quarta-feira, 27 de abril de 2011

Entrevista: Antonio Ronaldo

O MILITANTE DA MÚSICA E DA POESIA POTIGUAR

Direto do Fórum da Zona Sul de Natal, estavam lá Ronaldo Siqueira, Joacy Diniz e Carlos Antônio. Do ramo jornalístico, eu, Roberto Fontes e Costa Júnior. Representando a música potiguar, Geraldinho Carvalho e Ricardo Menezes, o dono do Veleiros, local onde se travou a conversa. Todos reunidos para esmiuçar a vida do poeta e compositor Antonio Ronaldo, que levou o amigo José Gilson para participar do blablablá. As canções de Antonio Ronaldo representam importante capítulo da boa música potiguar brasileira. Seus poemas dão consistência e ajudam a justificar a fama que Natal tem de cidade de poetas. Durante mais de uma hora Antonio Ronaldo respondeu sem rodeios aos questionamentos do time escalado para arguí-lo. Um resumo do diálogo travado você confere a seguir aqui no jornal ou no site http://zonasulnatal.blogspot.com/ (robertohomem@gmail.com)


ZONA SUL – Fale um pouco sobre você.
RONALDO – Meu nome é Antonio Ronaldo de Sousa Ferreira. Nasci em Mossoró. A família do meu pai é de lá. Minha mãe é de Catolé do Rocha, na Paraíba.
ZONA SUL – Seus pais continuam vivos?
RONALDO – Só a minha mãe. Meu pai era alfaiate e foi cantor de rádio. Era sambista. Seu nome era José Ferreira.
ZONA SUL – Ele também compunha?
RONALDO – Nunca tomei conhecimento de nada que ele tivesse composto. Trabalhou na Rádio Difusora, na época em que o rádio tinha “cast”. Os artistas locais faziam o repertório dos artistas nacionais. Meu pai era especializado em samba: Cyro Monteiro, Roberto Silva e Jorge Veiga.
ZONA SUL – Seu pai ensaiava, ou costumava cantar, em casa?
RONALDO – As lembranças que guardo já começam depois que ele saiu da Difusora. Então, nessa época ele já não ensaiava. Mas ainda possuía um violão que havia trocado por um terno que ele próprio costurou. Era um violão bem artesanal, com tarrachas de madeira e tudo. Esse violão animava a família. Ele sempre cantava. Minha mãe, que tinha participado de coral em igreja, também gostava de cantar. Eles faziam duos, interpretavam guarânias, músicas de Cascatinha e Inhana e um repertório diversificado. Às vezes a gente também cantava com eles, na calçada.
ZONA SUL – Como é o nome da sua mãe?
RONALDO – Maria de Lurdes Ferreira. Ela é aposentada do magistério público. Lá em casa somos quatro filhos, dois casais. Rosane, a mais velha, trabalha no Tribunal Regional Eleitoral, na comarca de Dix-Sept Rosado. Rosemeire é professora. Em breve se aposentará. Meu irmão José Ferreira da Silva Júnior é funcionário público do estado. Formou-se em economia, mas não exerce. Ele também gosta de música e toca. Seu filho já está tocando violão também. A gente sempre se encontra pra fazer alguma coisa juntos.
ZONA SUL – Seu irmão toca profissionalmente?
RONALDO – Não. Ninguém na minha família atua profissionalmente com música.
ZONA SUL – Nem você?
RONALDO – Nem eu. (risos). Não atuo profissionalmente, eu milito organicamente. Vivo para a poesia e para a música. Acho que isso é o que há de mais fundamental na minha vida. Além disso, trabalho para sobreviver. Como diria Caetano, “é um jeito de corpo”.
ZONA SUL – A música, então, seria uma espécie de hobby?
RONALDO – Não vejo dessa forma. Não diminuo a participação da música na minha vida, principalmente pela qualidade que procuro imprimir a esse trabalho.
ZONA SUL – Quais recordações você traz dos tempos de menino em Mossoró?
RONALDO – Não tenho muita lembrança dessa época porque não tive uma infância muito interessante. Comecei a descobrir a vida quando cheguei a Natal, dos 13 para os 14 anos. Fui morar no bairro de Santos Reis. Lá me sociabilizei mais. Em Mossoró, nunca tive muitas amizades, até por não costumar sair. Minha família é ligada em Mossoró. Vou uma vez por ano, com muito esforço. Em 2010, por exemplo, só fui para o aniversário da minha mãe.
ZONA SUL – A música começou a existir pra você em Mossoró?
