segunda-feira, 30 de agosto de 2004

Entrevista: ADEMILSON BRAGA

O POETA SABIÁ

Na segunda metade de julho, eu e o meu amigo Costa Júnior estivemos na Sorveteria Chapinha, no Parque das Orquídeas, para entrevistar o cantor carioca radicado em Natal Ademilson Braga. Saboreando sorvetes de diversos gostos, conversamos com ele sobre vários temas como religião, música, trabalho comunitário e sua paixão pela capital potiguar.

Os 37 anos parecem pouco tempo para comportar tanta história. Nascido em Campo Grande, no Rio de Janeiro, parente distante do grande cantor romântico Evaldo Braga, Ademilson Braga já foi quase tudo na vida. De pastor evangélico a auxiliar administrativo de uma prestadora de serviço do Projak, da Rede Globo, ele já trabalhou. Logo que chegou a Natal, costumava, junto com um amigo, cantar em ônibus. O percurso preferido era o Macaíba-Natal. Ao final da cantoria, rodava o chapéu para faturar algum. Quando morava no Rio, recebeu um convite inusitado para cantar. “Você canta em qualquer lugar?”, perguntou uma criança desconhecida. Depois de responder que sim, Ademilson Braga ficou imaginando onde seria o tal show. “Em um cabaré?”, arriscou... Não era. “É que meu pai faleceu e ele gostava muito de Nélson Gonçalves. Queria que você cantasse para ele no cemitério”. Ademilson foi, e nessa ocasião até dançou com a viúva do falecido. Cantor, compositor e percussionista, ele é o entrevistado do mês do Zona Sul. (Roberto Homem)

ZONA SUL – Por que você trocou o Rio de Janeiro por Natal?
BRAGA – Primeiro pelo sossego, a calmaria e a tranqüilidade dessa cidade. Eu sempre fui uma pessoa muito tranqüila e aquela coisa de cidade grande, de tumulto, já estava me enchendo. Sempre fui uma pessoa reservada, embora aparente não ser. Quem me vê tão agitado por fora, pode até não imaginar que por dentro sou uma pessoa tranqüila pra caramba. Então, pra mim Natal é uma maravilha.

ZONA SUL – Mas por que Natal? Você já conhecia a cidade?
BRAGA – Sim, eu já conhecia. Já trabalhei aqui, passei um ano e pouco. Vim transferido como pastor de igreja evangélica. Atuei em quase todos os estados do Norte-Nordeste, mas foi por Natal que me apaixonei. Eu trabalhava em missão, trabalho religioso, vim para Natal e gostei muito. Depois disso fiz o percurso do Nordeste, só que Natal me marcou. Não sei se foram as praias ou as pessoas. O povo daqui é muito bacana, simples e a gente acaba se envolvendo.

ZONA SUL – Você continua professando a religião evangélica?
BRAGA – Não. Hoje eu não tenho religião e procuro até não ter. eu tinha uma visão sobre a religião e hoje penso exatamente o contrário. Religião hoje em dia, pra mim, é ajudar o próximo, estar bem comigo mesmo e não prejudicar ninguém.

ZONA SUL – E a música? Como ela passou a fazer parte de sua vida?
BRAGA – Eu comecei a compor aos seis anos de idade. Venho de uma família de artistas. Minha bisavó era poetisa. Meu pai era primo em segundo ou terceiro grau de Evaldo Braga. Um tio do meu pai era repentista. Até meu pai cantava, embora não fosse compositor. Fundamos uma banda lá em Campo Grande, na zona oeste do Rio, chamada Os Vagabundos do Espaço. Éramos vagabundos no bom sentido: de vagar e também porque ninguém trabalhava. Comecei a cantar nessa banda. Comecei com 13 anos, na década de setenta. Nos anos oitenta abrimos shows do Paralamas, Titãs, Ultraje a Rigor, Kid Abelha...

