sábado, 12 de janeiro de 2008

ENTREVISTA: KLECIUS HENRIQUE

UM POTIGUAR NA IMPRENSA NACIONAL






Klecius Henrique não é apenas um potiguar na imprensa nacional, como diz o título dessa entrevista. Ele é muito mais! Apesar de considerar-se tímido, ele falou para o Zona Sul - em um dos primeiros sábados de janeiro de 2008 - durante exatamente duas horas e 24 minutos. E foi pouco. Contou de sua jornada pelos principais jornais de Natal, da mudança para Brasília, da atuação no Ministério do Trabalho e no Correio Brasiliense. Disse do perfil que escreveu – publicado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – sobre o ator José Dumont. Falou dos bastidores da cobertura do Congresso Nacional e do ano que atuou como jornalista da coluna de Cláudio Humberto. O tempo e o espaço foram curtos para ele descrever também, por exemplo, sua participação em curtas-metragens, como o Fuga sem destino, do cineasta-bombeiro Afonso Brazza, que morreu em 2003. (Roberto Homem)

ZONA SUL - Klecius Henrique Morais Ribeiro, nasceu em Natal, em 1974...
KLECIUS – Sim. Nasci em Natal, acho que na Policlínica, no Alecrim.

ZONA SUL – Acha? Por quê?
KLECIUS – Não tenho certeza. Depois pergunto à minha mãe e confirmo. Mas acho que foi mesmo na Policlínica. Meus pais moravam na Antonio Basílio, perto da Jaguarari. Fiquei lá no período de bebê. Já maiorzinho, mudamos para Morro Branco. Dessa época eu já lembro mais das coisas que eu aprontava. Uma vez estavam pintando a casa e minha mãe viajou. Resolvi pintar meu irmão, dois anos mais novo. Derramei uma lata de óleo. Quase que ele morreu asfixiado.

ZONA SUL – Como é o nome da vítima?
Kleiton Ribeiro. Hoje ele é médico. Até hoje minha mãe fala nessa história. Ela tinha viajado para Fortaleza para comprar as confecções que revendia em Natal. Quando chegou, meu pai estava desesperado passando solvente no meu irmão, para tirar a tinta. Eu tinha visto os caras pintando a casa e pensei que podia pintar meu irmão também.

ZONA SUL – Essa foi sua única tentativa de assassinato durante a infância?
KLECIUS – Acho que foi. Não lembro nenhuma outra. A história virou marcante porque - apesar de eu já estar com 33 anos, e meu irmão com 31 - minha mãe lembra-se dela até hoje. Acho que agora ela vai parar por causa das duas filhas do meu irmão maior. Para uma não tentar repetir a experiência com a outra. Maria Clara não tentar pintar Maria Eduarda.

ZONA SUL – Onde você estudou?
KLECIUS – Estudei no Pinguinho de Gente, no Barro Vermelho, por trás do Colégio Nossa Senhora das Neves. Depois fui para o Salesiano, onde estudei desde a 1ª série do primeiro grau até o 3º ano do segundo. Eu e meus irmãos mais velhos estudamos lá.

ZONA SUL – Como foi a vida em Morro Branco?
KLECIUS – A casa era grande, daquelas casas de conjunto com muito terreno. Eu aprontava muito. Tem uma história que minha mãe conta que até hoje não sei se é verdade ou se é folclore. Eu era um capetinha mesmo. Engraçado, quando criança eu era extremamente extrovertido e hoje, adulto, sou introvertido, muito tímido. Mas a história foi a seguinte: um belo dia, um bandido famoso estava fugindo da polícia e parou para pedir água. Eu estava em casa e dei água para ele. Pouco tempo depois chegou a polícia, tocando o terror, mas o bandido conseguiu escapar. Até hoje não sei se isso é verdade ou mentira. Sei que depois dessa história eu, que até então vivia solto na rua, passei a ser mais controlado, a brincar mais dentro de casa. Eu era tão danado que uma vez a moça que trabalhava lá em casa me amarrou com um lençol, em uma pilastra. Eu gritei tanto que a vizinha ameaçou chamar a polícia. Mas ficou só na ameaça. Depois que comecei a estudar, me acalmei um pouquinho.

