terça-feira, 26 de maio de 2009

Entrevista: Roberto Fontes

O PROVEDOR DE INTERNET DE CHICO CÉSAR


Carlos Roberto de Fontes Pereira nasceu em Caicó, no último dia do ano de 1960. Ele já é velho conhecidos dos que costumam ler estas entrevistas no Zona Sul. Comigo, por exemplo, ele entrevistou Giovanni Sérgio, fotógrafo que ocupou estas mesmas páginas no último mês. Também participou da conversa com Beto Avillis, o Pé-de-Lã, Justino Neto e Dudé Viana, por exemplo. Pois chegou o mês dele. E pela primeira vez uma entrevista desse jornal foi realizada via Skype (programa que transforma o computador em um telefone de ótima qualidade). Ele respondeu direto de Natal às perguntas que lhe fiz aqui de Brasília. O resultado você confere logo a seguir. (robertohomem@gmail.com)


ZONA SUL – Nascer no dia 31 de dezembro, na véspera do Ano Novo, é diferente?
ROBERTO – Não. Só é ruim porque você não consegue fazer uma festa no próprio dia do seu aniversário, para comemorar. É praticamente impossível. Sei disso desde adolescente, quando mamãe organizou uma festa para mim no dia 31 de dezembro. Como eu era escoteiro, na época, convidei os amigos do grupo e também os colegas do colégio. Só apareceu um, o vizinho. Mas eu não fiquei triste e entendi que todo mundo gosta de passar a véspera de Ano Novo os pais e com a família.
ZONA SUL – Esse solitário herói que testemunhou seu aniversário apareceu espontaneamente ou você foi buscá-lo à força?
ROBERTO – Espontaneamente. Mamãe tinha preparado um caldeirão de cachorro quente para todos os convidados. O vizinho chegou às três horas da tarde. Esbaldamos-nos comendo. Só nós dois e a família: mamãe, papai e meu irmão Pituleira. Minha irmã, Anna Karla, que também é jornalista, ainda não tinha nascido.
ZONA SUL – Isso aconteceu em Caicó?
ROBERTO – Sim. Vivi do dia em que nasci até os 32 anos em Caicó.
ZONA SUL – Como foi sua infância?
ROBERTO – Foi uma infância comum, muito alegre...
ZONA SUL – Comum como? Você passava o tempo todo na Internet, atualizando o Orkut, trocando mensagens MSN? Jogava muito Playstation e assistia seus desenhos favoritos no DVD? (risos)
ROBERTO – Não!
ZONA SUL – Infância comum não é isso? (risos)
ROBERTO – Hoje é. Naquela época, infância comum era jogar pelada, brincar de barra-bandeira, de amarelinha, academia e pega-ladrão. Se a brincadeira de pega-ladrão ainda fosse praticada hoje, pouca gente escaparia. (risos) Subi em muitas árvores, nadei no Rio Seridó, explorei o Morro da Capelinha de São Sebastião. A gente escalava esse morro. Não era tão alto assim, mas era uma aventura. Todas essas atividades comuns a quem foi criança na década de 70, eu fiz. Hoje tudo gira em torno do computador, da Internet ou dos videogames... O que é comum hoje era incomum na minha época. Nem existia.
ZONA SUL – Como foram os estudos em Caicó?
ROBERTO – Minha vida acadêmica foi majoritariamente construída em escolas públicas. Estudei em escola particular somente até os dez anos de idade. Foi no Externato Santo Antonio, que era vizinho à minha casa, na Praça da Liberdade, número 88. Hoje se chama Praça Dinarte Mariz. Quando nasci, as professoras do externato - Tia Neném e Tia Anita Galvão - eram amigas de meus pais e frequentavam a nossa casa. Dei meus primeiros passos nesse ambiente escolar, vamos dizer assim. Quando completei a idade mínima para começar a frequentar a escola, meus pais optaram por me colocar no Externato Santo Antonio. A partir do primeiro grau passei a frequentar a escola pública. Todo o meu período estudantil foi vivido em Caicó.
ZONA SUL – Você começou a trabalhar muito cedo?