RONALDO – Quando eu cursava o ginásio, papai pegava o violão e me passava alguns acordes. Eu repassava esses acordes aprendidos para algumas colegas da escola. O interessante de Mossoró é que eu me correspondia com algumas pessoas em Portugal. Mandei um anúncio para um jornal chamado Diário Popular de Lisboa e passei a receber várias cartas. Uma das correspondentes me mandava poemas. Até então eu não escrevia nada. A primeira vez que fui mexer com música foi para musicar um poema dessa minha amiga. Depois dessa experiência passei a escrever. No começo eu escrevia tudo metrificado, rimado, fazia uma coisa inspirada no cordel. Esse formato facilita muito o trabalho musical.
ZONA SUL – E Natal?
RONALDO - Quando cheguei a Natal, depois que passei no vestibular, comecei a procurar emprego. Fui trabalhar na Guararapes. Lá já estava escrevendo com intensidade. Eu datilografava tudo o que escrevia e depois formava uns bloquinhos. Estudava à noite e trabalhava na Guararapes quase 50 horas por semana. Mesmo assim, eu vivia na farra. Natal é uma cidade muito convidativa, principalmente na sexta-feira. Tomar um pileque nesse dia é bem fácil. Comecei a faltar ao trabalho muitos sábados. Quando perdia o sábado, perdia também o final de semana remunerado. Devido a esse prejuízo, preferi pedir demissão. Na época, Diógenes da Cunha Lima era professor de um amigo meu. Foi antes de ele ser reitor. Diógenes, que já era influente, me deu uma carta de apresentação para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Peguei carona e fui. Quando cheguei à universidade, que protocolei aquela carta, uma moça disse que eu tinha perdido o calendário de matrícula. Tive que voltar pra Natal desempregado...
ZONA SUL – Vamos retroceder um pouquinho para você contar como se deu a mudança de Mossoró para Natal.
RONALDO – Saí de Mossoró ao concluir o ginásio. Uma irmã do meu pai morava na capital. Junto com a minha mãe, ela e o marido conseguiram uma vaga para eu estudar na ETFRN, que hoje é o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Cursei o técnico de Estradas. Concluí o curso, mas de uma forma muito irreverente. Nem o estágio eu fiz. Na época as avaliações eram feitas pelo nível médio da turma. Minha turma tinha um acordo que era o seguinte: quem era bom em determinadas disciplinas fazia um esforço para não tirar nota alta. Dessa forma a média ficava menor. Por exemplo: como eu era bom em português, história e geografia, me segurava para que a média fosse suficiente para todo mundo ir sobrevivendo. Quem era bom nas disciplinas técnicas, o que não era o meu caso, puxava o freio de mão, também. Dei-me mal nessa história porque, apesar dessa combinação, não consegui passar em algumas disciplinas. O resultado é que mesmo aprovado no vestibular para jornalismo, em 1976, não ingressei na universidade por não ter concluído o segundo grau. Comemorei com uma farra grande, mas essa festa foi uma farsa. (risos).
ZONA SUL – Mas depois você concluiu o curso...
RONALDO – Fiquei mais um ano só para pagar essas disciplinas técnicas. Foi quando entrei na Guararapes. No ano seguinte fiz novo vestibular para jornalismo. Passei, mas permaneci apenas um ano no curso. Ao término desse primeiro ano, eu já estava desencantado, digamos assim, com o curso. Nessa época eu lia biografia de autores e percebia que quase todos tinham cursado direito. Então resolvi fazer o curso de direito, também. Em 1977, acho, entrei no curso de direito. Concluí porque não dava mais para protelar. Eu tinha que terminar algum curso superior. Do contrário eu estaria na malandragem até hoje.
ZONA SUL – Então vamos retornar ao Rio de Janeiro... Você foi para lá como hippie?
RONALDO – Mais ou menos. Não que eu fosse mesmo hippie, mas era bem ao estilo. Eu era um estudante universitário que nas férias escolares pegava a estrada.
ZONA SUL – A ida para o Rio foi importante para você na área de música e literatura?
RONALDO – Não. Não tive contato nenhum. Apenas perambulei pela cidade e conheci alguns