ZONA SUL – Você morou sempre em Morro Branco?
KLECIUS – Não. De lá a gente foi morar em Santos Reis, em uma casa menor. Isso foi em 1978 ou no ano seguinte. Meu pai deve ter passado por alguma crise financeira, já que a gente saiu de uma casa própria para uma alugada. Eu já era maiorzinho, a casa era literalmente em frente àquela praça onde todo ano tem a festa. Eu achava o máximo. O parque era armado na porta da minha casa. Gostei muito de ter morado ali até pela oportunidade de passar a conviver com uma população diferente, mais humilde. Eu estava prestes a ir para o Salesiano e meus amiguinhos da rua estudavam na escola estadual mais próxima. Eu descia para a praia com meus irmãos mais velhos ou com tios, era muito perto. A gente morou pouco tempo, mas foi muito legal. Meu pai se formou mais velho, em administração de empresas. Ele, Otacílio Pio Ribeiro, e minha mãe, Kerginalda Xavier Morais, eram donos da Imobiliária Pio Morais. Meu pai se orgulhava de o CRECI (Conselho Regional de Corretores de Imóveis) dessa imobiliária ser o de número 004. Ele tinha o maior orgulho de ter sido um dos fundadores do conselho.

ZONA SUL – E de Santos Reis, para onde vocês foram?
KLECIUS – Fomos para a rua Potengi, em Petrópolis, que já era outro lugar diferente. Morar em vários lugares foi legal para mim, pois fui conhecendo diversas realidades, fato que me ajudou na minha vida adulta, como jornalista. Fomos morar na casa vizinha a uma loja que existe até hoje, Ana Quadros. A imobiliária era na parte da frente da casa, a gente ficou morando atrás. Já estudando no Salesiano, eu descia para o colégio a pé, com seis ou sete anos. Hoje dificilmente isso acontece. No primeiro ano eu ia com o meu irmão mais velho, Klaus Henrique. Eu era muito danado, vez por outra arranjava confusão. Na época ainda tinha aquela coisa de o irmão mais velho proteger o mais novo. Klaus sempre foi muito formal, enquanto eu, até hoje, sou anárquico. Sou um anárquico organizado. Até eu pegar o ritmo é uma bagunça. Uma vez um menino quis bater em mim e ele interveio: “olha, eu queria avisar ao rapazinho que se o senhor mexer com o meu irmão sofrerá conseqüências graves”. Só pela forma que Klaus falou, o menino amarelou e nunca mais me perturbou.

ZONA SUL – Como surgiu o interesse pelo jornalismo?
KLECIUS – Quando eu era menino, meus pais sempre mantiveram assinatura dos dois principais jornais de Natal, o Diário de Natal e a Tribuna do Norte. O fato de eu vê-los sempre lendo, despertou meu interesse por jornal. A formação deles era mais de ler jornal do que livros. Isso de alguma forma me incentivou a seguir a carreira de jornalista. Lembro que eu costumava fazer de conta, diante de um espelho, que era um apresentador de jornal de televisão, vestindo um paletó antigo quadriculado que meu pai tinha. Isso com oito ou nove anos. Também ganhei um playmobil que vinha com umas câmeras, e eu ficava encenando. Já era o despertar de um desejo que não realizei ainda, de trabalhar com cinema. Eu fazia ceninhas com os bonequinhos. Meu périplo por várias casas, variando a moradia em lugares mais simples e em outros melhores, me ajudou, posteriormente, na profissão de jornalismo. Também contribuiu um emprego que minha mãe arrumou de promotora de vendas de uma empresa chamada Daya. Era uma Avon genérica. Acho que nem existe mais. Ela tinha equipes de revendedoras no interior do Rio Grande do Norte. Nas férias, eu viajava com ela. Visitávamos pessoas extremamente humildes, mas que ganhavam uma graninha vendendo esses produtos. Esses contatos também me fizeram passar a enxergar como todos nós, apesar de diferentes, podemos viver bem dentro dessas nossas diferenças. Isso ajudou no jornalismo porque, quando no dia-a-dia acabo indo a um lugar mais barra pesada, vou sem medo, porque sei que as pessoas ali são iguais a mim. Elas não precisam se assustar comigo nem muito menos eu com elas. Terminamos tendo um diálogo de igual para igual.

