domingo, 30 de outubro de 2005

Entrevista: WELLINGTON ASSIS

O MINEIRINHO DA VIOLA CAIPIRA


O entrevistado do mês passou parte da vida no meio do mato e até hoje nunca viu o mar. Típico caipira mineiro, Wellington Assis falou de sua história, as dificuldades que enfrentou, os planos para o futuro... Enfim, revelou sua saga com um humor fino e invejável, com exclusividade para o Zona Sul.

Wellington de Assis Silva tem 22 anos e nasceu em Campina Verde, Minas Gerais. Há cerca de dois, ensaia em Brasília os primeiros passos de sua carreira profissional. A música caipira corre em suas veias. É com ela que o violeiro pretende contribuir para que as pessoas sejam mais felizes. Bom de conversa, voz de mineiro, daqueles matutos mesmo que arrastam erres e economizam letras, Wellington é uma das principais revelações da música caipira. Em uma noite no Bar do Chico, no Clube da Imprensa de Brasília, conversei com Wellington acompanhado da jornalista Tida Medeiros e do estudioso nas coisas piauienses e eleitor inveterado do senador Mão Santa, Chiquinho Sales. O resultado do bate-papo você pode conferir agora. (Roberto Homem)


ZONA SUL – Recentemente você realizou duas apresentações no Centro Cultural de Brasília e outras duas no Feitiço Mineiro - espaços importantes da noite brasiliense - sempre com casa cheia e com direito a unânimes elogios. O que você achou desses espetáculos?
WELLINGTON – Eu gostei muito e, para falar a verdade, tenho adorando cada vez mais. Estou muito feliz não apenas porque contei com a participação dos amigos na platéia, mas também com a presença de um público que ainda não conhecia meu trabalho. Apareceu nesses shows muita gente que eu não conhecia e que adora a música caipira. Recentemente fui convidado para participar de muitos eventos, como um encontro de violeiros promovido pelo Sesc (Serviço Social do Comércio) de Samambaia, junto com Zé Mulato e Cassiano, Marcos Mesquita e Aparício Ribeiro – todos eles violeiros de Brasília que fazem sucesso em todo o país. Zé Mulato e Cassiano, por exemplo, formam hoje a dupla caipira mais conhecida. A cada dia que passa as coisas começam a acontecer para mim.

ZONA SUL – Onde foi o seu primeiro show?
WELLINGTON – Foi no Feitiço Mineiro, onde fui acompanhado por Marcos Mesquita, que tocou viola e violão, e por Fabinho Pessoa, no baixo. No Centro Cultural de Brasília, o Erick Germano tocou bateria, o Fabinho Pessoa continuou no baixo e o Cássio Rei conduziu seu violão e cantou comigo. A produção dos meus shows tem sido de Marcos Mesquita. Recentemente fiz uma apresentação na minha cidade, Campina Verde, à convite da prefeitura. Foi muito bom. Fabinho, Cássio e Erick foram comigo. O show, em praça pública, integrou a programação da semana do folclore de lá. Foi aberto ao público com barraquinhas e muita coisa na rua. Todo ano tem esse evento. Em 2004 o convidado foi Roberto Corrêa.

ZONA SUL – Brasília é conhecida nacionalmente como uma cidade roqueira. De lá saíram várias bandas que fizeram sucesso no país. Qual o público na cidade que curte a música caipira? É um pessoal que curte rock and roll também?
WELLINGTON – Chega a ser engraçado. Na Escola de Música, onde estudo, é comum ver o pessoal que gosta de rock, que estuda guitarra, parar para ver quando estamos fazendo recitais de música caipira. O som da viola é admirado por todos. Quem toca MPB, gosta; quem toca clássico, gosta; quem toca música caipira, gosta mais ainda; quem toca sertanejo... Quando comecei a estudar lá, achei interessante o fato do roqueiro gostar de viola. Achava que o cara que tocava rock só gostava desse estilo de música. Percebi que não é verdade. A maioria deles também gosta da viola, acha seu som interessante. Mas a música caipira mesmo - aquele som cantado de Tião Carreiro e Pardinho, Zé Mulato e Cassiano - tem seu público caipira bem fechado. A música caipira instrumental é que abrange mais pessoas: desde o rock até a MPB. Na Escola de Música mesmo eu convido baixistas de rock para acompanharem quando vou tocar viola. Eles se interessam, curtem e adoram participar.

