sábado, 31 de janeiro de 2009

Entrevista: Luiz Henrique

ELE AINDA NÃO DESISTIU DO ESTRELATO



Eu não conhecia Luizinho. Foi meu irmão, Ronaldo Siqueira, quem fez as devidas apresentações, quando passou alguns dias aqui comigo em Brasília. Passamos a tarde conversando, ouvindo música e molhando a garganta, já que ninguém é de ferro. Foi quando o ex-guitarrista de UsKaravelho abriu os compartimentos da memória para contar um pouco de sua vida. Desde os tempos do Alecrim, contemporâneo do “famoso” Brinquedo do Cão, até a mudança para a capital do país. Beatlemaníaco, apesar de andar um pouco afastado da música ele sabe que o vírus da arte não o abandonou ainda. Quem sabe essa entrevista não o inspire a trilhar novos caminhos nesse sentido? (Roberto Homem)



ZONA SUL – Você nasceu em Natal?
LUIZINHO – Não, nasci em Recife (PE), mas minha passagem por lá foi breve. Natal é a origem de toda a minha família. Quando nasci, meu pai, embora fosse de Natal, permaneceu na capital pernambucana. Voltei com a minha mãe. O dom de puxar para o lado musical veio de um tio que sempre foi ligado ao violão, foi boêmio por natureza e mulherengo. Na adolescência comecei a andar com esse tio, a ir para as farras com ele. Eu já percebia que ele cometia muitos erros, mas por outro lado, achava interessantes muitas coisas que ele fazia. O ecletismo musical dele - que passava pelo rock, o forró e ia até o carnaval - era muito interessante. Eu acompanhava e ficava só olhando. Com mais ou menos 15 ou 16 anos, ele me ensinou alguns macetes e aprendi a tocar violão. Foi lá no Colégio Salesiano que...

ZONA SUL – Ei, calma! Eu perguntei o local do seu nascimento e você já está prestes a completar 20 anos... Vamos caminhar um pouco mais devagar: como foi sua infância?
LUIZINHO – Tive uma infância pobre no Alecrim, mas sempre vendo as efervescências do bairro, o forró, a Gaiola do Louro e aquelas coisas ali. Nos anos 70 existiam muitos clubes e eu gostava de freqüentá-los. Mas o despontar mesmo para a música, como eu ia dizer, foi quando passei a estudar no Salesiano.

ZONA SUL – Como eram as brincadeiras das quais você participava quando criança?
LUIZINHO – O ambiente era meio barra pesada, a gente tinha que saber dosar. Ao mesmo tempo em que estávamos jogando bola, tinha por perto um monte de cara que acabou virando marginal.

ZONA SUL – Algum desses ficou famoso nas páginas policiais?
LUIZINHO – O próprio Brinquedo do Cão jogava bola ali por perto da gente. Cheguei a conhecê-lo.

ZONA SUL – Além da aptidão para o crime Brinquedo do Cão tinha algum outro talento?
LUIZINHO – Ele era gente boa enquanto estava ali perto dos amigos. Também jogava bem o futebol. O crime era o lado negativo dele, mas era aquele cara que a gente podia contar para determinadas coisas. Outros enveredaram para o lado da marginalidade como o Cacau, que foi um marginal que teve vida breve. Muitos amigos de infância deram para o lado negativo, mas outros tantos também sobreviveram a essa fase.

ZONA SUL – Você acha que foi a sorte que o impediu de ter descambado para o time de Brinquedo do Cão e Cacau?
LUIZINHO – Não. Acho que foi minha índole e a criação que recebi. O meio, nesse sentido, não faz o homem. Pode até influenciar positivamente. Se você tem uma base familiar sólida sabe discernir o lado bom e o ruim, mesmo convivendo em um ambiente negativo. E minha família sempre procurou me orientar. Até o tio boêmio sobre quem falei, o exemplo masculino que eu tinha em casa. Ele sempre foi uma pessoa do bem.

