domingo, 22 de fevereiro de 2004

Entrevista: JUSTINO NETO

O HOMEM QUE NÃO SE TROCA POR NINGUÉM




Em uma noite quente do começo de janeiro, eu e os jornalistas Costa Júnior e Carlos Roberto Fontes conversamos com o repórter esportivo Justino Neto, hoje assessor de imprensa do ABC Futebol Clube. O calor só foi amenizado pela cerveja gelada e pela brisa do mar de Ponta Negra. Justino é um grande amigo que tenho desde a época em que trabalhei na assessoria de imprensa da Secretaria da Educação do Rio Grande do Norte. Foi um prazer e uma honra descobrir um pouco mais de sua vida nesse papo que rolou no restaurante Veleiros. (Roberto Homem)



ZONA SUL - Como o mundo do esporte passou a fazer parte de sua vida? Antes você trabalhava no Bradesco, não é?
JUSTINO - Trabalhei mesmo no Bradesco, mas, antes disso, eu tinha jogado futebol. O Bradesco foi uma sequência da vida. Minha namorada engravidou e tive que casar. Naquele tempo você ou casava ou já viu como era... Então meu pai chegou e disse: "se depender do dinheiro do futebol vocâ não vai casar não". Ele conseguiu um emprego para mim no almoxarifado do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS). Fui trabalhar com ele lá. Depois fui para uma cigarreira, aí veio o tempo do quartel.


ZONA SUL - Você jogou futebol em qual time?
JUSTINO - Joguei dois anos no Alecrim, aí chegou o tempo do quartel e fui servir no Exército. Joguei no aspirante do Alecrim em 1967 e 1968. Naquele tempo não tinha infantil, nem juvenil, nem juniores. Era só a equipe de aspirantes. O interessante é que quando um jogador da equipe principal se machucava, o treinador ia buscar um substituto no time de aspirantes. Acontecia de você jogar na preliminar, pelos aspirantes, e depois precisar voltar a campo na principal, pelos profissionais.


ZONA SUL - Sua posição era lateral esquerda?
JUSTINO - Sim, mas eu nunca cheguei a ser uma grande estrela. Naquele tempo lateral esquerdo era proibido passar do meio campo. Tinha que ficar da linha da intermediária para trás. Cheguei a ser sacado do time por desobedecer a essa exigência. O treinador Zé Djalma, o popular Tenente, me tirou. Não sei nem se ele é vivo ainda hoje. Eu tinha tendência de ser atacante. Hoje desconfio que minha posição é atacante e ainda não descobri ainda. Chegava no meio campo, eu passava, seguia em frente. Por três vezes Tenente me chamou atenção e me tirou do time. Aí fui para o quartel em 1970.


ZONA SUL - E como você ingressou no rádio?
JUSTINO - O rádio foi consequencia do futebol. Eu trabalhava no Bradesco e, no Tirol, na Praça Augusto Leite, estavam organizando um time de futebol para disputar uma competição. Botamos o nome do time de Rio Negro. Como eu era conhecido, sabiam que eu tinha jogado no Alecrim, me convidaram para ser o treinador. Num intervalo do serviço, lá no Bradesco, fui à Rádio Nordeste botar um anúncio. Quem estava lá era o finado Otaviano Filho, pernambucano que fazia um programa policial chamado Cidade Alerta. Como ele era candidato a vereador, abria espaço no programa pra quem quisesse divulgar notícias de bairro, essa coisa toda. Fui divulgar a nota do meu time. Audi Dudman, que faleceu recentemente, estava assistindo o programa, pois ele entrava logo em seguida com sua equipe, que tinha Gilvando Batista, Oscar Jorge, Edvaldo Pereira, Roberto Machado, Franklin Machado... Depois que li a nota do meu time, quando saí da cabine, Audi me chamou e convidou para trabalhar na rádio. Eu expliquei que já estava empregado no Bradesco e que não sabia nem o que era rádio. Ele insistiu que eu tinha uma voz boa e reforçou o convite para eu trabalhar na resenha esportiva da Nordeste. No dia seguinte retornei à emissora para divulgar outra vez a notinha do time do qual eu era o treinador. Mas Audi insistiu para que eu aceitasse ser plantonista esportivo auxiliando Jorge Canuto. Resolvi aceitar e passei um ano por lá.