ZONA SUL – Qual a diferença entre a música caipira e a sertaneja?
WELLINGTON – A diferença é grande. A música caipira é mais ligada na terra, fala de sentimento. A moda de viola geralmente conta história de alguém que morreu, um fato ocorrido numa fazenda, o boi que salvou um menino, o fazendeiro que teve que vender suas terras, ficou pobre, mudou-se para a cidade e está sofrendo lá... Essa é a moda de viola, a raiz. Fala de natureza, do mato, do sertão. Já a música sertaneja é mais um country americanizado, um negócio mais choroso, falando de paixão, de chifre... Você pode notar que a música sertaneja é passageira, são três meses só de sucesso e depois é esquecida. A música caipira não, ela sequer envelhece com o passar do tempo. Tem essa diferença: a caipira é raiz de verdade, e a sertaneja passa, não tem essa força que a música caipira tem.

ZONA SUL – A música de raiz ganhou ou perdeu com a massificação do sertanejo?
WELLINGTON – Eu ainda não descobri a resposta. Acho que, ao mesmo tempo em que dá uma forcinha, destrói também. Quem vive mesmo a música caipira, a música de raiz, é porque gosta. Nós da música caipira não pensamos em platéias de milhões, mas nos contentamos com um número pequeno de pessoas boas, de pessoas unidas que gostam da música de verdade, que valorizam e respeitam o trabalho. Estamos acostumados a ver muito show grande em que a movimentação é mais valorizada que o próprio som, e isso não é interessante. Queremos que as pessoas escutem a letra do que estamos cantando, prestem atenção ao ponteado, ao toque, escutem e prestem atenção nas histórias reais da vida no mato, que são tema das canções. A música caipira só perde quando é confundida com a sertaneja. Não é. A música caipira tem tradição, já a sertaneja é visa mais vender, o interesse maior é em grana, em dinheiro. A dupla caipira pensa em cantar, em ser feliz e em fazer alguém feliz, passar aquela coisa do sertão para as pessoas.

ZONA SUL – O músico caipira é valorizado pela indústria fonográfica?
WELLINGTON – Não é muito não, as duplas caipiras não são colocadas no patamar que mereciam estar. Mas, na verdade, os caipiras não se preocupam muito com isso. Você vê Zé Mulato e Marciano, a melhor dupla caipira da atualidade, eles se preocupam em fazer boa música, tocar bem e passar da melhor maneira possível a sua mensagem. Não estão preocupados, nem tem interesse, em dividir espaço na mídia com a música sertaneja. Sei que é bom estar na mídia, ser falado, mas não a qualquer custo. Sinto que a música caipira está crescendo. Sou professor de viola e vejo muita gente me procurar com 12, 13, 14 anos pra aprender o instrumento. Da mesma maneira que me procuram com 60 ou mais. Prova de que a viola não tem idade. Todo mundo gosta. Quando estou tocando, fazendo show, as pessoas de idade, as senhoras, chegam, me abraçam, querem conversar comigo. Comentam: “que coisa mais bonita, você tão novo tocando viola”. Isso é interessante porque não deixa a tradição da música caipira acabar.

