terça-feira, 21 de agosto de 2012

Entrevista: Max Fonseca

TEMPERO GAÚCHO EM SOLO POTIGUAR

 Segundo o próprio entrevistado, ele nunca tinha falado durante tanto tempo na vida. Foram necessárias quase 3 horas para o jornalista, empresário e “chef” Max Fonseca resumir a sua trajetória, iniciada no Rio Grande do Sul. Vivendo há muitos anos em terras potiguares, Max, atualmente - depois de ocupar funções e cargos importantes como a Secretaria de Comunicação Social do Governo do Estado, a editoria de Política do Diário de Natal e o comando do jornalismo das TVs Ponta Negra e Potengi, entre outras tarefas – toca o seu restaurante Galo do Alto, lá no Alto de Ponta Negra.  Eu e o jornalista, parceiro e amigo Roberto Fontes sabatinamos Max Fonseca em uma mesa do seu restaurante, saboreando pratos criados por Carlos Eduardo Varela Raulino, o Tuca, na época em que ele e Max eram sócios no restaurante Forvm Local. De comum acordo, essa entrevista é uma homenagem a Tuca, um gênio da gastronomia potiguar que morreu praticamente anônimo. Sorte dos poucos que puderam desfrutar do seu talento como criador de pratos e fomentador de amizades. (robertohomem@gmail.com)


ZONA SUL: Como é seu nome completo?
MAX – Maximiliano Fonseca de Souza, mas por esse nome nem eu me conheço. Talvez só o meu avô, que já morreu, e a minha mãe. (risos). Hoje sou Max Fonseca. Nasci em Porto Alegre e fiquei por lá durante 10 anos. Quando eu era guri, meu pai trabalhava naquele laboratório Warner Lambert, que vendia remédio, mas também fabricava os chicletes Adams. Ele costumava trocar caixas de chicletes por aqueles carrinhos-miniatura de ferro, os “Matchbox”. Com cinco ou seis anos de idade eu e meu irmão tínhamos uns mil “Matchbox”. Só que essa coleção ficava em uma prateleira lá no alto: eu e o Mano só olhávamos. Era nossa coleção, mas ela era intocável. No dia em que começamos a brincar com eles, os carrinhos foram consumidos mais rápido do que chicletes. (risos).
ZONA SUL – Quer dizer que você tem um irmão.
MAX – Tenho dois. O Cris e o Mano, que se chama Alexandre. Tem horror ao nome, ele é conhecido também como Gaudério. Se pegar um Alexandre de frente ele dá uma palestra para convencer o cara a mudar de nome. Nossa diferença de idade é um ano e meio. Os dois hoje também moram em Natal.
ZONA SUL – Além dos carrinhos de ferro, o que mais marcou sua infância?
MAX – O meu avô materno, Dorval Fonseca. Ele sempre foi um ídolo para mim e era um ícone para a família inteira pela integridade, ética, moral, exemplo de pai, de vô, de marido e também porque era um grande cachaceiro. Seu exemplo foi seguido: dos nove netos, incluindo as mulheres, só um não se tornou um grande cachaceiro. Os demais apreciam a bebida como ninguém. No verão vô bebia, diariamente, uísque, vinho branco e cerveja. No inverno ele bebia conhaque, vinho tinto e cerveja.
ZONA SUL – Sobrava tempo para ele trabalhar?
MAX – Desde que me entendo por gente ele já era aposentado. Mas jogava tênis. Ele começou aos 40 anos e se tornou um grande desportista. Foi tesoureiro do Internacional no tempo em que dirigente trabalhava por amor à camisa. Quando o Inter completou 90 anos, o jornal “Zero Hora” publicou duas páginas com ele, mostrando o colorado mais velho. Ele tinha 92 anos. Meu vô sempre congregou a família nos tradicionais almoços de domingo na sua casa.
ZONA SUL – Ele descendia de europeus?
MAX – O vô era descendente de alemão, apesar de ser muito pequeno. O apelido dele era “Petit”. Quer me agradar? Me chame de Fonsequinha. Ele também era conhecido assim. Uma menina que trabalhava lá em casa me chamava de “seu” Fonseca ou de Fonsequinha. Eu ficava feliz por conta do vô.