ROBERTO – Já adolescente, quando eu tinha 15 anos, em 1976, mamãe teve um diagnóstico de câncer. Isso provocou uma reviravolta na minha vida, do ponto de vista operacional. Ela precisou fazer um tratamento muito longo fora de Caicó, em Salvador. Ficou por lá de 76, quando soube da doença, até 78, quando morreu. Por coincidência hoje, dia 19 de abril, completa 31 anos que ela faleceu. Até então, eu morava com pai e mãe. Fui morar com a minha avó, mãe de mamãe. Dos 16 até os 24 anos, quando casei, morei com meus avós. Antes disso, fui um adolescente comum, vamos dizer assim, em uma cidade do interior. Nossas diversões continuavam sendo as peladas, cinema e, esporadicamente, teatro. As companhias apresentavam as peças ou no teatro do Educandário Santa Terezinha ou ao ar livre. O único lugar disponível na cidade para receber bem a população e proporcionar às pessoas uma perfeita percepção do que estava sendo apresentado, era o coreto da Praça da Liberdade. Exatamente na frente da minha residência. Fui privilegiado por ter nascido e me criado na Praça da Liberdade - o lugar mais emblemático de Caicó. O coreto, no século passado, era o lugar onde a cidade era informada das coisas. O nome Praça da Liberdade surgiu porque a leitura da carta de alforria aos escravos de Caicó foi feita lá. Ainda hoje é o lugar mais importante e emblemático de Caicó.
ZONA SUL – Com um nome tão significativo como Praça da Liberdade, a população não protestou quando o local passou a ser chamado de Praça Dinarte Mariz?
ROBERTO – Dinarte Mariz também morava na Praça da Liberdade. Até hoje, apesar de legalmente a praça se chamar Praça Senador Dinarte Mariz, praticamente ninguém se refere a ela por esse nome. Todo mundo só chama de Praça da Liberdade. Mas a continha do IPTU vem com o nome de Praça Dinarte Mariz.
ZONA SUL – Mas você não respondeu se começou a trabalhar cedo...
ROBERTO – Como eu disse, aos 16 anos fui morar com meus avós. Papai era funcionário de uma empresa privada do ramo de algodão. Por liberalidade dos patrões, uma vez por mês ele se ausentava de Caicó para passar uma temporada, uma semana acompanhando minha mãe.
ZONA SUL – Era a época do ouro branco?
ROBERTO – Isso. Foi na época do auge da riqueza do algodão, o ouro branco. Meu pai trabalhava na Algodoeira Seridó Comércio S/A, que foi o empreendimento mais importante do interior do Rio Grande do Norte na época do ouro branco. O ex-prefeito de Caicó, Manoel Torres, e seus irmãos eram os proprietários dessa empresa. Papai optou por me deixar com meus avós, que me receberam muito bem. Nesse período eu já tinha consciência, já tinha notado que minha praia seria o jornalismo.
ZONA SUL – Por que?
ROBERTO – Não sei se é genético ou não, mas o meu bisavô, João Vitoriano de Fontes, foi o primeiro jornalista lá de Caicó. Ele tinha um jornal chamado O Seridó, o primeiro a circular regularmente em Caicó. Depois dele passaram-se duas gerações - a do meu avô e a da minha mãe - sem nenhuma ocorrência de jornalismo. Na terceira geração, a minha, de uma mesma mãe nasceram três jornalistas: eu, minha irmã Anna Karla Fontes e meu irmão Clóvis Pereira, mais conhecido como Pituleira. Sempre fui apaixonado pelo rádio. Nessa época, em Caicó, só tinha a Rádio Rural. Eu era tão aficionado que estudava ouvindo rádio, nem sei como aprendia as coisas.
ZONA SUL – O que você ouvia? Música?
ROBERTO – Um programa que rolava na época, com atrações, cartinhas, notícias, músicas e alguma interação entre o apresentador e os ouvintes. Rádio como veículo de comunicação me fascinou desde cedo. Entendi que minha praia, minha área seria a comunicação. Meus avós moravam na Rua João dos Santos, que ficava a 30 metros do estúdio da Rádio Rural de Caicó. Quando fui morar com eles, passei a frequentar a rádio mais ainda. Quase todos os dias eu ia ver pessoalmente como se desenrolavam as coisas. Nesse ínterim meu irmão, Pituleira, começou a trabalhar como funcionário da emissora. Era locutor esportivo, comentarista e narrador de futebol. Ele sabia da minha fixação por rádio e me convidou para ser o plantonista esportivo da rádio. Efetivamente foi quando comecei a trabalhar com jornalismo, aos 16 anos de idade. De plantonista evoluí para redator e depois para noticiarista. Noticiarista era o cara que lia as notícias. Galguei todos os postos na rádio. Fui apresentador de programas, que a gente chamava de disc-jóquei, fui redator, diretor de programação e uma série de coisas.
ZONA SUL – Como disc-jóquei você arrumou muitas namoradas?
