quarta-feira, 17 de novembro de 2004

Entrevista: Rodger Rogério

FALANDO DA VIDA COM RODGER ROGÉRIO

Rodger Rogério, 60 anos completados em janeiro deste ano, é autor de importantes canções da
MPB como Retrato Marrom (com Fausto Nilo) e Ponta do Lápis (com Clodo Ferreira), ambas gravadas por Raimundo Fagner e Ney Matogrosso. Na virada dos anos 60 para os 70, ele e outros artistas - como Fagner, Belchior, Ednardo, Téti, Petrúcio Maia, Jorge Mello e Amelinha -dividiram-se entre Rio, Brasília e São Paulo para levar além-fronteira a música cearense.
Numa noite do início de setembro, enquanto muita música instrumental de primeira, muito bate-papo, bebida e comida rolavam no comitê de um candidato à Câmara Municipal de Fortaleza, eu falava da vida com Rodger Rogério. Cantor, compositor, professor de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC), ator de teatro e de cinema, homem de rádio e, agora também, roteirista, Rodger, junto com Ednardo e Teti, participou do antológico disco Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem, gravado em 1973, e que ficou conhecido como Pessoal do Ceará. Foi através deste elepê, considerado por muitos o Sgt. Pepper’s cearense, que comecei a conhecer e a gostar do trabalho de Rodger. Sua música Falando da Vida (parceria com Dedé Evangelista), é minha preferida do elepê. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – Como a arte, particularmente a música, apareceu na sua vida?
RODGER – Quem apareceu primeiro foi a música popular. Ouvia no rádio e nas irradiadoras, quando criança. Eu era bem menino mesmo. Lembro de letras de música que minha mãe duvida, e acha que aprendi depois. A paixão era tão grande, já naquela época, que o esforço que fiz para me alfabetizar foi para eu poder ler os folhetos com letras de música que eram vendidos. Eu era alucinado por música.
ZONA SUL – E a música como expressão artística? Como aconteceu?
RODGER – Eu já tinha vontade, já gostava de cantar e tal. Mas foi quando ouvi João Gilberto, aquela coisa estranha, aquele jeito diferente de tocar e cantar e de tudo... Para quem gostava de samba, como eu, foi um choque enorme, mas um choque positivo. Eu pensei logo: quero fazer isso também, quero aprender a fazer isso. Eu tinha um colega no bairro que tocava violão. Ele também se interessou por aprender aquela nova batida. Nesse tempo, comecei a azucrinar o juízo da minha mãe para ela comprar um violão para mim. Ela era professora, viúva... A gente vivia com dificuldade. Até que um dia ela perguntou: filho, quanto é esse violão? Eu já sabia os preços e disse o do mais barato. Um Giannini. No fim do mês, ganhei o dinheiro e fui comprar o violão. Meu amigo me acompanhou para ajudar na hora de escolher. Comprei também um método para aprender.
ZONA SUL – Então você aprendeu sozinho...
RODGER – Sozinho, mas também vendo e ouvindo muita gente tocar. Esse processo de ver e de ouvir foi importantíssimo. Logo me entrosei com músicos profissionais, e tive até oportunidade de tocar contrabaixo. Uns amigos que tinham uma apresentação marcada, tiveram problemas com seu contrabaixista. Como eu tocava violão e conhecia o repertório do grupo, fui convidado e aceitei enfrentar o contrabaixo. Na época, não tinha contrabaixo elétrico, era acústico. Passei pouco mais de uma semana ensaiando o repertório, em casa. Lá era uma beleza: o forro era de madeira, a sala tinha o teto baixo e dava um som lindo. Quando foi na hora de tocar, sem a acústica lá de casa, cadê o som do instrumento? Arranquei a pele dos dedos, foi uma coisa horrível!
ZONA SUL - E a parte de composição?