espaços. Fiquei pouco mais de uma semana, apenas. Ao retornar à Natal, voltei à vida de sempre. Foi quando Carminha Medeiros soube que eu estava sem emprego e disse que tinha uma vaga no grupo de teatro da universidade, que era o Tônus Companhia de Artes Cênicas. O diretor era Carlos Furtado. Na época ele também dirigia o Grupo Expressão, que era o elenco da TV Universitária. Ele marcava todos os ensaios lá na TVU. O músico e compositor Babal andava por lá. Foi quando ele conheceu meus caderninhos e musicou algumas coisas que eu tinha escrito. Naquela época Lelé Alves também estava por aqui. Ela cantou música minha em programa da TVU. Inscrevi uma música no festival da Globo, em Recife. Foi classificada. Defendi essa canção sem nenhum profissional me acompanhando. Contratei um bando de amadores conhecidos e enfrentei. Foi um grande mico. Isso ocorreu possivelmente em 1978. Tenho fotos da apresentação. Nessa mesma época passei a ir aos festivais de Campina Grande. Aí eu já participava com Jorge Macedo, Cleudo...
ZONA SUL – Como se desenvolveu sua veia poética até então?
RONALDO – Nessa época havia o movimento de poesia marginal. Tinha vários grupos, me vinculei ao grupo de João da Rua. Não lembro qual nome tinha, nunca me preocupei com essas denominações. Uma casa na rua do motor funcionava como uma espécie de ponto de encontro. Eu morava na residência universitária. Descia de lá para a Rua do Motor, nas minhas horas vagas, junto com esse pessoal. Lá a gente escrevia e publicava em tabloides. No âmbito da universidade teve um projeto chamado “Laboratório de Criatividade”. Foi Socorro Trindade quem trouxe essa experiência, do Rio de Janeiro. Acho que Diógenes da Cunha Lima era reitor. O projeto foi bem estruturado. Os trabalhos selecionados eram publicados em um jornal mural chamado “Dito e Feito”. Saíram cinco edições com poemas e textos em prosa que a gente produzia. Na época os minicontos eram comuns. Diziam que era uma característica da literatura do período da repressão, de uma geração sem palavras. Era uma coisa lacônica. Acreditava-se que as pessoas tinham poucas leituras. Não sei se era bem isso. Alguns minicontos eram um exercício minimalista tão bem feito, que virava uma coisa muito legal.
ZONA SUL – A censura interferiu no seu trabalho?
RONALDO – Eu mandava as minhas letras para a censura, mas eles não davam a mínima (risos). A censura tinha olhos para cachorro grande, não pra mim. Mas, voltando ao Laboratório de Criatividade, é interessante ler o livro “Grande Ponto”, uma coletânea dessa produção. Inclui muitas pessoas interessantes. Não vou citar para não esquecer algumas.
ZONA SUL – Em algum momento você pensou em abraçar profissionalmente a carreira de escritor ou de artista da música?
RONALDO – Em determinado momento, me fixei na ideia de ser um compositor. Nos anos 1990 começou a aparecer em Natal a possibilidade de gravar CD, graças ao Profinc (Programa de Financiamento à Cultura) e à própria tecnologia disponível. Através de Cida Lobo e de Geraldo Carvalho, me projetei como compositor. Foi super-gratificante, mas nunca deixei de almejar um estouro nacional através desses artistas. Porém tudo é muito difícil aqui no Rio Grande do Norte. Não sei se prevalece a maldição de Câmara Cascudo: “Natal não consagra, nem desconsagra ninguém”. Se é coincidência ou maldição, não sei, mas é difícil para o artista local ter uma inserção no mercado. Hoje em dia, pra complicar, o mercado fonográfico é muito precário. O artista está vivendo na incerteza sem saber se esse mercado voltará a florescer.
ZONA SUL – A experiência com o Grupo Trampo se deu em qual época?