ROBERTO – A Rádio Rural tinha uma atração que tomava entre sete e oito meses do ano. Era um concurso musical chamado A mais bela voz do Sertão. Cada cidade, na área de audiência da rádio, organizava o evento da escolha da mais bela voz local e nós da rádio íamos fazer a festa. Como as pessoas só nos conheciam pela voz, criava aquela expectativa, especialmente entre as meninas. E a gente namorava bastante naquela época. A mais bela voz do Sertão, guardadas as devidas proporções, seria como o Programa do Faustão para as pessoas daquelas pequenas cidades do interior, que não tinham televisão nem muitas alternativas de lazer.
ZONA SUL – Quando você ingressou no governo, como fiscal, ainda morava em Caicó?
ROBERTO – Sim, o início da minha vida profissional foi construído em Caicó. Comecei a trabalhar na rádio, mas em 1979 fui obrigado a sair, para servir ao Exército...
ZONA SUL – Como foi o período no Exército?
ROBERTO – Eu tinha medo de ir para o Exército principalmente pelo fato de ser obrigado a acordar muito cedo e a ter que fazer educação física todos os dias. Na época o serviço militar era obrigatório. Aliás, continua obrigatório até hoje, só que, ao contrário do que ocorria na minha época, atualmente 90% dos que se alistam são dispensados. Fui servir para cumprir aquela obrigação, mas terminei gostando do período militar. Foi um período de aprendizado. No meu caso específico, servir como soldado representou um choque um pouco maior, pois eu era de classe média e estava acostumado a algumas regalias. E no batalhão não tem regalia. Cada um faz a sua própria vida, cuida da sua própria roupa, arruma a sua cama, tem obrigações e tem que cumprir horários... Isso é fundamental para a formação das pessoas. Apesar de ter uma percepção negativa do serviço militar, acabei gostando do período. Claro que eu só passei um ano, que era o tempo regulamentar. Tinha um amigo que era oficial do 31º Batalhão de Infantaria Motorizada em Caicó. Perto de terminar o período de serviço militar obrigatório, um dia, eu de plantão e ele como oficial do dia, durante a ronda, ficamos conversando um pouquinho. Ele olhou pra mim e disse “Roberto, você é um soldado diferenciado aqui, tem um nível de escolaridade bem superior aos demais, você não pretende fazer carreira não?”. Eu respondi: “pretendo, no dia que eu for liberado daqui, nem bala me pega do carreirão que eu vou dar pra casa, pra recomeçar a minha vida”. (risos).
ZONA SUL – E depois dessa pausa para o Exército?
ROBERTO – Antes do Exército eu tinha feito vestibular aqui em Natal, aliás, foi minha primeira viagem a Natal, aos 17 anos. Fiz vestibular para Engenharia Elétrica. Eu estava muito bem preparado. Fiz uma média muito boa, mas insuficiente para passar nesse curso. Depois foi que veio o serviço militar. Ainda como recruta, como soldado do Batalhão de Infantaria, fiz vestibular para Ciências Contábeis, em Caicó. Estava tão preparado pelo meu segundo grau no ensino público de Caicó que passei em quinto lugar, mesmo tendo passado um ano sem estudar, em virtude do serviço militar. Saí do serviço militar, ingressei na universidade e voltei para o rádio.
ZONA SUL – Você tem ideia de como está o ensino público em Caicó? Por exemplo, como está o nível dessa escola onde você terminou o segundo grau?
ROBERTO – Infelizmente houve uma decadência generalizada do ensino público e as informações que eu tenho de lá são as piores possíveis. Deficiência de material, de professores... Não que os professores não se esforcem, mas as condições materiais são péssimas. Hoje estamos em um mundo onde a tecnologia chegou a todos os lugares, menos à escola pública. Qual o atrativo que você tem em assistir a uma aula onde um pobre professor tenta transmitir alguma coisa usando giz e um quadro-negro e mais nada? Há diferenças gritantes entre as possibilidades tecnológicas da minha época e as atuais. Infelizmente as escolas públicas, tanto estaduais como municipais, permaneceram na idade antiga, continuam na década de 70. Só tem um jeito de promover uma mudança radical nisso, fazer com que os alunos voltem a se interessar pelos estudos na escola pública: investir maciçamente em equipamentos e na capacitação dos professores.
ZONA SUL – Mas, voltando à nossa conversa anterior, você deixou o Exército e voltou para a rádio.