ZONA SUL - Mas deixou o emprego do Bradesco?
JUSTINO - Não. Eu trabalhava no banco e, ao meio-dia, corria pra rádio. Minha participação era só de 15 ou 20 minutos. Fiquei nos dois empregos até o dia em que resolvi pedir demissão do Bradesco. Isso foi em 1971. No ano seguinte fui para a Rádio Cabugi, levado por Carlos Alberto e por Eunice Marques. Depois de dois anos passei a trabalhar também na Tribuna do Norte, levado por Agnelo Alves. Acumulei rádio e jornal.


ZONA SUL - Marco Antonio foi quem "promoveu" você na Cabugi de plantonista a repórter de campo?
JUSTINO - Quando Marco Antonio foi contratado pela Cabugi, foi levado para conhecer o estúdio da rádio à meia noite e quarenta. Ele me viu na sala de redação da rádio, com aquele cabelão grande, pois eu era metido a playboy na época. Eu estava na máquina telex, que era por onde chegavam as notícias de outros estados. Marco Antonio perguntou quem eu era. Informaram que eu era o plantonista. Com pouco tempo ele me colocou para trabalhar como repórter.


ZONA SUL - Quer dizer que no rádio esportivo você fez de tudo: de plantão a narrador...
JUSTINO - Fiz noticiário esportivo, noticiário político, fazia redação, cobri os três principais times de Natal, a Federação de Futebol... Cobri tudo.


ZONA SUL - É verdade que você torce por um time que não é o ABC?
JUSTINO - Não, não é verdade. O pessoal acha graça, mas, para ser sincero a você, nem de futebol eu gosto. É a minha profissão. Mesmo assim, reconheço que se eu sair do futebol hoje, vou sentir falta. Realmente, como dizem, é uma cachaça. Você não consegue ficar longe, não. Até msmo quem pára de jogar futebol hoje, mais tempo menos tempo ele procura se encostar novamente em alguma atividade da área, como auxiliar técnico, preparador físico ou treinador de escolinha.


ZONA SUL - Qual o narrador mais fanático torcedor? Quem é o cara que narra e que torce pelo time?
JUSTINO - Hélio Câmara. Um grito de gol do América narrado por Hélio Câmara é diferente. Eu conheço em qualquer lugar. E não é só Hélio Câmara não. O Garotinho, na Rádio Globo, narra um gol do Flamengo diferente de qualquer outro time, apesar de ele torcer pelo Fluminense. Ele grita mais alto, com mais vontade do que qualquer outro gol. É como Hélio Câmara quando o gol é do América. Não precisa nem você saber quem está jogando. O Rio Grande do Norte inteiro conhece. Agora, Hélio Câmara é um dos grandes narradores do Brasil. Não tem aquela história do jogador que nasceu geograficamente errado, como Alberi e Jorginho? É o mesmo com Hélio Câmara. Se ele tivesse nascido no Rio ou em São Paulo hoje estaria consagrado. Tem voz, tem criatividade, tem ritmo. A narração dele é espetacular. Eu o considero um dos melhores do Brasil.


ZONA SUL - Você foi o pioneiro em Natal atuando em assessoria de imprensa de clube? O que está achando da experiência?
JUSTINO - De clube de futebol, sim. Hoje, se eu saísse do ABC e fosse trabalhar em qualquer emissora de rádio, teria condições de desenvolver um trabalho muito melhor. Esse tempo no ABC está sendo gratificante. Aprendi muita coisa. Hoje tenho conidições de dizer o que é um clube de futebol por dentro. Eu sei de onde sai o dinheiro e como ele entra no clube, o que se passa lá dentro, as dificuldades. Hoje eu tenho bagagem para falar com detalhes sobre um clube de futebol.


ZONA SUL - Há muita vaidade tanto nas direções dos clubes como na imprensa esportiva?
JUSTINO - Há demais. Tem diretor de clube que adora um microfone. Se ele não conseguir falar em nome do clube, para ele o dinheiro que empregou no futebol não valeu a pena. Faz questão de deixar o celular ligado na hora da resenha esportiva. Se tiver três telefones, deixa os três ligados. Se ninguém ligar pra ele, ele liga pra rádio, para falar. Liga mesmo. Às vezes é necessário o presidente ou um diretor faalar. Mas tem gente que faz questão de ligar. Nem que seja pra dizer que o jogador que vinha hoje não vem mais. Aí o repórter aproveita e vai levando a entrevista para encher linguiça, coisa que acontece muito. Para o pseudo-dirigente, aquele momento é o máximo. Ele não precisa mais nem almoçar. Tem muitos assim e não é só em Natal, não. Também não é só no futeebol... Tem na política, em todo lugar. A vaidade acima de tudo.