ZONA SUL – Em que esse seu tio trabalhava?
LUIZINHO – Ele fazia biscates: era almoxarife em um canto, trabalhava como contador em outro... Sempre andava pelo lado positivo da vida. A boemia nunca atrapalhou o lado profissional. Eu morava no final da Avenida 4, perto de onde até certo tempo funcionou o prédio do antigo Inamps. Ali tinha um campo de futebol grande, que era ocupado, dependendo do horário, por classes. Tinha o pessoal mais antigo (os masters), os adolescentes e as crianças, que jogavam em um campinho menor. Às vezes estourava uma briga na pelada dos masters, onde vez por outra estava um marginal desses envolvido. Mas a confusão era só ali na hora do jogo, não tinha nada mais complicado, acabava por ali mesmo. Eles se envolviam com a questão da marginalidade em outros bairros.

ZONA SUL – Brinquedo do Cão, salvo engano, morreu na Paraíba...
LUIZINHO – Recentemente, há um ou dois anos, ouvi dizer que ele ainda estava agindo na marginalidade, na Paraíba. Eu soube que por uma disputa relacionada a drogas, Brinquedo do Cão foi assassinado.

ZONA SUL – O cantor e compositor Dudé Viana contou no livro A saga Benevides Carneiro que seu parente Valdetário Carneiro só enveredou para o lado do crime após ter sido preso injustamente e humilhado pela polícia. Com Brinquedo do Cão pode ter havido algo parecido?
LUIZINHO – É possível. Ele era muito respeitador com a mãe. Quando Brinquedo do Cão entrava em uma briga, nos jogos de futebol, sua mãe vinha e ele baixava a bola na hora. Testemunhei isso. Esse fato até contraria o que falei anteriormente, que quando a pessoa tem uma família que lhe impõe uma determinada índole, uma determinada educação, ela não envereda para o lado do crime. No caso de Brinquedo do Cão essa tese não vingou.

ZONA SUL – Mas você estava comentando que esse seu tio foi uma imagem muito forte para você e que ele era músico. Que instrumento tocava? Chegou a ser profissional?
LUIZINHO – Sim, falávamos sobre o meu tio Jorge. Quando éramos crianças sentimos o maior orgulho no dia em que ele cantou no programa Carlos Alberto, que era o grande programa de calouros do rádio, na época. Nesse dia Pedro de Lara fez parte da comissão julgadora. E Pedro de Lara, talvez por estar em uma cidade estranha, elogiou a apresentação do meu tio. Ficamos impressionados: Pedro de Lara, o vilão do Programa Silvio Santos, disse que meu tio era o cara. Foi fantástico. O rádio de pilhas ficava em cima da geladeira. Toda a família escutando. Tio Jorge tocava violão na noite e também compunha. Participou de alguns festivais em Natal. Determinada época foi para Belo Horizonte. Mas não por causa da música, viajou por motivos profissionais. Lá continuou tocando na noite. Ele foi uma grande influência, principalmente pra mim. Até eu conseguir meu primeiro violão, era no dele que eu pegava carona. Além dos toques que ele me dava, eu estudava violão nos exemplares daquela coleção Toque. Junto com a revista vinha um disco, uma bolachinha meio maleável. Lá o professor dizia que corda tocar e ensinava os acordes.

ZONA SUL – Quando foi isso?
LUIZINHO - Foi na época em que estava efervescendo o rock nacional: mais ou menos 1983, 84. Eu estudava no Salesiano. Na turma tinha uns três ou quatro envolvidos com música. Quem fez parceria comigo na primeira banda, a Conflito Ideológico, foi José Fortunato, que hoje é professor de Biologia lá em Natal. Ele era, digamos assim, o patrocinador da banda. Depois que terminamos o Salesiano, um dia ele chegou na minha casa um dia e disse: “bicho, vamos montar uma banda, você vai tocar baixo”. Expliquei que eu tocava violão, nunca tinha tocado baixo na vida. “Mas eu comprei um baixo e você vai tocar o baixo que eu comprei”. Perguntei o que ele iria tocar. “Guitarra”, respondeu. “Pô, você toca ruim pra caramba, como vai tocar guitarra?”. Ele respondeu que tinha um outro cara que tocava muito bem, que ia fazer os solos, os arranjos e tal. A gente foi ensaiar pela primeira vez nos fundos da casa dele. A banda era formada por Klênio Maciel, que hoje é de UsKaravelho, Carlinhos, que hoje toca no Perfume de Gardênia. Acho que o nome dele hoje é Cacá Velloso, guitarrista muito bom. Foi um negócio meio ingênuo. Participamos de festivais - como o do Marista - tocamos em festas, como a da padroeira, na Cidade da Esperança. O rock nacional estava na onda, havia público para o tipo de música fazíamos. Até grupinho de fãs se formaram. Se tivesse Internet, na época, acho que teríamos estourado. Conseguimos, depois de certo tempo, gravar um vinil em parceria com várias bandas de Natal. Fizemos uma holding com um monte de banda: Alfândega, Florbela Espanca... Cada banda gravou duas músicas.