ZONA SUL – Por que você escolheu a poesia visual como tema de sua monografia de conclusão do curso de Comunicação Social na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)?
KLECIUS – Quando eu era mais novo tive aqueles arroubos de querer escrever poemas. Escrevi umas coisas que algumas pessoas acham legais e outras acham horríveis. Eu particularmente acho que são lixo, nunca sequer publiquei. Mas nessa época, procurando um tema para a monografia, conheci o poema processo do Rio Grande do Norte, que misturava o visual com o texto escrito. Comecei a me interessar. Achei o campo legal. Fiz uma monografiazinha que ficou uma coisa bem jornalística. Uma falha que tive na minha formação, que era uma falha que havia na UFRN - espero que não continue assim - é que cheguei ao final do curso sem saber o que era uma monografia. Isso é muito tosco. Acabei fazendo uma monografia, em parceria com Renata Peixoto (ela depois virou fotógrafa da Tribuna), que era mais uma reportagem. Entrevistei os poetas visuais do Rio Grande do Norte, depois aproveitei umas férias em São Paulo e pesquisei os poetas de lá. Consegui falar com um professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica), Omar Khouri. O poeta potiguar Jarbas Martins havia me indicado esse professor. Ele me recebeu muito bem e me concedeu entrevista. Por intermédio de Khouri, cheguei até o Arnaldo Antunes, que me recebeu em sua casa. Eu devia ter uns 21 anos. Arnaldo estava de saída dos Titãs. Essa entrevista também entrou na monografia. Comecei a perguntar a Arnaldo usando aqueles termos de semiótica: “o que você acha do signo de não sei o quê”. Ele disse logo que não era muito bom nessas terminologias, querendo dizer que esses termos não valiam nada, era coisa de academia.

ZONA SUL – Você fez um bom curso de jornalismo na UFRN?
KLECIUS – Meu período lá foi muito bom, a turma era ótima. A UFRN é muito boa. Depois que vim para Brasília e conheci pessoas de vários lugares, vi que minha formação lá não deve nada à formação de gente do Brasil inteiro, inclusive da UnB (Universidade de Brasília) e da USP (Universidade de São Paulo).

ZONA SUL – Como foi trabalhar nos principais jornais potiguares?
KLECIUS – Tive a felicidade de começar no Dois Pontos, com o Tácito Costa. Roberto Guedes tinha acabo de sair e o Tácito tinha entrado. Eu estava no terceiro período na universidade e fui lá, todo interessado. Tácito perguntou se eu queria fazer uma matéria. Respondi que sim. Recebi a pauta e ele me mandou acertar com o motorista para me levar até o local da entrevista. Fui fazer essa matéria no Selvagem (buggie) de um dos donos do jornal. Era uma matéria sobre a Biblioteca Pública Câmara Cascudo. Eu tinha lido em algum lugar que Buenos Aires tinha mais livrarias que o Brasil inteiro. Abri minha matéria com isso. Tácito perguntou se eu tinha certeza daquela informação. Foi a única vez na vida que assinei um texto como Klecius Ribeiro. Quando voltei pra casa, ficou aquela crise. Minha mãe queria que eu assinasse Klecius Moraes e meu pai preferia Klecius Ribeiro mesmo. Optei por Klecius Henrique e não desagradei ninguém. No Dois Pontos eu fazia matérias da editoria de Cidades, depois escrevi uma coluna de cinema chamada Take 1. O logotipo era uma cadeira de cineasta. Eu fazia notinhas, não existia Internet, na época, para pegar as informações. Eu falava sobre lançamentos e assistia filmes para escrever críticas. Foi uma chance maravilhosa. Por último, no Dois Pontos, fui cobrir Esporte, que apesar de eu gostar, tinha pouca experiência. Eu tinha certo trauma de futebol porque, quando menino, como eu era grandão, os caras me escalavam para a zaga. Nunca tinha chance de fazer gol, estava sempre lá atrás derrubando os adversários. Fui cobrir Esportes quando o titular, Itamar Ciríaco, trocou o Dois Pontos pelo Jornal de Natal. Acumulei Esportes com as matérias de Cidades e a coluna de cinema.

