segunda-feira, 29 de dezembro de 2003

Entrevista: BABAL

O ARQUITETO DA MÚSICA POTIGUAR




No início da década de 1990 fui trabalhar na assessoria de imprensa da Fundação José Augusto. Foi lá que conheci Babal. Ele coordenava o núcleo de música da Fundação. Quando as atividades profissionais davam uma folga, sacava sua viola e tocava para nós, seus colegas de trabalho e fãs. Arrisquei até escrever algumas letras para o amigo. Elas viraram belas canções. Em outubro, Babal lançou seu segundo CD: Escritos. É sobre esse novo disco, a carreira, a música potiguar, o Flor de Cactus, e, enfim, sobre a vida que iremos tratar nessa entrevista que começa agora. (Roberto Homem)


ZONA SUL – Erivaldo do Nascimento Galvão é o nome que consta no seu registro de nascimento. Como Erivaldo Galvão transmutou-se em Babal? Aproveitando a pergunta, conte-nos um pouco sobre a sua infância. Na música Avenida 10, gravada no seu primeiro CD - Algumas Pra Dançar, Outras Pra Se Ouvir - você fala das brincadeiras e dos amigos daquele tempo. Era aquilo mesmo?
BABAL – Depois da adolescência foi onde tudo começou, em relação ao apelido. Eu só era chamado Babal em casa e na família. O contato com as pessoas fez com que passassem a me conhecer também na escola por Babal. Minha infância foi muito boa, divertida e sem muitos anseios. Morava num bairro pobre, o Alecrim (onde nasci), e meus divertimentos eram as brincadeiras de rua, o Dia das Crianças e a época do Natal (pelos presentes). Tudo o que eu citei na música Avenida 10 fez parte do meu mundo.

ZONA SUL – Quais suas principais influências musicais? E o primeiro contato com um instrumento? Como começou a compor e a cantar? E o desejo de ingressar no mundo artístico, como surgiu? Fale-nos sobre o seu processo de criação. Agora, com a informática, você recorre a algum software para auxiliá-lo a compor ou a fazer arranjos?
BABAL – Minhas influências foram muitas. Eu ouvia uma amplificadora no meu bairro que tocava Waldick Soriano, Carlos Alberto, Anísio Silva, Roberto Silva, Jackson do Pandeiro, Gonzagão, Trio Los Panchos, Núbia Lafaiete, Ademilde Fonseca, Trio Irakitan, Emilinha Borba... Enfim, era uma massa diversificada de gêneros musicais e isso muito me ajudou, e ajuda até hoje, a compor minhas canções. O contato com o violão começou quando meu irmão, Eri Galvão, estava aprendendo a tocar. Ele conseguiu um violão emprestado e passei a estudar. Daí eu via a maneira que ele armava os acordes e passei a imitá-lo. Quando ele voltava para casa eu perguntava se estava certo. O ingresso no mundo da música se deu de forma muito informal e sem nenhuma pretensão. Comecei a criar algumas melodias com parceiros letristas como Leonardo, Jaumir Andrade e Enoch Domingos. Não tenho nenhuma maneira específica para compor. Hoje faço letras e melodias, musico poemas e letras de outros parceiros, como também coloco letras em melodias que eu goste. Sobre a informática me ajudar a compor arranjos, não me considero com habilidade para trabalhar com música em programas de computador.

ZONA SUL – Segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira (http://www.dicionariompb.com.br/) você começou sua carreira artística em 1976 como integrante do grupo Bando de Natal. Depois disso participou do grupo Flor de Cactus, com o qual gravou dois elepês. Conte como o grupo foi criado, quanto tempo durou e os motivos para a dissolução. Quem integrava o Flor de Cactus e o que cada um faz hoje?
BABAL – O Bando de Natal teve na sua formação basicamente três músicos /compositores: Enoch Domingos, João Galvão e Babal. Até hoje trabalhamos juntos. O Flor de Cactus foi criado a partir de uma banda de baile chamada Impacto Cinco. Houve uma proposta de uma gravadora, a RCA, para que essa banda, através do produtor Gileno Wanderley (Leno), fosse até São Paulo gravar um elepê. O disco foi gravado e no ano seguinte a banda seguiu estrada e mudou-se para o Rio de Janeiro. Fui junto nessa viagem, já como instrumentista e compositor. No primeiro disco eu era compositor. Ao todo o Flor de Cactus gravou três elepês.