ZONA SUL – E o seu pai, como se chamava?
MAX – Gilberto. Em 1975, quando eu tinha dez anos, ele entrou na BR Distribuidora e a gente foi morar no interior, em Ijuí (cidade de colonização alemã a 420 quilômetros da capital). Em Ijuí eu era conhecido como negão, aqui em Natal me chamam de galego. (risos) Foi uma mudança muito importante na minha vida. Porto Alegre já era uma cidade grande e a gente tinha delimitações. Eu podia andar com a minha bicicleta na área restrita ao quadrilátero formado pelas grandes avenidas do bairro. Ijuí me deu experiência com a terra, com a natureza, com a liberdade. Meu pai herdou do vô o espírito de preservação da família. Tanto que, quando vim morar em Natal, dois anos depois ele veio também. Morei no interior dos dez até os 17. Meu pai me deu duas oportunidades fundamentais: a primeira foi poder morar no interior, a outra foi cumprir o que ele sempre disse: “meu filho, eu só vou te dar estudo”. Por mais que tivesse passado por dificuldades financeiras monstrolíticas, ele se esfolava, mas a gente estudava nos melhores colégios.
ZONA SUL – Fale um pouco sobre a sua mãe.
MAX – A mãe – Silvia - no início era aquela típica mulher dos anos 1960. Largou o estudo para casar e virou dona de casa. Quando fomos para o interior, Cris, o meu irmão mais novo, tinha quatro anos. Um tempo depois, acho que quando ele completou dez, ela resolveu fazer faculdade. Ela tinha começado Filosofia, enquanto não casava, mas não concluiu. Largou para casar e resolveu trabalhar. Começou em um posto de saúde, como auxiliar administrativo. Viu que esse emprego não era bom e resolveu estudar Nutrição na universidade da cidade onde a gente morava. Formou-se aqui na UFRN. Ela foi aquela mãe genuína, sempre presente em casa, do tipo que passava mertiolate e botava pra estudar. Mas quem obrigava a comer era o pai. Ele era o cara da comida. A mãe era dos doces. A minha história de comida vem do pai, por causa da minha avó paterna.
ZONA SUL – Seu interesse pelo jornalismo vem do Rio Grande do Sul?
MAX – Não. Em Ijuí, quando completei 17 anos, que chegou a época do vestibular, eu pensava em fazer Ciências Sociais. Fui para Porto Alegre porque a faculdade de Ijuí era particular e tinha poucos cursos. Não fiz Sociologia porque a mãe ficou meio preocupada. Na cabeça dela, cursar Ciências Sociais era optar por não fazer nada na vida. Por influência de um daqueles professores que a gente tem e que considera mestre, fui cursar Química. No profissionalizante fiz Auxiliar de Laboratório de Análises Químicas. Tirava 10 com os pés nas costas, só ouvindo o professor falar. O cara era uma máquina. Passei no vestibular para Química na federal do Rio Grande do Sul e fui morar em Porto Alegre, com meus avôs. Em dois anos e meio de universidade, fui aprovado apenas em quatro cadeiras. O que me dava tesão de verdade era o centro acadêmico e a edição do “Informol”, que era o nosso jornal. Aliás, foi por causa de um encontro nacional de estudantes de Química que hoje moro em Natal.
ZONA SUL – Como assim?
MAX - Vim por conta de uma menina que namorei lá. Eu era presidente do centro acadêmico e a única escola federal que não tinha representante inscrito no congresso que estávamos promovendo era a de Natal. Como sobrou dinheiro para organizar o evento, mandei para a UFRN um comunicado oferecendo passagem, estadia e alimentação para a universidade mandar um representante. Mandaram essa guria. No último dia, a gente deu aquela ficada de 24 horas. Três meses depois eu morava com ela em Natal. Na verdade eu só queria um mote para me mandar. Eu já estava abusado de lá, não gostava mais. Entrei na faculdade com o sonho de ser professor de Química. Mas tinham implantado um pólo petroquímico em Triunfo, no Rio Grande do Sul, e a universidade se virou para a Química Industrial. Peguei tanto abuso que consegui transferência para o curso de Química da UFRN, mas nem me matriculei.