ZONA SUL – Depois você seguiu o mesmo caminho de Itamar Ciríaco e foi para o Jornal de Natal...
KLECIUS – Tácito saiu e entrou em seu lugar Rosemilton Silva. Como todo editor que chega, ele fez reformulações na equipe. Ele optou por contratar jornalistas e dispensar os estagiários. Saí. Meses depois, Itamar recebeu convite para ir para uma assessoria de imprensa de um dos órgãos do governo. Me indicou para o Jornal de Natal. Fiquei fazendo Esportes por um bom tempo. Aprendi muito. Eu sabia pouco da coisa técnica. Não tenho vergonha de dizer. Não sabia, mas aprendi. No primeiro jogo eu nem sabia que o 7, naquela época, era o ponta-direita, e o 9, era centroavante. Um cara me ajudou muito, gosto demais dele, é muito talentoso e combativo: Edmo Sinedino. Ele tinha encerrado a carreira de jogador e estava trabalhando em jornal. Tinha passado pelo Jornal de Natal e já estava no Diário. Ele me ensinou muitas coisas. Esse é um companheirismo muito legal que existe na profissão.

ZONA SUL – Qual foi o próximo passo?
KLECIUS – De lá fui para a Tribuna do Norte. Não lembro como entrei lá. Mas sei que fui atrás de um estágio, estava terminando a universidade e queria trabalhar. Falei com Osair Vasconcelos, mas não deu certo, a equipe estava completa. Depois, quando surgiu uma vaga, me chamaram. Comecei como repórter normal, depois passei a trabalhar em tempo integral. Eles apelidavam, na época, de repórter full time. Eu fazia tudo. Fiz muita coisa legal, que hoje sinto falta. Atualmente estou trabalhando no Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) e sinto falta do contato da rua, com o povo. Era uma coisa que eu tinha muito lá em Natal. Eu viajava muito para fazer matéria pelo interior do estado.

ZONA SUL – Como foi trocar a Tribuna pelo seu principal concorrente, o Diário de Natal?
KLECIUS – Acabei sendo demitido da Tribuna. Eu era um menino muito contestador. Por exemplo: se me pautavam para fazer uma matéria daquele tipo que tenta comprovar uma tese pré-determinada, e se eu ia para a rua e percebia que a tese não se comprovava, eu reclamava. Teve um episódio em que eu faltei ao trabalho. Eu estava em uma casa de praia que ficou ilhada. O jornal até fez matéria lá por perto. Esse foi o motivo formal para minha demissão. No dia seguinte, o Diário me chamou. Na época, Emerson Amaral era o chefe de reportagem, e um jornalista de Brasília, Alfredo Lobo – que morreu há uns quatro anos – era quem comandava. Na semana seguinte à minha chegada ao jornal fiz uma cobertura bem marcante: a agonia e a morte de Frei Damião. Para nós que temos alguma ligação com interior do Nordeste – nasci em Natal mas meu pai era de Ielmo Marinho e minha mãe de São José do Mipibu – ele era uma figura importante e protagonista de várias histórias. De repente eu estava em Recife, diante de uma cobertura envolvendo aquele mito. E vi histórias pra lá de malucas, de jornalista tentando entrar vestido de capuchinho para fotografar Frei Damião em coma. Veículos tentando convencer enfermeiros a tirarem fotos. Vi como o jogo era pesado. As pessoas queriam aquela imagem de qualquer jeito. Foi marcante não apenas por estas pequenas coisas, mas, sobretudo, por ver de perto aquela devoção do povo a ele.