RONALDO – O Trampo foi no início dos anos 1990: surgiu a partir de Manassés e Leão Neto. Cada um deles gravou um bolachão em Recife, com quatro músicas. Fizeram um show de lançamento bem arquitetado, no Teatro Alberto Maranhão. Na ocasião, Manassés me chamou pra cantar com ele “Blues da Neblina”, que era uma música minha. Leão Neto convidou Romildo Soares para cantar “Deus não é brasileiro”. Ali começou a se formar uma espécie de instante especial, digamos assim. Iracema, a companheira de Romildo, era muito ligada a Sueldo. Ele se incorporou ao grupo. Eu, que tinha muita ligação com Odaíres, a convidei também. Edimar Costa já era ligado a todas essas pessoas. A partir desse núcleo de sete pessoas, fundamos o grupo denominado Trampo. A gente se reuniu e escreveu um manifesto. A discussão era a dificuldade dos artistas de música no estado eclodirem. Esse ano estamos tentando comemorar os 20 anos do Trampo. A discussão era “por que os artistas são tão cada um por si e Deus contra todos?”. A gente propunha todo mundo “trampar” coletivamente e se esforçar pelo trabalho do outro. Mas uns olhavam com desconfiança, alguns achavam que queríamos fundar um sindicato de músicos, ou coisa parecida. A gente construiu o Trampo fazendo, botando a coisa em prática. Nessa época a gente morava em uma casa na Vila de Ponta Negra, uma casa grande que era de Tião Carneiro. Ele havia alugado. A gente fazia festas do Trampo e cobrava ingresso. Era uma corrida do ouro. O pessoal tinha uma disposição bárbara.
ZONA SUL – O Trampo teve alguma apresentação que se destacou das demais?
RONALDO – Duas festas que fizemos - uma se chamava “É proibido proibir” e a outra esqueci o nome - foram especiais. Também foi muito legal quando os petroleiros nos levaram para participar de um circuito de shows em Mossoró. Fizemos várias festas em Natal. Outra ocasião foi uma noite em que fizemos show com a participação de Sérgio Sampaio. Foi a primeira vez que Sérgio Sampaio veio apresentar em Natal o seu show “Tem que acontecer”. Fizemos a abertura, no Casablanca.
ZONA SUL – Sérgio Sampaio era uma pessoa receptiva?
RONALDO – Meu primeiro contato com ele foi logo que na sua chegada do aeroporto. Tinha
várias pessoas e jornalistas assediando. Mostrei uma música a ele. Lula Augusto estava com a gente e, lá pras tantas, quis interromper. Mas Sérgio Sampaio insistiu para que eu continuasse a tocar. Cida Lobo depois gravou essa música. Mas foi coisa de botequim mesmo. Ouvi Sérgio Sampaio pela primeira vez ainda quando morava em Mossoró. Foi na rádio Rural, quando tocou aquele disco “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das 10”, em 1971. Fiquei louco pela música “Todo mundo está feliz”. Mas não sabia de quem era. Em 1973 vi Sérgio Sampaio cantar no programa do Chacrinha “Eu quero é botar meu bloco na rua”. O mesmo arrebatamento aconteceu naquele momento. Esse elepê eu consegui comprar depois de algum tempo. Sérgio Sampaio era considerado maldito. Não aceitou as imposições de gravadora, principalmente de Roberto Menescal, dos enquadramentos que queriam fazer. Ele era mais livre, queria fazer as coisas ao seu modo. Terminou chutando o pau da barraca e se deu mal, como toda uma geração.
ZONA SUL – Suas influências musicais são os malditos como Sérgio Sampaio?
RONALDO – Minha bíblia é o disco tropicalista “Panis et circenses”. Absorvi muito a música popular brasileira. De certa forma até ignoro a música internacional. Meu pai me deu muita informação sobre música. Eu gostava dos sambas que ele tocava, principalmente os de Roberto Silva. Ele falou muitas vezes de um compositor potiguar chamado Raimundo Olavo. Depois vim saber que ele é de Barra de Maxaranguape, mas a referência era das Rocas. Era alfaiate. Certo dia largou tudo e foi para o Rio. Chegou à rádio Tupi e disse a Roberto Silva: “olha, eu faço samba sincopado, do jeito que você gosta e pratica”. Roberto Silva gravou mais de vinte sambas dele. Esse cara tem uma obra esquecida. Nos últimos anos venho empreendendo uma pesquisa sobre a obra dele. Eu e João Barra conseguimos em áudio quase 25 músicas dele, garimpando em sebo, pesquisando na Internet para saber em que disco saiu e mandando comprar.
ZONA SUL – Qual a sua intenção com essa pesquisa?
RONALDO – Quero revisitar essas composições contemporaneamente, mostrando-as com novos intérpretes e novas roupagens. Gosto de mexer com projetos musicais. Acho que o que desenho pra mim é justamente caminhar em direção à produção artística, literária e musical: a produção cultural, digamos assim.
ZONA SUL – Na literatura, quem lhe influenciou?