RODGER – Quando comecei na música, queria ser violonista, não pensava em cantar ou compor. Durou até perceber que, para ser violonista, eu precisaria abdicar de outras coisas. Eu era muito estudioso e gostava muito de futebol. Teria de reduzir essas atividades para dedicar-me ao violão. Vi que não ia ter tempo para ser violonista. Comecei a compor, a ver o meu caminho na música por esse lado. Logo notei que tinha facilidade para fazer melodia. Tinha vontade de fazer, e fazia. Era como se tivesse umas notas assim perto do juízo, perto da cabeça. Resolvi que era compositor e não violonista. Estou nessa até agora.
ZONA SUL– Você tem essa mesma facilidade para compor letras?
RODGER – Eu faço letra, mas prefiro fazer música. A música pra mim é mais fácil, mais espontânea, mais natural. Faço letra quando vem uma idéia e tal. Para compor música, não preciso esperar uma idéia, é uma coisa constante. A letra, não. Faço quando vem uma idéia. Preciso de uma inspiração, de um início.
ZONA SUL– Seu primeiro grande momento foi a gravação do Pessoal do Ceará?
RODGER – Foi... Mas teve antes um festival nordestino em Recife, minha música tirou em segundo lugar, mas foi um sucesso de público enorme. A canção era Bye Bye Baião, uma parceria com Dedé Evangelista. Nós gravamos no disco Chão Sagrado, de Rodger e Téti. Esse LP não teve muita divulgação e a distribuição foi ruim. A gente gravou e em seguida teve um problema: nosso produtor brigou com o diretor artístico da gravadora. Mas o disco é bom.
ZONA SUL – Como surgiu o Pessoal do Ceará? Você já era amigo de Ednardo há muito tempo?
RODGER – A gente já era amigo aqui de Fortaleza. Quando saí daqui, fui primeiro para São Paulo, onde terminei Física. Voltei para dar aula na Universidade Federal do Ceará (UFC). Conciliava as aulas tocando contrabaixo em bailes e boates. Tinha uma bolsa no Instituto de Física. Quando comecei a recebê-la, passei a tocar só aos sábados, para evitar me desgastar, por causa da Física. Certa noite, estava tocando numa boate, quando acenderam um spot em cima de mim. Achei que estava agradando. Na segunda-feira, cortaram minha bolsa no Departamento de Física. Um grupo de professores estava na boate e pediu para acenderem a luz, para confirmar se era eu mesmo. Reivindicaram o corte de minha bolsa, alegando que bolsista da Física não podia ser músico. Depois, quando me deram a bolsa de novo, me fizeram jurar que eu não tocaria mais profissionalmente. Passei a tocar mais dentro da Universidade. Foi aí que conheci artistas como Augusto Pontes, que fez Filosofia; Fausto Nilo, que estava terminando Arquitetura; e Ednardo, que era estudante de Química.
ZONA SUL– E a idéia de sair de Fortaleza? De tentar a sorte em outras paragens?
RODGER – Augusto Pontes era um dos mais velhos da nossa turma e quem mais dava corda e levantava o astral da gente. Dizia que nossa música era boa. Fomos pegando aquela corda. Inicialmente fui para Brasília fazer mestrado em Física. Também foram para lá o Augusto, o Fausto, o Dedé Evangelista e o Raimundo Fagner. Fagner foi fazer vestibular em Brasília. Ele tinha uma irmã morando lá. Na verdade, queria mesmo era usar Brasília como um trampolim para ir para Rio ou São Paulo. Enquanto isso, Belchior ganhou um festival universitário da canção, da Tupi, no Rio de Janeiro. Todo mundo ficou muito eufórico com essa vitória. O Fausto Nilo foi para o Rio e quase não voltou. Foi preciso sua mulher ir buscá-lo. O Fagner não se segurou, largou a universidade e foi também. Quando terminei o mestrado em Brasília, fui para São Paulo dar aula na Universidade de São Paulo (USP). Aluguei um apartamento em frente à casa que Belchior tinha em São Paulo.
