terça-feira, 14 de agosto de 2007

ENTREVISTA: SOUZA

ELE TAMBÉM É 10 FORA DAS QUATRO LINHAS


Basta o primeiro toque de José Ivanaldo de Souza na bola em uma partida para o mais distraído do torcedor concluir que ele é um atleta diferenciado. A jogada pode ser uma virada de jogo daquelas em que a bola acomoda-se no pé do companheiro desmarcado. Ou um toque sutil dos que deixam o atacante na cara do gol. Ou até mesmo um drible desconcertante que desorienta qualquer marcador. O repertório deste meia potiguar é enciclopédico. Mas Souza não é apenas um craque no futebol. Ele também o é fora das quatro linhas do campo, como pessoa. Souza é craque na vida, no dia-a-dia. Foi com um misto de prazer e honra que pude entrevistá-lo, um dia após o América perder para o Internacional de Porto Alegre por 2 a 1. A conversa ocorreu no Veleiros. Para minha alegria, ao meu lado estava também um outro craque, este das palavras, o jornalista Rubens Lemos Filho. E ele caprichou nas perguntas, todas elas certeiras, parecidas com os chutes que Souza costuma desferir contra o arco adversário. (Roberto Homem)

ZONA SUL – Você nasceu em Itajá?
SOUZA – Não. Nasci em Assu porque não havia maternidade em Itajá. Mas logo após o nascimento, fui para Itajá. Às vezes me perguntam: de onde você é? Respondo que sou do Vale. Teve época em que as pessoas achavam ruim quando eu dizia que era de Itajá ou que era de Assu. Digo que sou do Vale e explico o porquê: nasci em Assu, mas sempre morei em Itajá.
ZONA SUL – Como foi sua infância em Itajá?
SOUZA – Tive uma infância pobre, de muita dificuldade, mas desde pequeno as pessoas já falavam que eu teria futuro. Sempre me viam com uma bola debaixo do braço, ou jogando. Tive a sorte e a oportunidade de jogar no América e depois de ir para São Paulo.
ZONA SUL – De que outras brincadeiras, além de bola, você participava na sua infância em Itajá?
SOUZA – Brincava de biloca, peão, polícia e ladrão... De todas aquelas brincadeiras do passado, que hoje estão esquecidas e as crianças não querem brincar mais.
ZONA SUL – Quando você passou a se interessar mais pelo futebol?
SOUZA – Lá em Itajá, todo mundo sempre gostou de futebol. A gente tinha um time amador. Fui campeão da Copa Oeste pelo CSI (Centro Sportivo de Itajá). Não posso deixar de mencionar um cara, o nome dele é José Luiz. Ele, sem recurso nenhum, dava a vida pelo esporte. Formou vários times. A gente disputava futsal e futebol de campo. Foi um dos que me incentivaram desde o início.
ZONA SUL – Em quem você se espelhou? Em qual craque você mirou-se para construir esse estilo refinado que hoje já está em extinção no futebol brasileiro? Qual foi seu primeiro ídolo?
SOUZA – Na época, década de 1980, quem estava em evidência era o Flamengo. Eu me espelhei muito em Zico, apesar de ele ter como forte a perna direita. Eu era flamenguista, e o futebol do Rio era muito divulgado pela televisão. Depois de um tempo foi que o campeonato paulista também ganhou maior projeção. Zico foi um cara a quem eu sempre admirei.
ZONA SUL – Como surgiu a oportunidade de você sair de Itajá?
SOUZA – Houve uma partida entre a seleção do Vale e o América. Eu me destaquei e fui convidado pelo time rubro. Voltei para Itajá no meio do ano, pois as condições não eram as melhores e eu estava com os estudos em andamento e não queria perder o ano letivo. No ano seguinte, um primo, chamado Nonato - a quem devo muito - me trouxe de volta. Viemos eu e outro primo nosso, o atacante Bebeto. Foi minha segunda oportunidade. Tentei continuar os estudos em Natal, mas não foi possível devido aos treinos, concentrações e tudo o mais. Foi assim que tudo começou. Em Natal me profissionalizei e iniciei minha carreira.
ZONA SUL – Você chegou ao América em qual ano?
SOUZA – A primeira vinda foi em 1990. Voltei para o interior e, no ano seguinte, vim de vez para Natal. Fui bicampeão estadual em 1991 e 1992. Perdemos o título de 1993, quando eu saí.