RONALDO – Manuel Bandeira é a minha predileção, mas tem também Drummond. Na adolescência comecei a conhecer a literatura mais contemporânea. Um me impressionou muito: José J. Veiga. Li muitos livros dele. Li também outros, como Jorge Amado. J. Veiga era realismo fantástico. Li primeiro “A hora dos ruminantes”. Depois, “Os cavalinhos de Platiplanto” e assim por diante.
ZONA SUL – Os autores beatnick, como Jack Kerouak e Allen Ginsberg, também lhe impressionaram?
RONALDO – Em um primeiro momento, não. Só quando a Brasiliense começou a lançar os livros como “On the road” fui me familiarizando. Fui mais influenciado, para escrever, pela MPB mesmo. Desde muito cedo despertou essa minha sensibilidade para a escrita. Isso independente da leitura, até porque, naquela época, não havia biblioteca na minha casa. Lembrei agora de outro que eu gostava muito: Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta.
ZONA SUL – Antes de gravar seus dois primeiros CDs você já havia feito apresentações solo?
RONALDO – Não. Só passei a fazer em função da gravação do disco.
ZONA SUL – Como foi decidir gravar esses discos?
RONALDO – Sempre tive uma dúvida atroz sobre a viabilidade de eu fazer um disco como intérprete das minhas músicas. Como compositor, digamos assim, eu já tinha me consolidado. Ser
intérprete era um debate que eu estabelecia com amigos mais próximos. Alguns diziam que seria legal se eu convidasse intérpretes para gravar um disco com as minhas canções. Mas Manassés Campos segurou essa onda e defendeu a tese de que eu deveria cantar. Também me sugeriram que eu ao invés de colocar a minha foto na capa do disco, estampasse um desenho. Mais uma vez Manassés foi contra. Acabou me convencendo a fazer o disco chamado “Sátiro”. Aliás, eu não diria que fiquei convencido, mas como o produto ficou bem apresentado ao final, então está tudo bem. Foi prensado na Sony. As fotos são de Giovanni Sérgio e o projeto gráfico é de Cleiton Martorano. Têm participações de pessoas muito especiais. Na bateria, Di Stéffano, que, na minha opinião, é “o baterista”. Os músicos são fabulosos. O maestro foi Jubileu Filho. Depois dessa experiência, resolvi partir para um segundo projeto, dessa vez convidando intérpretes. Esse trabalho está sendo editado.
ZONA SUL – Como as pessoas receberam o “Sátiro”?
RONALDO – Algumas pessoas não gostaram da minha performance, mas adoraram o repertório. Uma coisa que me gratificou é que cada um desses dois discos foi trabalhado dentro de um conceito, coisa que os artistas não costumam fazer. São trabalhos conceituais. Quando você encontra alguém que consegue identificar isso, é gratificante, pois dá a sensação de que o objetivo foi alcançado.
ZONA SUL – Em termos práticos, foi muito difícil chegar a esse resultado final de excelência obtido com o disco “Sátiro”?
RONALDO – Os músicos, intérpretes e outros amigos que de alguma forma contribuíram para o resultado final do CD são pessoas que não me faltam nunca. O mais difícil foi arrecadar os
recursos. O primeiro disco foi praticamente todo autofinanciado, não teve lei de incentivo. Recebi alguns patrocínios pequenos, mas importantes, como os da Potiguar Turismo e dos mandatos de Fátima Bezerra e Mineiro. Mas o grosso mesmo teve que sair do meu próprio bolso. Meu grande desafio é ter fazer o escoamento da minha produção, que é extensa. Não é nem escoamento, é registro. A gente sabe que um dia vai morrer. E, no meu caso, o que tenho pra deixar é isso: são esses meus trabalhos.
ZONA SUL – Qual a tiragem do seu primeiro CD?
RONALDO – Mil cópias. Não consegui distribuir e nem comecei ainda a recuperar o investimento. O que gastei não foi tanto assim, mas, em relação à fonte dessa arrecadação – o meu bolso, como eu já revelei – foi muito significativo.
ZONA SUL – Fale sobre o lançamento do “Sátiro”.