ZONA SUL – Esse material foi relançado em CD? O selo Solaris anda fazendo esse tipo de trabalho...
LUIZINHO – Não sei, mas eu ainda tenho esse vinil lá em Natal, na casa da minha mãe.

ZONA SUL – Qual era o repertório do Conflito Ideológico?
LUIZINHO – Autoral. Eu até reclamava, mas o Fortunato sempre foi autor e sempre defendeu o autoral. Eu queria tocar músicas dos outros, para atrair o público. No primeiro show, tinha três ou quatro pessoas na platéia. Com o tempo apareceram mais três, chegou a dez... Até que passou a aparecer sempre uma galera que saía de casa para assistir a gente tocar. Tocávamos acordes básicos, mas as músicas tinham a ver com a época, final da ditadura. O próprio nome - Conflito Ideológico - refletia as nossas letras, que eram meio politizadas. Eu também compunha letras e músicas. Klênio cantava de uma forma única: meio romântico, meio puxado para o forró, meio dramático. Algumas dicas a gente dava. Klênio era bem mais novo que a gente. Tínhamos 16, 17 anos, e ele tinha uns 11, por aí. Às vezes, na metade do ensaio a mãe dele chamava para tomar banho ou almoçar. Foi uma fase muito interessante.

ZONA SUL – Quando acabou, o que você foi fazer?
LUIZINHO – Ao sair do Conflito Ideológico montamos uma banda com o pessoal que hoje é do Boca de Sino. O nome era Beatles Project. Começamos tocando na antiga boate Liverpool, a proposta era tocar somente Beatles.

ZONA SUL – Você era quem: George, Paulo, John ou Ringo?
LUIZINHO – Podemos dizer que eu era o John Lennon, porque o Paul sempre foi o que aparecia mais e tinha a voz mais alta. Paul era o Aurélio, um grande vocalista que acabou se perdendo no ostracismo imposto pela necessidade de sobreviver e ter que assumir determinada profissão. Aurélio é engenheiro mecânico e mora em Manaus. Passou por várias bandas em Natal. No Rio Grande do Norte, para você se dedicar à música tem que ser muito bom. Para ter reconhecimento tem que sair do estado. O compositor principal de UsKaravelho, Vinicius D’Ávilla, está morando no Rio, na busca desse reconhecimento, mas não encontrou ainda a pessoa que o jogue no caminho certo. Ele era a alma de UsKavavelho, enquanto compositor. A maioria das músicas do CD gravado é de Vinicius.

ZONA SUL – Qual o motivo de sua saída do Conflito Ideológico?
LUIZINHO – Basicamente foi para ingressar nessa banda cover dos Beatles. O próprio Fortunato, o patrocinador-geral do Conflito Ideológico (ele comprava bateria, baixo, comprava tudo pra todo mundo tocar) me indicou pra tocar com o pessoal da banda cover. No começo não tinha nome definido, depois virou Beatles Project. Quando fui ao primeiro ensaio, as músicas que eu conhecia dos Beatles eram basicamente as que saiam na mídia: She loves you, Love me do, e tal. Mas a banda estava ensaiando músicas completamente desconhecidas pra mim, como The Fool on the Hill. Fiquei chapado com aquilo. Eu gostava muito do Pink Floyd e estava vendo que os Beatles tinham feito um som parecido com o deles. Levei para casa uma fita para aprender algumas letras. No ensaio seguinte eu sabia tudo de cor e salteado. Sabia melodia, sabia tudo.