ZONA SUL – E a transferência para o Rio Branco de Americana, em São Paulo, como ocorreu?
SOUZA – Meus procuradores de hoje me deram a oportunidade de ir jogar no Rio Branco. Eles vieram assistir um jogo em Natal para observar vários jogadores, entre eles eu e o meu primo, o atacante Bebeto. Era uma final América e ABC. Eu me destaquei e eles optaram por me levar. Eu era muito jovem.
ZONA SUL – Como foi trocar Natal pelo interior de São Paulo?
SOUZA – Muito difícil. Fui com João Matias, o Joãozinho. A adaptação foi complicada. Como eu tinha ficado pouco tempo em Natal, foi praticamente como trocar o interior potiguar pelo interior paulista. Tudo era diferente, eu estava longe de todo mundo. A dificuldade foi grande. Somente quem quer vencer na vida suporta aquilo tudo. Pior é a solidão do que você entrar em campo para enfrentar um grande time. Consegui, felizmente. Superei tudo isso. Fiquei no Rio Branco um campeonato paulista e depois me transferi para o Corinthians.
ZONA SUL – As dificuldades devem ter aumentado, quando você finalmente chegou a um time grande, no caso, o Corinthians.
SOUZA – Sim. A cobrança e a pressão foram bem maiores. Saí do interior pra Natal, fiquei pouco tempo. Era muito garoto, muito jovem, e ainda estava em formação. Não foi fácil chegar ao Corinthians, botar a camisa 10 e deixar Casagrande e um monte de jogador consagrado no banco. A pressão, longe da família, morando só, foi enorme. Com a ajuda de Deus, consegui superar tudo isso e fiquei por lá quatro anos e meio.
ZONA SUL – A torcida do Corinthians já era como hoje? Já peitava jogador e interrompia treino?
SOUZA – Era. Tive várias glórias por lá, mas cobranças também. Talvez eu nem estivesse preparado para aquela pressão toda, pois tudo aconteceu muito rápido na minha vida. Saí do interior para o América, de lá para o Rio Branco, Corinthians e cheguei até a Seleção Brasileira. Eu era completamente diferente do que sou hoje. Com o passar dos anos, ganhei muita experiência. Tive que superar tudo: as cobranças, os problemas familiares, o fato de morar sozinho em São Paulo... Tive que me virar só. Foi complicado, mas felizmente consegui. Não desmerecendo a oportunidade que me foi dada pelo América e pelo Rio Branco, foi no Corinthians que apareci para o mundo. Sou muito grato ao América e ao Rio Branco, mas um jogador aparece mesmo é vestindo a camisa de um time grande.
ZONA SUL – Qual seu momento mais marcante no Corinthians?
SOUZA – Em 1995, quando conquistamos a Copa do Brasil e o Campeonato Paulista. Nesse mesmo ano fui convocado para a Seleção Brasileira. Fazia muito tempo que o clube não conquistava títulos importantes. Esse foi meu melhor momento.
ZONA SUL – Como é o relacionamento da imprensa do sul do país com os craques? É um relacionamento isento ou ela favorece a um atleta em detrimento de outro? Existe um relacionamento promíscuo? O fato de seu perfil não ser o de jogador que procura agradar a jornalista contribuiu para você não ter ido a uma Copa do Mundo?
SOUZA – Hoje em dia a corrupção é muito grande. Existe na imprensa, no futebol, na política... O Brasil está uma vergonha, nesse aspecto. Mas eu reconheço que tenho cinqüenta por cento de responsabilidade por não ter recebido uma maior divulgação por parte da mídia. A outra metade da culpa é da própria imprensa. Quando cheguei ao Corinthians, senti logo nos primeiros meses um certo preconceito por eu ser nordestino. Naquele tempo eu era retraído, hoje sou completamente diferente. Mudei, aprendi com a vida, passei por várias situações e cresci. Na época eu comecei a rebater por eles me tratarem daquela forma preconceituosa. Mas eles tinham o microfone, e eu não. Só me restou jogar bem. Aconteceu muitas vezes de eu jogar bem e, mesmo assim, não ter minha atuação reconhecida.