RONALDO – O show de lançamento foi muito legal. Cida Lobo veio. Foi no Teatro de Cultura Popular da Fundação José Augusto. Geraldinho Carvalho, que está aqui conosco, participou do show cantando “Prego”, a segunda canção do disco. Nesse primeiro disco adotei o critério de apresentar 50% do repertório em parceria e a outra metade de composições individuais. Das parcerias, apenas uma era com um músico: Manassés Campos. O restante era com poetas, como João da Rua, Jota Medeiros, Iracema Macedo, Jarbas Martins, Paulo Procópio e Carlos Magno Fernandes.
ZONA SUL – E esse seu segundo disco? O que você poderia antecipar sobre ele?
RONALDO – Foi um projeto da Fundação José Augusto, o “Prêmio Núbia Lafaiete”. O foco era permitir ao artista registrar um repertório em fonograma. Tinha três categorias. Inscrevi-me na mais barata. Fui contemplado e recebi R$ 3,5 mil para fazer esse disco que chamei de “Novos caetés”. Havia um contrato com estúdios para fazer a hora de gravação por um preço determinado: 30 reais. Mas a parte de arranjos e remuneração dos músicos eu tive que correr por fora. Nesse segundo disco, eu pensei: já que não vou cantar, vou colocar só músicas minhas. (risos).
ZONA SUL – Se você só dispusesse do dinheiro para comprar um dos dois discos, qual deles adquiriria?
RONALDO – Compraria o “Sátiro” pela forma como o CD está apresentado. Esse já está editado. Na forma precária como está o outro, eu esperaria até ser feita a edição.
ZONA SUL – Seria fácil eleger sua composição através da qual você gostaria de ser lembrado? Melhor dizendo: qual a canção que você considera a sua obra-prima?
RONALDO – É muito difícil responder, varia de acordo com o momento. No segundo disco existe um fado que eu gosto muito: “Vaivém”. Ele é interpretado por Kalene Fonseca. Diria que é um momento brilhante do meu trabalho. No segundo disco, gosto principalmente da letra de “Novos caetés”, que Donizete Lima canta, e de “Banana si”, com Yrahn Barreto. Gosto também da última faixa, “Girando a roda”, cantada por Leão Neto. Há peças nesse disco que dão unidade, convergem para o conceito do disco. No “Sátiro” tem “Berrar é humano” que é bem coerente com as demais canções do CD. Já a “Ponta do Morcego” está meio solta lá.
ZONA SUL – Quantos livros de poesia você já publicou?
RONALDO – Entre 1978 até 1985 excetuando o Laboratório de Criatividade, que já citei e foi nesse período, o que consegui projetar foi através de edições próprias mimeografadas ou feitas em offset de mesa ou nos tabloides que circulavam. A partir de 1985 tentei editar de uma forma, digamos, mais convencional. O tempo foi passando e o resultado é que fiquei 15 anos sem editar. Em 2000, quando saiu o primeiro livro, foi que publiquei uma seleção dessa produção. Claro que muita coisa foi jogada fora. Não sou muito criterioso para fazer seleção de texto. Não sei escolher pela qualidade literária, pelo estilo, pela estética, por determinadas característica. Em 2003 Abimael Silva, do Sebo Vermelho, me convidou para participar da “Coleção João Nicodemos”. Propus fazer uma antologia do período publicado em mimeógrafo. Eu mesmo fiz a seleção dos textos e ele publicou um livro de poesias chamado “Jeans avariado”.
ZONA SUL – Então você tem dois livros.
RONALDO – Tenho dois livros editados. Também tenho um livro pronto para ser lançado com João Barra. A gente está criando uma firma que deverá se chamar Tabus e Totens Produções Culturais. A ideia da marca foi minha. Cláudio Damasceno fez a logomarca. Tem o livro chamado “Ao Judas atraente”, já com projeto gráfico pronto. Só falta ser rodado. Também tenho um livro minimalista já pronto. Ele se chama “Mínima Lira”. Na verdade eu queria dar esse nome a uma coleção só de poemas minimalistas de vários autores. Reuni três trabalhos nesse projeto: “A divina maldição”, “Todotosco” e “O fim está próximo”. Outro livro que está prestes a ser lançado – uma amiga está trabalhando a diagramação, essa coisa – se chama “Tenho dito – A dialética do coice e da palavra”. Tem outro que estou escrevendo no computador que se chama “Rangue Luz”. É uma alusão àquela saudação dos surfistas, “Hang Loose”. Só que no caso desse livro, Rangue vem do verbo “rangar”, vem de comer. E luz, é luz mesmo.
ZONA SUL – Que nomeclatura você daria ao seu estilo literário?
