quinta-feira, 20 de abril de 2006

Entrevista: OSWALDO MARTINS DE OLIVEIRA

WADÃO DO JEGUE DO DENTE DE OURO





Vadão ou Wadão? Essa é a menor das dúvidas que Wadão do Jegue do Dente de Ouro deixou, após essa entrevista concedida no pavilhão de exposições do Anhembi, em São Paulo, durante a Bienal do Livro. A única certeza de tudo o que está escrito nestas páginas é que Wadão é uma figura. Quando soube de sua ligação íntima com o jegue Vadico e ao ouvir suas histórias, pensei em compará-lo a Pinóquio, que em determinada parte de sua história começa a se transformar em burro por causa de suas mentiras. Mas Wadão é um enigma. Desisti de checar a veracidade da sua conversa na medida em que fui constatando que muito do que ele disse é verdade. Tenho em mãos, por exemplo, boletim de ocorrência sobre o seqüestro do jegue e cópia da inscrição na OAB de Oswaldo Martins de Oliveira, o nome real do homem do jegue do dente de ouro. Também estão comigo fotos dele com diversas personalidades. Inclusive uma com Carola Scarpa montada em Vadico. Por outro lado, descobri que ao menos uma história não confere com a realidade. Pode ser lapso de memória, já que faz tanto tempo... O fato é que o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava preso quando sua mãe morreu. E não quando sua primeira esposa veio a falecer, segundo contou Wadão. Mas deixemos de conversa e vamos à entrevista... (Roberto Homem)


ZONA SUL – Como surgiu esse apelido, que terminou transformando-se no nome pelo qual você é conhecido até hoje?
WADÃO – Em 1990, o radialista Petrúcio Mello me deu um jegue através do seu programa Nordeste sem Fronteiras, da Rádio Atual, de São Paulo O jegue veio a pé. Caminhou de Itabuna para São Paulo durante 92 dias. Naquela ocasião, o Pedro de Lara tinha um programa na Rádio Cultura do Nordeste, que pertence ao Centro de Tradições Nordestinas. Um determinado dia, um nordestino vindo de Serra Pelada foi lá e prometeu colocar uma dentadura de ouro no primeiro jegue que ele encontrasse em São Paulo. Não deu para colocar uma dentadura, ele colocou um dente de ouro. Foram 25 gramas de ouro. O jegue, ficou só alegria. Até que foi preso aqui em São Paulo...

ZONA SUL – O jegue foi preso? Qual crime ele cometeu?
WADÃO – Sim, pela Polícia Militar. Foi durante aquela campanha do “Fora Collor”. Já era um pouco tarde, o jegue estava com fome. Estávamos caminhando quando o jegue passou em frente ao Hotel Hilton, na Praça da República, e sentiu o cheiro daquela bóia. Não deu outra: empacou. Veio um porteiro, chutou o jegue e a confusão se formou. O jegue, vamos dizer no português claro, cagou tudo no chão e o cara queria que eu limpasse. A polícia nos algemou e levou para o 4º distrito, na Consolação.

ZONA SUL – Você e o jegue no mesmo par de algemas?
WADÃO – Eu e o jegue no porta-malas de um carro Fiorino, na mesma algema. O jegue era pequenininho, baiano... Chegamos no 4º distrito policial, na Consolação, o PM queria que o jegue subisse as escadas. E ele subiu mesmo! O delegado ficou se perguntando: “como é que vou indiciar um jegue?”. Como o jegue estava machucado, exigi que fizessem exame de corpo de delito nele. O jegue foi para o setor do hospital da Universidade de São Paulo (UsP) que cuida de animais. O médico constatou que ele tinha sofrido uma lesão corporal grave. O caso virou uma sindicância policial e foi aberto um processo para descobrir o autor da agressão. O Hotel Hilton, não sei se por praga do jegue, acabou fechando. Na eleição de 1992, o jegue foi preso fazendo boca de urna, em São Paulo. Essa foi sua segunda prisão. Quando ele chegou na 14ª delegacia, no bairro de Pinheiros, ainda tinha o dente de ouro. Mas fizeram uma judiação com ele. Pegaram um alicate, puxaram o dente de ouro, arrancaram e ele ficou beiçudo. Essa nova agressão gerou um novo exame de corpo de delito.