ZONA SUL – No Pré-Olímpico de 1995, você, vestindo a camisa 10 da Seleção Brasileira, estava sendo considerado o melhor jogador da equipe. Tinha feito até gol de placa contra o Paraguai. Exatamente na semifinal, pra surpresa geral do país, você foi sacado da equipe. Por que?
SOUZA – O treinador era o Zagallo, pessoa a quem admiro muito, respeito e jamais vou falar mal dele. Foi ele quem me deu aquela oportunidade. Mas é verdade, até a semifinal do Pré-Olímpico eu vinha muito bem. Fui sacado. Entrou Beto, que jogava no Botafogo. Amigo meu, merece também, pois é gente boa e joga muito. Alguns acreditam que a imprensa contribuiu para essa substituição. Eu não sei.
ZONA SUL – Você mudou muito daquele tempo pra cá?
SOUZA - Hoje eu sou um profissional, antes eu era um jogador de futebol. Minha visão de mundo mudou completamente. Hoje, quando estou de férias, seis horas da manhã já estou correndo, me preparando. Antes eu não dava tanta importância ao preparo físico, não treinava como devia. Achava que bastava a minha técnica para resolver. Mas a verdade é que o futebol mudou. A parte física ganhou uma importância fundamental. Se você não estiver bem preparado, sua técnica não vai prevalecer. Os times estão jogando com três volantes e três zagueiros
ZONA SUL – Qual sua idade hoje?
SOUZA – Estou com 32 anos, hoje eu tenho estrutura. Com 18, 19 anos, eu estava no Corinthians, recebendo aquela pressão toda. Tenho é que agradecer a Deus por ainda estar jogando, estar vivo e morando em Natal. Acredito que estou na melhor fase da minha vida. Apesar de praticamente ter só a mídia local, estou muito bem. Isso, para mim, é o que vale. O que importa hoje para mim é jogar para o meu povo. Quando voltei pra Natal, não pensava mais em dinheiro. Ganhar é bom, lógico, pois tenho meus compromissos e tal, mas eu queria voltar pra jogar em Natal porque saí daqui muito jovem. Queria que as pessoas conhecessem melhor não apenas o meu futebol, mas também o meu caráter. Estou feliz.
ZONA SUL – Recentemente, em uma entrevista ao programa Bem Amigos, da Sportv, o jogador Alex, que foi do Palmeiras e hoje está no futebol turco e é um cara que joga parecido com você, disse que a geração dele, que é a sua, foi injustiçada. Ele estava se referindo ao fato de que Diego e Robinho fracassaram no Pré-Olímpico de 2004 e voltaram a ter chance na Seleção. O mesmo não aconteceu com a geração de vocês. Você concorda?
SOUZA – Concordo com o Alex. A Seleção de Diego e Robinho perdeu, e a expectativa era grande. Eu sei que eles não tiveram culpa desse fracasso. Essa nova chance que eles estão tendo é justa. Mas eu não recebi o mesmo tratamento. Eu, Alex e a nossa geração. Na época em que estive no Atlético Paranaense, por exemplo, fomos campeões brasileiros, e nem sequer fui lembrado. Agora mesmo, no ano passado, fui escolhido o melhor jogador da Série B e sequer comentam. Ninguém fala nada. O que acontece? Será que sou tão antipático? Mesmo que eu fosse, a mídia tinha obrigação de divulgar.
ZONA SUL - Jogadores como você e o Alex estão em fase de extinção?
SOUZA - Acredito que sim. No futebol jogado hoje, as equipes são escaladas com três volantes, três zagueiros, dois laterais e o atacante ainda volta para dar combate. A preparação física teve uma evolução tão grande, que está tirando os talentos. Hoje só tem uma Seleção que joga com talento, qualidade e que dá gosto de assistir: é a Seleção Argentina. Eu vi o jogo da Argentina com o México. Eles fazem gol na hora que querem. A Argentina ficava com a posse da bola e o México correndo para tudo que era lado. Os argentinos vão à linha de fundo e, quando não querem cruzar, tocam a bola. Se for preciso voltam com ela até o goleiro, para recomeçar tudo de novo. É uma coisa linda de assistir.
ZONA SUL – Você se vê em Messi, ali?
