domingo, 23 de janeiro de 2011

Entrevista: Mestre Chico Barão

O CEARENSE CONTADOR DE ESTÓRIAS DO PARÁ


Francisco Machado de Andrade, o Mestre Chico Barão, é uma das figuras mais interessantes da atualidade de Belém. Ele é mais um cearense espalhado por esse mundão de Deus. Além de mergulhador, empreiteiro, construtor, escritor, artista plástico, poeta e sambista, entre outros, ele é, sobretudo, um grande e bem humorado contador de estórias. O homem tem uma língua nervosa danada: não para de falar um segundo! Essa entrevista e mais de 70 outras podem ser lidas no site www.zonasulnatal.blogspot.com Com vocês, Mestre Chico Barão. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL - Qual é o seu nome completo?

BARÃO - Francisco Fernando Augusto Machado Coelho Andrade de Vasconcelos. Quando nasci, pensaram que eu era um príncipe. Quando descobriram que eu não era, meu nome foi cortado. Ficou apenas Francisco Machado de Andrade. Por não ser da realeza, deixei de ter aquele nome grande.
ZONA SUL - Você pretendia ser da dinastia Orleans e Bragança?
BARÃO - Orleans e Bragança e adjacências.
ZONA SUL - Onde você nasceu?
BARÃO - Em uma cidade chamada Caucaia, no Ceará. Fica vizinha a Fortaleza. Passei a infância em Fortaleza. Fiquei por lá até os 14 anos. Nasci em Caucaia porque teve um problema de maternidade em Fortaleza.
ZONA SUL - Faltou maternidade em Fortaleza?
BARÃO - Faltou vaga. Como uma pessoa de sangue azul, eu não podia nascer em qualquer lugar. Tinha leito pra gente comum, mas pra pessoas de classe, só em Caucaia. Nasci com médico particular, parteira particular, enfermeira particular... Com tudo particular.
ZONA SUL - Isso representou alguma diferença na sua vida?
BARÃO - Representou, porque depois de ter frequentado o melhor clube de Fortaleza, o Ideal Clube, me vi sem dinheiro. Minha família que era dona de um banco chamado Bancesa (Banco de Sobral S/A, que depois trocou de nome para Banco do Ceará S/A e Banco Comercial Bancesa S/A) foi à falência. Ninguém deu apoio. Meu pai chegou a lavar carro para poder escapar.
ZONA SUL - Vamos deixar essa fase de “liseu” mais pra frente. Conte como foi seu período até os 14 anos em Fortaleza?
BARÃO - Fui um garoto comum. Gostava de soltar papagaio, por exemplo. Só que eu soltava de uma maneira diferente. Todo mundo solta papagaio de baixo pra cima. Eu subia em cima da casa para soltar os papagaios que fazia. Mas eles desciam, ao invés de voar.
ZONA SUL – Seus papagaios respeitavam a lei da gravidade.
BARÃO – É. No dia em que eu achar esse Isaac Newton, ele vai ver só.
ZONA SUL - Além de tentar soltar papagaio, do que mais você gostava de brincar?
BARÃO - De roubar coco. Ainda hoje consigo abrir um coco na mão. Eu morava em frente à Igreja das Missionárias. Os padres queriam que eu fosse sacristão, mas eu não topei. Havia uma construção por trás da casa de minha avó. Tinha um monte de areia. Eu e meus amigos costumávamos ficar em cima da laje ameaçando pular. “Olha que eu pulo, eu vou pular”. O papagaio da vovó aprendeu a dizer essas palavras. Em um dia de missa, peguei esse papagaio e botei ele na torre da igreja. O papagaio começou a falar: “eu vou pular, olha que eu pulo”. O povo que estava assistindo a missa achou que era alguém querendo se suicidar. A brincadeira acabou com aquele ato religioso. Só fui aparecer em casa no outro dia, às 8 da manhã.
ZONA SUL - E o papagaio?
BARÃO - Minha avó pegou ele de volta. O nome do padre era Jessé. Todo dia ele atravessava a rua e ia tomar café na casa da minha avó. Ele ficava insistindo: “leve o Francisco para ser coroinha”.
ZONA SUL - Ele tinha outra intenção nesse convite?