ZONA SUL – Como foi a experiência de trocar Natal pelo Rio de Janeiro? Quanto tempo você permaneceu por lá? E o retorno para Natal? Fale também das pessoas que conheceu, dos parceiros com quem passou a compor. Você foi amigo de Sérgio Sampaio? Faça um resumo daqueles tempos.
BABAL – Minha saída de Natal foi um pouco dolorida para meus pais, inclusive porque eu deixei o curso de arquitetura no sétimo período para trabalhar com música numa outra cidade. Minha mãe sempre fala que minha decisão foi sem eira nem beira, mas eu tinha a coragem e a certeza de que a música era um grande caminho a seguir. Passei quatro anos e oito meses no Rio, experiência que me rendeu conhecimentos mis, parcerias eternas e um aprendizado a toda prova. Henfil, um dia conversando com os artistas potiguares, falou que para qualquer pessoa dizer que sabe viver, primeiro ela tem que fazer uma pós-graduação de pelo menos dois anos no Rio ou em São Paulo. Isso ele falou na década de 1970. Tive muitos parceiros: Petrúcio Maia, Beto Fae, Stelio Vale, Geraldo Azevedo e Bráulio Tavares, entre outros. Sérgio Sampaio morava ao lado do apartamento de Jatobá, compositor da música Matança, mais conhecida na interpretação de Xangai. Eu tocava violão nas apresentações de Jatobá, já que até hoje ele não toca nenhum instrumento, apesar de compor muito bem. Certo dia, Sérgio Sampaio conversando comigo e Jatobá colocou a possibilidade de fazermos algumas apresentações juntos. Eu seria o músico que lhe acompanharia. Os contratempo e os desencontros impediram essa parceria de vingar.

ZONA SUL - Geraldo Azevedo o considera “uma grande referência na música brasileira” e “o mais importante compositor do Rio Grande do Norte”. Suas músicas foram, e continuam sendo, gravadas por dezenas de artistas potiguares. Artistas como o próprio Geraldo Azevedo e Joanna também interpretaram suas composições. Qual sua primeira música a ter projeção nacional? E depois dela, quais os outros principais sucessos?
BABAL – Minha primeira música a ter projeção nacional foi uma versão feita em parceria com o próprio Geraldo Azevedo da canção Tommorow Is A Long Time (O Amanhã É Distante), de Bob Dylan. Joanna gravou Renascer, parceria minha com João Galvão. Isso foi bem antes, mas como essa música não foi trabalhada, não aconteceu muita coisa. Infelizmente quando a gente está longe do eixo Rio-São Paulo a possibilidade de aparecer para o país é muito pequena. Todo o trabalho fica restrito aos seus eternos ouvintes.

ZONA SUL – O uso de drogas e bebidas alcoólicas é comum no meio artístico. Você é completamente abstêmio. Abusa apenas da coca-cola e de outras marcas de refrigerante. Como foi morar no Rio, conviver com situações onde colegas recorriam à química para suportar a vida e você permanecer “limpo”?
BABAL – Nunca fui de beber coisas alcoólicas, mas sempre convivi com pessoas que bebiam a noite inteira e iam para casa embriagados. A verdade é que nunca tive tesão por bebidas, fumo ou similares. Por outro lado, sempre soube entender o papo dos outros.

ZONA SUL – Entre outros, a Paraíba exportou Elba Ramalho, Zé Ramalho, Vital Farias, Chico César e Cátia de França. Pernambuco revelou Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Antonio Nóbrega, Nana Vasconcelos e Chico Science. Do Ceará despontaram Ednardo, Fagner, Amelinha, Marlui Miranda e Belchior. Por que o Rio Grande do Norte, apesar de ter artistas da mesma estatura que os citados, não conseguiu o mesmo sucesso desses outros estados nordestinos? Dos músicos, artistas e compositores potiguares, quem você apontaria como merecedores de uma maior atenção?
BABAL – O Rio Grande do Norte tem excelentes artistas como Pedro Mendes, Sueldo Soaress, Galvão Filho e Cida Lobo. Tem tanta gente boa que todos os nomes não caberiam em uma única página. Na verdade o que acontece aqui em Natal é que os órgãos que deveriam apoiar a produção cultural do nosso povo correm da raia. Nos deixam a ver navios e criam uma cidade de fora dentro da nossa, como se Ponta Negra não fosse aqui, como se a Redinha não fosse bonita... Sequer vêem beleza na Boca da Barra. É tudo muito louco, pois temos aos nossos pés as melhores coisas e sempre falamos das belezas de outros lugares. Imagine se a praia de Ponta Negra fosse situada em Nova York... Certamente ela seria considerada a praia mais bela do mundo! No entanto, nem falamos, nem citamos e nem fazemos uma festa quando nos referimos ao que é belo e que é nosso. Precisamos amar nosso chão enquanto estamos vivos.