SOUZA – Um pouco. Só que ele é muito mais rápido. Ele é mais atacante. Nós, eu e o Alex, somos meias de organizar as jogadas. Somos clássicos. Nosso estilo é mais de uma metida de bola, de fazer uma jogada inteligente. O Messi, não. Ele tem mais explosão. Se bem que hoje eu tenho mais explosão do que antes. Há alguns anos eu não dava atenção a treinar para desenvolver esse tipo de coisa. Hoje o meu arranque de dez ou quinze metros é bem diferente. Com a bola no pé nessa distância, mesmo em velocidade, é difícil tirarem de mim. Antes eu era mais de toque de bola, de drible curto e tal. Mas esse tipo de jogador está acabando. Até a Seleção Brasileira, que é respeitada, está jogando com três volantes. E o comentarista ainda defende esse esquema, diz que com três volantes o Brasil fez três gols. Ora, o futebol é imprevisível. O gol pode sair de uma bola parada ou em um lance de sorte. Eu ainda sou a favor do futebol bem jogado.
ZONA SUL – O Brasil sempre foi referência nas categorias Sub-20. Foi campeão em 1983 e revelou para o mundo Geovani, Bebeto, Jorginho e o próprio Dunga, como volante, apesar de ele nunca ter sido craque. Foi campeão em 1985 revelando Muller, Silas e Taffarel. Campeão em 1993, revelou Yan, Gian e Dida. Como você vê esse fracasso da Seleção atual Sub-20, que fez a pior campanha da história, sendo eliminada nas quartas de final pela Espanha, de uma forma melancólica? Você atribui ao mau gerenciamento das categorias de base? À filosofia errada de trabalho? Os peladeiros, os craques que havia nos morros e nos subúrbios não estão tendo mais acesso aos clubes? Existem empresários desonestos?
SOUZA – Hoje o nosso futebol virou empresa. Não tenho provas, nem vou citar nome de ninguém, mas a gente sabe que existe empresário desonesto. Já houve denúncias de esquema montado entre empresário e treinador. Poucos se preocupam com o clube. Tenho um projeto, não sei se vai à frente, de construir um CT (centro de treinamento). Estou até conversando para assumir as categorias de base do América. Se der certo, é lógico que eu vou investir meu dinheiro, mas eu também vou trabalhar para o bem do clube. Dar retorno não apenas financeiro, ao América, mas também ao torcedor, revelando jogadores para montar um time competitivo, para se sair bem nas competições. Quero ter minha porcentagem nos lucros, claro, mas o América também terá a sua. Todos vão ganhar. Se não der certo, poderei montar um CT paralelo. Formar um time para revelar jogadores. Constituir uma empresa.
ZONA SUL – Você acha ético um dirigente ser vice-presidente de um clube e ser dono de um outro?
SOUZA – Eu não faria isso.
ZONA SUL – Recentemente o jogador Wallyson, do ABC, enfrentou na pele esse problema. Ele foi para o Atlético Paranaense e, por conta de uma briga monetária entre pseudodirigentes e dirigentes, perdeu a oportunidade de disputar a Série A por um time com ótima estrutura. Você acha compatível ser dirigente de clube e dirigente de empresa?
SOUZA – Não gostaria de me envolver nesse assunto, mas eu nunca misturaria as duas coisas. Até mesmo porque exige tempo. A pessoa tem que estar dentro, convivendo o dia-a-dia, para alcançar o sucesso. Se eu for montar um clube pra mim, vou trabalhar para esse time crescer. Se eu pegar as categorias de base do América, tem que ser tudo previamente esclarecido. O América ficará com tantos por cento, eu com outros tantos. O jogador vai ter oportunidade, vai jogar quem tiver melhor. Não é porque é jogador ligado a mim que terá que jogar. Vai ter espaço para treinar e mostrar o seu talento.
ZONA SUL – Voltando a sua trajetória: do Corinthians você foi para o São Paulo, onde a repercussão da sua passagem não foi tão grande...
SOUZA – No São Paulo tive vários problemas. No melhor momento meu lá, sofri uma contusão. Também enfrentei algumas dificuldades com um treinador de quem eu não gostaria de citar o nome. Como eu falei antes, eu também ainda não era um atleta. Não que eu fosse um jogador relaxado, ou que não estivesse nem aí. Mas tinha uma cabeça diferente da que tenho hoje.
ZONA SUL – Você enfrentou dificuldades com a torcida corintiana por trocar o Timão pelo São Paulo?