BARÃO – Não, mas depois teve gente naquela mesma igreja que quis me pegar. Mas de outra maneira. Em 1964 quiseram me pegar de verdade porque eu estava gritando: “Costela Branca, Costela Branca”. É que estava por lá um cearense baixinho, chamado Castelo Branco, que tinha acabado de fazer uma revolução. O pessoal da segurança dele ficou com uma raiva danada. Aconteceram várias histórias comigo.
ZONA SUL - Conte mais uma.
BARÃO - Naquela época era costume dos meninos usarem no dedo, como anel, o suporte da antena do Fusca, que era chamado brucutu. Eu estava tirando um suporte desses quando chegou a polícia. “Você está preso, onde é a sua casa?”. Apontei para uma casa de esquina e disse que morava lá. Pedi permissão para chamar meu pai. Entrei naquela casa, que não era a minha. Apareceu uma mulher. Eu disse: “minha senhora, vou buscar uma bola que caiu no seu quintal”. A mulher permitiu. Pulei o muro pelos fundos e deixei os policiais esperando na frente.
ZONA SUL - Você deve ter sido uma criança terrível.
BARÃO - Não contei nada, ainda... Minha mãe tinha uma Rural Willys com marcha na alavanca.
O carro ficava na garagem da igreja, para evitar de eu tirar. Tenho um companheiro sem-vergonha, que hoje é da Receita Federal, chamado Fernando Vasconcelos. A gente pegava a Rural e empurrava para aprender a dirigir. Em uma dessas fugas, a polícia veio atrás. Terminei derrubando a Rural em um buraco. Fugi correndo, a pé. Pulei um portão de uma casa e dei de cara com um cachorro pastor alemão. Quando parei, o cachorro me farejou. No mesmo instante os guardas começaram a bater palmas na porta. O cachorro foi latir para eles. Aproveitei para escalar um muro e pular para um prédio que tinha por trás. De lá, escondido, ainda ouvi quando os soldados comentaram entre si: “só pode morar aqui, o cachorro não fez nada com ele”.
ZONA SUL - Seu relacionamento com a polícia não era bom mesmo. Você chegou a ser preso alguma vez?
BARÃO - Até os 17 anos, não. Depois dos 18, fui várias vezes. Afinal de contas, deixe eu lhe fazer uma pergunta séria. Você já viu algum cavalo preso?
ZONA SUL - Não vi, mas em abril de 2006 publicamos uma entrevista com um cidadão chamado Oswaldo Martins de Oliveira. Apelidado de Wadão do Jegue do Dente de Ouro, ele nos contou que seu jegue chamado Vadico foi preso 12 vezes.
BARÃO - Esse caso é uma exceção. Cadeia foi feita para homem e não para jumento, cavalo ou jegue. Certa vez doei uma área rural para ser construído um posto de polícia e quem inaugurou esse posto de polícia fui eu.
ZONA SUL - Depois de ficar em Fortaleza até os 17 anos, que rumo você deu à sua vida?
BARÃO - De lá vim para o Pará. Quando meu pai quebrou, veio para cá trabalhar na Transamazônica. Ele exportava cera de carnaúba. Recebia a carta de crédito adiantada e tinha que pagar com a cera no valor do dólar do dia. Quando o dólar supervalorizou, meu pai ficou sem condição de entregar em cera o que ele tinha pego através de cartas de câmbio. Com isso perdeu tudo o que tinha. Vim para o Pará e passei a morar no Hotel São Geraldo, no centro da cidade.
ZONA SUL - Quantas estrelas?
BARÃO – Se levarmos em consideração que uma estrela tem cinco pontas, esse hotel tinha quase duas pontas. Não dava nem para ser classificado como meia estrela. Foi lá onde aprendi a comer picadinho, já que não tinha outra coisa. Ia a pé para o Colégio de Nazaré. Nessa época conheci uma menina que trabalhava em uma boate. Ela apaixonou-se por mim. Menino novo, eu não podia olhar uma camisa que ela me dava de presente. Hoje ela ainda mora em Belém. Vez por outra eu pago sua feira, pois ela não tem mais condições de nada. Trabalha fazendo jogo do bicho em banca.
ZONA SUL - Qual foi o seu primeiro trabalho?