ZONA SUL – Você tinha noção de inglês?
LUIZINHO – Tinha. Desde criança sempre gostei de música em inglês, desde a época da Tina Charles, da discoteca. No colégio, quando o professor trazia música pra aula, antes mesmo de ele mostrar, eu geralmente já sabia a tradução da letra. Eu cantava em inglês por prazer. Até hoje tenho o costume de ir traduzindo mentalmente quando toca alguma música na FM. Se for uma canção que eu tenha maior interesse, depois vou procurar a letra, até para poder tocar no violão de uma forma fiel ao original. O lance dos Beatles pra mim foi um achado: juntou música e letra boas e um pessoal que já estava afinado no esquema. As músicas já estavam bem montadas, entrei pra complementar. O Beatles Project se apresentou pela primeira vez no anexo da antiga boate Liverpool, que é a choperia Liverpool. Tinha tudo a ver: o nome, a silhueta dos Beatles na fachada do prédio... Interessante foi um garçom chegar pra gente e dizer: “cara, vocês lotaram a casa num dia que não dá ninguém”. Na platéia havia um pessoal que já tinha feito cover dos Beatles, na década de 70. Os dois senhores estavam empolgadíssimos. A temporada se repetiu dois, três meses.

ZONA SUL – A banda durou quanto tempo?
LUIZINHO – Muita gente que viu a gente na Liverpool convidou para fazer shows privados. Tocamos, por exemplo, pro pessoal da Telern, da Petrobras e até em um congresso na UFRN. Sempre com muita gente. Entre o início e a dissolução da banda, foi coisa de dois anos.

ZONA SUL – Depois daí foi que surgiu UsKaravelho?
LUIZINHO – Ainda não. O Augusto, que era dono do antigo Trampolim, na Praia dos Artistas, viu a gente tocando Beatles e chamou pra nos apresentarmos no bar dele. Depois de tocarmos durante dois meses, ele disse: “cara, vocês são bons, mas dá pra mudar o repertório?”. Augusto queria público na casa e nosso repertório, apesar de ter 60 músicas, já estava batido. Ele propôs que incluíssemos músicas nacionais. Escolhemos uma MPB mais voltada para o rock, como Punk da periferia, de Gilberto Gil, e Podres Poderes, de Caetano Veloso. Incluímos algumas bandas do rock nacional que não eram tão valorizadas, como o Hojerizah. Dos Beatles permaneceram as mais comerciais. É aquele lance de que o músico tem que ceder ao lado comercial da coisa. O resultado é que o bar lotou.

ZONA SUL – Qual o nome dessa banda?
LUIZINHO – Não tinha nome, era a banda residente da casa, do Trampolim. Eventualmente a gente fazia um show ou outro com o Conflito Ideológico, ainda mostrando um trabalho autoral. Mas só entre amigos, nada oficial. A banda do Liverpool acabou quando tivemos problema com o aluguel de uma bateria. A gente sempre fala que baterista é o membro mais complicado de uma banda. A gente teve problemas no Conflito Ideológico, no Beatles Project e também na banda residente. Um dia a gente teve que alugar uma bateria e levar pro Trampolim. Essa bateria deveria ter sido devolvida na segunda-feira. O baterista não se responsabilizou pela entrega. A grana que entrou a gente teve que dispender no aluguel e na multa pela não devolução da bateria na data marcada. Ficou todo mundo puto, cada um foi para o seu lado. Mixou. Acabou. Depois dessa experiência eu achava que nunca mais entraria em outra banda.

ZONA SUL – Fale um pouco sobre sua vida fora da música.
LUIZINHO – Quando terminei Salesiano, com 16 ou 17 anos, entrei na faculdade de Geologia. Eu tinha amigos do primeiro grau que entraram na ETFRN e como eu não passei no exame seletivo de lá, fiquei com inveja. Quando saiu o resultado, desafiei todos eles: “vou passar no vestibular da federal”. Passei e eles não. Acho que é a primeira vez que falo dessa meio que vingança particular. Mas quando entrei na faculdade de Geologia, a música sumiu da minha vida. Só restou um violão entre amigos, uma coisa nada profissional. Depois de dois anos e meio fiz reopção pra Computação, que era a profissão da moda. Foi quando reencontrei o vocalista do Conflito Ideológico, Klênio, em uma noitada. A gente foi para um show de uma banda cover do Legião Urbana. Eu já estava inclusive com a namorada que hoje é minha esposa. Foi a primeira vez que o sobrinho dela saiu com a gente. Depois ele se tornou o principal compositor de UsKaravelho. Encontramos Klênio no show. A gente sabia todas as músicas do Legião Urbana de cor. Ao final, eu e minha namorada voltamos pra casa. O sobrinho continuou a farra com Klênio. Eles passaram em casa arranjaram um violão e ficaram até de manhã tocando, na praia. Foi quando decidiram montar uma banda. A origem de UsKaravelho foi essa noite. A gente montou a banda pra relembrar algumas músicas, isso foi por volta de 2001. A intenção era ir para um estúdio conversar, tomar cerveja e tocar. O dono do estúdio era amigo nosso. No estúdio não podia entrar bebida. Mas com a gente podia.

