natal, quando saiu da prisão, desempregado, foi pedir emprego a Lavoisier
Maia. O então governador o mandou ir falar com o diretor do jornal A República.
Trabalhou uns dois anos com a gente e foi para a Rádio Cabugi. Lá n’A República
trabalhei com grandes profissionais como Carlos Morais (editor e jornalista),
Franklin Machado (hoje da TV Tropical e Rádio CBN) e Fernando Farias, que foi
atleta de basquete e atualmente mora em João Pessoa. Fiquei no jornal até o seu
fechamento, no governo Geraldo Melo.
ZONA SUL – Que matéria
ou acontecimento poderia simbolizar sua passagem pelo jornal A República?
JULIÃO – Nossa
editoria de esportes não tinha sequer carro para acompanhar o treino dos
clubes. A gente ia a pé ou de ônibus. Muitas das matérias que redigi foram
baseadas em entrevistas transmitidas pelas emissoras de rádio. Para complicar
mais ainda, a ordem era fechar a página de esportes às quatro da tarde, horário
em que ainda estão rolando os treinos as notícias começando a surgir. Mesmo
assim, em 1982 conseguimos ser eleitos pela crítica como a melhor página de
esportes de Natal. Paulo Tarcísio era o diretor geral da Companhia Editora do
Rio Grande do Norte (CERN), responsável pelo Diário Oficial e pelo jornal. Eu,
Carlos Morais e Fernando Baleia fizemos um suplemento sobre a Copa de 1982. Com
menos condições logísticas e operacionais, conseguimos bater o Diário de Natal,
campeão de vendas no estado, e a Tribuna do Norte, o segundo lugar. Lembrei
agora de um personagem interessante, gazeteiro chamado Alberi, que vendia
jornais nas redondezas da Rodoviária Velha. Quando acabavam os exemplares do
Diário de Natal, ele enrolava ou a Tribuna ou A República em uma capa do Diário
e vendia para os matutos no bom sentido. Ele gritava assim: “olha o Diáris!”.
Fazia isso para ganhar o dinheirinho dele.
ZONA SUL – Com o
fechamento d’A República você foi fazer o que?
JULIÃO – Passei um
tempo como plantonista esportivo na Rádio Tropical, levado pelo jornalista e
amigo Wilson Gomes. Depois de oito meses, saí por razões que não vale a pena
comentar agora. Foi bom porque adquiri uma experiência no rádio que eu não
tinha. Quando saí da rádio, Roberto Guedes me chamou para ser subeditor do
jornal Dois Pontos. Ele era o diretor de redação. Quando Roberto saiu,
continuei lá. Um dia, perto do feriado de 7 de setembro de 1989, fui visitar
meu irmão na Tribuna do Norte. A gente tinha combinado de sair para tomar uma,
depois do expediente. É difícil ter um jornalista que não seja boêmio, você
sabe bem disso. Roberto Guedes era o editor de política da Tribuna. Quando me
viu, perguntou: “quer vir para cá?”. Eu perguntei se era para começar na
segunda-feira. Ele disse que não: era para iniciar já no dia seguinte. Véspera
de 7 de setembro, uma quarta-feira, comecei na Tribuna do Norte.
ZONA SUL – Lá você
começou trabalhando em qual editoria?
JULIÃO – Política.
Daquele tempo para cá, passou muita gente pela editoria, e eu fui ficando:
Conceição Almeida, Márcio César, Herbert de Freitas, Aldemar Freire (que hoje é
editor), Vicente Neto, Alexandre Cavalcanti, Edilson Braga, Paulo Tarcísio
Cavalcanti... Aprendi com todos, mas foi maravilhoso trabalhar com Paulo
Tarcísio, um gentleman. Ele só tem um defeito: é torcedor do Fluminense. Na editoria
geral passaram vários, como Talvane Guedes, Roberto Guedes, Osair Vasconcelos,
Edilson Braga, Paulo Tarcísio e, agora, Carlos Peixoto.
ZONA SUL – Como é
trabalhar em um jornal que pertence a uma das mais tradicionais famílias
políticas do Rio Grande do Norte?
JULIÃO – É mais fácil.