ZONA SUL – Pelo visto o jegue já está acostumado a ver o sol nascer quadrado...
WADÃO – Sim. Por causa da boca de urna, ele foi transferido para o centro de detenção provisória do Carandiru. Eu tive que impetrar, no Tribunal de Justiça, um mandado de segurança para tentar libertá-lo. A juíza que deu ganho de causa pro jegue posteriormente foi promovida a desembargadora. Em seu despacho, ela reconheceu que o jegue tem a proteção da Constituição. Que o Estado tem obrigação de protegê-lo. E que ele tinha sofrido uma lesão e uma perseguição e estava preso indevidamente. Uma liminar soltou o jegue. Ao todo, o jegue foi preso 12 vezes em São Paulo.

ZONA SUL – Doze vezes?
WADÃO – Em 1994, no Anhembi, pulei de pára-quedas com o jegue. Quando caímos, uma delegada deu voz de prisão para o jegue. A delegada tinha vindo de minissaia e mandado me prender também. “Prende esse cara, prende esse baiano aí”. Eu disse que Ruy Barbosa era meu antepassado. Não adiantou. Fomos presos para a delegacia de Casa Verde. Chegamos lá e o delegado era o mesmo que tinha dado a cana no jegue na delegacia de Pinheiros. Ele falou: “de novo...”. Ele foi enquadrado por periclitação (colocar alguém em perigo) e importunação do sossego público. Outra vez ele foi preso por assédio sexual depois de pegar duas éguas no Sumaré. Depois disso, os vereadores, votando na calada da noite, fizeram uma lei proibindo a circulação de jegues no centro de São Paulo. Só que eles esqueceram que a Lei Orgânica do município diz que o jegue tem direito de ir e vir para qualquer lugar. Que ele é propriedade de São Paulo, em reconhecimento ao trabalho desempenhado pelos jegues na época da colonização da capital paulista.

ZONA SUL – Pelo que tomei conhecimento, a ficha do jegue não é composta apenas de prisões...
WADÃO – É verdade. O último acontecimento no histórico policial do jegue é que ele foi seqüestrado e eu tive que pagar um resgate. Fiz um boletim de ocorrência. Levaram o jegue e me ligaram pedindo 50 mil dólares. Eu expliquei que não tinha. Eu disse que se soltassem o jegue eu ia à Bahia e o prefeito de Itabuna mandava para eles um caminhão cheio de jegues, bastava apenas eu pagar o carreto. No fim, paguei 5 mil reais pelo jegue. Infelizmente não pegaram os seqüestradores. A polícia justificou que existiam muitos problemas e que eles não podiam se preocupar com o seqüestro de um jegue. O caso foi tema de muitas matérias de jornais aqui em São Paulo e eu estive até no programa de Jô Soares. Foi o maior Ibope. Ah, tem um detalhe do jegue que eu esqueci de contar: ele só entende inglês, não sabe nada de português.

ZONA SUL – Como é que é?
WADÃO – Para eu me comunicar com o jegue, é mais ou menos assim: “hy, donkey, come here!”... Outra coisa, o jegue freqüentava comigo o restaurante Remo e Rômulo, de um baiano. É o maior em São Paulo de comida italiana. Ele comia lá pudim, nozes, castanhas, uvas-passa. Adorava um prato italiano. Seu molho preferido era o de quatro queijos. De quebra ele tomava vez ou outra um vinhozinho doce português suave. Ele tomava uma garrafa e meia.