ZONA SUL – Quais eram os demais integrantes da banda?
LUIZINHO – O baterista era o Lula, Luiz Henrique, por coincidência, homônimo. Ele era estudante de Contabilidade e tinha tocado na banda General Lee - que depois de um processo judicial acabou virando General Junkie. Foi o primeiro baterista de UsKaravelho. Luiz Alexandre, que a gente chama carinhosamente de o Gordo, era um guitarrista amador. Tinha tocado em algumas bandas de colégio. Klênio era do Conflito Ideológico. Hoje ele é advogado. Luiz Alexandre é engenheiro. Carlos Augusto era, se não me engano, publicitário. Foi um dos primeiros guitarristas da banda. Era muito bom. Por questões particulares ele terminou saindo da banda. Fortunato, que era do Conflito Ideológico, era baixista eventual também. Professor de cursinho de Biologia, ele não conseguia comparecer a todos os ensaios. Além disso, não bebia. A gente levava cerveja para os ensaios, ele ficava tomando guaraná. Um desses ensaios foi fundamental. A gente descobriu que tinha a cara de uma banda. Começamos a tocar uma tarde, com pretensão só de beber. Relembramos músicas das antigas que achávamos que não iam sair. Conseguimos lembrar de umas 15, e montamos dentro de um padrão que já dava para apresentar em público. Essa noite foi meio que um caos. Caía uma chuva torrencial em Natal. Ninguém conseguia andar na região do estúdio, estava tudo alagado. Cada um de nós teve problemas naquela noite. Eu bebi tanto que deixei meus documentos no estúdio. Além disso briguei com a namorada. Lula teve problema com os pais e Klênio com a namorada...

ZONA SUL – E a primeira apresentação, onde foi?
LUIZINHO – No aniversário de uma menina amiga de alguém, que não lembro quem. A festa foi no espaço anexo a esse estúdio, que era de Carocito, em Capim Macio. O anexo para festas tinha com palco e tudo. A gente resolveu participar desse show com várias outras bandas. Quem chegasse e tivesse música pra tocar, tocava. Foi uma jam bem escrachada. Tinha um tambor cheio de gelo. As pessoas levavam cerveja e depositavam lá. Começou por volta do meio-dia. Tocou de tudo. reggae, nacional, forró... Mostramos as 15 músicas ensaiadas. Quem estava presente nessa festa era Paulo Ubarana, do Blackout. Ele foi um grande incentivador das bandas locais. No final ele falou para Klênio: “vocês já têm repertório para pelo menos abrir a apresentação de uma banda principal lá no Blackout”. Pra gente foi fantástico. E a gente foi tocar no Blackout pela primeira vez, recebendo grana, tendo cachê.

ZONA SUL – Vocês abriram o show de quem?
LUIZINHO – Não lembro. Acho que abrimos para uma das bandas residentes da casa. Lá tinha o Base Livre, o próprio Mad Dogs... A gente estava tão concentrado na nossa própria apresentação que não ligamos pra quem vinha depois. Já tínhamos incluído outras músicas no repertório. Então, a gente tocou uma hora e meia, bem mais tempo do que estava acertado. A estrutura da casa era muito boa. Teve época na minha fase de banda de eu pedir um conhaque ao dono do bar onde a gente estava tocando de graça e ele se negar. No Blackout a gente tinha camarim com uma mesa de frios, cerveja à vontade, refrigerante, água... Que mudança. A noite foi ótima. Tanto que pediram pra gente aumentar o repertório e voltamos pra tocar várias vezes lá.