BARÃO - Foi cobrador de imobiliária, lá no Ceará. Cobrava alugueis para a imobiliária de meu tio, um dos donos do banco. Mas quando chegava para cobrar e encontrava aqueles velhinhos sem dinheiro, naquelas casas de vila, eu dizia: “deixa pra pagar depois, quando você arrumar o dinheiro”. Quando eu voltava para a empresa, dizia que não tinha arrecadado nada. Mandavam eu ir de novo. Eu ia assistir a um filme. Não ia cobrar de novo porque sentia pena. Hoje sou um empresário de sucesso. Devo esse sucesso a duas coisas: cumprir meus acordos – às vezes até com prejuízo - e não tomar uma gota de suor de quem me ajuda. Isso me fez crescer. Apesar de ter sido sócio do meu pai há algum tempo, quando saí da empresa eu não tinha carro para andar, nem casa pra morar. Tinha apenas 180 reais no bolso.
ZONA SUL – Faz muito tempo?
BARÃO - Foi em 1996. Hoje tenho uma empresa de construção pesada e uma locadora de equipamentos. O carro que eu ando aos finais de semana é um Mustang. Durante a semana uso um Honda Civic. Moro em uma área nobre de Belém, na Doca de Souza Franco, em um apartamento com quatro suítes. Já morei períodos nos Estados Unidos, em Portugal, na França e na Inglaterra. Antes, tive contato com a guerrilha do Araguaia.
ZONA SUL - Como foi essa história?
BARÃO - Participei da guerrilha da pior maneira possível: tanto podia ser morto pelo Exército como pelos guerrilheiros. O Exército podia me confundir com um guerrilheiro e me matar. Da mesma forma os guerrilheiros podiam me confundir com um espião do Exército e acabar comigo. Trabalhei construindo obras prioritárias, como estradas para o Exército poder se locomover. Nessa época o comandante chamava-se Major Curió, que depois virou coronel e tomou conta de Serra Pelada. Mesmo com esse risco todo, passei seis meses na área da guerrilha. Assisti o Genoíno ser amarrado em um poste, igual a um cachorro, e algumas coisas mais.
ZONA SUL – Dizem que ele entregou companheiros de guerrilha.
BARÃO - Não ouvi nada, mas acho difícil alguém ter conversado com Curió e não ter aberto a boca para dizer alguma coisa. Você já apanhava antes de conversar com ele. Não vi Genoíno apanhar. Só testemunhei até quando amarravam ele em um poste. Não era recomendável ficar olhando para esse tipo de coisa. Não acho que o Exército estivesse errado. Da mesma forma também não considero que os guerrilheiros estivessem errados. Cada um tinha a sua razão, sua lógica e a sua ideologia.
ZONA SUL - E você também devia ter a sua razão para não querer se envolver com a confusão.
BARÃO - É verdade. Eu estava ali para ganhar o meu pão de cada dia. Mas posso garantir uma coisa: quem estava lá na área da guerrilha do Araguaia sabe que a maior quantidade de ouro que tem no Brasil está na Serra das Andorinhas. Lá é só ouro, mas nunca foi explorado. O motivo eu não sei.
ZONA SUL - Por que você nunca foi lá explorar esse ouro?
BARÃO - Tenho um negócio comigo: não procuro o que não perdi. Como é que eu vou procurar
um ouro que eu não perdi? Sou realista. A empresa do meu pai trabalhou fazendo rebaixamento na Serra Pelada. Estive lá, mas passei apenas um dia. Os garimpeiros viviam em condição sub-humana. Era como se fosse uma escravidão espontânea. Todo mundo fazia muita força, muitos morriam. A quase totalidade se endividava para sobreviver. Alguns que conseguiam pegar ouro eram mortos, assaltados na saída do garimpo para a cidade.
ZONA SUL – Em Belém sua relação com a polícia melhorou?
BARÃO – Que nada. Certa vez fui agredido por um guarda da cavalaria, na Praça da República. Quando ele tentou me atingir, com o sabre, pela segunda vez, desviei, corri e pulei para dentro de um tanque. O policial estava a cavalo, em um nível mais alto, e eu dentro do tanque. Quando ele se abaixou para desferir o golpe, peguei no seu braço e puxei. Quando ele caiu, mordi a orelha dele e balancei duas vezes. Fui cuspir o pedaço da orelha do soldado na porta do hotel. Em compensação, tenho a marca do sabre até hoje na minha perna.