ZONA SUL – Você falou tanto no jegue, mas, até agora, ainda não disse o nome do animal... Outra coisa, em determinado instante da entrevista você falou que era parente de Rui Barbosa...
WADÃO – O nome do jegue é Vadico. Formamos uma dupla: Wadão e Vadico. Sobre Rui Barbosa, eu sou tataraneto dele. Sou Oliveira. Meu pai é bisneto dele. Meu avô, também baiano, morreu com 125 anos, na Bahia, casado pela quinta vez. Nasci em Jequié. Cheguei a São Paulo trazido por Tião Maia (pecuarista e empresário que inspirou o personagem que deu título à novela O rei do gado). Primeiro fui para Araçatuba. Estou com 57 anos. Na época que saí da Bahia eu tinha cinco anos. Meu pai trabalhava de peão de boiadeiro e veio com Tião Carreiro (violeiro e cantor mineiro), que é primo-irmão do meu pai. Meu pai veio para trabalhar na fazenda de Tião Maia e Tião Carreiro na de Osvaldo Cintra, na região de Barretos.

ZONA SUL – E essas suas ligações com os asnos, como surgiu?
WADÃO – Eu tenho uma simbiose muito grande com eles. Quando eu nasci, fui alimentado com leite de jumenta. Minha mãe tinha onze filhos, fui um dos que foi alimentado com leite de jumenta. Quando viemos da Bahia para São Paulo trouxemos um jeguinho. Ele ficou conosco até morrer, com 32 anos. Era uma jeguinha. Ela também veio caminhando com nossa família. Fiquei na fazenda do Tião Maia até os 16 anos, quando vim para a capital paulista. Foi em São Paulo que conheci o Lulinha, o Luiz Inácio Lula da Silva.

ZONA SUL – Você foi amigo do atual presidente da República?
WADÃO – Joguei futebol com ele na Vila Carioca. Atualmente moro na mesma rua dos irmãos dele. Lulinha conheceu um jeguinho que eu tive. Nós tínhamos um jegue na Vila Carioca, ele já morreu de velho. Lulinha andou nesse jegue antes de ser metalúrgico. Trabalhava como chapa. Ele e o cunhado.

ZONA SUL – O que significa trabalhar como chapa?
WADÃO – Chapa significa carregar e descarregar caminhão. Ele atuava no Mercado Central e adjacências com o Lambari, que é vizinho meu. A sogra do Lula também mora perto. Quando morreu sua primeira esposa, Lula também residia na região. Eu fui goleiro, Lulinha não tinha muita habilidade, mas era um meio de campo razoável. Dava pro gasto. Tem um detalhe que gostaria de contar. Eu emprestei uma bicicleta monark pra ele em 1968, quando a Força Pública do Estado de São Paulo nos perseguia. Eu era do Sindicato dos Bancários e Lulinha já estava como metalúrgico. Foi em um 1º de maio na Praça da Sé. O governador era Paulo Egídio Martins. A Força Pública e a Cavalaria vieram batendo em todo o mundo. Eu e o Lula passamos por dentro da Igreja da Sé. Dom Paulo Evaristo Arns abriu a porta. Foi a nossa sorte. Escapamos pelos fundos da igreja. Peguei a bicicleta que eu tinha e emprestei pro Lula. Antes dele me devolver, roubaram a bicicleta. Até hoje não cobrei porque, afinal de contas...

ZONA SUL – Que outras experiências você teve com o Lulinha?
WADÃO – Estive preso junto com ele no DOPS, lá na Luz. Dividimos marmita, eu em uma cela e ele em outra. Na época éramos considerados personas non grata. Mas Lula sempre foi um batalhador, no sentido de perseguir um objetivo. O que deu mais força a ele foi o sofrimento que passou com a morte de sua primeira esposa, Maria de Lurdes. Lembro dele chegando algemado, trazido pelo Exército, e na hora do enterro ele caindo dentro do buraco. A gente conviveu. Conta história quem tem história pra contar. Mais recentemente, meu jegue trabalhou na campanha que o elegeu presidente. Quando fui com o jegue na Vila Mariana, um assessor de Lula queria impedir que o animal participasse de uma manifestação política da campanha. Mas não conseguiu.