ZONA SUL – Você agora está em estúdio gravando seu primeiro CD...
WELLINGTON – Isso mesmo. Estou gravando meu primeiro CD com a produção de Marcos Mesquita, que sempre me acompanha. Estou pretendendo mostrar músicas de violeiros que moram em Brasília, como Zé Mulato e Cassiano, Aparício Ribeiro, Marcos Mesquita, Advogado e Engenheiro, Armindo Nogueira e outros mais. Minha intenção é gravar música nova de violeiros nascidos ou radicados em Brasília. É um CD instrumental muito animado, tenho certeza que o público vai gostar. Está cheio de rasta-pé, guarânia, seleção de pagode (que é um ritmo caipira, o pagode de viola), chamamé, polca, rasqueado, cururu, valsa... Será bem eclético, porque quero mostrar vários ritmos da música caipira. Será um disco todo instrumental. Estou fazendo a viola, Fabinho fazendo violão, Erick na percussão junto com Quesada, professor da Escola de Música de Brasília e um dos melhores percussionistas do país. Carlinhos Sete Cordas tocará um choro comigo. A dupla Zé Mulato e Cassiano me cedeu uma seleção de pagode, um pout-pourri. Cassiano participará tocando violão em algumas faixas também. Estou convidando meu avô, para que ele possa realizar seu sonho de gravar. Ele tem 83 anos, chama-se Sebastião Maria e toca violino e violão com perfeição. Nunca estudou, nunca teve professor, aprendeu sozinho no meio do mato. O irmão dele, Luiz Maria, meu tio-avô, foi um dos causadores da minha vida pra Brasília, junto com meu primo, Nélson Oliveira.

ZONA SUL – Como foi seu início na música?
WELLINGTON – Eu morava em Campina Verde, em uma fazenda. Eu estudava. Aos 14 anos meu pai morreu. Continuei lá mais um ano. Durante esse tempo, tinha umas novenas. Foi daí que surgiu toda essa história de música. As novenas, lá em Campina Verde, percorriam uma fazenda a cada noite. A santinha visitava as casas. Durante essa novena sempre tinha uma dupla tocando músicas religiosas com viola e violão. E o pessoal cantava. Antes de começar a parte religiosa, eles cantavam moda de viola, pra animar. Depois parava e começava a novena propriamente dita. Ao final voltava o repertório de moda de viola por mais uma hora. A dupla era Tacilo e Nelico. Eu tinha 14, 15 anos, na época. Enquanto eles tocavam, eu ficava de olho em uma violinha xadrez que um deles tinha. A coisa mais bonita do mundo. Violinha do mato bem antiga, mas com um sonzinho bem afinado, de primeira classe. E eu já despertando, gostando daquele trem, adorando aquele som, achando interessante. Ele tocava um pedaço e depois parava para a reza. Nesse momento ele me entregava a viola. Eu corria, sentava em um banquinho que tinha lá fora e ficava lá brincando com a viola, só passando o dedo e ouvindo aquele som bom. Eu ficava brincando e contando, na hora que dava a nona Ave-Maria eu corria e entregava a viola pra ele. Eu não tinha conhecimento nenhum, só deitava ela no colo e ficava passando o dedo. Mas não esquecia de contar as Ave-Maria, porque não podia perder o tempo de entregar a violinha dele. Todo terço, quando acontecia lá em casa, era assim. Fiquei mais um ano ali, foi quando comecei a gostar mesmo de viola. Logo em seguida, mudei para a cidade. Saí da fazenda, da região de São Francisco de Sales, para a sede do município Campina Verde. Eu tinha terminado a oitava série e na escola não tinha mais como estudar. A gente ia de ônibus para a cidade, ficava difícil. Fui morar na casa de uma tia, Maria José. Morei durante três anos, trabalhando na marcenaria Joaquim Maluf, que era de um primo meu. Nessa marcenaria aprendi a profissão de marceneiro. A cama que tenho hoje fui eu quem fiz, meu guarda-roupa, cadeiras, tamboretes e mesa, também. Aprendi muita coisa na marcenaria. Fiquei lá até 18 anos. Depois fui para outra marcenaria, mas passei um tempo curto.