A linha editorial da Tribuna é conhecida por todos. Complicado é estar em um
veículo sem saber quem é o dono ou quem manda. Não tive muitos problemas, tanto
é que estou lá há tanto tempo. Não tenho muito a reclamar. Teria com relação ao
salário, mas a gente sabe que jornalista não ganha. Quem quiser enricar, vai
ter que ser em outra profissão.
ZONA SUL – A questão
salarial dos jornalistas parece ser mais complicada aí do que na maioria dos
estados.
JULIÃO – Quem está começando
agora no jornalismo e é contratado para receber o piso, enfrenta séria
dificuldade. Com a Internet, cada dia estão exigindo mais do jornalista, mas
não está havendo uma contrapartida. Isso é contraditório.
ZONA SUL – A dificuldade
salarial não é específica de um veículo. Alcança até os jornalistas que
trabalham no Governo do Estado. Eu soube que o salário pago hoje não sofre
alterações há mais de 15 anos!
JULIÃO – Eu ia dizer
isso a você agora. É o mesmo salário de quando Garibaldi Filho deixou o governo.
De 1995 pra cá é o mesmo salário.
ZONA SUL – Você foi
eleito para compor a diretoria do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio
Grande do Norte.
JULIÃO – Eu não estava
pensando em ingressar em nenhuma chapa, entrei por acidente. Eu já tinha sido
duas vezes do Conselho Fiscal. Dessa vez eu só topei entrar em uma chapa porque
achava que ela seria única, não haveria disputa. Só soube que teria
concorrência quando fui fazer a minha inscrição. Mas aí eu já tinha
comprometido a minha palavra, não ia quebra-la. O jornalismo é uma categoria
diferenciada, onde o corporativismo não é tão acentuado quanto em outras
categorias. É muito difícil tocar uma política sindical sem haver união, sem
que as pessoas se ajudem ou compareçam ao sindicato. A gente está iniciando
essa gestão e vamos ver no que vai dar. O Breno Perruci é uma pessoa boa e bem
intencionada.
ZONA SUL – E do seu
trabalho na Tribuna, o que você destacaria?
JULIÃO – O que mais me
gratifica no jornalismo não é premiação, nem salário enorme. É o feedback da rua. É quando vou cruzando uma esquina e alguém comenta que gostou de
determinada matéria que eu escrevi. Ou então quando uma fonte confessa que
prefere me dar entrevista porque sabe que suas ideias não serão deturpadas. Dia
desses Demétrio Torres me disse: “Julião, você não repete ipsis litteris o que é
dito, mas transmite com fidelidade o pensamento e a ideia do entrevistado”.
Isso não é uma questão de ter o ego massageado, mas é um importante reconhecimento.
Nas redações os elogios são escassos. Por isso, quando um companheiro de jornal
faz uma boa matéria, gosto de ir ao pé do ouvido dele para cumprimenta-lo.
ZONA SUL – Você é um
repórter da época da máquina de escrever. Trace um paralelo daquela época para
a de hoje.
JULIÃO – Hoje está uma
maravilha fazer jornalismo com as informações disponíveis na Internet. Mas tem
que saber usar. Por exemplo: notícias de Brasília, que demoravam meses para chegar
por aqui, agora estão disponíveis nos sites da Câmara ou do Senado Federal. É
só recolher aquela informação e contextualizar entrevistando mais três ou
quatro políticos e a matéria está pronta. Naquela época, além da escassez de
informações, o repórter escrevia a matéria com três cópias, utilizando papel
carbono. Para alterar o texto, depois de ele iniciado, geralmente tinha que
rasgar o que já estava pronto para começar tudo de novo. Além disso, hoje o
Doutor Google aqui e acolá auxilia a gente.
ZONA SUL – Se facilitou
por um lado, por outro provocou a distorção de todo mundo hoje se achar jornalista.
Foi melhor ou pior, para o jornalista, esse progresso?
JULIÃO – Foi melhor,
até porque o jornalista, na essência, sempre será um jornalista. Os blogs
proporcionaram oportunidade para pessoas que não tinham essa possibilidade, de
se comunicar. O cara que não era dono de veículo não tinha acesso a nada. Hoje,
ou escrevendo bem ou mal, ou divulgando a notícia correta ou não, ele pode ter
o seu blog e virar também emissor de informação. Mas, no frigir dos ovos, quem
entende e sabe o que é jornalismo, consegue diferenciar onde tem informação que
vale a pena nessa enxurrada de notícias que povoa a internet.