ZONA SUL – Você veio sem nada em vista?
MAX – Sim. A transferência saiu dois anos depois. Quando cheguei, fui morar com a namorada. Ela estudava de 2ª a 6ª e trabalhava nos finais de semana. No sábado, ela ia para Goianinha e voltava no domingo de noite. Ajudava o pai que comercializava um monte de coisa na feira. Quando vim, meu pai perguntou o que eu queria. Pedi um valor para passar dois meses e prometi não pedir mais. Assim foi. No primeiro mês fiquei dando risada: acordava de manhã, varria a casa, lavava roupa, cozinhava e esperava a namorada para almoçar. Depois que ela voltava para a faculdade eu ia para o bar de Miranda Sá, perto da Fundação José Augusto. Tirava as tardes conversando com João da Rua, Carlos Astral, Falves Silva, Volonté, Jota Medeiros...
ZONA SUL – Trabalhar que é bom, nada...
MAX – Não foi bem assim. Uma amiga que trabalhava na Rádio Rural viu que na bolsa de emprego anunciada pela emissora tinha uma vaga de auxiliar de “pizzaiolo” no Saravá. Fui, mas fiquei como auxiliar de cozinha. Fiquei 15 dias, até ler no jornal a notícia de que um restaurante ia abrir e precisava de gente. Era o Café de Paris, que abriu em frente ao Clube Bandern. Fui trabalhar como auxiliar de um cozinheiro que tinha trabalhado embarcado. Ele logo foi demitido, acusado de estar roubando na cozinha. Fui promovido a cozinheiro. Mas eu tinha o sonho de abrir um bar. Quando saí de Porto Alegre, um tio meu perguntou: “o que você vai fazer por lá?”. Eu disse que ia abrir um bar. Ele perguntou com qual dinheiro. Eu pedi que ele não fizesse pergunta difícil. Ele então falou que tinha um dinheiro guardado, e que se um dia eu precisasse, falasse com ele.
ZONA SUL – O Café de Paris marcou época em Natal.
MAX – Lá aconteceram histórias malucas. Por exemplo: na inauguração da casa, o dono, um alemão, mandou chamar um bocado de gente e orientou a gente a fazer estrogonofe com arroz branco. Só na hora de servir foi que ele lembrou que não tinha comprado prato. Mandamos para as mesas uma travessa com estrogonofe, outra com arroz e vários garfos cravados em cima do arroz. (Risos). Algum tempo depois, o Boliviano botou à venda a Cantina Bella Andina. Ele queria vender por 10 milhões, era o tempo dos milhões, ainda. Liguei para o meu tio, ele disse que poderia me emprestar três. Eu tinha outros três guardados na poupança. Esse dinheiro eu tinha por causa de Fonsequinha. A cada neto que nascia, ele abria uma poupança. Além desse depósito inicial, todo mês ele pegava uma quantia e dividia entre os netos e depositava no banco. No aniversário, vô dava mais uma chapuleta. Com seis milhões na mão, só ficavam faltando quatro. Liguei pra mãe, que tinha acabado de receber uma herança, uns bois. Ela negou. Mãe viu aí a oportunidade de eu não conseguir sobreviver em Natal e voltar. Mas o pai fez um empréstimo e mandou restante que faltava. Dos dez que arrecadei, paguei nove ao Boliviano e fiquei com um milhão, para capital de giro. Foi assim que comprei a Bella Andina e transformei em uma bodega que vendia tudo. O povo da Rua do Motor ia comprar lá. Eu vendia óleo de soja em retalho. Tinha uma conchinha feita de flandres para medir. O cara pedia cinquenta centavos de óleo, eu media e colocava no vidrinho que o cliente levava. Vendia “conselva”, a forma popular de carne em conserva. A gente comprava aquele arroz Ros Top, e, quando o cara não tinha dinheiro, vendia o saquinho individual. O povo saía do Chaplin para tomar uma “chamada” de cachaça com a gente.