ZONA SUL – E a mudança para Brasília?
WELLINGTON – Quando eu tinha uns 19 anos houve o lançamento do CD Vazantes do Grande, de Nélson Oliveira, em Brasília. Fiquei sabendo que meu tio Luiz Maria iria tocar no lançamento, em Brasília. Eu liguei na fazenda do meu tio no dia anterior. Falei com a esposa dele. Ele não estava em casa. Disse a ela que pedisse a ele pra falar com Roberto Correa, que é de Campina Verde também, sobre a possibilidade de me dar uma força. Eu sabia que ele era professor da Escola de Música. Pensei que poderia ajudar um conterrâneo. Minha tia disse que recado nunca chegava direito, que o bom seria eu ir a Brasília falar pessoalmente. Sugeriu que eu aproveitasse a oportunidade para viajar com meu tio. Meu tio topou na hora, quando falei com ele. Na época eu sabia tocar seis músicas. Tinha aprendido com um violeiro chamado Alemão. Ele me deu uns toques e me ensinou um pouco do que sabia. Aconteceu o lançamento, no finalzinho da festa, Terezinha, mãe de Nélson, ficou sabendo que tinha vindo um mineirinho que sabia tocar umas modinhas de viola. Como sobrinho dela, ficou muito interessada em me ver tocar. Ela cobrou, junto com Glauco Barreto, outro músico que tinha participado do CD. Pediram a Nélson pra liberar minha subida no palco, pra eu tocar um pouco. Ao final da festa, Nélson me convidou. Subi, toquei Chalana, Menino da Porteira, Chico Mineiro e outras que eu conhecia. Foi muito gostoso. Tio Luiz me acompanhou no violão. O pessoal começou a dançar, foi um negócio bem descontraído. O complicado foi que eu só sabia tocar seis músicas e logo logo elas esgotaram. Seis músicas não dão pra nada. Duro foi que o pessoal ficou animado e começou a pedir pra eu tocar mais. Eu tive que repetir Chalana três vezes! Depois acabei a apresentação. Tio Luiz disse que viajaria no outro dia cedo e, por isso, tinha que acabar o show. Mas a verdade é que acabou por meu repertório, naquela época, ser pequeno. Mas foi legal, porque a partir daí surgiram convites e as coisas aconteceram.

ZONA SUL – Como você escolheu a viola para ser seu instrumento?
WELLINGTON – Assim que eu mudei pra cidade eu queria aprender música. Foi então que conheci uma professora de violão bem tradicional, muito conhecida em Campina Verde, chamada Betinha. Entrei na escola, comprei um violãozinho pra mim e comecei a pegar aula. Mas não era o que eu queria. Eu sentia que não era. Eu estava procurando um som diferente, alguma coisa diferente. Fiz aula uns três meses com ela, aprendi a tocar, peguei as batidas todinhas. Foi aí que conheci Alemão, o professor que me ensinou as primeiras músicas na viola. Com ele, no dia em que ele tocou viola pra mim, descobri que era esse o instrumento que eu queria. Aprendi as seis músicas com ele e segui em frente. Vou tocando em frente.

ZONA SUL – Você chegou a se imaginar exercendo outra profissão ou ainda pensa em seguir outra carreira fora da música?
WELLINGTON – Não. No começo a gente passa muita dificuldade. Quando cheguei em Brasília, enfrentei muitos problemas, sempre andando a pé ou de ônibus, batalhando, correndo pra cá e pra lá. Principalmente em Brasília, por ser uma cidade grande, as coisas são longe, a dificuldade é maior. Mesmo de madrugada, depois de tocar, tive que voltar várias vezes pra casa de ônibus, o que é muito arriscado e perigoso. Mesmo assim, nunca pensei em exercer outra profissão desde que eu larguei a marcenaria. Fiz até um trato comigo mesmo, quando vim pra Brasília: o de nunca mais exercer outra profissão. Meu negócio vai ser música. Sabia que tinha que estudar, que enfrentaria dificuldades, mas saí decidido a viver só de viola. Pra tudo tem um jeitinho, comecei a dar aula, a fazer um showzinho, a acompanhar duplas. Devagarzinho a gente vai defendendo. Mas é difícil. Acho que se você colocar outra profissão e começar a ganhar dinheiro, logo você corta aquela carreira profissional do que realmente quer. Já optei por enfrentar dificuldades, mas decidido a chegar lá como músico, só tocando, estudando cada vez mais... Acho que a gente lutando, consegue.