ZONA SUL – E a sua vinda para Brasília, como se deu?
KLECIUS - Pouco antes de ir para o Diário eu fui cobrir, pela Tribuna, o primeiro festival de cinema de Recife. Lá eu conheci o Carlos Marcelo, que hoje é editor-executivo do Correio Braziliense, mas, na época, ele era o editor de Cultura, do Caderno C, isso em 1997. Ficamos amigos. Quando voltei para Natal, enviei para ele as matérias que eu fiz sobre o festival. Enviei sem a mínima pretensão. Fiquei apenas uns quatro ou cinco meses no Diário. Na época eu estava casado com outra mulher que não é a com quem estou casado hoje. A figura era do Ministério do Trabalho e quis voltar para Brasília. Vim com ela. Coincidiu que, nesse meio tempo, meu pai morreu. Era uma experiência muito dolorosa viver em Natal sem ele. Meus pais são meus grandes referenciais, são pessoas fascinantes. Tudo o que sou, devo a eles. Espero que eu possa fazer pelos filhos que um dia vou ter, o mesmo que eles fizeram por mim. Meu pai morreu em dezembro de 1996, em setembro do ano seguinte, vim morar em Brasília. Procurei uns empregos que não funcionaram. Mandei um e-mail para Ricardo Noblat, que era o chefão do Correio. E-mail estava começando, ele gostou dessa iniciativa, respondeu e mandou-me ir lá. Coincidiu que no dia em que me chamou para conversar, Noblat tinha viajado. Mas pediu à secretária que encarregasse o editor de Cidades falar comigo. Mas o cara que recebeu a ordem interpretou que ele não estava interessado em me contratar e nem sequer me recebeu. Apenas deixei o currículo. Terminei sendo contratado pelo Ministério do Trabalho.

ZONA SUL – Como surgiu essa oportunidade?
KLECIUS - Eu tinha conhecido um funcionário de lá, em uma cobertura em Natal. Ele mandou a proposta de emprego via essa minha ex-mulher, que, como falei, trabalhava no Ministério. Fiquei três meses na assessoria de imprensa, o ministro era o Paulo Paiva. Eu era DAS 1, recebia uma grana pequena, mas foi legal porque vi como funcionário público trabalha muito. Eu tinha aquela visão, que as pessoas têm hoje, de que funcionário público trabalha pouco. Não é verdade. E quando se está lotado em gabinete, o trabalho é bem maior. Você tem que entregar tudo mastigado para quem assessora. Conheci o Brasil inteiro viajando acompanhando o ministro. Na verdade, eu acompanhava o meu chefe. Ele conversava com o ministro e eu com ele. Infelizmente na época eu não tinha cartão de milhagem, pois se tivesse, talvez ainda estivesse voando de graça até hoje.

ZONA SUL – E o Correio?
KLECIUS – Eu estava viajando, pelo Ministério, no interior do Acre. O repórter de cinema do Correio tinha saído do jornal para fazer um curso de cinema no Canadá. Carlos Marcelo tentou me achar em Natal. Ele não sabia que eu tinha vindo morar em Brasília. Depois de algumas tentativas, conseguiu localizar o telefone da delegada que estava comigo no interior do Acre. No meio do mato eu recebi a ligação. Quando voltei a Brasília, acertei. A grana era quatro ou cinco vezes a mais do que eu ganhava no Ministério. E era para trabalhar em Cultura, que eu gostava e era uma área que eu tinha atuado pouco em Natal. Repórter de cinema. Trabalhei na época de Noblat, e ele era muito perfeccionista. Ele queria fazer com que o Correio, que é um jornal regional, se transformasse em um jornal de referência nacional. Ele tinha a pretensão que o Correio fosse uma espécie de Washington Post brasileiro. E ele investiu pesado nisso. A equipe de Cultura, naquela época, tinha, sem exagero, entre 15 e 20 jornalistas, contando os dois diagramadores exclusivos. Tive o privilégio de cobrir cinema. Era tanta gente que depois de algum tempo eu só cobria Cinema Brasileiro. Continuei viajando muito, cobri diversos festivais de cinema e passei a ter mais contato com a turma da área. Uma das coisas mais legais era acompanhar os filmes sendo rodados. Um deles foi o Chatô, que nunca foi terminado. Terminei me transformando em um repórter de política cultural. O Ministério da Cultura passou a fazer muita coisa e passei a cobri-lo e também a fazer a cobertura da Secretaria de Cultura do Distrito Federal. Fiquei no Correio de 1997 a 2005.

