terça-feira, 30 de março de 2004

Perfil: CÁTIA DE FRANÇA

VINTE PALAVRAS GIRANDO AO REDOR DE CÁTIA DE FRANÇA




A cantora, compositora e multi-instrumentista Cátia de França - que agora também está se arriscando no mundo da literatura de cordel e das artes plásticas - comemorou 33 anos de carreira artística em novembro do ano passado. Ela foi condecorada com uma medalha pela Assembléia Legislativa da Paraíba. O Zona Sul pretendia homenagear Cátia de França com uma entrevista, nessa edição de março. Os entendimentos começaram a ser mantidos ainda em dezembro do ano passado. A conversa se daria em Natal ou Muriú. O tempo não audou. Na segunda quinzena de fevereiro, durante quatro dias, telefonemas pipocaram, via Embratel, interligando Brasília a João Pessoa. Desencontros impediram uma conversa mais ampla, que fica adiada para daqui ap ouco. Mas, para que o leitor potiguar não fique alheio às novidades, as notícias mais urgentes chegam agora, junto com esse perfil. (Roberto Homem)



CARNAVAL - João Pessoa. Paraíba. Dia 13 de fevereiro de 1947, uma quinta-feira da semana anterior ao Carnaval. Enquanto o bloco do Zé Pereira animava os foliões na rua das Trincheiras, na Maternidade Frei Martinho nascia Catarina Maria de França Carneiro. Talvez o fato de ter nascido na véspera da principal festa popular do país não tenha sido coincidência. Cátia de França e o ritmo são uma pessoa só. Sua mão direita tirando sons das cordas do violão é algo mágico. Alfabetizada pela própria mãe, que era dona de escola, Cátia de França teve o piano como primeiro instrumento. Depois vieram a flauta transversa, a percussão e o violão. Por influência do pai, que adorava tangos, também aprendeu a dominar a sanfona. Ainda pequena, foi iniciada no estudo do piano clássico. Chegou a se apresentar em recitais tocando peças de Mozart, Bach e Beethoven.


RELIGIÃO - Cátia de França também estudou canto, teoria e solfejo na Escola de Música Antenor Navarro, vinculada à Secretaria de Educação da Paraíba. Dos 15 aos 19 anos estudou em colégio interno ligado à religião protestante. Os sucessos daquela época eram as músicas de Elvis Presley, dos Beatles e dos brasileiros que integravam a jovem guarda. Dividida entre os hinos religiosos e o rock and roll da época - que embora soe comportado hoje, era quase revolucionário, ainda mais em um colégio evangélico - Cátia teve que fazer uma opção. Terminou sendo expulsa no dia em que foi flagrada imitando Elvis Presley, com direito a topete e tudo o mais.


SELENITAS - Ao lado de um grupo chamado Os Selenitas, Cátia de França participou do seu primeiro festival de música popular. Em 1967, registrou-se na Ordem dos Músicos. Depois disso viajou pela Europa tocando junto com o grupo folclórico da Fundação Artístico-Cultural Manuel Bandeira. No retorno ao Brasil fixou residência no Rio de Janeiro, onde integrou as bandas de Zé Ramalho, Amelinha e Sivuca. Seu primeiro registro em vinil ocorreu em 1970, em um compacto duplo contendo as quatro canções vencedoras de um festival de música paraibana realizado naquele ano. Cátia interpreta Mariana, composição sua em parceria com o poeta e jornalista Diógenes Brayner. O primeiro elepê foi gravado em 1979: 20 Palavras Girando Ao Redor do Sol. O segundo, Estilhaços, saiu em 1980. O terceiro disco, Feliz Demais, foi lançado em 1985. Em 1997 Cátia estreo no formato CD com o disco Avatar, que tem participações especiais de Chico César, Xangai e do Quarteto da Paraíba.