ZONA SUL – Então também era bar.
MAX - Sexta e sábado à noite, virava rock and roll. Tinha dois buracos na parede que permitiam a gente botar duas caixas de som para o lado de fora. O volume do som dava para ouvir lá em cima da Ladeira do Sol. Era pra arrombar, virava a noite. É bom registrar que lá não tinha água, a gente precisava pegar uns galões pra lavar as coisas. Eu botei água bem depois. O freezer também não funcionava. Sexta e sábado eu comprava cerveja e botava toneladas de gelo em cima. O nome era “Barumbas”. Era uma gíria que a gente usava. “Vamos tomar uma cervejumbas, vamos para um barumbas...”. Nessa época Mano veio para Natal. Como eu gastava pouco, sobrava dinheiro. Tanto que eu dei uma grana para o meu irmão e paguei ao meu tio. Ao pai eu não paguei, ele me dispensou.  Depois vendi o negócio. Tinha comprado por 10 milhões e vendi por 40 milhões. Era época de inflação alta, mas não era ainda a dos 80% por mês. Com 21 anos de idade, juntei esse dinheiro com uma grana que eu tinha na poupança e resolvi viajar pelo Brasil inteiro. Foram oito meses viajando. Quando voltei, fui conferir um investimento que eu tinha feito na bolsa, por intermédio do Citibank. Dos 30 que eu tinha aplicado, só restavam 22. Tinha dado problema.
ZONA SUL – De volta a Natal, o que você inventou para tocar a vida?
MAX - Quando o dono do Café de Paris soube que eu tinha voltado, sugeriu que eu abrisse um negócio na área atrás do seu bar. Montei o Chernobyl. Só paguei aluguel depois que abri, em novembro de 1986. O alemão sabia que se desse certo, nós polarizaríamos aquela área e ganharíamos dinheiro. No verão de 1987 o Chernobyl estourou. Rui, que era meu sócio, não gostava de barulho, de gente, nem de confusão. No dia que fomos abrir o bar, Rui me disse: “olha, Max, aqui na frente eu não venho”. Em compensação, ele ficou responsável pela cozinha. E na cozinha dele qualquer pessoa podia comer no chão, de tão limpa. Quando fechava o bar, à noite, ele pegava uma seringa com agulha e ia identificar furinhos de formiga para matar. Era uma loucura. Tempos depois, com Carlos Gurgel, lançamos o jornal “Sol que Faltava”, em alusão ao fato de Natal ser tratada como a Cidade do Sol. As três edições foram editadas na gráfica da Cooperativa dos Jornalistas. Luciano de Almeida, o presidente da cooperativa, a cada edição que eu levava para rodar perguntava o porquê de eu não cursar Jornalismo. Eu não tinha tempo nem para me coçar, achava a ideia um absurdo. Foi quando apareceu o Tuca...
ZONA SUL – Tuca é o Carlos Eduardo Varela Raulino, na época estudante de Jornalismo, que foi seu sócio no restaurante Forvm Local.
MAX – Tuca era uma figura, merecia estátua e livro contando a sua história. Imagine um cara que consegue reunir 25 pessoas para assistir o capítulo de uma novela na sua casa. Esse era o Tuca, ele tinha um imã do tamanho de Natal. Aliado ao fato de ser um criador de pratos. O Chernobyl estava indo tranquilo. Tuca ia morar com amigos, mas não deu certo. Então fomos morar juntos. Daí surgiu a ideia de abrir o restaurante. Quando o conheci, Tuca já estava separado de Júlia. Ele não tinha um real. Mas Tuca é neto do barão de Ceará Mirim, Manuel Varela do Nascimento. Ele era sobrinho da mulher de Arnaldo Gaspar. Arnaldo Gaspar sempre gostou muito dele e deu a grana que Tuca precisava para abrir comigo o Forvm Local. O restaurante ficava na subida de Mãe Luiza, em frente a Faz Propaganda, onde hoje é o escritório de Armando Holanda. Tinha sido uma escola estadual. Era um prédio abandonado. Tivemos que reconstruir o imóvel, incluindo as instalações elétricas e hidráulicas. Abrimos com uma proposta diferente, não existia nada parecido em Natal. No começo ficamos em dúvida se o nome seria “Forvm” ou “Ágora”, palavras romana e grega que significam a mesma coisa. A decisão foi quando tivemos a certeza que se o restaurante se chamasse “Ágora” ia virar “Agora” bem rapidinho. Mas apesar de “Forvm” ser romano, todos os nomes dos pratos eram de filósofos gregos: Platão, Aristóteles, Xenofonte, Sófocles...