ZONA SUL – Essa paixão pela música veio da família mesmo? Por que escolheu o estilo caipira?
WELLINGTON – Eu falei do meu avô, Sebastião Maria, mas antes dele já tinha o meu bisavô, Lázaro Maria. Todos ligados à música. Lázaro Maria era um dos grandes violeiros do Triângulo Mineiro. Tocava muita viola, tocava violão e sanfona. Tinha também um sobrinho dele, Lázaro Anselmo, que era grande violonista também. Meu avô Sebastião Maria o acompanhava nos bailes da região. Depois vieram Os Irmãos Maria, que eram cinco ou seis irmãos que formaram um grupo. Tocavam cavaquinho, violão, sanfona, pandeiro e faziam os bailes das fazendas da região. Tocavam em casamento e nos forrós da comunidade. Então dá pra perceber que já é uma coisa que vem de sangue, está dentro da gente. Acho que não tem nem como negar. Sempre tive muito incentivo, graças a Deus, da minha família, de meu avô, minha avó também, meu pai, minha mãe, todos sempre me apoiaram muito, meus irmãos. Do lado do meu pai o pessoal não era músico como era o pessoal do lado da minha mãe. Tocava mais por diversão, não fazia show ou baile. Mas ta no sangue também o gosto pela música. Tenho tios que tocam violão, que cantam. Formaram dupla, mas só por diversão.

ZONA SUL – Que influências você recebeu?
WELLINGTON – Desde pequeno meu pai ouvia muito Carlito e Baduí, Tubarão e Seresteiro, Tião Carrero e Pardinho, Trio Parada Dura, Tonico e Tinoco, Liu e Léo, Zico e Zeca, Pena Branca e Xavantinho... Almir Sater eu só vim ouvir depois que comecei a estudar viola. Me inspiro mesmo em Tião Carrero e Pardinho e em Almir Sater. Eu fico dentro desses dois padrões. Pra mim o violeiro caipira número um é Tião Carrero. Ele criou o ritmo mais bonito, que é o pagode de viola. Em seguida vem Almir Sater, que tem um som mais clássico, faz uma música mais moderna, mais trabalhada, mais dedilhada. Tou sempre dentro desse padrão, Tião Carrero e Almir Sater, seguindo também Tonico e Tinoco e outros grandes feras.

ZONA SUL – Como foi o começo aqui em Brasília?
WELLINGTON – Chegando na cidade, meu primo Nélson Oliveira me apresentou para o violeiro Marcos Mesquita, que é professor da Escola de Música de Brasília há 14 anos. Comecei a acompanhá-lo e pedi uma chance. Expliquei que estava precisando, que tinha vindo estudar viola. Ele abriu as portas da escola pra mim. Daí nasceu o começo da minha carreira, de estudar, de conhecer técnicas, ponteios, aprimorar o estudo da viola. A partir da minha entrada na Escola de Música, várias portas se abriram.

ZONA SUL – Como foi trocar o interior de Minas por Brasília?
WELLINGTON – Foi bom, mas ao mesmo tempo foi estranho pra mim. Um mineirinho que saiu lá de Campina Verde, do meio do mato, nunca tinha entrado dentro de um elevador ou de um metrô, por exemplo... Essas coisas eu sequer costumava ouvir falar no nome. Foi um pouco complicado, mas logo logo fui aprendendo, misturando e deu tudo certo. Mas é diferente, as pessoas e a vida daqui são diferentes lá do campo. A maneira das pessoas se entrosarem. Lá em Minas você entra em um ônibus e parece uma roça de arroz, um monte de periquito, é todo mundo conversando. Aqui ninguém conversa, todos caladinhos, você anda meia hora em um ônibus e ninguém conversa com ninguém. Se você conversa com a pessoa que está do seu lado, ela já acha que você está querendo alguma coisa. É um negócio estranho. Esse é o lado, vamos dizer, ruim, meio desumano. Mas a gente vai aprendendo a lidar com isso aí.

ZONA SUL – O que você recomendaria a alguém que não conhece muito da música caipira e tem interesse em descobrir? Que CDs ouvir, que artistas procurar? O que é feito de bom na música caipira hoje?
WELLINGTON – É difícil até a gente falar porque tem muita coisa boa. Tem Almir Sater, apesar de ele não ser o chamado caipira que a gente fala, mas tem um ótimo trabalho de viola também. Caipira é Zé Mulato e Cassiano, ainda tem Pedro Bento e Zé da Estrada, Tonico e Tinoco, Liu e Léo, muita música caipira boa. Zico e Zeca. Mas indicaria Zé Mulato e Cassiano que fazem um trabalho bonito não só em Brasília, mas no Brasil inteiro. Essa dupla é a número um, sem dúvida nenhuma.