ZONA SUL – Hoje em dia como é sua relação com o presidente Lula?
WADÃO – Evidente que, hoje, Lula morando em Brasília, não temos mais nos visto. Na última vez que o vi, Lula estava chegando a um escritório político onde despacha, na Avenida Paulista com a Rua Augusta. Quando ele passou, eu gritei: “ô Lula, cadê minha bicicleta?” Ele acenou com a mão e prosseguiu. Mas certamente ele não esqueceu. Meu contato maior com o Lula foi nas décadas de 60 e 70. Depois fui exilado. Saí do país em 1977 e voltei em 1984. Na ditadura militar não tinha conversa. Eu era perseguido pelas minhas idéias. Eu era uma espécie de leva-e-traz. Eu falo cinco idiomas: inglês, espanhol, português, japonês e o italiano. Ainda arranho um pouco do francês. Mas a minha relação com o Lula hoje é através dos irmãos e primos dele que vivem lá na Vila Maristela. Encontro a sogra dele todo sábado na feira e o Lambari bate pelada na associação do meu bairro. Estamos distantes até porque o presidente Lula encontra-se muito ocupado.

ZONA SUL - O que você poderia nos contar sobre a época em que tinha uma convivência mais estreita com Lula?
WADÃO – Lula gostava muito de dançar forró. E uma cachacinha ele tomava bem. Ele adorava estar num lugar onde houvesse uma boa música, uma boa conversa. É um homem de base, de atuação no cenário do povão. Na Vila Maristela a gente costuma comentar o quanto é engraçado a gente ter um conterrâneo que conviveu com a gente e hoje é presidente da República. O Lula saía da Vila Maristela pra ir trabalhar. Ele ia a pé ou de bicicleta. Quando ele vinha namorar a primeira esposa dele, vinha a pé da Vila Carioca até a Vila Maristela. Ida e volta dá mais ou menos 22 km. E era todo dia. Lula comia com o Lambari um pão com manteiga e um pingado na padaria da Padre Arlindo. Naquele época, eles não tinham muito dinheiro. Dividiam. Então, o pão que vinha com mais manteiga era do Lula porque ele fazia um trabalho mais forte. E o outro era do Lambari porque ele não pegava no pesado. O dinheiro não era muito, então tinha que dividir um pão na chapa pra dois e um pingado. Ainda hoje em São Paulo muitos trabalhadores não conseguem nem tomar o café da manhã. Vão trabalhar a pé. Tenho um vizinho que, pra trabalhar, anda mais do que Lula andava pra namorar: são 14 km pra vir e 14 km pra voltar. Esse não vai ter problema no coração.

ZONA SUL – Nessa época já se imaginava que Lula chegaria tão longe? Ele sonhava com um futuro diferente? Comentava algo nesse sentido?
WADÃO – O Lula sempre foi um visionário, tinha uma mente de acreditar no que ele fazia. Chegou a presidente do Sindicato dos Metalúrgicos... Ele foi o único que não precisou sair do Brasil. Até eu precisei. Mas ele enfrentou, foi preso algumas vezes, ele tinha uma determinação. Costumo dizer até que estava escrito: maktub (maktub, em árabe, significa estava escrito). Votei em Lula para presidente da República. Na penúltima vez em que ele candidatou-se, falei: água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Eu disse que aquele camarada chegaria lá. O pessoal dizia que eu estava louco. Quando ele perdeu a eleição pro Fernando Henrique eu falei que se ele se candidatasse mais uma vez seria a vez dele. Posso dizer que não sou profeta, mas vaticinei. Tanto que quando eu entrei na campanha dele, entrei com o jegue. Até pude, em São Bernardo, deixar uma carta pra ele dizendo que se ele precisasse de um preparador físico, pra não engordar, eu faria caminhada com ele.