ROBERTO – Isso em 1980. Também iniciei meu curso de Contabilidade na UFRN. Na Rádio Rural, comecei a galgar os postos. Fui diretor de programação, redator de notícias, apresentador de programas de variedades e locutor noticiarista. Eu lia as notícias com aquela voz empostada. Um dia, de plantão, depois do almoço, com aquele sono bate não bate, eu ouvia a Rádio Globo. Como não tinha internet, nem telex, nós fazíamos rádio-escuta. Era a única forma de darmos informações de fora de Caicó. Ouvíamos as emissoras do sul do país, gravávamos aquele noticiário e depois tirávamos as informações e escrevíamos os textos. Eu tava naquela modorra, esperando dar uma hora para ler o noticiário das 13 horas. De repente entrou um Globo Extraordinário. A Rádio Globo do Rio informou que o Papa João Paulo II tinha acabado de sofrer um atentado na Praça São Pedro. A redação ficava a uns 20 metros do estúdio, saí em disparada e já gritando de lá: “coloca a vinheta do extraordinário”. Cheguei meio esbaforido, mas dei a notícia: “acaba de acontecer um atentado...”. Não tenho a informação concreta, mas imagino que a Rádio Rural de Caicó tenha sido a primeira no RN a dar essa informação, porque um minuto depois que a Globo deu a notícia, nós estávamos dando também. Não sei se a Cabugi teve a mesma agilidade. A partir do extraordinário, a cidade inteira parou para ouvir a Rádio Rural. O noticiário para televisão sobre o assunto só iria ser dado mais tarde um pouco. A rádio era o grande veículo de comunicação, nas décadas de 70 e 80, lá em Caicó.
ZONA SUL – Eu acho que é mais fácil acabar a televisão e o jornal do que o rádio.
ROBERTO – Eu também acho. Rádio é o veículo mais portátil que existe, você vai com seu aparelhinho para onde imaginar. Lá em Caicó havia, como ainda há hoje, uma grande torcida pelos clubes do Rio de Janeiro. Normalmente antes de dormir a gente ouvia o Panorama Esportivo da Globo. A rádio era a grande Internet na época. No primeiro show de Chico César em Natal, no Teatro Alberto Maranhão, fui com minha ex-mulher e minha filha. No meio do show, alguém gritou: “Chico, Caicó te ama!”. Ele tinha gravado “A prosa impúrpura do Caicó”, uma música muito bonita que fala sobre Caicó e tal. Chico parou o show e comentou: “Eu tenho uma relação muito boa com Caicó, embora tenha ido poucas vezes lá. Gosto muito de Caicó porque ouvia muito a Rádio Rural. E a Rádio Rural, na minha época, era a minha Internet”. O show tinha muitas pessoas de Caicó e ele foi ruidosamente aplaudido. Depois da apresentação, fui ao camarim pedir que Chico César autografasse o CD “Aos Vivos”, que ele tinha lançado a partir da gravação de um show em São Paulo. Olhei pra ele e comentei: “ô, Chico, eu fui seu provedor de Internet”. Ele riu. Na época em que ele ouvia a Rádio Rural eu apresentava programas, fazia a programação musical, o escambau. Chico César disse que foi muito influenciado pela Rádio Rural porque era através dela que ele ouvia as músicas que gostava.
ZONA SUL – E o concurso para auditor fiscal?
ROBERTO – Simultaneamente ao meu trabalho na rádio, comecei a me preparar para concursos públicos. Na época ser funcionário do Banco do Brasil era quase como ser juiz hoje. Era um cargo altamente importante, cobiçadíssimo e bem remunerado. O sonho de todos os pais que tinham uma filha era que elas casassem com um funcionário do Banco do Brasil. Era garantia para o resto da vida. Comecei a me preparar para concurso, especialmente para o Banco do Brasil. Inscrevi-me nos três primeiros concursos que apareceram: Correios, INSS e auditor fiscal do Rio Grande do Norte, que na época era agente fiscal. Só não passei no concurso dos Correios.
ZONA SUL – Ainda bem, se não estaria entregando cartas até hoje.
ROBERTO – Mas não era pra ser carteiro, era pra ser administrador... (risos)
ZONA SUL – Pior ainda, teria passado maus bocados na CPI dos Correios...
ROBERTO – Era mesmo. Então, que bom que eu não passei! Uns dois meses depois da homologação do concurso, o INSS convocou todos os aprovados. Fui chamado e assumi meu cargo público como agente administrativo do INSS no dia 1º de agosto de 1984. Foi o começo da minha vida profissional, em termos de salário. Eu gostava de trabalhar na rádio, mas ela pagava um salário de fome, atrasado e tal. Em 1988, já praticamente no limite do prazo de validade do concurso, o Estado chamou os últimos aprovados no concurso de auditor fiscal. Resolvi fazer uma experiência, para ver se eu me adaptaria. Eu sabia que o salário era melhor, mas precisava fazer o teste pra poder decidir se permaneceria no INSS ou se mudaria pra o Estado, pra ser auditor fiscal. Pedi afastamento do INSS, sem remuneração, e passei um ano como auditor fiscal. Fui trabalhar em Patu.