RONALDO – Já escrevi um texto sobre isso. Nele me classifiquei como lisérgico-planfetário, ou
algo assim. Estou respondendo de uma forma meio anarquizada, digamos assim. Mas não saberia lhe dizer. Minha escola foi a literatura underground. Mas isso é muito datado, a gente evolui. Hoje eu precisaria de alguém pra me dizer isso. Você falou isso e eu lembrei que já fui questão de prova em um concurso do Instituto Federal de Educação Tecnológica (IFERN) para uma pós-graduação na área de literatura. Lá tem questões sobre textos meus e de Adriano de Souza. Um dos capítulos do curso tem um estudo sobre o meu trabalho. É uma novidade, ninguém publica essas coisas.
ZONA SUL – Onde o leitor pode adquirir os seus trabalhos?
RONALDO – É provável que encontre livros meus no Sebo Vermelho. Algumas de minhas publicações já precisam de uma nova edição. Mas o “Jeans Avariado” talvez ainda seja possível encontrar por lá. Até porque o Sebo Vermelho foi a editora.
ZONA SUL – E os discos?
RONALDO – O “Sátiro” ainda existe em meu poder. Certamente eu devo ter mais de 100 exemplares. Tenho o projeto de fazer um site para comercializar esse material, mas ainda não viabilizei isso. Contatos podem ser feitos por e-mail: ronus@act.psi.br .
ZONA SUL – Como você consegue financiar seus trabalhos culturais?
RONALDO – Sou funcionário público. Minha grande aspiração nessa vida funcional é chegar ao término dela. Sempre me considerei um profissional muito responsável. Estou trabalhando no Fórum da Zona Sul de Natal, na 1ª Vara de Família, desde o final de setembro. Antes, passei dez anos na comarca de São Gonçalo do Amarante. Já tinha trabalhado mais de cinco anos no CEFET, onde fui coordenador pedagógico. Também passei pela Polícia Civil, onde fui escrivão durante 13 anos.
ZONA SUL – No princípio, notamos que a sua vida literária e cultural não foi planejada. Hoje existe algum projeto?
RONALDO – Diria que hoje tenho vários projetos. Cada um em certa fase de andamento. Hoje mesmo estou voltando a estúdio para participar de um projeto chamado “Oferenda”, que é um disco que estou fazendo com parcerias minhas com João Barra, interpretadas por cinco mulheres. Também tenho um projeto chamado “Capricho do Destino” que é antigo, só parcerias com João da Rua. Há algum tempo participei da produção do disco de Zila Mamede. Outro trabalho, que já está prensado, é um CD com intérpretes cantando composições minhas. Esse disco sairá encartado no livro “Ao Judas atraente”. Também pretendo fazer um roteiro tematizando Portugal. Gosto de compor fados. Existe uma discussão sobre a origem do fado. Uma das teses, inclusive de Câmara Cascudo, é que o fado nasceu no Brasil. Fernando Pessoa é um poeta muito reverenciado no Brasil. Mais ainda do que em Portugal. A mpb tem uma intimidade muito grande com ele. Comprei um livro de quadrinhas de Fernando Pessoa, lá em São Paulo e andei musicando alguma coisa. No disco de Zila Mamede, sobre o qual falei agora há pouco, também tem um fado que compus para um poema dela chamado “O galo do convento de Santo Antônio”. A música, no disco, tem interpretação de Lene Macedo. Sinto um grande desejo de fazer um trabalho voltado para o tema lusitano, em interface com a cultura brasileira.
ZONA SUL – Você é músico? Toca algum instrumento? Estudou música?
RONALDO – Não. Sou um leigo, em matéria de música. O instrumento que toco, mal e porcamente, é o violão. Meu ritmo é inconstante. Jamais me acompanho quando estou cantando em público.
ZONA SUL – Deixe um recado para o leitor?
RONALDO – Quero pedir que as pessoas tenham mais atenção à obra dos artistas potiguares. Não só na música, mas arte, de uma forma geral. Quantos artistas talentosos do nosso estado morreram no esquecimento depois de batalhar tanto? Peço ao leitor do Zona Sul que tem condição de consumir um produto cultural de qualidade que preste atenção no que é produzido em Natal. Aqui existe música de qualidade, existe poesia de qualidade, artes plásticas... Tudo. Nossa cultura é rica e de bom nível. Merece ser apreciada.