ZONA SUL – Você também cobriu Política...
KLECIUS – Chegou um momento em que aquela equipe gigantesca começou a não funcionar mais, depois que Noblat saiu do jornal. Quem chegou reformulou a estrutura. Não precisava mais de tanta gente. Com o enxugamento, teve um momento em que me pediram para ficar responsável pela Programação Cultural de Brasília, o Roteiro Cultural da cidade. Foi muito doloroso, porque eu tinha feito muita coisa de Cinema e gostava muito de cobrir Política Cultural, já tinha conhecido muita gente. O Roteiro era uma coisa burocrática. Tive que ter um exercício meio que de humildade mesmo, pois Roteiro é coisa pra foca. Eu disse que faria se fosse por um período determinado. Como o trabalho não exigia muito, acabei tendo mais tempo para pensar outras coisas. Foi quando veio a idéia de eu tentar fazer meu mestrado. Um dia fui assistir Abril Despedaçado, na Academia de Tênis, e vi o José Dumont na tela. Imediatamente tive a idéia de estudá-lo. Pesquisei o verbete que trata sobre ele no livro Astros e Estrelas do Cinema Brasileiro. Conversei com outras pessoas para saber se alguém já tinha estudado o ator. O fato de estar em uma tarefa burocrática me concedeu tempo para preparar meu projeto e fazer o mestrado. Só que, depois de algum tempo, meu exercício de humildade chegou ao fim. Cansei. Cheguei para o Carlos Marcelo, que tinha me levado para o jornal, falei que ia sair de férias e que, na volta, eu deixaria o jornal, pois tinha chegado no meu limite. Quando voltei, tinha assumido a nova diretora de redação, Ana Dubeux. Arlete Salvador era a titular da coluna Brasília DF e surgiu uma vaga para ajudá-la. Topei. Acabei entrando em Política. Eu não era o colunista, era o repórter da coluna. Eu trabalhava basicamente no Congresso Nacional.

ZONA SUL – Você passou a ter uma visibilidade muito maior, já que a coluna Brasília DF é reproduzida em diversos jornais do país, inclusive no Diário de Natal...
KLECIUS - Foi um período gratificante. Nessa época conheci de perto o teatro político que é o Congresso. Um belo dia, eu estava em casa, preparando minha qualificação de mestrado. Tinha tirado uma semana de licença no Correio, descontando as minhas horas-extras. A mulher de Cláudio Humberto, Taís Braga, me ligou dizendo que seu marido queria conversar comigo. Ele estava em Alagoas. Combinamos uma conversa para quando ele voltasse. Cláudio Humberto me ofereceu o dobro do que eu ganhava no Correio, para ser repórter em sua coluna. Fui. Fiquei com ele um ano. Gostei muito. Uma coisa que percebi é que ele é um cara muito bem informado. Agora, o estilo dele é combativo e bastante agressivo. As pessoas que cobrem o mundo político aqui preferem uma relação de cordialidade entre o repórter e o político. Cláudio Humberto tem informações exclusivas que muitas vezes são reproduzidas dias depois por outros jornais, que não citam. A impressão que tenho é que não citam talvez por preconceito por ele ter integrado o governo Collor. A minha função na coluna dele era a mesma que eu fazia na época do Brasília DF.

ZONA SUL – Por que você saiu da coluna de Cláudio Humberto?
KLECIUS – Uma das coisas que me fizeram chegar para o Cláudio Humberto e pedir para sair foi que eu não agüentava mais aquele teatro, como deve ser no mundo inteiro, que ocorre no Congresso. Jornalistas extremamente inteligentes, pessoas bem informadas, mas que de repente chegava o político X com uma lorota e todo mundo só reproduzia.

ZONA SUL – Acho que o teatro não está só no Congresso, mas na política como um todo. Por exemplo: um risco na água vale muito mais do que o que o presidente Lula fala.
KLECIUS – Concordo. O teatro está na política inteira. Mas o que me chocou no Congresso é que ao contrário do esquema do governo federal, lá você pode interagir com os caras, você está lá com esses bravateiros o tempo inteiro, seja do PT, do PSDB, do PPS ou de qualquer partido. Só que ninguém contesta. Não sei qual a preocupação, se é escrever rápido e mandar para o jornal, mas ninguém contesta.