ZONA SUL – Vocês transformaram o local em um espaço multimídia.
MAX – Nosso restaurante não deixava de ser um fórum ou uma ágora. Além do restaurante, a gente mantinha lá uma loja especializada em livros de literatura e em DC Comics, uma loja de discos raros de rock and roll (era o tempo dos bolachões) e uma galeria de artes. Foi muito avançado para Natal da época. O problema é que a gente tinha uma galera que queria frequentar, mas não tinha bala; e outra que tinha bala, mas se assustava um pouco. Na sexta e sábado a gente fazia música ao vivo. Tinha uma banda que a gente botava lá composta por uma viola, um violino, uma bateria e uma guitarra, tocando clássicos e rock and roll com fundamentos na música erudita. O negócio era maluco, mas muito bom. Mas a galeria e a loja de discos foram para o espaço e só sobrou o restaurante. No dia em que abrimos, oferecemos três pratos: um camarão, um peixe e uma carne. O filé era alto, com molho de vinho. A gente nunca botou o nome de molho madeira porque para ser molho madeira tem que ser vinho madeira. Todo mundo chama de molho madeira, mas usa vinho tinto comum. Esse filé era acompanhado de arroz branco e batatas fritas. O peixe era grelhado com arroz branco e batata cozida. E o camarão era grelhado com arroz branco e batata frita. Isso no primeiro dia. Depois Tuca transformou a cozinha em um laboratório e começou a criar. As cozinheiras - um pessoal simples, do interior - se assombravam: às vezes elas pediam minha ajuda, dizendo que Tuca estava doido na cozinha. Quando ele saía de lá, tinha molho até no teto. Mas ele vinha e trazia um negocinho e pedia para eu provar. Eu botava aquilo na boca e sentia vontade de bater nele, de tão delicioso e gostoso.
ZONA SUL – Essas ideias vinham do nada?
MAX – Do nada e das experiências de vida que ele tinha. Tuca nasceu em berço de ouro. Lembro que todo fim de ano a gente passava na mansão da ex-mulher de Roberto Varela, Elenir. Antes de ir para os réveillons, a gente ia lá e Elenir botava um “blue” e caviar, porque ela sabia que Tuca gostava. Ele fazia o bacana, comia o caviarzinho dele, e depois a gente ia para a gandaia. Tuca sabia o que era bom, ele tinha um paladar descomunal. Eu tenho muito disso também, mas ele era demais. Sabe o que é abrir a geladeira e não ter quase nada e 40 minutos depois Tuca sair da cozinha com um manjar? Aí ele foi criando os pratos do Forvm, como o Filé Platão (um mignon alto ao molho de vinho com arroz indiano e a batata rösti), o Frango Indiano (empanado com arroz indiano e purê de maçã) e a Bavette Bourgnone (uma pasta ao molho de vinho e cubinhos de filé mignon). Esses três pratos eu trouxe do Forvm e sirvo aqui no Galo do Alto, o meu atual restaurante, mas ele criou muito mais. Tuca misturava o requinte com coisas simples, que dava para sentir o sabor dos ingredientes. Ele sentia prazer em fazer e em comer, tinha o dom da criação.
ZONA SUL – Como era a gastronomia de Natal na época da inauguração do Forvm?