SOUZA – Independente de quem seja o jogador, sempre há pressão nestas trocas. Pior ainda são as trocas entre Palmeiras e Corinthians. Nem pensar. Mas, mesmo assim, não tenho o que reclamar. Tive bons momentos também no São Paulo. Foi ótimo jogar ao lado de França, de Reinaldo e de Kaká. Ganhamos sete jogos marcando mais de três gols. Demos show mesmo. Também joguei com o Dodô, mas depois ele saiu. Ficamos eu, França, Reinaldo e Kaká. Como a Seleção de 1982, não ganhamos nada. Mas nosso time dava show. O grupo não era tão unido para conquistar títulos. E não adianta só o talento.
ZONA SUL – Essa história de grupo unido ganha jogo mesmo? Grupo fechado existe?
SOUZA – Existe sim. Hoje é o que está prevalecendo. Lógico que dentro de um grupo nem todos estarão felizes, uns dois ou três permanecerão insatisfeitos. Num primeiro momento eles até irão aceitar. Mas quando o grupo está unido, o time está entrosado, a bola bate na trave e entra. Quando o ataque é do adversário, a bola bate na nossa trave e não entra. No dia-a-dia, a harmonia é fundamental. Lógico que também se botar uns pernas-de-pau todos unidos também não vai adiantar. Tem que ter o equilíbrio.
ZONA SUL – Do São Paulo você foi para onde?
SOUZA – Para o Atlético Paranaense. A imprensa de São Paulo dizia que eu estava morto, que tinha acabado. O Atlético, naquela época, era um time de médio pra pequeno. Foi a partir da campanha que fizemos após a minha chegada que ele começou a se projetar. Ao chegar, eu não tinha condições de jogo ainda. Assisti a dois jogos antes da estréia. Vi a qualidade do time e o ambiente. Falei logo: vamos ser campeões. Eu parecia um profeta. Grupo igual àquele nunca vi. Dificilmente um grupo daquele será repetido. Era um grupo família mesmo.
ZONA SUL – Você foi recebido como ídolo no Atlético?
SOUZA – Fui recebido com uma certa desconfiança, por estar trocando o São Paulo pelo Atlético Paranaense. O time era bom, mas os jogadores não acreditavam no potencial que tinham. Percebi logo que seríamos campeões. Demorou um pouco para os outros jogadores acreditarem. Mas chegou um momento em que a gente ia pra campo e já sabia que ia ganhar. Podia ser o adversário que fosse. Não importava que time estava do outro lado. Apesar disso, nunca deixamos de respeitar o adversário. Era por isso também que a gente ganhava. A gente sabia que tinha condições, mas respeitava. A gente corria, marcava e, com a bola, todo mundo jogava. E a torcida fazia sua parte, incentivava. Até o último minuto a gente permanecia ligado no jogo. Corria o tempo todo.
ZONA SUL – Você teve dificuldades com o frio?
SOUZA – É ruim jogar no frio. Quando cheguei, já tinha passado por São Paulo que também era frio, apesar de Curitiba ser um pouco mais. Acho que esse período no Atlético foi um estágio antes da minha ida para a Rússia. Lá é que era frio. Mas consegui superar. Foi mais uma dificuldade na minha vida que eu consegui vencer.
ZONA SUL – Do Atlético você foi para a Rússia?
SOUZA – Não, voltei para o São Paulo. Eu queria permanecer no Atlético para disputar a Libertadores. Mas eu tinha contrato com o São Paulo, e eles não me liberaram. Meu contrato com o São Paulo estava acabando, eles queriam que eu aceitasse uma redução no meu salário. Eu não agüentava mais ficar na cidade de São Paulo. Optei pelo Atlético Mineiro. De lá fui para a Rússia.
ZONA SUL – No empate entre América e Atlético Mineiro, no ano passado, partida que alçou o time potiguar à primeira divisão, a torcida do Galo o homenageou.
SOUZA – No Atlético Mineiro o carinho da torcida por mim até hoje é muito grande, apesar de eu ter disputado apenas um campeonato pelo time. Chegamos longe até, para o time que tínhamos naquele momento. Chegamos às oitavas de final. Fui convidado para voltar em vários outros anos, mas não deu certo. Chamaram-me quando eu estava na Rússia e também no ano passado quando eu estava disputando a Série B pelo América.