FEVEREIRO - No final de fevereiro Cátia de França estava feliz, ciceroneando a troupe do grupo Nó Cego por terras paraibanas, com direito a banho de mar na praia de Pipa, aqui no Rio Grande do Norte. Aliás, desde o final do ano passado coisas boas estão acontecendo pras bandas de João Pessoa e arredores. Na tarde de quarta-feira 26 de novembro de 2003, a Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba realizou sessão solene, no plenário Deputado José Mariz, para entregar a Cátia de França a Medalha Augusto dos Anjos. A homenagem, em reconhecimento à sua luta em defesa da região, coincidiu com o aniversário dos 33 anos de carreira da paraibana.


NÓ CEGO - O Nó Cego é uma banda de Nova Friburgo (RJ) que está há seis anos na estrada. Em seu primeiro CD, recém lançado, além de autorias do próprio grupo, o disco reúne músicas de Geraldo Azevedo e Cláudio Nucci. E não é só isso. Também tem canções de Cátia de França, entre elas Estilhaços, parceria da paraibana com Flávio Nascimento. Para quem gosta de forró de qualidade, uma dica: o telefone de Rodrigo, o líder do Nó Cego, é (22) 2542-3523. Através de um contato por esse número você poderá adquirir o novo disco da banda. Já encomendei o meu, que certamente terá chegado quando essas linhas estiverem sendo lidas. Segundo Cátia de França - que apadrinhou o grupo e ajudou na divulgação do CD em João Pessoa - até Vital Farias elogiou o trabalho do Nó Cego. Outra que recentemente incluiu em um disco uma música de Cátia de França foi a cantora pernambucana Kelly Benevides. A música escolhida foi Kukukaya, e o disco, que chama-se Tráfego Local, contou com a participação de Naná Vasconcelos. Também lá pras bandas de Recife e vizinhanças um grupo chamado Tambores Falantes de Pernambuco inerpreta várias canções de Cátia de França em suas apresentações. O inusitado é que o grupo não usa nenhum instrumento de corda nos seus arranjos musicais. Já a música Quem Vai Quem Vem foi levada para a Holanda por uma cantora chamada Godoy.


JOSÉ LINS DO REGO - Depois de beber da literatura de Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e da poesia do poeta pantaneiro Manoel de Barros, Cátia de França está debruçada atualmente na obra do paraibano José Lins do Rego. Ela está pesquisando o ciclo da cana-de-açúcar, que inclui as obras Menino de Engenho, Dodinho, Banguê, Fogo Morto e Usina. A intenção é musicar alguns trechos escolhidos desses livros. Cátia está buscando algum tipo de incentivo cultura para poder concluir o trabalho. Mas não é só: também dependendo de patrocínio está pronto um proj eto de um espetáculo multimídia que inclui música, artes plásticas, fotografia, poesia, literatura de cordel, narração de causos e exibição de filmes cujas trilhas sonoras são de Cátia de França. Também está nos planos a gravação de um novo disco com composições inéditas, entre elas Lagarto Ao Sol, uma homenagem a Zé Ramalho, Pra Doer, parceria com Júlio Sortica e Evidência, cuja letra é de Mônica Dantas.


PRA DOER - Há muito tempo Cátia de França caminhava em uma rua do Rio ou São Paulo. Não lembro bem. Pode ser também uma outra cidade, não tem muita importância para a história que vou contar. Um poeta maltrapilho, meio hippie talvez, vendia poesias na calçada. Vendia ou distribuía, não sei. Tabém tanto faz. Cátia pegou aquele papel e guardou. Algum tempo depois reencontrou o poema, que virou uma linda canção. "Espero um dia poder gravar essa música e, através dessa gravação, reencontrar o autor que o destino transformou em meu parceiro", costuma dizer a paraibana. A letra de Pra Doer é assim: "Deixe alguma coisa sua ao sair / Algo que não corte, mas que doa ao lembrar / Alguma coisa só sua / Algo que ninguém destrua / Que ninguém possa matar / Matar / Deixe alguma coisa sua ao sair / Algo bem macio, como um beijo / Uma calça de malha bordada / Mancha de batom na camisa / Pedaço do seu abraço / Que me queime só ao lembrar / Ao pensar / Para não maar minha ilusão / Deixe qualquer coisa antes de bater a porta / Talvez um resto de perfume / Para enlouquecer essa sala / Aquele seu jeito de dobrar roupa na mala".