ZONA SUL – Por que essa tradição de duplas?
WELLINGTON – Por causa do dueto, ela é cantada em terça, a música caipira é assim, viola, violão e duas vozes. É uma tradição também, igual ao pessoal de rock, que utiliza baixo, guitarra, voz e bateria. A caipira é isso: viola, violão e duas vozes. A estrutura é essa. Por exemplo, se você colocar um baixo na música caipira e uma percussão, não será mais uma dupla caipira.

ZONA SUL – Além da música caipira, o que mais você gosta de escutar?
WELLINGTON – Gosto muito de música clássica, escuto principalmente por estar na Escola de Música, a gente estuda isso lá: Beethoven, Bach. A gente estuda e gosta. Gosto também de MPB, tem muita coisa boa. Waldir Azevedo, no choro, por exemplo. Gosto de tanta coisa... De Fagner, Zé Ramalho e de Ceumar, que é grande. Sou muito fã dela.

ZONA SUL – Qual a expectativa, a previsão de lançamento do seu CD?
WELLINGTON – Como ainda não tenho grana para bancar o CD do meu próprio bolso, estou batalhando. Já recebi apoio do amigo Glauco Barreto, que sugeriu mobilizar todo mundo para não parar a gravação do CD. Ele deu a idéia que eu vendesse CDs antecipadamente, para terminar o disco. Estou tentando concluí-lo em dezembro. Já estamos com as bases gravadas. Estamos fazendo um trabalho caseiro. Depois a gente vai para um estúdio masterizar e mixar. Estamos fazendo no estúdio Lá em Casa, de Marcos Mesquita. Depois a gente deve mandar para São Paulo, para masterizar e mixar lá. Ou então faz em Brasília mesmo, no Zen ou no estúdio do Vladimir Barros, lá na Asa Norte. Mas a gente está trabalhando ainda, pensando nos arranjos, tou pegando ainda música pra gravar. As melodias principais das músicas são de autoria dos próprios compositores. Marcos Mesquita vai fazer a segunda viola e está elaborando uns arranjos. Estou fazendo também algumas coisas e a gente vai brincar. Vai ter participações, como falei, de Carlinhos 7 Cordas, Cassiano, Luis Maria, Sebastião Maria, Glauco, Paulão, Nélson...

ZONA SUL – Além do CD, quais os outros planos?
WELLINGTON – Já tenho plano de gravar um CD cantado também. A gente tem que pensar assim, gravando o primeiro e já pensando no segundo e no terceiro. Mas também tou querendo compor, tem muita história que vivi na fazenda que quero colocar em música. Meu pai era carreiro, mexia com carro de boi, amansava boi. Fui criado andando dentro de carro de boi na fazenda. Meu pai fazia tudo com carro de boi. Roçava, fazia todo o serviço com a boiada do carro. Aconteceu muita coisa, a gente carreando, no chapadão, na beira da serra. Quero ainda pegar isso tudo e colocar em música caipira, porque ela é isso, retrata o que você vive. Tenho vontade de compor letra e música instrumental também, além de fazer grandes parcerias em shows com violeiros de todo o país.

ZONA SUL – E o seu filho João Pedro, que nasceu há pouco tempo?
WELLINGTON – Vai completar um ano. Por ser novo, começando na música, sempre tive vontade de ter um filho justamente pra preencher essa falta que meu pai fez pra mim. Perdi o pai muito cedo, com 14 anos. Ele trabalhava muito, 24 horas. Não parava em casa, era só trabalhando. Eu sempre pensei em ter um filho para ensiná-lo a tocar e pra ele viver junto comigo, me acompanhar, tocar comigo. Às vezes ele está chorando, eu pego a viola, ele sorri pra mim, começa a brincar, põe a mão na viola, começa a bater nas cordas, vai na estante pega o CD de viola e entrega pra mim. Ele gosta. É só começar a tocar lá em casa, que ele dorme. Alguma coisa tem a ver. Durante a gravidez de Cristiane, ele passou o tempo todo ouvindo música, ela gosta muito também. Estou me sentindo realizado, feliz e o filho está me ajudando muito, dá até inspiração. Quando cheguei em Brasília, me sentia muito sozinho, por mais que tivesse muitos amigos, muita gente boa, a família é o principal, senti falta da família. Depois que ele nasceu...