ZONA SUL – Como surgiu a oportunidade de você ir jogar na Rússia?
SOUZA – O presidente do Krylya Sovetov assistiu a uma partida das oitavas do Atlético Mineiro contra o Corinthians. Ele gostou, apaixonou mesmo. Pouco tempo depois me telefonaram e topei ir. Resolvi sair do Brasil para ver coisas diferentes. Fui meio no escuro, sem conhecer nada. Apenas imaginava como seria. Adaptei-me. Há poucos dias tive proposta para voltar.
ZONA SUL – Como é a Rússia?
SOUZA – Gelada!
ZONA SUL – O torcedor russo é gelado também?
SOUZA – Ao contrário, ele é quente. Não sei como num frio daqueles a torcida é tão quente.
ZONA SUL – Deve ser vodca demais...
SOUZA – Deve ser vodca mesmo, mas eles gostam muito de futebol. Na capital eles não são muito fanáticos, mas no interior são bastante quentes. A torcida do Krylya dava show. A cidade era Sâmara. Todo jogo lotava. Eles idolatram o jogador, o respeito é muito grande. Mesmo quando perdíamos, eles aplaudiam a nossa luta em campo. Não xingavam, como aqui. Esse tipo de incentivo faz com que o jogador tente tudo, se doe ao máximo durante as partidas. Aqui você é xingado. Talvez a cobrança seja maior pelo fato de o Brasil ter vários títulos mundiais. Ou então é coisa da cultura mesmo. Lá sou tratado como rei, igual como sou no América. Entro no site do time quase todos os dias. Recentemente recebi uma proposta para ir para um time de Moscou. Eu até jogaria em um time de Moscou, apesar da dificuldade da alimentação nos hotéis.
ZONA SUL – O que você comia lá?
SOUZA – Nos hotéis era frango meio cru, sem tempero. Umas comidas deles diferentes, como sopa de tomate e outras coisas.
ZONA SUL – Você sentiu medo de terrorismo ou de atentado?
SOUZA – Chegou um momento em que eu tive. A gente começou ter medo de acontecer um atentado durante algum vôo. Mas como o embarque lá é muito rigoroso, o que dava mais medo mesmo eram os aviões velhos demais. Aviões daqueles, se viessem para o Brasil, acho que ninguém embarcaria.
ZONA SUL – Como você se comunicava com as pessoas? Tinha um intérprete à sua disposição?
SOUZA – Sim, eu tinha dois intérpretes à disposição. Mas aprendi alguma coisa. Consigo me virar em um restaurante, conversar alguma coisa, sobretudo sobre futebol. Parte do que o treinador falava, eu já entendia. Fizemos uma ótima campanha no último campeonato que disputei lá. Conquistamos o terceiro lugar com um time de médio para pequeno, contra tudo e contra todos, igual ao América está aqui. Contra arbitragem, contra esquema. A classificação deu acesso à copa da UEFA.
ZONA SUL – Se o Krylya Sovetov disputasse, por exemplo, um campeonato brasileiro, estaria em qual série?
SOUZA – Na Série A, o time era muito bom. Tinha vários jogadores que talvez aqui hoje no Brasil não tenha. Tinha jogadores da Seleção Russa. Hoje, aqui no nosso futebol está faltando atletas com a qualidade dos que têm lá. Mas o time também tinha deficiências, principalmente na lateral e na zaga. Mas, do meio campo para frente, era muito bom. Era um time de toque de bola. O futebol russo é parecido com o alemão. Um futebol mais dinâmico, de muita correria.
ZONA SUL – No Krylya havia muitos jogadores de outros países?
SOUZA – Acho que era o time que mais tinha estrangeiros. Além dos brasileiros, tinha jogadores do Chile, Nigéria, Bielo-Rússia, Sérvia e Montenegro... De brasileiro tinha o Catanha (atacante pernambucano que jogou no CSA, em vários times de Portugal e da Espanha e no Atlético Mineiro), depois foi o Rôni (atacante tocantinense que jogou no Vila Nova, São Paulo, Fluminense, Flamengo, Goiás, Atlético Mineiro e hoje atua no Cruzeiro), o Leilton (lateral que jogou no Vitória e na Seleção Brasileira Sub-20), Moisés (zagueiro mineiro com passagens no Vitória, Cruzeiro, Sporting Lisboa e Flamengo)
ZONA SUL - Por que você voltou para o Brasil?