PADRÃO FM - No comecinho dos anos 1980, Natal sequer dispunha de uma emissora transmitindo em FM. Próximo do rompimento dessa barreira, a Rádio Poti lançou uma programação especial chamada "Padrão FM". Nada mais era do que muita música e pouco papo. Tocava três ou quatro músicas sem interrupção e depois rodava um curto comercial. Morando em Lagoa Nova, eu costumava gastar parte de minhas noites sintonizando essa emissora. Foi nessa época que descobri, através da Rádio Poti, Cátia de França. A música Estilhações, do seu segundo elepê gravado pela CBS, em 1980, me pegou na primeira audição. É uma das minhas preferidas até hoje. Até reclamei com Cátia de França pela música não er sido incluída no repertódio do seu CD Avatar, gravado em 1997 pela Acácia e relançado um ano depois pelo selo CPC Umes. Para você lembrar comigo, eis a letra de Etilhaços: "Porque a vida é / Tua mesa de comida, é / Sem toalhas comportadas / De um pedaço de chão / Um leito leve de amor / Porta, coração aberto / Tens a cada hora / Uma aurora sempre perto / Porque teu tempo é /Não tens espera / Tens um abraço a cada instante / Tua vida é uma partida constante / Não tens o sangue frio / Frio do asfalto / Teu mundo não é feito / Feito só de aço / Espalhas estilhaços de amor / Teu corpo não tem norte / Também não tem o sul / Não há nenhuma algema / Que segure tuas mãos / A aut estrada não tem mancha / Mancha de solidão / É o céu, o sol, o som / Nos dedos de tua mão".


BRASÍLIA - Completo agora no dia 16 de março seis anos morando em Brasília. Troquei Natal pela capital do país por razões profissionais. Nesse período, nunca vi tanto show de Cátia de França. Eu e alguns amigos trouxemos Cátia de França para alguns shows por aqui, no ano de 2000. A cidade recebeu a paraibana com todo o carinho que ela merece. Praticamente lotou os bares e restaurantes onde se apresentou. Ano passado o cantor Paulo Matricó intermediou a vinda dela para nova temporada em Brasília. Dessa segunda vez o que mais me emocionou foi assistir sua apresentação no Gate's Pub. Essa é uma boate que tem jovens como a maioria dos seus frequentadores. Mesmo os que não conheciam Cátia de França ficaram entusiasmados com o ritmo forte e envolvente de sua música.

AVIÃO - A primeira vinda de Cátia de França a Brasília foi repleta de estórias engraçadas. A melhor ocorreu quando ela foi ao escritório do então deputado federal pela Paraíba, Avenzoar Arruda, pegar as passagens aéreas que a minha amiga jornalista paulista (mas com sangue potiguar correndo nas veias) Tida Medeiros tinha conseguido. Ao chegar, Cátia foi informada do dia e horário que embarcaria. Até aí, tudo bem. O negócio pegou mesmo quando a secretária de Avenzoar informou que Cátia viajaria em avião da TAM. Certamente ela deve ter lembrado de um avião da companhia aérea que ti nha caído há algum tempo em São Paulo e falou que de TAM não viajaria nem obrigada. Disse que queria era voar de VASP. Só que, naquela época, os jornais estavam noticiando diariamente a crise que essa companhia aérea estava enfrentando. Algumas notas em jornais insinuavam até que a manutenção dos aviões estava precária. Ao ouvir que Cátia preferia voar de VASP, a secretária comentou: "a senhora é mesmo engraçada, prefere ir pela empresa que os jornais estão dizendo que nem manutenção mais estão fazendo nos aviões". Ao ouvir aquilo, Cátia endureceu: "pois agora eu só vou se for de VARIG". A VARIG cobrava as passagens mais caras para um cidadão voar de João Pessoa a Brasília. A secretária tentou convencer Cátia a optar por outra companhia, mas não obteve sucesso. "Se não for de VARIG eu pego um ônibus ou uma carona de caminhão, mas eu chego em Brasília de qualquer jeito porque assumi o compromisso com os meninos. Eu só não vou é nesses aviões da TAM e da VASP que estão cai-não-cai". Depois de argumento tão incontestável, a cantora conseguiu o que queria.