ZONA SUL – A banda chegou a manter contato com o pessoal do Paralamas, Titãs, Ultraje e Kid Abelha?
BRAGA – Batemos papo, conversamos. O contato foi pouco, coisa de momento. Primeiro porque eu era muito novo, não tinha tanta experiência, depois porque eu sempre fui um pouco tímido. Tinha dificuldade de me aproximar. Eu tocava percussão e cantava, além de compor as músicas para a banda. Tenho mais de 300 composições. Do nosso grupo, o guitarrista, o baixista e o baterista (Geraldo, Victor e George) tocam na banda Mega Brite, que inclusive vez por outra faz shows na Europa.

ZONA SUL – Rock era o estilo da Vagabundos? E a Mega Brite?
BRAGA – Ambas tocavam rock heavy metal. Na época começamos tocando heavy metal, mas surgiu aquela fama de que roqueiro era maconheiro e drogado, e eu nunca gostei disso. Foi uma das razões para eu priorizar meu trabalho solo. Tinha vez que chegávamos para tocar e estava aquela fumaceira de maconha. Eu me trancava e dizia que só entrava depois que apagassem os cigarros. Mas ninguém queria saber de apagar seus cigarros, ainda mais em um show de heavy metal! O mais engraçado é que eu ti nhá um cabelo moicano e pintado acaju. Minha orelha era cheia de brincos. Mas todos os brincos eram de pressão. Até minhas tatuagens eram pintadas. Muitos olhavam para mim e pensavam: “esse bicho é muito doido!”. Mas, que nada... Meu irmão desenhava as tatuagens e quando terminava a apresentação eu tirava os brincos. Até porque se eu chegasse em casa com brincos ou tatuagens meu pai me arrebentava.

ZONA SUL – Com o fim da banda, o que você passou a fazer?
BRAGA – A banda acabou entre 88 e 89, e eu não quis integrar a Mega Brite. Passei a tocar em barzinho, com um violonista, a fazer outras coisas como o teatro de rua, trabalhar com mambembe, teatro de arena. Fui deixando essa coisa de banda. Entrei na vida religiosa, fiz alguma coisa de teologia, me formei, fui pastor, mas continuei voltado para a música. Acho que uma das coisas que fez com que o lado religioso não tivesse dado certo foi que terminavam os cultos e eu ia para um clube, uma danceteria. Compus algumas músicas religiosas. Às vezes tinha vigília na igreja e eu estava lá no Free Jazz. Eu não ia perder B.B. King, Al Jarreau e outros.

ZONA SUL – A família o incentivou a seguir a carreira artística?
BRAGA – Não. Também não proibiu. Meu pai sempre me orientava a manter os pés no chão. Esse tipo de carreira é muito difícil. Até os dias de hoje sou muito sonhador e nem sempre estou voando baixo. Meu pai já cantava, participava de show de calouros, de serestas...

ZONA SUL – E suas ligações musicais em Natal?
BRAGA – Em Natal, quando cheguei, em 1996, vim porque havia uma proposta para eu trabalhar na TELERN. Uma amiga conseguiu, eu estava desempregado, tinha acabado o contrato com a empresa que prestava serviço ao Projac, da Rede Globo. O Projac foi entregue, fiquei sem expectativa. Vim para Natal com o intuito de trabalhar na TELERN. Mas, quando cheguei, a vaga tinha sido preenchida um dia antes. Conheci um pessoal de teatro, mas não era muito a minha praia, era teatro evangélico. Faziam um trabalho em igrejas, e eu não queria. Sempre gostei de atuar em associações beneficentes, trabalhar com creches, orfanatos, asilos... E eles estavam levando muito para o lado religioso. Foi aí que saí e conheci pessoas, músicos, comecei a voltar a me envolver com música novamente.

ZONA SUL – Uma de suas músicas está fazendo sucesso no Rio de Janeiro. Como é essa história?
BRAGA – Tenho um amigo locutor em uma rádio recém inaugurada. Ele foi visitar minha mãe, há 25 anos não nos vemos. Minha mãe deu para ele um CD meu, de presente. Ele tocou na rádio, fez uma divulgaçãozinha e hoje minha música O Poeta Sabiá é a mais tocada e a mais pedida na emissora. Outro dia ele ligou para cá e eu dei uma entrevista via satélite. As pessoas perguntaram quando eu ia aparecer no Rio. Eu soube que estão formando um fã clube por lá!