ZONA SUL – Você vai trabalhar para a reeleição de Lula?
WADÃO – Os tempos mudaram. Hoje estamos observando o quadro político. O cenário político está muito confuso. Ando no meio do povo, ando de ônibus, de metrô, ando a pé. Ando no meio do povão, na favela. Não tenho o rabo preso nem medo. Pra quem sobreviveu à ditadura militar, tudo agora é lucro. A gente vê o anseio do povão falando muito na reeleição do Lula. Então a gente está vendo a caminhada. Tive grande decepção com o PT. Eu conheci essa turma toda do partido. Pra você ter uma idéia, o José Dirceu, que era o Pedro Caroço lá em Cruzeiro do Oeste, no Paraná, foi no meu casamento com um terno emprestado. Dia 11 de setembro de 1975. O José Genoíno de vez em quando almoçava comigo no restaurante Remo e Rômulo. A mulher dele estudou comigo na cidade de Lavínia, próximo de Araçatuba. Eu estou caminhando, analisando o segmento do que vai acontecer.

ZONA SUL – Você também já se candidatou algumas vezes... Como foi seu desempenho?
WADÃO – Fiz a campanha, a minha apologia, com o jegue. Já fui candidato umas oito vezes. A vereador, a deputado estadual... Só não fui a presidente da República, mas é porque eu calço 41 e precisava no mínimo calçar 48. Se bem que uso botinão sem meia. A melhor performance foi 16 mil votos em uma eleição para deputado estadual, na última eleição, pelo PMDB. (Segundo o TSE ele teve 2.831 votos e ficou como suplente). Já passei por outros partidos, como o PDT e o MDB. Fui para o PDT quando voltei do exílio. De lá vim novamente para o PMDB. Tenho uma história rica. Trabalhei na fazenda de Ulysses Guimarães. Dona Mora, a esposa dele, foi minha professora lá em Araçatuba. Um dia vi um tatu em cima de uma árvore na fazenda Guarita. E disse: doutor Ulysses, o tatu está em cima da árvore. Ele respondeu: se o tatu está em cima da árvore a mão de um homem colocou, porque tatu não sobe em árvore. Estou com 57 anos, Lulinha é mais velho do que eu um pouquinho, só que continuo batendo minha bolinha. Estou com 100 quilos, mas batendo minha bolinha.

ZONA SUL – Você se candidatará novamente na próxima eleição?
WADÃO – Sou um eterno candidato. Com o jegue. Consegui recuperar o jegue de novo, coloquei no haras de um amigo. Não está comendo mais nozes, castanhas e uvas-passa, ta comendo capim, mas estou preparando ele pra sairmos novamente na caminhada. Quem não tem cavalo anda de jegue, esse é meu slogan. O jegue está sem o dente de ouro, mas continua baiano sim senhor. Ele vai me ajudar a percorrer as aproximadamente 650 cidades do estado de São Paulo. Sou candidato a deputado estadual.

ZONA SUL – Como será a sua campanha?
WADÃO – Minhas campanhas todas elas sempre serão alegres, reais, sinceras... O pessoal vem me pedir camiseta, brindes... Eu digo: não estou conseguindo nem pagar o milho do jegue, como vou dar alguma coisa? Está ficando louco? Na Rádio Atual, danço forró com o jegue. A cada final de semana de 10 a 12 mil conterrâneos aparecem por lá. Estou caminhando. O povo vê que sou autêntico. Não uso dinheiro público nem de multinacional e não uso dinheiro de nenhum mensalão, de nenhum sacolão, nem dinheiro que não tenha origem. Na última campanha gastei quatro calças jeans, três pares de botinas, quatro camisetas, duas gravatas e oito sacos de farelo e dois de milho, o alimento do jegue. Não gasto muito nas minhas campanhas para pelo menos não ter, se eleito, que depois devolver o dinheiro gasto para as multinacionais.