HOSPEDAGEM - Fomos - eu e Tida Medeiros - recepcionar Cátia de França no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, o aeroporto de Brasília. Ainda não tínhamos conseguido local para hospedá-la. A jornalista potiguar Rejane Medeiros, que também mora em Brasília, estava disparando telefonemas para vários lugares. A essa altura, até arrumar um hotel com a gente pagando do próprio bolso estava difícil. Mas alguns contatos tinham sido mantidos, e Rejane buscava desesperadamente uma confirmação. Por volta das 11 da manhã cheguei com Tida no aeroporto. Tínhamos combinado previamente propor a Cátia irmos direto para o Feitiço Mineiro (local de suas primeiras apresentações). Ela poderia conhecer o espaço, almoçar e depois a levaríamos para o hotel. A intenção era ganhar tampo para tentar conseguir hotel. Pois bem, dentro do elevador do aeroporto, meu telefone celular tocou. Era Rejane. Enquanto eu a ouvia, acompanhava também Tida tentando convencer Cátia de França a irmos direto para o Feitiço Mineiro. Mas Rejane trouxe boas novas, "procure Jesus, no San Marco Hotel". Logo que desliguei o telefone, entrei no meio do diálogo que Tida travava com Cátia. "É, Tida, mas se ela quiser antes passar no hotel para tomar um banho e deixar sua bagagem, não tem problema nenhum". Imediatamente Tida compreendeu o recado. "É Cátia, você é quem decide, você é quem sabe". O resultado é que fomos acomodá-la no hotel antes do almoço no Feitiço Mineiro. A hospedagem foi conseguida por Rejane junto ao pessoal do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco). E, claro, com a ajuda de uma pessoa chamada Jesus.

4 comentários:

  1. Q maravilha, Cátia é minha amiga e já escrevi mt sobre ela na Gazeta de Alagoas nos anos 90! Gostaria mt de saber onde ela está agora. Acabei de ver uns vídeos sobre novas gravações num sítio no Rio de Janeiro!
    Abraços,
    Ricardo Guima

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  2. Ricardo, ela anda pelo Rio de Janeiro, mas fazendo shows em diversas partes do país. Estou louco para que ela lance seu mais novo CD, Hóspede da Natureza. Obrigado pelo comentário.

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  3. Gente, conheci a Cátia, roubando ela de casa pra mae dela nao saber onde ela iria... O talento dela ja brotava pelos poros onde quer q ela chegasse.A musica dela mais marcante pra mim num festival do Teatro Sta Rosa foi...OS OLHOS NEGROS DE SOFIA.... tb.teve CRISTINA, outra musica belissima... enfim hj.ela ainda permanece a estrela que sempre...Parabens Cátia. do amigo ODIVIO FERNANDO - Rio de Janeiro-Maio 2010

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  4. há tempos sou admiradora de cátia,e no momento começarei um artigo para a faculdade no qual pretendo analisar suas poesias, falar de sua vida e principalmente divulgar seu trabalho. se alguém puder colaborar com dicas de autores ou contatos ficarei lisonjeada!!!!
    thatypax@hotmail.com Londrina PR

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