8 comentários:

  1. Há muito tempo sou macaca de auditório de Antonio Ronaldo. Agora, depois de ler essa e outras entrevistas nesse sítio, também estou me tornando fã desse simpático repórter.
    Vera Fischer

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  2. Gostaria de saber de quem são as fotos. Elas são espetaculares e combinam de uma forma perfeita com o texto dessa entrevista.

    Waldemir

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  3. Sr. Antonio Ronaldo, eu sou da Argentina e tive a sorte de ouvir sua música e alle-la com um elevado teor do coração Brasileiro.
    Eu quero dizer que estou orgulhoso de tê-la entre os meus favoritos. E eu espero que no seu próximo trabalho tenha a difusão que merece a música de tão alto nível.

    Um grande abraço.

    Jorge
    Argentina

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  4. Antonio Ronaldo, um artista de alto nível.

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  5. Antonio Ronaldo, um grande poeta.

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  6. Obrigado aos amigos pelos comentários elogiosos a Antonio Ronaldo. Peço permissão para também fazer minhas essas palavras de vocês.

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  7. Uma vez escrevi uma composição, estilo poesia, não lembro bem, que finalizava assim:"matar o tempo, ou o tempo nos matar" e meu grande amigo e colega de curso compôs a melodia, no violão, em ritmo de fado. Ficou deslumbrante. Você está cada vez melhor. Além de artista, você é muito gente. Amo você.

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  8. O conheci como colega de trabalho (ótimo, por sinal!) Sua poesia nos foi apresentada de forma tímida, discreta, na forma do CD Sátiro, ao qual tenho uma dedicatória. Sua musicalidade, seu modo de ser e de pensar e sua capacidade sagaz de ouvir, sempre me impressionou. Te admiro como ser humano, como poeta e como amigo. Obg pelos presentes que me confiou e pelas palavras sempre doces, dirigidas a mim e minha pequena. Sucesso! Estamos te aplaudindo!

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