ZONA SUL – À distância, parece que Marcos Mesquita lhe dá uma grande força...
WELLINGTON – Desde que cheguei aqui ele tem aberto as portas pra mim. Procurei saber quem ele era, me informaram que era professor. O encontrei, me deu a maior oportunidade, abriu as portas. Além de ter me colocado na Escola de Música, me incentivou. Faz um trabalho todo especial de técnica comigo na viola, de ponteio, me passa música. Ele não é apenas meu professor, tenho ele como um pai. Ele abraça mesmo essa causa de me ajudar. Ele viu a distancia de onde vim, a vontade que tenho de vencer na vida, de lutar, de aprender, de fazer um trabalho sério. Não estou aqui pra brincar. Quero valorizar e mostrar o som da viola. Ele me apóia muito e é meu produtor de show, do CD... Ajuda até nas questões pessoais. Está sempre perguntado como estão as coisas, se estou precisando de algum apoio. Tem hora que uma palavra amiga vale mais do que qualquer coisa. A gente senta pra conversar, ele me chama pra sua casa, eu vou, a gente almoça, bate um papo, discute coisa familiar, de filho, de esposa - que sou marinheiro de primeira viagem... Pra mim, é um pai. Deus coloca certas pessoas na vida da gente...

ZONA SUL – Conhece Natal?
WELLINGTON - Não conheço, mas tenho muita vontade. Se Deus quiser, não vai demorar pra eu ir lá. Sou mineiro, mas amo o Brasil todo. Pra falar a verdade, nunca fui numa praia. Sou caipira mesmo. Pra você ter uma idéia, quando vim pra cá, andei pela primeira vez de elevador. Entrar naquele tal de elevador, naquele trem, foi um sufoco. Nossa Senhora! Meu primo Nelson um dia me convidou pra ir no Senado. O elevador de lá é muito rápido, é dessas coisas mais modernas. Sabe como é, caipira chega do mato tem medo daquilo não dar certo, estourar uma corda. Entramos, ele falou pra mim: “segura bem aí porque esse elevador, de vez em quando, solta, e já machucou muita gente”. Entrei, me segurei bem e aquele trem subiu numa velocidade que parecia não querer parar mais. Chegou a doer meu ouvido, acho que pela tal da gravidade. Verdade! Rapaz, eu me assustei demais. Chegou lá em cima, abriu a porta, eu disse: “ô beleza”. Mas foi tão rápido que pensei que tinha subido uns dois andares só. Cara, quando chegou lá em cima, fui na janela e a gente estava lá em cima, já tava no final, mais de vinte andares. A gente ficou batendo papo, conversando com os amigos dele. Era minha primeira semana em Brasília. Eu conversando, mas já preocupado com a descida. A descida é mais perigosa ainda. Se escapulir lá, já viu... Na subida, não. E Nélson, me botando medo de novo, falou que na descida ia muita gente, o problema era mais sério. Fiquei com medo Quis descer pela escada, só que fui ver e era muita escada. Eu vi logo que não ia dar conta. Quantos mil degraus eu teria que descer. Afinal, resolvi encarar de novo o elevador. Entrei lá e até que o trem é seguro, bem organizado, muita gente, uns caras de paletó. Dá certa segurança na gente. Na hora de descer, eu com medo, parece que foi pior. O trem desceu mais forte, doeu meu ouvido de novo. Nélson disse: “Nossa Senhora, acho que vai ser agora”. Me assustei demais. Mas graças a Deus foi parando devagarzinho e não teve perigo, não. Mas, falando de praia, tenho muita vontade de ir, mas tenho pavor de água. Em rio, em Minas, tenho medo, imagine na praia. Dizem que na praia a gente não vê o fim do mar, né? Aí que vai ser o problema. Tenho muita vontade de conhecer Natal. Já vi que o povo é muito caloroso, gente boa e conserva muito a tradição... Estou só esperando um convite. É só me chamar que eu vou.