ZONA SUL – Ao completar
35 anos de profissão você vai pedir aposentadoria?
JULIÃO – Estou com um
grande dilema. Esse tal de fator previdenciário é terrível para o trabalhador.
O salário já é uma merreca e fica menor ainda quando a pessoa se aposenta. Por
isso estou analisando se me aposento ou não. Mas, mesmo que me aposente, não
vou deixar de trabalhar porque acho que é muito chato o cabra ficar sem fazer
nada em casa. Quero me manter em atividade pelo menos meio expediente. No
restante do tempo posso investir em jornalismo online. Já estou treinando no
blog que criei dedicado a Cerro Corá.
ZONA SUL – Fale um pouco
sobre esse seu blog. Como surgiu a ideia?
JULIÃO – Em termos de
design, meu blog não é esse balaio todo. Uso só a plataforma de blog e pronto. Ele
é uma maneira de eu ir treinando, mas também de resgatar a história de Cerro
Corá e do seu povo. Quem quiser, pode conhecer no endereço http://cerrocoranews.blogspot.com.br/.
Ele não é campeão de audiência porque no meu blog não entra crime nem
violência. É um espaço para resgatar a memória e falar da cidade e do povo
cerro-coraense.
ZONA SUL – Você
comercializa espaço para anunciantes em seu blog?
JULIÃO – O curso de Jornalismo
deveria criar uma cadeira de gestor em comunicação, ou algo parecido. É difícil
achar um jornalista que saiba correr atrás de anúncio. Eu não sei. Acho que vou
ter que aprender, para que o blog tenha alguma rentabilidade.
ZONA SUL – Em qual
perfil de jornalista você se enquadraria?
JULIÃO – Meu estilo
não é lírico, nem poético. É mais feijão com arroz, ou pé de balcão. Gosto de
dar a notícia, de oferecer um dado, uma informação. Mas vou começar a ler uns
jornalistas bons que nós temos, como Rubens Lemos Filho. Ele tem um texto
espetacular! Paulo Tarcísio e Vicente Serejo também. Vou me espelhar neles para
ver se escrevo alguns “causos” que eu presenciei, erros que cometi e sacanagens
que fizeram comigo. Como já tenho uma filha, só falta plantar a árvore e
escrever esse livro.
ZONA SUL – Qual teria
sido seu grande furo no jornalismo?
JULIÃO – Certa vez escrevi
um textozinho, uma notinha, e no dia seguinte caíram dois secretários de Estado,
no governo José Agripino. Mas foi sem querer. Em outra ocasião, quando caiu um
helicóptero da Petrobras em Guamaré, eu e o repórter de polícia de A República
conseguimos com exclusividade a relação das onze pessoas que tinham morrido
naquele desastre. Mas era um sábado à tarde e o jornal já havia fechado.
Ficamos com aquele furo na mão. Tem gente que acha que a notícia está como em
uma prateleira de mercearia, e a gente vai lá e pega. É conversando que a gente
consegue uma notícia. Às vezes a gente tem que ter paciência para construir uma
informação. A notícia não tem hora marcada. Pode acontecer de ela passar na
frente e a gente nem perceber. Para conseguir um furo, é preciso ter um bom
ouvido e bons olhos. Um dia eu estava no Tribunal de Justiça, sem notícia
nenhuma. Valdeci Santana era o assessor de imprensa de lá. Ele me levou para
falar com o presidente, o saudoso Ítalo Pinheiro. Durante a conversa, entrou um
assessor e, sem atentar que eu era jornalista, passou uma informação
importante, que eu não lembro qual era. Na mesma hora percebi que tinha
encontrado a manchete do dia seguinte. Quando o assessor saiu, Ítalo Pinheiro
teve que me detalhar essa informação.
ZONA SUL – Fale sobre a
sua família.
JULIÃO – Tenho uma
filha apenas, porque jornalista não pode ter mais de um filho. Como vai educar?