ZONA SUL - Quer dizer que você antecipou em vários anos o que Mike Tyson faria depois com a orelha de Evander Hollyfield.
BARÃO - Soco eu não dei nenhum, mas a mordidinha... Pior foi que eu nem senti a saibrada. O corte só doeu depois, quando o sangue esfriou. Eu tinha menos de 18 anos. Sempre atirei bem de rifle com uma mão só. Na época da guerrilha o Coronel Curió, que na época era major, chegou no nosso acampamento. A gente costumava matar dois bois pra alimentar todo mundo. O coronel recusou a carne. Disse que preferia comer uma galinha. Apanhei um rifle Remington 22 longo, cabo de madeira, e parti para pegar a galinha no terreno de um colono vizinho. O major reclamou: “que é isso? Vai dar tiro na galinha? Vai pegar no fel”. Disse a ele que atiraria no olho, e que se pegasse na pestana, ele nem precisava comer. Tinha uma castanheira deitada no chão. Botei o rifle em cima dela. A galinha, no terreiro, dava duas bicadas, levantava a cabeça, olhava pra um lado e pro outro e voltava a bicar de novo. Numa dessas, quando ela levantou e olhou pra um lado e para o outro, eu atirei. Não deu pra ver se foi na pestana porque o tiro abriu um chaboque na cabeça da galinha. Mas foi na cabeça. Tempos depois, ele já prefeito de uma cidade chamada Curionópolis, me reconheceu quando fui fazer um asfalto lá. “Rapaz, o menino da galinha”.
ZONA SUL - O que você foi fazer nos Estados Unidos?
BARÃO - Participar de um curso de mergulho. Sou instrutor divemaster de mergulho. Faço busca e resgate, além de mergulho noturno. Fiz essa capacitação já com 30 anos de idade. Fui
primeiro lugar e fiquei como professor adjunto. Quando cheguei lá, não abri conta em banco. Certa vez a pessoa que estava tomando conta do meu dinheiro foi para a Itália, visitar a família da esposa. Fiquei sem dinheiro. Eu morava com uns paraenses. Tinha uma bicha paraense que alugava um quarto para outra bicha. Essa bicha tinha um carro. Um dia os colegas da casa tomaram café da manhã cedo e saíram. Quando acordei, não tinha nada pra comer. Fui até o quintal onde tinha um pé de grapefruit, fruta que parece uma laranja. Quando passei pelo carro da bicha, peguei uma lasca de madeira e botei na válvula do pneu. Fui, comi o graperfruit, e quando voltei o pneu já estava seco. Tirei a vareta, sentei no batente e fiquei esperando. A bichinha passou toda saltitante, “good morning, good morning”. Ela olhou pro pneu e deu um grito. Perguntei o que tinha havido e me ofereci pra trocar o pneu. Tirei o pneu, coloquei o suporte. Nos Estados Unidos o estepe é bem fininho. Ele me deu 20 dólares para eu mandar consertar o pneu. A bichinha saiu para o salão onde trabalhava e eu fui para uma loja de conveniência da rede 7-Eleven. Tomei um café reforçado, comprei umas Budweiser e uma carnezinha pra fazer um barbecue (churrasco). Enchi o pneu e fui para o salão devolver o carro. Chegando lá, ela me deu mais 50 dólares e cortou o meu cabelo. Quando a negada chegou do trabalho eu estava lá melado, às quedas, fazendo churrasco. Eles perguntaram: “Ceará, qual foi o McDonald’s que você roubou? Quando saímos daqui você não tinha dinheiro para tomar um café, e agora está fazendo derrame”. Até hoje ninguém sabe desse segredo. Depois fui trabalhar em um car wash (lava-jato de automóveis) de um brasileiro. Fiquei por lá até a imigração vir atrás de mim. Arranjei uma francesa que tinha dois carros. Quando eu ia pra casa dela e dava prego no meu Camaro velho, ela oferecia um dos seus. Mas não queria que eu dirigisse o carro dela de trabalho. Preferia me dar sua Mercedes. Às vezes eu dava um balão. Quando não arrumava nada, voltava de novo. Certa vez chegou uma amiga dela da Suiça. Dei mais uma vez o golpe. Desliguei o cabo da bateria do Camaro, peguei o carro dela e saí para uma boate chamada Via Brasil. Tomei umas seis doses de whisky. Quando voltei pra casa, meti a mão na porta, abri, tirei a roupa, passei no bar, peguei um whisky casco de louça, botei uma dose e fui pro quarto, já nu. Quando chego lá, vejo as duas no maior amor do mundo. “No have trouble, I understand this”. Não tem problema, eu entendo disso. Fui pro meio. A partir disso, compadre, minha vida melhorou. Era uma coçando a minha cabeça, a outra coçando o meu pé. Uma assando uma carnezinha, outra preparando uma dose de whisky. Quando vim embora para o Brasil, elas queriam vir. Só que eu era casado. Então me deram um pacotinho para eu abrir no avião. Quando abri, tinha um cartão: “esse presente é para você dar a sua mulher, em agradecimento”. Tinha um rolex de ouro branco e amarelo. Depois tiveram em Fortaleza, comigo lá. Minha ex-mulher ficou até com raiva porque fiquei com minha filha menor brincando com elas na praia.