8 comentários:

  1. Parabéns Roberto Homem pela entrevista.
    E vou logo dizendo, esse rapaizinho eu conheço muito bem, e sei que ele também lembra de mim, pois éramos vizinhos, sei boa parte da história de vida dele. Pode botar fé em tudo que ele disse, é a mais pura verdade. Este mocinho já é um grande vencedor, pois sair de onde ele saiu, iniciou do nada, e foi atrás do sonho dele e batalha até hoje. Nós estudamos juntos durante muito tempo. Eu reconheço o valor de Wellington Assis, mas sei que onde ele estiver, ele já mais vai esquecer das pessoas que de alguma forma fizeram parte da vida dele. Ele é um dos meus melhores amigos. É uma pena que eu não descobri este site antes com essa entrevista maravilhosa. Depois de quase 04 anos, que tive a oportunidade de visitá-lo. Mas vou encerrando meu comentario, parabenizando mais uma vez. e dizendo que estou morrendo de sauadedes, Wellington, quando vem nos visitar em Campina Verde-MG? e vou deixar o mistério e dizer meu nome: Gladys Campos, ele lembra de mim concerteza. Beijos Wellington, muita paz, saúde,e sucesso. Fique com Deus.

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  2. Muito obrigado pelo seu gentil comentário. Embora eu conheça Wellington há bem menos tempo que vc, tb acredito que a sua perseverança e o seu talento o levarão a um espaço bastante especial no seio da música brasileira. Vou falar para ele sobre o seu recado. Um abraço!

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  3. Parabéns Roberto pela entrevista, e como minha prima Gladys disse eu também só fui descobrir esse site agora,e também conheco uma parte da vida desse garoto e pode ter certeza que tudo que ele diz é verídico. Wellington você deve se lembrar de mim pois nós íamos cantando no ônibus da escola o tempo todo na ida e na volta. Era só Leandro e Leonardo cantávamos todo o repertório Lembrou? Acho que sim né sou o Valdeir.Como você disse na entrevista tá no sanque mesmo. Olha eu aprendi um pouco de violão também e adoro um dia eu chego lá. Wellington não sei se vai ler esse comentário mas tudo de bom pra você continue assim que você vai longe. Vê se aparece aqui em São Francisco de Sales falou. Abraço.

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  4. Obrigado, Valdeir. Espero que Wellington apareça em breve aí por São Francisco para matar a saudade de tantos amigos. Como diria Milton Nascimento, conterrâneo seu e dele, "amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito".

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  5. Obrigado pessoal!!!! fiquei muito feliz ao ler esses comentários, eu me lembro muito bem de cada uma dessas pessoas, já mais me esquecerei delas, fazem parte da minha vida, do meu passado, presente e futuro. e a vc meu grande amigo Roberto fica aqui meu abraço e muito obrigado pelo apóio, e que JESUS CRISTO te abençõe cada dia mais..


    Wellington Assis.

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  6. Parabéns Roberto pela entrevista com Wellington, conheci-o na BSB musical onde iniciei meus estudos de viola, ótimo professor, são exemplos como este que devemos seguir, bom filho, pai e amigo. Fico feliz em saber que está batalhando para vencer no campo musical, coisa que não é fácil em nosso país, onde o incentivo a cultura é muito pequeno.
    Érico.

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  7. Paulo Roberto Amaral Brito1 de julho de 2010 às 16:31

    Parabéns Wellington, por levar para o nosso país essa viola caipira, a partir de ler essa entrevista vou procurar saber mais sobre seu lado artistico, pois o Brasil precisa de pessoas como você, sou fã da música caipira, sou de Campina Verde, é muito importante pessoas como você divulgar o nome da nossa cidade sem restrição.

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  8. Olá, Roberto, mais uma vez parabens pela entrevista, estou aqui novamente e gostaria de entrar em contato com Wellington Assis, você pode me informar se ele tem site próprio? casa tenha mande para meu email gladyscamposcunha@hotmail.com
    Abraços...
    Carinhosamente Gladys Campos

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