ZONA SUL – UsKaravelho abriram shows de bandas importantes no cenário nacional... Cite algumas delas.
LUIZINHO – Alguns foram marcantes, como o show de retorno do RPM. Eles estavam fazendo uma turnê nacional e nós e o Officina abrimos a apresentação, lá no anexo do Imirá Plaza. A gente tinha um camarim muito bom e ao lado estava o camarim do RPM com vinhos, velas, candelabros e toda aquela frescurada. O show do RPM até atrasou um pouco. Tinha uma música do Legião Urbana que no final a gente deixava o público cantando apenas com uma bateria de leve. A platéia cantou muito tempo e a gente emendou com uma outra do Legião. E o RPM puto da vida porque queria começar. Tocamos também com o Biquíni Cavadão, que também estava voltando. Teve show do Kid Abelha, mas eu não fazia mais parte da banda, estava para vir para Brasília. A gente tocou com o Paralamas também.

ZONA SUL – Nessas oportunidades vocês tiveram contato com os artistas principais?
LUIZINHO – Em um Festival do Sol ou foi um MADA conversei bastante com Edgar Scandurra, do Ira!. Conheci também o cara do Hojerizah, o Toni Platão. De certa forma a gente tinha até um mérito na vinda deles, pois costumávamos tocar músicas deles que não tinham mais tanto sucesso. Ele veio dessa vez como vocalista solo. A gente conversou dentro do Blackout, na parte do pub. Trocamos idéia de música. Lembro que ficamos tirando onda com ele: “você é a Cássia Eller de calça, a Cássia Eller que deu certo, que veio homem”. Marcelo D2 também, mas ele era um pouco fechado.

ZONA SUL – UsKaravelho chegou a gravar CD e DVD. Você participou?
LUIZINHO – O nome do CD é Novas Idéias. Eu já estava em Brasília, mas tem uma música minha, Machê, fala alguma coisa assim de relacionamentos terminados. O machê seria o papel que envolve o buquê de rosas de alguém que está querendo reatar um relacionamento. O pessoal tira onde com a minha cara por causa dessa música. Eu tinha terminado o relacionamento com a minha esposa e eles achavam que essa era a fonte de inspiração para a música. Mas não foi. Ela já estava composta antes desse caso acontecer. Foi baseada em um capítulo de novela que eu estava vendo e achei interessante. O cara entregava uma flor envolvida por um papel machê. Fiz uma música meio adolescente, mas que tinha tudo a ver com aquele momento que a gente estava passando. Até hoje alguns dizem: “pô, Luiz, você precisa acabar de novo seu relacionamento pra fazer uma música daquela”. O pessoal tem carinho por ela, mas não é uma das músicas carro-chefe da banda. O principal compositor, por coincidência, é o sobrinho da minha esposa, o Vinicius. O CD recebeu comentários no Correio Braziliense, na Folha de São Paulo e também em alguns veículos do Ceará e de Pernambuco. Há dois anos foi lançado no Teatro Alberto Maranhão o DVD de UsKaravelho chamado Acústico. Ele foi gravado na Casa da Ribeira, se não me engano.

ZONA SUL – Como foi deixar a banda e mudar-se para Brasília?
LUIZINHO – Foi meio traumatizante. O que era para ser uma despedida virou quatro ou cinco. A gente tocava na noite, tinha compromisso assumido. Minha vinda pra Brasília já vinha sendo meio preparada há mais ou menos um ano.

ZONA SUL – A mudança foi exclusivamente por razões profissionais?
LUIZINHO – Sim. Eu trabalhava na Federação das Unimeds, em Natal, na área de informática. Costumava participar de cursos com gente de todo o país, especialmente em João Pessoa, que sediava a base de criação de softwares da empresa. Foi lá que conheci um amigo de Brasília, da Confederação das Unimeds do Centro Oeste. Fui convidado pra trabalhar com ele. Nossa amizade fluiu rápido, já que tínhamos os mesmos gostos musicais, a paixão pela boemia e a esposa dele também logo fez amizade com a minha, que na época era namorada. Depois que ele oficializou o convite, em umas férias que passou em Natal, resolvi mudar. Não é fácil largar a família, a namorada, os amigos, o emprego já de alguns anos. Na época eu estava estabelecido como gerente de informática da Federação. Vim para Brasília sem cargo de chefia. Só que o salário falou mais alto. Aqui os serviços são mais bem pagos do que em qualquer outra região. E as perspectivas de crescimento também são maiores. Minha maior dificuldade era convencer minha namorada a vir pra cá e fazer minha mãe aceitar a mudança, já que eu morava com ela.