ZONA SUL – Talvez um problema seja o vínculo de amizade que o jornalista que cobre o Congresso costuma criar com o deputado ou o senador.
KLECIUS – Isso! Mas não poderia existir. Nós, jornalistas, só devemos – parece discurso demagógico, mas é a verdade – ter vínculos com o leitor. Mesmo os veículos tendo compromissos diversos, eu, como jornalista, não devo me censurar. Se eu escrevo a matéria e o jornal A, B ou C não publica, o problema não é meu, eu cumpri com a minha obrigação. Ninguém vai lhe repreender por isso. Fiz a minha parte. Os meninos que trabalham com o Congresso são muito bons, muito inteligentes, mas alguns deles têm esse vínculo de amizade. Isso é errado, até porque os repórteres daqui, em geral, não conhecem os caras, não sabem a vida pregressa deles. O cara tem um discurso preparado às vezes por pessoas bem competentes, mas ele vai lá só ler. Uns lêem tão mal que não conseguem enganar ninguém. A imprensa costuma dar credibilidade a pessoas que não merecem.

ZONA SUL – A imprensa só apura a vida de determinado político quando ele se vê alçado a ocupar posto maior. Aí a investigação é profunda.
KLÉCIUS – Exatamente, mas não devia ser assim. O Garibaldi Filho, por exemplo, teve requentada aquela história ocorrida na época do seu governo que, pelo que andei lendo, já foi até descartado qualquer envolvimento dele. Isso tudo porque ele se elegeu presidente do Senado. A própria Folha de São Paulo disse, apesar de que no meio da matéria, que o processo não chegava nele. Por outro lado, a imprensa divulga tudo o que o deputado ou senador fala sem levar em conta a sua vida pregressa ou suas contradições. Certo deputado federal da Bahia, que é muito bem assessorado por marketeiros, tem espaço na mídia praticamente todos os dias para bater no Lula. E ele xinga muitas vezes por besteira, apenas para aparecer. Mas o povo enxerga. A Datafolha publicou recentemente uma pesquisa de intenção de votos para a prefeitura de Salvador: o cara tem 1%. Infelizmente os jornais entram nesse teatro de bater por bater e perdem a memória.

ZONA SUL – E a sua tese de mestrado na UnB?
KLECIUS – Defendi a tese em agosto de 2005. Percebi que o José Dumont só fazia papel de nordestino no cinema e fui investigar isso. O título era “Uma luz sobre o homem do sertão – O ator José Dumont e a representação do nordestino no cinema brasileiro”. Analisei seis filmes que vinham da década de 1970 até 2005: Tudo bem (1978 - ele faz um pedreiro que contesta a ordem na obra), O homem que virou suco (1981 - ele interpreta dois migrantes em São Paulo, um que vira operário-padrão e acaba matando o patrão e um poeta de cordel que quer sobreviver e é meio massacrado por isso), A hora da estrela (1985 – Dumont faz um galã machista), Abril despedaçado (José Dumont é um pai bem radical no sertão nordestino), Narradores de Javé (2003 – ele interpreta um carteiro mau caráter) e Onde anda você (2004 – ele faz um radialista cheio de estereótipos). Constatei que de 1977 até 2005 ele tinha feito 35 filmes, acho que é esse o número. Destes, 19 de seus personagens eram nordestinos. Quando ele não interpretava nordestino, ele vivia personagens cuja representação é muito parecida com a imagem que o cinema brasileiro faz do nordestino: pessoas de pouca instrução, que estão sempre à margem, bandidos... É horrível pensarem isso de nós nordestinos.

ZONA SUL – Fale um pouco sobre José Dumont.
KLECIUS - Ele aprendeu a ler lendo cordel. É autodidata. Começou no teatro por acaso, depois virou ator de cinema. No início, ele alimentou essa visão de que seria perfeito para interpretar papéis de nordestino. Só que chegou um momento em que ele não conseguia nada além disso. E a televisão mudou nos anos 80, aquela temática regional foi escasseando na tela. Conseqüentemente, sumiram os papéis para ele. Na verdade, Zé Dumont consegue dar para esses personagens marginalizados uma poesia que é fantástica.