ZONA SUL – Qual sua profissão? Do que você sobrevive?
WADÃO – Sou professor de idiomas. Dou aula de inglês e espanhol na All Forever School, no Bexiga. Também sou advogado, OAB 72.773. Tentaram cassar minha OAB porque depositei, numa lide processual, o jegue como garantia de pagamento de uma dívida. Acharam que eu estava ofendendo a Justiça. Mas, como? Está na lei que os bens de raízes podem ser oferecidos numa lide processual. O jegue é um bem semovente. Então mudem a lei. O único bem de raiz que me sobrou foi o jegue. Ele tem um valor familiar, um valor histórico. Tanto que paguei no seqüestro dele 5 mil reais. Por um jegue é muita coisa. E isso sem o dente de ouro! Aliás, logo depois que roubaram o dente de ouro do jegue, ele foi chamado a depor. O levei de gravata e terno. Afinal de contas, ele ia falar com uma autoridade. Só que fui mal entendido. Acharam que eu estava zombando ao colocar a gravata no jegue. Mas eu apenas queria que ele se apresentasse adequadamente trajado. Estou entrando agora com um pedido para pular de pára-quedas com o jegue. Já estou com os pára-quedas que recebi dos Estados Unidos, do governo americano. Eu morei na América alguns anos. Vamos ver se eu consigo a liminar para pular com o jegue.

ZONA SUL – Esse novo salto seu com o jegue, de pára-quedas, tem algum objetivo?
WADÃO – Eu quero transmitir o seguinte recado: todo mundo faz coisas absurdas, rouba o país, desvia dinheiro, absolve mensaleiros, mente descaradamente... Diante disso tudo, pular de pára-quedas com um jegue é uma coisa normal. Atrás da imagem do jegue há um sentido muito grande de profundidade social que é o sofrimento do povo. Costumo dizer que o povo brasileiro sofre que nem um burro, apanha como um jumento e come mal como um jegue. Então o jegue é o retrato, hoje, do sofrimento do povo brasileiro. Posso falar à vontade porque eu não tenho o rabo preso. Vivo caminhando, vivo o povo, cheiro o povo 24 horas por dia, danço um forró adoidado, como baião de dois, buchada de bode, e estou caminhando.

ZONA SUL – Como surgiu a oportunidade de você morar nos Estados Unidos?
WADÃO – Foi na época do exílio. Eu fugi do Brasil pela Bolívia. Peguei um jegue lá em Campo Grande (MS). Fui por Ponta Porã, Corumbá e daí para a Bolívia. Tanto é que falo espanhol como boliviano, já que passei algum tempo por lá. Da Bolívia fui para o Chile, de lá para a Nicarágua e o México. Esse jegue que saiu comigo do Brasil acabou sendo negociado na Bolívia. O boliviano não queria comprar alegando que, por ser brasileiro, o jegue não entenderia espanhol. Expliquei para ele que o jegue era inteligente, que entendia tudo: inglês, português, espanhol... Negociei com o boliviano e acho que o jegue está vivo até hoje. Um jegue vive entre 35 a 40 anos.