ZONA SUL – Nessas circunstâncias talvez seja mais fácil convencer a namorada, já que sempre existe a opção de promovê-la à esposa.
LUIZINHO – Exatamente. E o maior incentivo que recebi foi da namorada. Ela disse que se eu viesse, ela vinha. Pensando na promoção, eu acho. (risos). É brincadeira, a gente sempre foi muito tranqüilo nesse sentido. Tinha decidido namorar enquanto desse. No momento em que precisasse casar, a gente casava. E foi assim. A gente veio e só casou depois de uns dois anos. E a banda, apesar de não ter aceitado facilmente, acatou a minha decisão de ir embora. Todos apoiaram, menos o Vinícius. Pra ele a minha saída foi mais traumatizante. Fui substituído por Jolian, que era do Alphorria. Ele já tinha um nome bem conceituado. Foi um processo tranqüilo, a gente não teve muito sobressalto, a banda não perdeu, pelo contrário, ganhou muito. Sempre que têm eventos mais importantes, como os aniversários da banda, vou para Natal e toco com eles. O aniversário de três anos, em 2004, foi no Blackout. Foi o último show de lá antes do assassinato de Paulo Ubarana. Todos os ex-integrantes participaram, eu inclusive. Um dia depois do show, no domingo, a gente se encontrou na 294 para se confraternizar. Klênio recebeu uma ligação de Paulo, parabenizando pela apresentação. No dia seguinte a notícia do seu desaparecimento foi divulgada.

ZONA SUL – Qual a formação da banda hoje?
LUIZINHO – A banda mudou os componentes, da minha época só permaneceu Klênio. Mesmo assim, considero UsKaravelho como uma família. Mesmo tendo mudado, sempre há aquela ligação.

ZONA SUL – Como está sua relação com a música em Brasília?
LUIZINHO – Estou há cinco anos em Brasília. Desde que cheguei só toquei uma vez e foi em um churrasco lá da Unimed. Recentemente fui comunicado que a diretoria da empresa está querendo investir na área cultural. Já houve teste para um coral. Não participei porque não é minha praia. Compareci à seletiva e senti que tinha alguma coisa que dava pra encarar. Pouco depois uma superintendente falou extra-oficialmente que a diretoria está interessada em que a gente monte uma banda e traga eventos culturais pra dentro da empresa. Essas apresentações seriam levadas para outros lugares do Brasil. A gente tem o projeto de montar uma semana cultural dentro da empresa, que de repente pode virar um mês. Dentro desse projeto se encaixa perfeitamente a gente ter música também. A médio prazo pode surgir alguma coisa.

ZONA SUL – Deixe um recado pro povo de Natal e diga como as pessoas podem entrar em contato.
LUIZINHO – A gente sabe que Natal e região são muito ligadas em forró e axé. Isso não é problema: gostem de forró e de axé, mas dêem também uma olhada no cenário musical alternativo, quer seja do rock, quer seja da música de raiz. Tem muita coisa boa que infelizmente não chega às pessoas. Hoje mesmo, antes de começarmos essa entrevista, você me apresentou várias músicas de diversas regiões do país que eu nem imaginava que existissem. Hoje em dia - na Internet e através de algumas FMs alternativas - é possível ter acesso às novidades que infelizmente não recebem a atenção da mídia. Hoje quem faz a mídia é o público. Então, um pouco de curiosidade vale a pena. Quanto aos contatos, eles podem ser feitos através do Orkut. Basta procurar pelo meu nome: Luiz Henrique Pinheiro do Carmo. Meu MSN é lhpcarmo@hotmail.com. De vez em quando aparecem alguns amigos que fazia muito tempo que eu não via, mas que sempre é uma satisfação imensa reencontrar. É por aí. Foi a primeira vez que dei uma entrevista desse porte, mas tenho que me acostumar. Quem sabe ainda não vem aí o estrelato?

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