ZONA SUL – O Poeta Sabiá é o título do seu único CD gravado. Fale um pouco sobre esse trabalho.
BRAGA – Esse disco é um sonho de mais de 20 anos. Só em 2001 consegui gravá-lo, mesmo com pouco recurso financeiro. Foi gravado na Art Music, em Natal. São 12 faixas, incluindo diversos ritmos musicais.

ZONA SUL – E da música potiguar, o que você destacaria?
BRAGA – Temos grandes nomes em Natal. Almir Padilha, Babal e Marina Elali são alguns exemplos. Aliás, ela nem precisava estar naquele programa Fama, da Globo, porque já é uma estrela, canta muito bem e é uma pessoa maravilhosa. Temos também Pedrinho Mendes, Ismael Alves, Nara Costa e outros nomes importantes. Gilson de Moura, considerado a maior revelação da música atual da Suíça, é daqui e pouca gente conhece. Na música brasileira costumo escutar Caetano Veloso, Chico Buarque... Gosto muito dos antigos como Noel Rosa e Pixinguinha. De Nara Leão, Tom Jobim, João Gilberto e toda a turma da bossa nova. Chico Buarque foi minha grande influência musical. Ouvíamos muito Chico. Meu pai tinha muito vinil dele. Ainda tenho muita coisa dele, no Rio e em Natal. Tem músicas de Chico que falam diretamente comigo. Eu costumo falar sozinho. Às vezes minha esposa me pega conversando: “olá, como vai?. Eu vou indo e você, tudo bem?”

ZONA SUL – Você tem planos para um segundo CD?
BRAGA – Já estou elaborando as músicas, tenho várias composições novas. Também quero formar um coral para me acompanhar em apresentações. É uma forma também de ajudar a retirar meninos das ruas. Eu faço um trabalho com a comunidade, estou sempre voltado para o meio social. Sou fundador do conselho comunitário aqui do Parque das Orquídeas. Conseguimos trazer linha de ônibus, iluminação e outros benefícios.

ZONA SUL – Você está com alguma banda em Natal?
BRAGA – Formamos uma banda chamada Idos, mas demos uma parada. Chegamos a ter dez componentes. Era uma estrutura muito grande. O problema maior era que havia muitos adolescentes na banda, e alguns deles não tinham muita responsabilidade. Também os contratos que fazíamos rendiam pouco ou então tocávamos e tínhamos dificuldades para receber, depois da apresentação, o valor combinado. Nosso repertório era MPB e pop rock. Cantávamos de Chico Buarque a João Gilberto, de Paralamas a Charles Brown Jr. E também algumas composições minhas. Eu gosto muito de protestar, tenho algumas músicas falando da política local, metendo o pau também em religiões que arrecadam fundos para si próprias e não se preocupam com os seres humanos. O grupo está parado há um ano, depois do falecimento da mãe do nosso baterista, o Bruno. Ela era quem nos dava mais apoio. Desanimamos um pouco. De repente chegamos para um ensaio e recebemos a notícia de que ela tinha morrido. Isso desanimou bastante. Eu continuo exercitando, ensaiando, mesmo sozinho. Às vezes pego três ou quatro pessoas e tocamos algumas coisas. Espero um violonista, alguém que me acompanhe, pelo menos dois violões, para fazer um acústico. Quem quiser manter contato comigo pode fazê-lo pelos telefones (84)643-2855 ou (84)643-4373.

4 comentários:

  1. Boa entrevista com o poeta Sabiá. Você deveria aproveitar e entrevistar o destaque da musica sa Suiça "Gilson de Moura" , acho que ele atualmente é politico aqui no RN???(risos)
    abraços
    sérgio almeida

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  2. Sérgio, o Poeta Sabiá está se mexendo aí em Natal. Coisas novas estão para surgir. Quanto a entrevistar Gilson Moura, vamos ver se vc me convence...

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  3. Gente, Gilson de Moura não tem nada haver com o Dep. Gilson Moura... São duas pessoas completamente diferentes... Gilson de Moura é um compositor fantástico... Diferente.

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  4. Obrigado pela informação, Estrelando.

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