ZONA SUL – E qual a idade de Vadico, o seu jegue atual?
WADÃO – Ele nasceu em 1989. Peguei-o em 1990. Está na metade da vida ainda. Tem muito chão pra percorrer. Tem mais vinte anos. Eu espero viver até os 100 anos, estou com 57, certamente o jegue morrerá primeiro do que eu. Mas, voltando à minha saída do Brasil... No México bati uma bolinha como profissional. Fui goleiro de algumas equipes mexicanas. Depois fui contratado pelo Azteca, de Los Angeles. Diga-se, de passagem que lá eu fundei o Corinthians de Los Angeles, do qual fui goleiro e treinador. Isso foi na grande liga de Los Angeles, com o futebol iniciando, na época pós-Pelé. Vivi uma boa época na América, foram oito anos de convivência com os americanos, o que me deu uma visão muito grande de conhecer grandes estadistas americanos e presidentes, como Ronald Reagan, que uma vez bateu continência para mim, em Burbank. Quando ele desceu do seu helicóptero, eu falei: “mister Reagan, I’m from Brazil”. Ele respondeu: “Brazil? Montevideo, capital...” Fiz não, com a cabeça. Ele insistiu: “Buenos Aires?”. Eu disse, “no mister reagan, Brazil capital Brazilia”. Também conheci o Edward Kennedy. Ajudei a eleger o prefeito de Los Angeles Tom Bradley, que ficou no cargo 26 anos. Lá se o cara é bom e não rouba, ele é reeleito.

ZONA SUL – Em que você trabalhou nos Estados Unidos?
WADÃO – Lá encerrei a carreira de jogador de futebol e fui trabalhar como fisioterapeuta em universidades. Formei-me em fisioterapia em Glendel. Eu também dava aula de dança, porque danço muito bem. Danço tudo que você imaginar. De samba a pagode. Sou baiano, sim senhor, danço mais do que o baiano que está lá na Bahia. Sou professor de dança. O que vier eu traço. Na América trabalhei dando aulas de futebol para crianças, nos colégios. Lá tem uma vantagem que você pode ter quatro ou cinco atividades. Eu tive oito. Fui guarda de segurança do Norton Simon Museu. Lá eu guardei uma fortuna de mais de 300 milhões de dólares. Uma vez, quando Norton Simon era vivo, ele chegou em uma noite com o seu gatinho, e disse que eu era de confiança. Norton Simon era judeu. Acho que aprendi desde criança a ter respeito pelas coisas alheias. Nisso a nossa classe política tem deixado a desejar. O povo ta na esperança de que apareça uma solução para essa miséria, essa fome, esse desemprego...

ZONA SUL – Lá nos Estados Unidos você também tinha jegue?
WADÃO – Lá era donkey. Na verdade eu tive um pônei que emprestei pra um índio americano e ele se elegeu senador, caminhando. Aqui no Brasil criticam porque eu faço campanha com um jegue. Ora, na América, primeiro mundo, um índio pôde ser senador usando um pônei. Por que eu não posso fazer minha apologia autêntica com um jegue? Mas uma coisa eu digo. Quanto mais intelectual e inteligente for a pessoa, mais ela aceita minha autenticidade. Tenho cartas escritas por grandes empresários brasileiros, entre eles o Antonio Ermírio de Moraes, comentando sobre minha autenticidade. Apareci no programa de Ratinho, no de Jô Soares, no Cidade Alerta e estive em emissoras de rádio. Petrúcio Mello foi o primeiro radialista que deixou eu entrar com o jegue dentro do seu programa. Claro que o jegue só zurrou. A gente tem atrás dessa mensagem do jegue um profundo sentimento de coragem e simplicidade. Eu não sou humilde, sou simples. Falo com o povo, com favelado, com presos. Recentemente visitei um conterrâneo que está preso em Jacareí e fiquei dentro da cela com todo mundo. Mais de 200 presos. Quem foi preso na ditadura militar, foi algemado, foi pressionado, não pode ter medo de nada. Fui tudo. Bóia fria, boiadeiro, peão de boiadeiro, trabalhei em serraria, fui engraxate, como Lula foi. Tive muitas passagens de trabalho. Não me assusto com nada. Fui dos poucos brasileiros que ao chegar à América não precisou lavar chão nem limpar privada. Porque eu já era formado. Muitos brasileiros hoje fogem do Brasil, se arriscam a tudo para chegar aos Estados Unidos e lá topam fazer de tudo, lavar pratos, etc.