ZONA SUL - Se você ganhasse a concessão de uma emissora de rádio e fosse montar sua equipe esportiva, quem contrataria? Qual sua seleção do rádio?
JUSTINO - Zé Lira seria o plantão esportivo. Os repórteres de pista, com todo o respeito aos demais, seriam Ricardo Silva e Francisco Inácio. O narrador seria Hélio Câmara. O comentarista seria Franklin Machado, se ele quisesse voltar ao rádio. Pra mim foi o maior comentarista que vi em Natal. O irmão dele, Roberto Machado, também foi um dos maiores narradores que ouvi. A equipe técnica seria Luti Lopes e Ailson Bonifácio. São os melhores do Nordeste inteiro, não tem pra onde correr. Já trabalhei com todos eles, inclusive com Franklin e Roberto Machado. Só não trabalhei com Ricardo Silva.


ZONA SUL - O Estatuto do Torcedor tem condições de melhorar a organização do nosso futebol?
JUSTINO - Se for cumprido à risca, melhora. Se não... Tem uns absurdos também no Estatuto, como por exemplo a possibilidade de você responsabilizar dirigentes por um tumulto que tenha ocorrido a quase um quilômetro de distância do local do jogo. Isso não tem sentido. Não existe. Já a definição do calendário com antecedência é uma medida ótima e é primordial no Estatuto. Você já sabe quando vai jogar, que competição vai ser disputada, tem condições de se organizar. Diferente do que acontecia na CBF. Antes ninguém sabia quantos times disputariam a Série C, por exemplo, ou sequer quando a competição começaria. Esse é o ponto de partida para organizar o futebol.


ZONA SUL - O que diferencia um bom técnico de um treinador normal? Qual a receita para um técnico levar sua equipe à vitória?
JUSTINO - Primeiro ele tem que ter um elenco de qualidade. Você não vai a lugar algum com um elenco ruim. Com peças ruins você não vai a canto nenhum. Depois, o carisma, saber levar o plantel, ter domínio sobre o plantel. Não adianta também ter um plantel qualificado e você não ter domínio sobre ele.


ZONA SUL - Qual foi o maior técnico que você já viu trabalhar no Rio Grande do Norte?
JUSTINO - No futebol do Rio Grande do Norte foi Ferdinando Teixeira. A explicação é fácil: de 10 títulos disputados ele ganhou 8! E isso enfrentando treinadores vindos de fora e tudo o mais. Foi para o Fortaleza e ganhou o campeonato cearense também.


ZONA SUL - Qual seria a sua seleção dos jogadores que atuaram no Rio Grande do Norte?
JUSTINO - Goleiro tivemos muitos bons. Ribamar, Erivan, Manoelzinho... Eu ficaria com Erivan, do ABC. Lateral direito, Papagaio, também do ABC. Zagueiro central seria Edson, outro do ABC. Quarto zagueiro tinha o Jácio, do América, mas eu escalaria Ivan Matos. Lateral esquerdo seria Marinho Chagas, não pode ser outro. Depois dele, Nonato. Volante teve Baltasar, Drailton, Paúra, Lourival... Vasconcelos, meio de campo, também jogou muito. Outros craques foram Hélcio Jacaré, Danilo Menezes, Marinho Apolônio, Odilon e Mendonça, que nunca foi campeão em clube nenhum. Moura foi outro jogador diferenciado. Mas, nos meus 53 anos de idade, o jogador que vi jogar mais foi Alberi. Na ponta direita tinha Jangada, Noé Silva... Se botar tempos antigos, tinha Panquela, que veio de Alagoas. Há diferença entre o futebol de antigamente e o de hoje. Já o maior goleador que vi foi Claudinho, ex-ABC. Está até hoje jogando na Arábia. Ele tem uma categoria para fazer gol que é impressionante. E sempre gol bonito. Mais recentemente teve Leonardo. Também vou citar o Robgol e o Sérgio Alves. Na ponta esquerda eu escolheria Burunga. Tem também o Lula, que saiu do estado e chegou à Seleção Brasileira. A especialidade de Burunga era fazer gol, também. Agora, pra mim, o maior jogador foi Alberi. Eu digo em todo o canto. Eu tiro o chapéu para Alberi. Não tem pra onde correr.