ZONA SUL – Até então você não tinha ainda ido morar em Natal...
ROBERTO – Não, continuava em Caicó. Depois de um ano como auditor, resolvi que iria ficar no Fisco. As condições salariais eram melhores, o ambiente de trabalho não. Trabalhávamos em postos fiscais, em lugares muito ermos, alguns até perigosos. Corríamos algum risco de vida, mas o salário compensava. Trabalhávamos no sistema de plantão: duas semanas de folga para cada semana trabalhada. Na folga eu podia fazer outra atividade. Permaneci na Rádio Rural e passei a ser correspondente do Diário de Natal em Caicó, a convite do ex-editor Aluizio Lacerda.
ZONA SUL – Como se deu sua ida para Natal?
ROBERTO – Em 1993, na Festa de Sant’Ana, encontrei Aluizio na Praça da Liberdade. Ele me ofereceu a editoria de economia do Diário. Naquela época ele tinha a premonição de que a economia ia dominar o noticiário mais cedo ou mais tarde. Eu tinha adquirido um apartamento em Natal, em 1992, através de financiamento da Caixa Econômica Federal, no Condomínio Vila Morena. Pedi um tempo para pensar. Consultei alguns amigos e a família. Resumo da ópera: resolvi vir para Natal. Estreei como editor de economia do Diário de Natal no dia 1º de dezembro de 2003. No fim de dezembro, dia do meu aniversário de 33 anos, houve a mudança da minha família para Natal. Estou por aqui desde essa época. Antes de vir morar em Natal, fui correspondente da TV Cabugi em Caicó. Na época a emissora era muito rica, se dava ao luxo de ter um correspondente em Caicó. Eu fazia as vezes de produtor, contatava as pessoas, levantava as informações. No dia-a-dia da cidade, quando tinha alguma coisa importante, eu passava as informações por telefone. Quando a matéria exigia imagem, eles mandavam uma equipe. Fiquei no Diário até 1995, quando tentei virar empresário, no ramo da comunicação.
ZONA SUL – Foi através dessa experiência que você se tornou milionário?
ROBERTO – (risos) No Brasil o governo é sócio majoritário de qualquer empresa. Quando falo governo, refiro-me às suas diversas instâncias. Fundamos uma empresa de assessoria de imprensa chamada Bert Jornalistas Associados. Pelo nome imponente, as pessoas que ouviam pensavam que fôssemos, sei lá, uma Globo paralela. Nosso objetivo era prestar assessoria de imprensa de forma profissional. Em 1995 Natal já tinha uma demanda grande por assessorias de imprensa, mas ninguém tinha tido a luz de montar uma empresa exclusivamente voltada para esse tipo de trabalho. Por isso criamos a Bert, eu e mais dois jornalistas de Caicó: Roberto Medeiros e Luciano Herbert. Nós três éramos editores do Diário de Natal e pedimos demissão para entrar nesse mercado. O começo foi muito alvissareiro. Tínhamos como principal cliente o governo do estado. Era um cliente insaciável, todo dia tinha uma demanda, tinha alguma coisa para fazer. Depois estendemos os serviços para a iniciativa privada. Em 1999 precisei sair para assumir outras funções no serviço público. A Bert existe até hoje, mas, pelo que soube, dos sócios originais apenas Roberto Medeiros continua tocando a empresa, mas com muitas dificuldades, inclusive com dívidas fiscais. Tive o desprazer, há uns três anos, de ser notificado por um oficial de justiça para pagar uma dívida de uns 30 ou 40 mil reais de impostos atrasados. Expliquei que não tinha mais nada a ver com a empresa, mas, mesmo assim, por ser sócio original, a justiça me intimou e tive que prestar esclarecimentos. Essa minha sociedade também provocou, certa vez, o bloqueio de minha conta pessoal, devido a uma dívida trabalhista. Passei alguns transtornos ao tentar ser empresário. De qualquer forma, foi uma experiência rica, apesar dos dissabores posteriores. Do ponto de vista material, houve um empobrecimento, mas houve um enriquecimento do ponto de vista profissional.
ZONA SUL – A Bert chegou a atuar na Paraíba, não foi?