ZONA SUL - E na França, o que você foi fazer por lá?
BARÃO - Fui curtir. Certa ocasião eu estava com uma Mercedes alugada. Na França, Mercedes é táxi. Parei perto de Neris, em um castelo, para olhar e bater umas fotografias. Quando estava andando, vi um cara cuidando do jardim. Indo para o castelo, escuto aquele comentário, em português: “lá vem outro turista filho da puta”. Olhei para ele e perguntei: “baiano, você é brasileiro?”. Ele respondeu que sim, que era do Piauí. O piauiense tomava conta do castelo. Fiz amizade com ele. Me convidou para ficar uns dias no castelo. Compadre, só dormi legal o primeiro dia. Quando comecei a lembrar que lá tinha assombração e visagem, passei a dormir do lado de fora. (risos).
ZONA SUL - E Portugal? Como foi sua estadia por lá?
BARÃO - A vida lá é muito boa: tomar vinho em adega, na bagaceira... Só que lá os caras são filhos da mãe. Você chega a uma adega daquelas e se toma só uma caneca de vinho, o cara fica puto. Se não beber mais três ele fica pensando que você não gostou do vinho dele. Faça quatro visitas em um dia... Num instante você fica pra lá de Marrakesh, e não aproveita nada. Em compensação, foi lá que senti o prazer de comer um pêssego no pé. Era um dos sonhos que eu tinha.
ZONA SUL – Onde você arrumou dinheiro para essas viagens?
BARÃO - Nos Estados Unidos eu estava sem dinheiro, mas eu tinha as coisas aqui, com meu pai.
Mas ganhei dinheiro de várias formas. Uma vez, pescando, tirei uma botija com 86 moedas de ouro e mais de cem de prata. As que não eram de prata ou de ouro, eu tenho todas. Vendi as que valiam mais e fui para o Rio de Janeiro. Hospedado no Hotel Glória, aluguei um saveiro, e peguei uma artista da Globo. Não vou dizer o nome porque ela ainda é viva. Quando voltei pro Pará, tava liso. Também ganhei um dinheirinho por conta da Eletronorte. Estavam fazendo uma subestação aqui e o projeto exigia tijolo maciço. Aqui na região não tinha. Os caras se viram aperreados. Vamos supor que o milheiro do tijolo furado fosse 200 reais. Cobrei, pelo tijolo maciço, 4 mil reais. Toparam a parada, porque estavam sem poder fazer nada. Peguei um adiantamento para entregar 20 milheiros. Quando fiz a primeira entrega, os caras me xingaram, disseram que não era tijolo maciço. Eu disse que eles mandassem o tijolo para São Paulo, para fazer o teste de qualidade. Fizeram, o tijolo foi aprovado e eles mandaram continuar. Eu entreguei. Sabe qual foi o tijolo maciço que entreguei? Peguei o tijolo furado, botei de boca pra cima, fiz um traço de areia e cimento de um pra 16, com fator água cimento que dava pra uma textura ali mole, entupi todos os tijolos e deixei secar. Quando secou, entreguei.
ZONA SUL - Como você conseguiu juntar dinheiro depois de ter saído da aba do seu pai “com uma mão na frente e a outra atrás”?