ZONA SUL– Isso antes do Pessoal do Ceará...
RODGER – Sim, antes do disco. Ia estrear um programa na Cultura chamado Proposta, de um cara chamado Júlio Lerner. A intenção era apresentar músicas originais. O MPB-4 foi convidado, mas não topou porque não tinha composições próprias. Júlio Lerner procurou Belchior. Através de Belchior, encontrou todos nós. Belchior, Téti, Ednardo e eu fizemos o programa durante algum tempo. Compúnhamos cerca de doze músicas por semana, para o programa. Graças a ele conhecemos o produtor Walter Silva. Ele encantou-se com as músicas, disse que a gente tinha que ter uma gravadora. Conseguiu um disco na Continental. A idéia era todo mundo gravar. Mas Fagner já estava com um disco mais ou menos engatilhado no Rio, o Cirino e o Jorge Mello também. Então gravamos o Ednardo, a Téti e eu, com produção do Walter. Na realidade o nome daquele disco foi Meu corpo, minha embalagem, tudo gasto na viagem. Mas a gravadora escreveu isso de forma enigmática, difícil de ler. Quando você abria - era em formato de álbum - tinha Pessoal do Ceará, bem grande. O que vingou mesmo foi o nome Pessoal do Ceará, que é uma boa marca também. Teve uma música de Ednardo que logo despontou nas paradas: Terral.
ZONA SUL– Além do trabalho com os cearenses, em São Paulo, você travou outros contatos? Algum marcou?
RODGER – Um fato marcante foi conhecer Elis Regina. Eu não sabia que gostava tanto dela! Fiquei emocionado demais. Tão emocionado que não voltei mais lá. Ela pediu para eu levar uma fita, e eu nunca levei. Clodo Ferreira foi comigo na casa dela. Não levei nem violão para não ter perigo dela pedir para eu tocar. Isso foi em 1974, 75, antes dela gravar Falso Brilhante. Mais ou menos na mesma época conheci uma professora de Física em São Paulo, Amélia, irmã de Flávio Império, um sujeito muito importante da cultura do Rio e de São Paulo. Depois de conhecer minha música, ela insistiu para que seu irmão ouvisse também. Gravei um acetato e mandei. Ele gostou e marcou um encontro na casa de Amélia, para eu mostrar minhas músicas a Nara Leão. Na noite combinada, todo mundo lá no Conjunto Residencial da UsP (Crusp), onde eu morava, estava vibrando. Saí com o violão. Cheguei na frente da casa, estava o maior movimento, voltei. Não entrei. Eu era muito tímido. Depois dei uma desculpa, disse que tinha ficado doente. O pessoal do Crusp só faltou me matar quando eu contei que não tinha entrado.
ZONA SUL– Por que você voltou para Fortaleza?
RODGER – São muitos motivos, não apenas um. Vim não pra ficar, mas pra passar uma temporada. Vim achando que passaria seis meses. Fui ficando. A família tinha ficado lá, a Téti, com o Pedro e a Daniela. Até que a Téti resolveu voltar. Já estava há muito tempo lá, sozinha. Voltou. Quando a gente acostuma de novo com a água de coco, com o clima e a praia, voltar pra São Paulo fica, realmente, complicado. Hoje estou casado novamente e tive outros três filhos. Eu já tinha três do casamento com a Téti. Pedro, meu filho com ela, formou-se em música e toca comigo. O mais novo, que tem 15 anos, é roqueiro, mas está começando a descobrir a MPB. Um dia desses me pediu pra ensinar Chega de Saudade. Logo essa música, a que mais me marcou quando João Gilberto surgiu.
ZONA SUL– Sua discografia, o que inclui?