ZONA SUL – Você tem fotos ao lado de diversas personalidades. Você se relaciona com alguma delas? Tem histórias interessantes?
WADÃO – Sim, tenho várias. Com Pelé inclusive. Quando Edinho, o filho dele, tinha doze anos, ele foi pra Los Angeles no verão para participar de eventos esportivos. Eu perguntei por que ele não jogava futebol. Ele entendia o português, mas não falava. Só começou a falar depois, quando veio para o Brasil. Comecei a treinar ele como goleiro. Ele gostava de ficar com uma bola de beisebol pra cima e pra baixo. Quando voltei pro Brasil, ele resolveu vir. Fui com João Avelino convidá-lo para jogar no Nacional. Mas ele preferiu o Santos. Foi um grande goleiro. Quando Pelé estava filmando Fuga para a vitória, tinham seis garotos loiros e um moreno, baiano como eu. O filho do Quelé. Quando Pelé chegou pra fazer o filme, houve uma mudança lá. Tiraram o baianinho e colocaram um outro lourinho, porque só louro podia trabalhar no filme. Convivo com muita gente. Collor de Melo, por exemplo, veio a São Paulo e o encontrei quando estava com meu jegue na porta de um restaurante. Chegou aquele Collor candidato. Dirigi-me a ele em inglês. “Come here, please”. Ele tinha saído de uma igreja japonesa. Eu disse que sentia no coração que ele seria presidente. Mas também que ele não ficaria dois anos no cargo por não ter sustentação política. Ele riu com a primeira frase, mas reagiu com uma banana à segunda. Eu disse que o partido dele era muito pequeno, não teria condições de barganhar no Congresso. Saiu furioso. Mas se concretizou a minha previsão.

ZONA SUL – Você também tem muita foto ao lado de mulheres bonitas...
WADÃO – A Carola Scarpa andou durante cinco horas seguidas em cima do meu jegue. Uma mulher de primeira grandeza, da elite paulistana. Caminhamos por toda a cidade de São Paulo. Adriane Galisteu foi minha aluna. Eu intercedi junto com Ayrton Senna quando eles começaram a namorar. Estudei com José Serra e trabalhei com ele no Mercado Central, onde o pai de Serra tinha uma banca. Ele estudava no Firmino Proença, mas de vez em quando ia vender abacaxi no mercado. Mas, sobre as mulheres bonitas, dou aula de inglês para modelos. E toda modelo que se preza tem que falar inglês. Galisteu, por exemplo, foi minha aluna, mas desistiu. Eu promovo concursos de beleza. Estou envolvido com esse negócio. Hoje tenho 4 mil mulheres lindas de todo o Brasil. Conheci muitos países. Desculpem-me os americanos, os franceses e os japoneses, mas igual à mulher brasileira não existe. Essa miscigenação esse cruzamento... Por exemplo, o jegue cruza com uma egüinha e dá um burrão, uma mula de primeira grandeza. Aqui no Brasil a mesma coisa. Você vê mulheres lindas de vários tipos de cruzamento. Tenho uma modelo que o pai é baiano e a mãe é chinesa. Chama-se Melina. Ela tem 18 anos, é uma máquina, uma beleza terrível por causa dessa mistura de raça. Resumindo: é melhor conviver com mulher bonita do que com jegue...

ZONA SUL – Nessas suas andanças você conheceu Natal?
WADÃO – Infelizmente ainda não. Conheço todas as cidades do interior de São Paulo e parte do Paraná, de jegue. Mas deixo um recado aos conterrâneos do norte-nordeste do Brasil: quem quiser conhecer o Wadão do Jegue basta ir à Rádio Atual. Estou sempre por lá com o Pedro de Lara. Também vou muito ao programa Sem Fronteiras, do Petrúcio Melo, na TV Diário. Este sou eu: Wadão do Jegue do Dente de Ouro, seu criado.

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