ROBERTO – Imagine a megalomania. Montamos uma sucursal da Bert na Paraíba exclusivamente para atender a conta da multinacional McDonalds. Atendíamos a McDonalds em Natal, por exigência do cliente – a gente podia ter recusado – tivemos que nos instalar na Paraíba. O nosso desejo de crescer era tão grande que topamos. Acho que montar essa estrutura em João Pessoa foi, do ponto de vista empresarial, o começo do fim. Era muito gasto para um retorno quase zero.
ZONA SUL – Embora não profissionalmente, você também atua na área de divulgação de artistas. Um deles é Estefanho, seu conterrâneo.
ROBERTO – (risos). Na realidade, nem por diletantismo tenho essa profissão de agenciar artistas. Mas Estefanho é uma criação genial de um amigo chamado Jaziel Medeiros. Ele é um artista maravilhoso: crooner, músico, gozador e um batalhador. Infelizmente ele não tem condição de viver exclusivamente da sua arte, pois morreria de fome. Por isso trabalha como mototaxista, além de ser apresentador de um programa humorístico e de forró na 106 FM, a Rádio Solidariedade, lá de Caicó. Ele gravou um CD: Estefanho – O beiço lascado do forró. Estefanho é um personagem que Jaziel criou: um cantor de forró fanho. É um negócio extraordinário. No disco ele canta músicas conhecidas como Ragatanga e Você é doida demais. Outro artista de quem gosto muito e às vezes preparo alguns textos para ele divulgar seu trabalho é o cantor de Caraúbas, mas radicado em Natal, Dudé Viana. Ele é um artista popular que está há mais tempo na estrada. Seu último disco foi gravado ao vivo quando ele fez uma turnê por Brasília, Rio de Janeiro, Natal e Caraúbas. Quando ele precisa enviar emails para as redações informando sobre seus shows, eu dou uma força. Fui apresentador do show dele em Brasília. Mas isso tudo é na base da amizade, sem maiores pretensões.
ZONA SUL – Outra curiosidade a seu respeito é que no ano passado você se tornou bastante conhecido no Senado Federal como prefeito de Caicó.
ROBERTO – O presidente do Senado da época, o senador Garibaldi Alves Filho, com quem tive a honra de trabalhar no seu primeiro governo, sempre foi muito atencioso com as pessoas do Rio Grande do Norte. Um dia eu estava tentando falar com o assessor de imprensa da Presidência do Senado, José Wilde. Como todo mundo queria falar com Wilde para resolver alguma coisa antes de chegar a Garibaldi, a secretária Adriana, compreensivelmente, botava algumas barreiras. Percebi que os detentores de mandatos eletivos tinham mais celeridade no acesso à sala de Zé Wilde. Então tive a ideia de me autoproclamar prefeito de Caicó, para conseguir entrar mais rápido na sala de Zé. Ela me anunciou como prefeito de Caicó várias vezes. Levamos essa brincadeira praticamente até o fim do período do senador Garibaldi na presidência do Senado. Quando ela soube da verdade, rimos muito.
ZONA SUL – O que você achou dessa demissão generalizada que atingiu a redação do Diário de Natal?
ROBERTO – O comentário é que foram demitidas 25 pessoas. Esse número deve ser só o da redação. O fato é que o jornal vinha claudicando há algum tempo, estava loteado por vários interesses. Tinha muita coluna social e informação desnecessária. Enfim, não estava cumprindo o seu papel de informar bem ao povo do Rio Grande do Norte. Manter uma estrutura daquela funcionando, pagar centenas de funcionários, custa muito caro. Acredito que a decisão foi também empresarial, visando reduzir custos. O problema é que a forma foi desrespeitosa com os profissionais. Eu soube que eles trabalharam o dia normalmente, fizeram as matérias e editaram as páginas. Ao final do expediente, quando o repórter ou editor terminava seu trabalho e ia se despedir, era convidado a passar na sala do diretor, para uma conversa. Lá ele era informado que estava demitido. Do ponto de vista empresarial, considerando apenas o mercado, achei as demissões normais. Foi uma decisão dos acionistas para tentar reduzir os custos. Mas a forma foi extremamente deprimente e desrespeitosa com os colegas que trabalhavam no Diário. Lamentei muito, inclusive pelo fato de ter sido contemporâneo de vários deles. Agora vamos ver se o jornal sobrevive. A rigor as edições têm saído muito ruins. Trouxeram uma equipe de editores de fora. Não estou dizendo que esses profissionais são ruins, mas eles estão totalmente alheios à nossa realidade. Notícias que eles consideram importantes, talvez não mereçam as chamadas de capa. Como ocorreu há pouco tempo, quando o editor da capa colocou a seguinte manchete: “Ah, que calor!”. Isso não é notícia, não vende jornal.