RODGER – Antes do Pessoal do Ceará, participei do disco I Festival de Música Popular Aqui. O elepê reúne as 12 canções classificadas neste festival. Entre elas, duas músicas são minhas: Fox Lore (uma parceria com Dedé Evangelista, que depois gravei no elepê Chão Sagrado, de Rodger e Téti) e Esquina Predileta, música minha interpretada por Ray Miranda. Depois teve um disco de um festival nordestino de música da Tupi que incluiu Bye, Bye, Baião. Também teve um disco de um festival do Gruta, mas esse não saiu, ficou só na matriz. Depois veio o Pessoal do Ceará. Gravei ainda um compacto com duas músicas: Bye, Bye, Baião e Chão Sagrado. Depois, de 74 pra 75, gravei, com a Téti, o disco Chão Sagrado, na RCA. Na era do cd, participei de vários discos de amigos. Também toquei e cantei em discos coletivos que me deram um prazer enorme de participar. Lancei agora, em 2004, o cd Rodger de Rogério, gravado na Feira da Música de 2003 e lançado na deste ano. É um disco ao vivo. O potiguar Mingo Araújo participa na percussão.
ZONA SUL– Como alguém pode adquirir esse seu novo trabalho?
RODGER – Tem nas lojas Desafinado e Oboé, em Fortaleza. Também pode ser encontrado com a produtora Modo Maior. Se alguém quiser me telefonar, meu número é 267-4107, o prefixo é 85, Fortaleza. Eu dou um jeito de ver como é que faz e entro em contato com a Modo Maior.
ZONA SUL– Você também atua no cinema.
RODGER – Sou muito tímido, tinha horror a cantar. Só gostava em casa. Lembro que tinha gente que me ouvia cantar em casa e dizia: por que quando você vai se apresentar não canta assim? Já com 40 e poucos anos, fiz um curso de teatro. Aí liberou. Não que deixei de ser tímido, mas venci isso. Hoje não posso ter oportunidade que estou cantando. Foi o teatro que me libertou. Fiz um pouco de teatro, mas participo mais de cinema. De uns 12, 13 anos pra cá, todo ano faço um, dois filmes. Esse ano é que não fiz nenhum filme ainda.
ZONA SUL– Teve algum papel que você gostou mais?
RODGER – Gosto de todos, de uma maneira geral. Em alguns a gente se sai melhor, em outros nem tanto Muitos destes filmes são curtas-metragens. Tem alguns longas, como Corisco e Dada (96), de Rosemberg Cariry, onde fiz um vaqueiro. Dele também fiz participação pequena em Nas Escadarias do Palácio (2002) e um papel grande em A saga do guerreiro alumioso (93). Também atuei em Milagre em Juazeiro, onde fiz um médium que examina a beata Mocinha. Tem um que ainda não está em cartaz: As tentações do irmão Sebastião, de José Araújo. É um filme magnífico, recomendo a todos.
ZONA SUL– Da sua música o que mais alcançou repercussão? Tem alguma que você gostaria de ser lembrado quando tocada?
RODGER – Não tem. As músicas que o Fagner gravou atingiram um público maior. Retrato Marrom e Ponta do Lápis foram gravadas por Ney Matogrosso e por Fagner. Retrato Marrom é uma das que mais me deu alegria. Quando ela foi gravada por Téti, o argentino Elias Slon, que era spalla da Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo, foi contratado para fazer um solo de violino. Normalmente esse pessoal das cordas termina de tocar e vai embora receber seu cachê. Mas quando ele foi botar o violino, já tinha a melodia, na voz da Téti. Ele ouviu muitas vezes, até acertar o som. Quando o argentino saiu da sala de gravação, foi procurar o compositor da música. Para foi uma satisfação enorme ter composto um tango elogiado por um argentino como ele.

2 comentários:

  1. Esse rapaz é de um valor incalculável. É uma pena que tenha ficado assim, sem que o Brasil inteiro conheça tudo o que tem para dar e dizer. E assim são mutos aqueles que não gozam das oportunidades que os componentes da mesmice conseguem. LASTIMA...
    E GRANDE!!!Segue em frente Rodger. Es bom demais e isso o sabes. ANÔNIMO.

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  2. Se me der licença, assino embaixo de suas palavras. Rodger sim é que é "o cara"!

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