ZONA SUL - E para quem você não tiraria o chapéu no mundo esportivo?
JUSTINO - Para os maus dirigentes, para os aproveitadores e os enganadores. O futebol está ruim por causa deles. Mas também tem gente decente no futebol. Nâo são muitos, são poucos.


ZONA SUL - Você teve algum problema, como repórter, com jogador ou treinador?
JUSTINO - Tive com um treinador chamado Hélio Lopes. Ele bebia muito e ainda bebe hoje. Na época ele trabalhava no Alecrim e chegou embriagado na concentração. Fui obrigado a divulgar, pois ele chegou brigando com todo mundo. Ele foi para a rádio dizer que era mentira, essa coisa toda, mas depois voltamos a ser amigos. Hoje ele é meu vizinho, inclusive. Não tocamos mais no assunto. O que passou, passou. Ele reconheceu que eu, trabalhando em rádio, tinha que divulgar aquela informação. Com jogador nunca tive problema. Sou amigo da maioria deles.


ZONA SUL - Você tem algum ritual, algum cuidado quando vai narrar uma partida?
JUSTINO - No dia em que vou narrar, se a partida for à tarde, eu não almoço. Se for à noite, so janto depois do jogo. Isso facilita a minha locução e me dá mais fôlego.


ZONA SUL - Qual um chavão que você criou e que continua a usar?
JUSTINO - "Me queiram bem porque não custa nada a ninguém". Uso até hoje... Tem a música, também: "eu gosto muito de você, Justino, eu não lhe troco por ninguém, não troco não". O mundo do rádio é realmente fascinante.


ZONA SUL - Como você passou a acumular as funções de reórter de campo e de narrador esportivo?
JUSTINO - Fui fazer um jogo em Mossoró, Potiguar e Alecrim, no mesmo horário da partida que seria transmitida em Natal. Eu estava lá só para informar, de tempos em tempos, o resultado da partida. Aí faltou energia no Machadão. A rádio, que tinha gerador próprio, continuou no ar, mas não tinha partida pra narrar. Então, o gaúcho Marco Antonio, que estava narrando o jogo de Natal, anunciou: "agora vamos direto a Mossoró com o nosso narrador Justino Neto". Ainda bem que eu estava atento, com fone de ouvido. Entrei e narrei a partida. Depois disso fiquei na rádio como narrador e repórter.


ZONA SUL - Conte uma história pitoresca que você presenciou nesse tempo todo de futebol.
JUSTINO - A Seleção do Rio Grande do Norte foi enfrentar a de Pernambuco, em Caruaru. Tradicionalmente, o RN jogava de verde, vermelho e branco. E Pernambuco de azul. Só que Flávio Rocha, na época candidato a deputado federal, patrocinou a viagem da nossa Seleção e deu um terno de camisas azuis. Como eu já acompanhava a Seleção e conhecia os jogadores, sabia disso. Fui para Caruaru pela Tropical. Pela Cabugi foram Jota Santiago, Santos Neto e Lauro Neto. Eles chegaram na cidade no dia do jogo, e eu, dois dias antes. Quando eles chegaram no campo, a Telpe tinha transferido a cabine da Cabugi para o lado oposto de onde ficava a da Tropical. Eles só conseguiram começar a narrar o jogo uns 30 minutos depois do seu início. Pra piorar, por causa das cores da camisa, começaram a narrar o Rio Grande do Norte como sendo Pernambuco e vice-e-versa. Um time como se fosse o outro. Na hora do gol eu griteei gol do Rio Grande do Norte e Santiago narrou o gol como sendo de Pernambuco. Ligaram do estúdio da Cabugi, em Natal, para alertar que a Tropical estava dando gol do Rio Grande do Norte. Somente nessa hora foi que eles descobriram, mas Santos Neto já estava desconfiado, porque toda vez que caía um jogador do time que eles achavam ser o de Pernambuco, o massagista que ia atender era Spagueti, do América.

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