SOUZA - Voltei porque os salários começaram a atrasar. A dívida começou a acumular e, como era muito dinheiro, senti que eles não tinham condições de pagar mais. Preferi voltar. Foi o momento certo. Vim para Natal e fiquei sete meses parado, naquele paga não paga, volta não volta. Entrei em um acordo com eles e fui jogar no Flamengo.
ZONA SUL – Flamengo, o seu time de coração...
SOUZA – Meu time de coração hoje é o América. As pessoas diziam que eu estava maluco em ir para o Flamengo. O time estava correndo o risco de cair para a segunda divisão. Eu disse que iria, que queria ajudar. Era a oportunidade.
ZONA SUL – Naquela época o Flamengo também não pagava a ninguém...
SOUZA – Ainda está me devendo três meses. Estou tentando chegar a um acordo. Mas fui para lá. Quando cheguei, logo após minha apresentação, botei o uniforme e fui para uma reunião. Muitos jogadores discutindo. Eu, com a experiência que tinha, era para ter percebido naquele instante que não daria certo, devido ao grupo estar dividido. O América está em uma situação complicada no brasileiro, mas não é divisão de grupo. É falta de entrosamento mesmo e azar. Estamos perdendo muitos gols, mas vamos sair dessa situação. Mas, voltando ao Flamengo, pensei: onde fui me meter? Teve um dia em que o treinador falou pra mim que estava na dúvida sobre quem escalava. Ofereci-me para ficar no banco. Se eu fosse jogar poderia acabar com o grupo.
ZONA SUL – Por que?
SOUZA – Se eu tomasse o lugar de um determinado jogador, como ele tinha poderes sobre muitos dos outros, poderia desagregar o grupo. Falei para o treinador que ele podia escalar o tal jogador e disse que quando ele precisasse de mim eu estaria pronto. Eu estava em forma. Passei uns cinco ou seis meses no Flamengo. Meu relacionamento com a torcida era muito bom. O torcedor não queria que eu saísse. As pessoas falam que eu não rendi o que poderia render. O Flamengo estava caindo, num time daquele, os jogadores desacreditados, sem confiança, quem poderia render? Tive a coragem suficiente de ir lá e botar minha cara. Se eu tivesse caído com o Flamengo, seria o meu fim. Não que a minha carreira, como jogador, fosse acabar, mas eu me sentiria derrotado, era uma coisa minha, pessoal. Evitar o rebaixamento, pra mim, foi como conquistar um título. Isso aconteceu em 2005. Não permaneci no Flamengo por causa dos atrasos nos pagamentos e também pelo ambiente que existia lá. Não sei como está hoje. Preferi ficar em Natal. Não adianta você ficar em um ambiente onde não se sente bem.
ZONA SUL – Por que você resolveu trocar o Flamengo pelo América, um time que estava na segunda divisão? Amor e gratidão pelo clube? Você tinha propostas do Goiás, do Grêmio, do Atlético Mineiro e do Internacional, mas preferiu ficar no América.
SOUZA – Foi mais gratidão e amor. Também pesou o fato de ter nascido meu filho e eu preferir permanecer em Natal. Foi um conjunto de fatores. O grupo do América também pesou. Treinei com eles e vi. Eu já tinha dito há algum tempo que jogaria no América de graça, quando estivesse para encerrar a carreira. A oportunidade apareceu nesse momento. Os três primeiros meses eu joguei sem receber.
ZONA SUL – Você está vivendo um momento de equilíbrio. É unanimidade em Natal. De que forma você recebe o carinho da torcida, sobretudo das crianças?
SOUZA – É muito bom, essa reação massageia meu ego. Acredito que qualquer pessoa gostaria de receber esse tipo de adoração. Por outro lado, isso aumenta a minha responsabilidade. Não só dentro de campo, onde tenho que me esforçar o máximo para decidir jogos e conduzir o grupo, mas fora das quatro linhas também. Um fato que aconteceu recentemente me chocou bastante. Um americano entrou em coma e sua família pediu que eu fosse visitá-lo, pois ele gostava muito do América e de mim. Fui lá tentar ajudar de alguma forma. Era como se eu tivesse condições de realizar um milagre. Achei isso diferente de qualquer coisa que eu já vivi. Emocionou-me muito. Outro momento marcante foi no dia em que entrei no campo e vi uma bandeira com a minha caricatura. Tava lá escrito: Souza eterno rei. Faltou pouco para eu chorar. Coisas assim fazem com que eu permaneça no América.