BARÃO - Com o pouco dinheiro que tinha, fui para um leilão arriscar comprar móveis velhos e reformá-los para vender. Quando comprei os lotes de móveis, em um deles, na parte do et cetera, tinha uma máquina de solda rebocável com motor Perkins de três cilindros. Recuperei essa máquina. Eu tinha comprado o lote por 30 reais, só a máquina vendi por 4 mil. Em outros lotes ocorreu a mesma coisa. Dessa forma dei uma capitalizada alta rapidamente. Criei uma empresa individual chamada Cobra Construtora Brasileira. Houve uma licitação, oito pessoas se habilitaram na carta-convite, mas só eu participei. Por que só eu participei? Porque a licitação era de locação de equipamentos. Os caras compravam o edital, tinham o equipamento e queriam alugar. Só que o objeto era locação de equipamentos, mas a única empresa que tinha locação de equipamentos em sua razão social era a minha. Com a licitação na mão, peguei máquina de um e de outro e fiz a obra. Me capitalizei mais ainda.
ZONA SUL - Como foi seu ingresso na literatura? Qual a origem do seu apelido?
BARÃO - Lá no Ceará meu apelido era Barão. Aqui em Belém, virei também Mestre quando conheci o pessoal da música. Foi depois que fiz uma letra chamada “Só não como porque ela não me dá”. Tornou-se um samba altamente paraense. “Só não como porque ela não me dá um pato no tucupi / Só não como porque ela não me dá camusquinho de siri / Só não como porque ela não me dá uma cuia de açaí”. Esse foi o ingresso.
ZONA SUL – E na literatura?
BARÃO - Por incrível que pareça, agradeço à universidade. Em 1984 fiz uma cadeira chamada Estudo dos Problemas Brasileiros. Depois que fiz um trabalho, meu ex-sogro leu e disse que eu tinha uma veia literária. Até meu professor pediu pra eu dar continuidade àquele texto. Era sobre a transposição das águas do São Francisco para o Jaguaribe. Em um dos trechos eu dizia que um rio, cruzando com outro, paria um bocado de riachos. Esse livro, por incrível que pareça, ainda não terminei. Mas foi meu ingresso na literatura. Como artista plástico, tenho quadro na Secretaria de Estado de Transportes, no Banco do Brasil... Minha meta agora é partir para a escultura. Quero ver até onde eu vou.
ZONA SUL - Você é autodidata?
BARÃO - Claro. Sabe por quê? Em arte o que eu tiver pra aprender com alguém não sou eu. Aquela arte não é minha. Não existe ninguém, que seja um verdadeiro artista, que tenha pego lição de alguém. Ele pode ter melhorado seus conhecimentos.
ZONA SUL – O que você gosta de ler?
BARÃO - Tenho um gosto especial de obras sobre Lampião. Meu avô domava cavalos pra
Lampião. Aprendi a atirar de rifle com sete anos de idade, ensinado também por esse meu avô. Coincidentemente nasci no dia 4 de junho, mesmo dia em que o Lampião nasceu. Ele era capaz de matar um cabra dele porque reclamou da comida. Também mandava ferrar uma mulher só porque ela tinha cortado o cabelo. Em compensação era típico dele pegar o dinheiro do bolso e dar pra um leproso se locomover de um canto pra outro. Na minha visão, Lampião acabou com o cangaço quando levou mulher pro meio dos bandoleiros. Passaram a ter uma vida mais ociosa. Viviam até acabar o dinheiro. Pretendo escrever um livro reproduzindo as histórias que meu avô contou sobre a época de Lampião.
ZONA SUL – Fale sobre seus livros.
BARÃO – Talvez meu principal trabalho seja a colação “Boto – uma boneca cor de rosa” que engloba quatro títulos. O boto-cor-de-rosa, depois de conquistar o título de representante
nacional LGBT, vai atrás do título mundial, depois do intergalático e assim por diante. Também escrevi “Visagens falsas, assombrações verdadeiras” com quatro histórias. Outro livro é “Virando bicho, desvirando gente”, contando uma bela história sobre o lobisomem. Outro livro é “O vulto da torre”. No princípio, os padres subiam na torre da igreja pra fazer o acompanhamento de invasão de índio, ataque de bandido... Com o crescimento da cidade, em volta da torre, os padres continuaram com o hábito, só que para verificar o dia-a-dia das pessoas e extorqui-las no confessionário. Escrevi também “A margem assombrada”, que envolve ONGs e meio ambiente. Também escrevi “Delírios e lírios” e “Lírios e delírios”, dois livros de poesias. Os delírios, como o próprio nome sugere, são histórias fantásticas e irreais. Os lírios são mais centrados e lógicos.