ZONA SUL – O que costuma tocar no som de sua casa atualmente? Você espelhou sua carreira em alguém? A música brasileira está bem servida? O que você acha dos novos cantores e compositores que despontaram nos últimos anos, como Chico César, Zeca Baleiro, Ceumar, Maria Rita e Mônica Salmaso? Que outros você incluiria nesta lista?
BABAL – Depois da década de 1980 surgiam várias bandas de rock, principalmente de Brasília, que trouxeram uma nova postura musical com temas polêmicos nos seus conteúdos. Já a década de 1990 nos brindou com uma outra geração que estava guardada em banho-maria nos espaços culturais de Sampa. Como o Brasil é bem servido de música, esperamos a cada dia o surgimento de novos e mais novos para que a música de qualidade volte a ter espaço no cenário nacional.

ZONA SUL – A queda do poder aquisitivo da população e o alto preço cobrado pelos CDs provocou no Brasil uma explosão de venda de discos piratas. Além disso, a facilidades da informática permitem hoje a troca de músicas pela Internet. Natal está vivendo o fenômeno do fechamento das lojas discos. Empresas tradicionais como A Modinha já encerraram suas atividades há tempo. Como você analisa a atual situação do mercado fonográfico brasileiro?
BABAL – É muito complicado falar sobre a pirataria de CD’s e DVD’s. Veja bem, se você analisar o custo de um disco, vai perceber que para pagar sua produção é necessária a venda de um certo número de CDs. Mas, mesmo depois de obter o pagamento da produção as gravadoras continuam com a segunda, terceira e quarta tiragens, majorando o preço. Isso não deveria ocorrer. Se não fosse feito, os preços baixariam, o que motivaria mais pessoas a consumirem discos originais.

ZONA SUL – Seu primeiro CD, Algumas Pra Dançar, Outras Pra Se Ouvir, trás preciosidades como Dia Negro (Babal), Avenida 10 (Babal), Esse tem (Babal e Jaumir Andrade) e Cantar (Galvão Filho). Também conta com as participações especiais de Geraldo Azevedo, Cláudio Nucci, Alphorria, Chico Guedes e João Galvão. Como as pessoas receberam esse trabalho? As vendas corresponderam às expectativa?
BABAL – A tiragem dos meus CDs é pequena. Meu trabalho é mais de registro da minha música. Mesmo assim a receptividade foi das melhores. As pessoas cantam minhas músicas pela cidade. Hoje não tenho mais comigo exemplares desse disco.

ZONA SUL – Escritos, seu disco recém-lançado, parece seguir a linha do CD anterior. Junto com Zé Ramalho, Miguel Lula, Galvão Filho, Heraldo Palmeira, Iana Ribeiro, Mirabô, Renato Braz e Fernando Luiz você conseguiu produzir um trabalho consistente e de excelente qualidade. Na minha opinião, canções como In Technicolor (Babal e Jaumir Andrade), Pra Que Repensar, Tudo Bem (Bob Dylan – Versão: Babal), Escritos (Babal e Enoch Domingos), Entre Bandidos e Heróis (Babal), Janaína (Mirabô e Jaumir Andrade) e Alicerce da Terra (Babal e Bráulio Tavares), que já havia sido gravada pelo Flor de Cactus, são daquelas músicas que marcam desde a primeira audição. Ah, a capa e o encarte são de um extremo bom gosto. Como está sendo a repercussão desse CD? Como as pessoas podem adquiri-lo? E como agendar apresentações suas?
BABAL – Estou me articulando para fazer a distribuição do novo CD nas lojas de disco, as que restaram, nas bancas de revistas e nos espaços culturais da cidade. A repercussão está sendo excelente, até porque o show de lançamento ajudou bastante na divulgação.

ZONA SUL – Além de cantor e compositor, quase arquiteto, você atualmente dirige o Instituto de Música Waldemar de Almeida, da Fundação José Augusto. É fácil conciliar tantas atividades? Com tantas tarefas para hoje, você está traçando planos para o futuro?
BABAL – Depois que você organiza e disciplina seu tempo, consegue qualquer coisa. As atividades com as quais venho trabalhando são todas correlatas, isso faz com que, quando necessário, eu dê mais ênfase a uma ou a outra, dependendo do momento. Não vejo como poderia ser diferente. Sobre a arquitetura, eu gosto muito de olhar os prédios...

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