ZONA SUL – Como surgiu a oportunidade de você lançar o livro sobre ele?
KLECIUS – Quando eu estava acabando a dissertação de mestrado, foi lançada a coleção Aplauso Perfil, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Como eu cobria e acompanhava os festivais, acabei comentando isso com uma jornalista de São Paulo, Maria do Rosário Caetano, autora de alguns dos livros da coleção. Eu disse a essa minha amiga que estava com um bom material sobre José Dumont. Ela avisou ao Rubens Ewald Filho, aquele crítico de cinema, que é o coordenador da coleção. Ele me escreveu perguntando se eu tinha interesse em escrever o perfil de Dumont. Acabei topando. Lancei o livro no país inteiro, menos em Natal. Algumas tentativas não funcionaram para eu autografar o livro junto com José Dumont na minha cidade. Foi lançado inicialmente no Festival de Cinema de Gramado. Agora, dia 4 de dezembro, fiz uma palestra no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), dentro de um projeto chamado Cine Visões. É esquema de cine-clube. Exibe um filme, depois tem um debate. Exibiram Tudo Bem, um dos filmes que analisei, e depois fiz uma palestra intitulada José Dumont e o nordestino no cinema brasileiro.

ZONA SUL – Como os interessados podem adquirir o livro?
KLECIUS – Tem na loja virtual da Imprensa Oficial de São Paulo (http://livraria.imprensaoficial.com.br/) e nos sites tradicionais que vendem livros, como Submarino (http://www.submarino.com.br/) e Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br/). Não sei se tem nas livrarias de Natal.

ZONA SUL – Adoro o livro As pelejas de Ojuara, de Nei Leandro de Castro. Ainda não assisti ao filme. O que você achou de O Homem que Desafiou o Diabo?
KLECIUS – Você me colocou em uma situação delicada. Logo que Luis Carlos Barreto comprou os direitos autorais, senti vontade de ler o livro. Procurei nos sites, só aparecia edição esgotada. Comentei um dia com Sebastião Vicente (entrevistado do Zona Sul na edição de novembro) e ele emprestou o livro. Na carona do filme, o livro mudou de selo e foi relançado. Hoje já é fácil encontrá-lo. Gostei muito do livro, é fantástico. Está no imaginário de todos os nordestinos que tem alguma ligação com o sertão ou com a zona da mata. Quando comecei a ler As pelejas de Ojuara, o filme já tinha até trailer. Eu fiquei imaginando como o diretor conseguiria transferir para a película aquelas histórias. O cineasta Moacyr Góes é muito competente na produção do cinema popular. Logo que vi o trailer, percebi que a crítica iria baixar o pau. O filme lembra alguns momentos de O Auto da Compadecida, que a Globo já tinha feito, sem o frescor e os diálogos de Ariano Suassuna. Até porque são coisas diferentes.

ZONA SUL – Mas, enfim, o que você achou do filme?
KLECIUS – Não achei tão ruim quanto a crítica falou. Achei que as pessoas estavam esperando uma coisa mais de cinema de autor. Acho que não se encaixaria com aquela proposta. Ojuara do livro é um cara espontâneo, extrovertido e popular. Mas fiquei dividido ao ver o filme. Assisti em um cinema lotado. Foi impressionante ver como as pessoas se divertiram. Tanto o público adolescente quanto as pessoas mais velhas. Vários amigos meus odiaram. Eu não. Acho que cinema tem que ter os dois lados: o popular e o autoral. Só não pode é o diretor fazer aqueles filmes que ninguém entende.

ZONA SUL – Deixe sua mensagem final para os leitores do jornal.
KLECIUS – Gostaria muito ver as pessoas que estão fazendo cinema no Rio Grande do Norte, que estão trabalhando lá, tendo apoio. Hoje isso não existe e me incomoda muito. Natal ainda tem muito isso, de você estar lá, ralando, e não conseguir grana. Vem o Luiz Carlos Barreto do Rio e consegue. Que bom que ele veio com Moacyr Góes, que é do Rio Grande do Norte. Mas se ele tivesse vindo com o Walter Sales, por exemplo, conseguiria do mesmo jeito. Às vezes tem um menino com uma produção local boa, que está querendo fazer um curta e não consegue sequer ser atendido pelo presidente da Fundação José Augusto. A gente tem que acabar com essas coisas e valorizar mais o que é nosso. Uma coisa é você ser hospitaleiro, outra é você tratar melhor a pessoa que vem de fora do que o morador local. Veja o exemplo de Pernambuco: a produção cultural de lá cresceu porque o povo e os órgãos oficiais passaram a valorizar mais..

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