Comer o feijão, a rapadura, o macarrão, a melancia, o jerimum, uma pizza com
camarão, isso é fácil. Complicado é custear a educação e a saúde. Por não
confiar nos serviços públicos, a gente tem que tirar do nosso parco salário
para pagar um plano de saúde e uma escola particular para os filhos. Minha
filha, Ana Vanessa Julião, acabou de se formar em Farmácia. Minha esposa, Ana
Selma Julião, tem um ateliê na garagem lá de casa. Ela é o suporte da família.
Nasceu em Santana do Matos, mas gosta mais de Cerro Corá do que da terra dela.
ZONA SUL – Gostando
tanto de Cerro Corá vocês não planejam morar por lá quando a aposentadoria
chegar?
JULIÃO – Um primo já
me deu um terreno, só falta arrumar o dinheiro para construir um chalezinho.
Quero que o local tenha um espaço amplo para eu botar uns livros, instalar uma
TV de 50 ou 60 polegadas. Quero assistir bangue-bangue em preto e branco, principalmente
estrelado por John Ford e John Wayne, e alguns clássicos do cinema. Também vou
ter lá um computadorzinho e uma rede para me balançar. De lá mesmo posso ter na
Internet um jornalzinho online. Não é obrigado estar em Natal para acompanhar
as coisas.
ZONA SUL – E esse livro
que você pretende escrever? O que pode ser adiantado sobre ele?
JULIÃO – Quero escrever
sobre o dia a dia que vivenciei. Já tem muita publicação a respeito de teses e sobre o lado acadêmico do jornalismo. Pretendo explorar o ambiente na redação, o
relacionamento com as fontes, a dificuldade que é entrevistar alguém que
“trava” quando se aproxima de um microfone. Tem outros que só falam em um papo
informal. Se for um pingue-pongue, não sai nada. Certa vez fiz uma entrevista
de página inteira que eu só transcrevi por obrigação, porque era pago para isso.
O cara não tinha dito coisa com coisa. Quando o editor viu, refugou a matéria.
Tem hora que o repórter pensa que pode ter sido ele quem não elaborou bem as
perguntas. Mas se ele arrodeou de todo jeito, e o cara não respondeu... São
esses episódios que quero botar no livro: as pressões que a gente sofre, as
bobeiras que a gente também comete. Por falar em livro, queria aproveitar para
sugerir aos filhos de Eugênio Neto que resgatem e publiquem as histórias
inéditas que ele vinha escrevendo antes de morrer. Convivi com Eugênio Neto na
cobertura da Assembleia Legislativa. Eu cobrava muito dele a publicação desse
livro. Ele tinha muito o que contar. Costumava dizer que quando era adversário
de Aluízio Alves publicou um livro de um jeito. Quando voltaram a ser amigos,
tirou todos os ataques e publicou o livro dizendo o contrário. Nesse livro que
pretendo publicar quero contar a história dos amigos também. Muita gente acha
que o jornalismo é glamour. Mas a gente passa por muitos problemas. Meu livro
não é para ser best seller. Acho que nem lançamento eu quero.
ZONA SUL – Mas tem que
lançar. Em Natal se vende mais livro em lançamento do que nas livrarias.
JULIÃO – Até hoje só
comprei um livro em lançamento. Até porque não sobra muito dinheiro para jornalista
comprar livro. Fui ao lançamento do livro de fotografia de João Maria Alves,
editado pelo Sebo Vermelho. Comprei o livro e ainda tomei uma cervejinha, à
custa de Abimael.
ZONA SUL – Agora só
falta você deixar um recado para o leitor do Zona Sul.
JULIÃO – Quero lhe
parabenizar entrevistas que você está fazendo com personagens de todos os
níveis, gente popular, cantor, artista, gente do povo, seus amigos,
companheiros de trabalho, políticos, pessoas com quem você trabalhou... Também
quero dar os parabéns a Edson Benigno e ao amigo Costa Júnior. Por sinal, fui
eu quem coloquei o nome jornalístico dele. Costa queria assinar como Francisco
Pedro da Costa Júnior. Como já existia Francisco Macedo, assinei as matérias
dele no jornal Dois Pontos como Costa Júnior. Pegou. Também seria bonito Francisco
Costa Júnior, mas eu preferi só Costa Júnior. Quero dar os parabéns ao Zona Sul, que, apesar das dificuldades
de se fazer um jornal impresso, continua circulando na cidade.