ZONA SUL – Você ficou bastante impressionado quando conheceu, recentemente, um dos primeiros entrevistados do Zona Sul, o humorista piauiense João Cláudio Moreno.
ROBERTO – Estive a trabalho na cidade de Teresina, capital do Piauí, participando de uma reunião do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). É costume nessas reuniões o estado anfitrião programar jantares ou shows com artistas locais. Pra minha surpresa, o artista do jantar de boas vindas foi o sensacional e impagável João Cláudio Moreno. Esse piauiense inclusive já trabalhou na Globo, em programas de Chico Anysio. Ele fez uma hora de show e deixou todo mundo cansado de tanto rir. É muito bom! Falou sobre política, sobre o Piauí, sobre a própria vida pessoal dele. Disse que começou como padre e depois virou jornalista e humorista. É um espetáculo. Eu mando um recado para quem quiser fazer uma convenção: contrate João Cláudio Moreno que é certeza de satisfação. É 100% de satisfação. Todo mundo adorou. Havia pessoas de todos os estados. Todos ficaram extasiados com a exibição dele.
ZONA SUL – Por falar em recomendações, o que de Natal e de Caicó você recomendaria?
ROBERTO – Vou começar por Caicó e pelo Bar do Ferreirinha, que está completando 50 anos. É o templo da boêmia. É o lugar mais democrático da cidade. Lá você encontra no balcão, tomando uma, desde o juiz de direito, o desempregado, o passador de rifa, o banqueiro do jogo de bicho, o funcionário público e até o médico. Tem ateu um padre que vez por outra aparece lá, o Padre Alexandre. Toma uma, dá a benção aos bêbados locais e vai embora. Para comer bem, basta ir a qualquer restaurante de Caicó: a comida é regional e abundante. A tradição do povo de Caicó é receber bem com muita comida os seus visitantes, os seus convidados. Nos restaurantes o serviço também prima pela quantidade e pela qualidade do que é servido às pessoas. À noite temos a Praça da Alimentação. Tudo que estou falando sobre Caicó é relacionado com comida, né?
ZONA SUL – Caicó conquista pelo estômago.
ROBERTO – É, exatamente. O povo é maravilhoso, recebe bem. É muito atencioso e receptivo. Temos também o Itans e alguns bares como o Alto do Papai Noel e o Jardim de Alá. As praças da cidade são muito bonitas. Estou falando como um caicoense que ama demais sua cidade e até exagera nos atributos. Aqui em Natal, as praias são maravilhosas. Alguns restaurantes também são muito bons. Infelizmente a gente tem que falar também nos shoppings, pois a falta de espaços públicos adequados obriga o povo a se concentrar nessas mecas do consumo. Mas as praias de Natal são realmente o seu principal atrativo. Ponta Negra é lindíssima. Cada uma é mais bonita que a outra: Praia dos Artistas, praias do litoral sul e do litoral norte. A gastronomia também é muito boa. Temos bons restaurantes de comida regional e internacional. Natal é uma cidade completa pra quem quer morar bem. Temos atividades culturais, temos belezas naturais, enfim, é um lugar maravilhoso para se viver.
ZONA SUL – Por fim, se despeça do leitor do Zona Sul.
ROBERTO – Antes de me despedir, quero pedir a benção da minha padroeira. Ela não deve ser celebrada apenas anualmente, na tradicional Festa de Sant'Ana, quando os caicoenses, onde quer que estejam, retornam à cidade natal para homenageá-la. Nossa padroeira divide conosco as agruras de cada dia e é ela quem nos fornece a força necessária para suportar as tempestades diárias e atracar, em paz, no santo repouso de cada dia. Por fim, agradeço pela oportunidade e vamos ver se a gente transforma o Zona Sul em um jornal semanal. Estou à disposição do projeto.

7 comentários:

  1. Caro amigo Roberto Homem, esta entrevista com Roberto Fontes está show. Ele ter sido 'o provedor de internet de Chico César', adorei mesmo! Vocês dois estão de parabéns pela alegria e bom humor.
    E o meu muito obrigado por eu ter sido lembrado durante a entrevista. Vocês são 10.

    Um abraço e boa sorte!

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  2. Dez é você, meu amigo Dudé. Aliás, somando os 10 que eu dou a vc, com os outros 10 que sei que Roberto Fontes oferece a vc, já são 20. Então é nessa matemática que a vida prossegue. Um grande abraço, meu amigo!