ZONA SUL – Até quando vamos ter o prazer de ver Souza em campo?
SOUZA – Eu pretendia parar no final do ano passado. Minha intenção era montar um time, para eu jogar quando desse. Tenho uma massa muscular muito forte, e às vezes acabo me prejudicando por excesso de treino ou pelas viagens longas. Prejudica a parte muscular. Não quero ficar como um jogador bichado. Algumas pessoas falam que eu jogo quando quero. Não é isso. Tenho um prazer muito grande em jogar. Mas estou pretendendo parar no final do ano. Não sei se vou conseguir. Talvez monte um time para disputar o estadual. Parar de jogar mesmo, só quando morrer.
ZONA SUL – Com quem você gostaria de ter jogado e não teve a possibilidade?
SOUZA – Eu gostaria de ter jogado com Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Fenômeno, Romário, Robinho... São jogadores acima da média. Se for falar dos de antigamente, tem uma porção, como Zico, Rivellino...
ZONA SUL – Você guarda alguma mágoa do futebol ou tem algum arrependimento?
SOUZA – Não. Estou feliz, não tenho do que reclamar. Eu poderia ter feito uma ou outra coisa diferente, sobretudo no início da carreira. Mas eu era muito jovem e tudo que aconteceu na minha vida foi rápido. Eu não estava preparado. Por isso, não digo que tenho arrependimento, foram circunstâncias da vida. Hoje tenho uma condição muito boa, ajudo minha família inteira. Em todos os clubes, no meio dos jogadores, todo mundo sabe quem é bom caráter e quem não é. Eu estou incluído entre as pessoas de bem. Isso, pra mim, é o que mais importa.
ZONA SUL – Que futuro você vê para o futebol do Rio Grande do Norte? Você vê perspectiva de nascerem novos Souzas? Qual a probabilidade de nascer um novo Souza em um futebol como o nosso, que importa tanto, que trás tantos jogadores,?
SOUZA – Se for dada oportunidade ao jogador da terra, a possibilidade é grande. É necessário um trabalho sério e tempo para esse trabalho render frutos. Se um clube quiser ser grande, tem que investir mais nas categorias de base. É mais fácil montar um time estruturado com jogadores da base e entrosar do que contratar 15, 20. O jogador vem, permanece seis meses, e vai embora. Eu quero revelar jogadores. Não sei se vai ser no América ou se montarei uma empresa.
ZONA SUL – Qual a música que Souza curte mais?
SOUZA – Gosto muito de rima. Adoro a repentistas e forró. Também gosto de hip-hop e de rap. O hip-hop é rima, mas tem aquela batida e tal. Hip-hop tem a batida e critica o sistema.
ZONA SUL – Se você não fosse jogador de futebol o que seria?
SOUZA – Não sei, mas eu gostaria de ser cantor. Adoro música. Ainda vou montar uma banda de forró.
ZONA SUL – Você acha que nosso país tem perspectiva? O Brasil tem solução?
SOUZA – Acho muito difícil. Está faltando mais amor nas pessoas. O brasileiro não acredita mais no político e nem no próximo. Está faltando amor. As pessoas só valorizam a vaidade, o dinheiro. A falta de respeito e de solidariedade com o próximo é grande. Está faltando, sobretudo, amor nas pessoas. Isso tudo que está acontecendo no Brasil é uma vergonha. O país está completamente desacreditado.
ZONA SUL – O que você acha da presença de um nordestino no poder?
SOUZA – Eu esperava muito mais. Principalmente porque Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) era ligado à esquerda, lutava para melhorar a vida do pobre. Mas sei que o poder é muito complicado. Não estou defendendo ele, mas se todo dia surge um novo escândalo, como é que o cara vai fazer alguma coisa? Desviam muito dinheiro que deveria ir para a educação, para a saúde e para tudo o mais. É complicado, mas eu esperava mais. Sei que não depende só de uma pessoa, mas Lula tem culpa também.

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