ZONA SUL - Como alguém em Natal pode ter acesso a seus livros? Você vende pela internet?
BARÃO - Vendo. O pior não é isso: às vezes dou. Sou uma pessoa que, graças a Deus, não vivo das minhas publicações, das minhas músicas, nem dos meus quadros. Apesar de os meus quadros terem um valor bastante significativo, que não deve ser dispensado. Quando vejo que a pessoa tem interesse, mas não tem condição financeira, eu dou o livro. Meu interesse maior é que minhas ideias sejam divulgadas. O livro nada mais é do que uma tentativa do autor de alienar o leitor à sua maneira de pensar, aos seus pensamentos.
ZONA SUL - Como entrar em contato com você?
BARÃO – É fácil. Meu nome é Mestre Chico Barão. Sou Barão, mas não sou burro. Não tenho
meu dinheiro para jogar no mato. Tanto é que meu email é gratuito, é o Hotmail. Tou colocando isso bem explicado porque dessa forma o cara não vai esquecer nunca. Meu email é mestrechicobarao@hotmail.com/ Esse email também aceita ameaças, não tem problema nenhum. Se ao ler meus livros você se sentir atingido em alguma coisa, pode reclamar. Sua ameaça será muito bem recebida e inclusive catalogada. Pretendo algum dia ainda fazer um livro só das ameaças que recebi por causa dos livros que escrevo.
ZONA SUL - E o Rio Grande do Norte?
BARÃO - O Rio Grande do Norte é um estado maravilhoso. Já dancei carnaval no parapeito de um hotel em Mossoró. Por aí você vê a largura da parede. Foi feita pra aguentar bala! Tem também uma praia muito boa, chamada Genipabu. Já fiquei hospedado em um motel na praia de Ponta Negra, tempos atrás, porque não tinha vaga em hotel. Passei a maior vergonha no hotel Reis Magos. Eu costumava viajar a me divertindo pelo percurso Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Maceió e Salvador. Em Fortaleza eu pegava uma turista do sul pra fazer o resto da trajetória comigo. Para impressionar, eu pedia sempre um whisky bom, um Royal Salute. Nunca tinha. Aí eu tomava o que eu queria mesmo: Johnnie Walker, Black Label, Ballantines, Old Parr... Só que no hotel Reis Magos caí na besteira de fazer essa graça e o Royal Salute apareceu. Gastei metade do dinheiro que estava separado para a viagem nessa onda. Depois foi que descobri que o nome da boate do hotel era Royal Salute.

5 comentários:

  1. que bicho doido é esse tal de mestre chico barão, sô!!!!

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  2. Meu só a vida desse cara já da muitos livros , ele deve é escrever ela que se tornara um best Seler com certeza , tai uma peça rara que devia ser entrevistada no Jo Soares !

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  3. Francisco,
    Fiquei fascinada com tua entrevista, tú és um carra nota mil!!
    Me encantou...tudo muito lindo...tuas fotos também!
    beijos,
    marlize (feira de santana)

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  4. OLÁ QUERIDO!

    DE ALGUMA FORMA ESTOU SEMPRE PERTO DE VOCÊ, SEJA EM PENSAMENTO, SEJA LENDO ALGO SOBRE MESTRE CHICO BARÃO E NESTA MANHÃ DE DOMINGO ME SENTI A SEU LADO COM ESTA REPORTAGEM. SE VOCÊ QUISER ME PRESENTEAR COM SEU ULTIMO LIVRO, FICAREI MAIS FELIZ DO QUE JÁ FIQUEI LENDO ESTA MATÉRIA SOBRE SUA VIDA. VOCÊ É UM HOMEM ADMIRÁVEL, SOUBE APROVEITAR AS OPORTUNIDADES QUE APARECERAM OU MESMO AS QUE VC CRIOU. VC É UM VITORIOSO. PARABÉNS. BEIJOS COM SAUDADE.
    DIONE (CHAPECÓ)

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  5. Chico Barão merece mesmo o apelido de "Mestre". Agradeço a todos pela visita, leitura e pelos comentários.

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