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  3. Porra cara, lendo essa entrevista da pra perceber que vc ainda está com a cuca em Caicó. Aproveito o espaço para convidar Roberto Homem para pintar nos 50 anos do Bar de Ferreirinha. Outra coisa, já terminamos o Documentário. A entrevista de Xexéu está simplismente imperdivel. Um abraço. Pituleira.

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  4. Que o Bar de Ferreirinha complete outros 50 anos com muita carne de sol e cerveja gelada. Certamente passarei por lá na minha próxima ida a Caicó.

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  5. gostei da entrevista, só assim fiquei sabendo que o jornalista Carlos Roberto Fontes foi prefeito de Caicó. Como jornalista eu deveria ser mais bem informado. Mas graças as enterevista sempre boas do jornalista Roberto Homem no jornal Zona Sul a cada leitura aprendo algo mais.
    costa junior

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  6. Meus nobres colegas e amigos, Roberto Homem, Costa Júnior e meu conterrâneo Roberto Guarda, navegando nestas ondas virtuais encontrei sua entrevista, legal saber que fizestes vestibular para engenharia elétrica, pois também fiz para o mesmo curso, isso no vestibular de 1976 aqui em Natal; tinha chegado de São Paulo onde estudei dois anos e conclui o colegial no CDS, em Caicó, e já fui fazendo para engenharia, pois passei por média, mas fui reprovado nas provas da UFRN, então resolvi fazer cursinho no Ferro Cardoso, morava na casa do meu tio Antonio Tavares que era do Dner e morava na rua Joaquim Fagundes, pertinho do beco da buceta, na praça Augusto Leite no Tirol. Boa época do Ferro Cardoso, excelentes professores, Júnior (física), Arimatéia (português) tomava uma de cana antes de entrar na sala, num buteco nos fundos do colégio de frente para a igreja do galo. Estudei seis meses e fui para a Paraíba prestar vestibular para jornalismo, passando em boa colocação fiquei por lá até o final de 1980, onde morávamos no edifício Palomo, no apartamento denominado de Consulado Caicoense, uma espécie de república de estudantes universitários que residiam em campina grande. Foi lá que surgiu o C.Pinho, batizado por Toinho de Aníbal que temporariamente visitava a cidade e nos tornamos amigos. A decisão para o jornalismo foi ainda em SP em sala de aula, resultado de um trabalho escolar que me permitiu conhecer todas as redações dos principais jornais da capital paulista e aquilo me fascinou, embora ainda criança, adolescente em caicó, tivesse despertado interesse pela comunicação, pois criávamos com os meninos da rua cineminhas de caixa de sapato e antes de exibir os filmes que pegávamos pedaços de fitas no cine são Francisco, eu fazia as reportagens do dia em fita de plástico e as reproduzias na parede da casa de dona Maria cunha, na rua augusto monteiro, onde nasci no centro de caicó. Dessa época também inventávamos circo e bandinhas de lata e cano de mangueira. Foram nossos vizinhos, Manoel Batata, Willian Cabecinha do hotel de Dom, os filhos de dona Maria Cunha, Galego (Jaciel), Jurandir, Jalmir, Jaziel (Zebu), também Geraldo Besteira, Eugenio Pacelli (meu primo, filho de tio toinho, estudou no consulado caicoense, engenharia de minas, foi batizado de O Fera), Roberto de Antonio Gomes da casa de esportes e muitos outros que moravam nas imediações das ruas augusto monteiro, seridó, rio branco, Renato Dantas e olegário vale. Depois, já no ginasial fui colega de Osni Damásio que fazíamos o jornalzinho de classe no ginásio estadual Joaquim Apolinar – GEJA, tempos depois nos encontramos nas redações de tevês e jornais de natal. Aliás, de caicó surgiram dezenas de jornalistas entre os anos 60 e 70, aumentando o numero nas últimas décadas, se bem que naqueles anos era mais difícil optar pela profissão de jornalismo por causa do regime de repressão, mas tudo passa e passamos sem maiores passa-tempo e os mesmos ideários de liberdade de expressão. Anos depois trabalhei com Roberto homem na assessoria de imprensa da secretaria estadual de educação, justino neto também esteve por lá. Vou parar, agora vi que escrevi um livro. falar em livro neste domingo em caicó Roberto e Pituleira lançam o álbum dos 50 anos do bar de ferreirinha com as mãos de Abimael Silva, é pouco? Moacy cirne deve estar por lá e um bocado de biriteiros, festão. RH, inté, quando vier por aqui me avisa. Cadê o costa jr, o home sumiu!

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  7. Diga, grande Bosco! Há quanto tempo... Espero encontrá-lo na próxima vez que eu for a Natal. Um abraço!

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