MAX – A grande inovação do Forvm foi o empratado. Natal não tinha visto isso e a cidade não era como hoje, que o pessoal viaja muito. A gente servia o prato individual na mesa e nego dizia: “e é PF?”. Esse era o tempo das travessas. Os restaurantes em Natal eram Xique-Xique, Abbots e Nemésios, que ofereciam o mesmo cardápio: frango a cubana, camarão internacional, lagosta ao termidor e filé chateubriand, geralmente em porções para dois, em travessas. A gente entrou com pratos individuais já montados e com decoração. Tuca não só era talentoso em preparar a comida, ele também montava o visual. Isso foi um choque, junto com os novos ingredientes que passamos a usar e o ponto de cocção do filé... A galera olhava, dizia que estava cru e pedia para assar mais. Certa vez, eu estava no balcão, um cara ao invés de levar o filé à boca, levou ao nariz. Como eu o conhecia, fui lá perguntar se estava tudo bem. Ele respondeu que a comida estava legal, mas o cheirinho era meio esquisito. Eu tive que explicar que ele tinha pedido um prato que levava molho de roquefort. O cheiro forte era do queijo.
ZONA SUL – Tuca o inspirou muito como cozinheiro?
MAX – Até eu conhecer o Tuca, eu era o “rei do brega”. Conhecia a cozinha tradicional. O Tuca não só me apresentou ingredientes e técnicas, mas refinou o meu paladar. Ele me apresentou à alta gastronomia. Meu pai me apresentou para a gastronomia e o Tuca me botou pra cima.
ZONA SUL – Por que o Forvm não deu certo?
MAX – Porque a gente agradava a um público que não tinha dinheiro e não agradava ao que tinha grana. O bacana achava muito louco e o muito louco achava careta, sacou? E os que achavam bom, não tinham dinheiro para bancar. Quando o restaurante não deu certo, Tuca foi morar no Rio de Janeiro. Lá ele teve um aneurisma e passou nove anos em cima de uma cama, vegetando, antes de morrer. Na última vez em que estive com ele, a enfermeira colou durex nos seus olhos para que ficassem abertos. Ela botou a mão dele no meu braço. Com uma mão ele segurou e com a outra ficou batendo no meu braço. Mas eu não sabia se ele estava reconhecendo que eu era o Max, ou se sequer distinguia que tinha uma pessoa ao seu lado. Passei duas horas falando com ele e depois fui embora.
ZONA SUL – Fechado o Forvm, você se dedicou ao jornalismo?
MAX – Logo que abriu o Forvm, entrei no Jornalismo da UFRN. No primeiro ano de curso, fui com Veridiana Pedrosa atrás de Jânio Vidal, que era nosso professor, pedir um estágio na TV Tropical, que estava passando por uma reformulação. Comecei na TV, mas a coisa estava meio baldeada e passei para a rádio. Fiquei uns três meses. Transmiti ao vivo a manifestação dos caras-pintadas na Princesa Isabel e acompanhei a apuração do primeiro turno da eleição para prefeito de Natal realizada em 1992. Como a candidata de José Agripino, Ana Catarina, não passou para o segundo turno, recebi o famoso pé. Demitido, fui procurar Roberto Medeiros, na Rádio Poti, e disse a ele que ia narrar o segundo turno na emissora, ele querendo ou não, me pagando salário ou não. Trabalhei no dia da eleição e fui cobrir a apuração no ginásio do Campus. Henrique Eduardo Alves era o favorito contra Aldo Tinoco. As primeiras zonas apuraram os votos e proclamaram o resultado. Henrique estava na frente. Faltava o Campus. Quando todas as urnas foram computadas, o juiz daquela zona eleitoral disse que estava muito cansado e que só totalizaria o resultado no dia seguinte. Peguei o carro e fui para o Diário. Bati na sala do superintendente, Albimar Furtado. Ele estava com Cassiano Arruda, Vicente Serejo e outros da cúpula. Entrei dizendo que Aldo Tinoco era o prefeito eleito de Natal. Riram e disseram que eu estava ficando doido. Expliquei a minha tese: o esquema de Henrique mantinha duas pessoas por mesa apuradora. Quando os votos eram apurados em cada uma delas, o resultado era proclamado. O pessoal de Henrique tomava nota e enviava, por motoboys, para a TV Cabugi. Todos os votos foram apurados, só faltou o juiz totalizar e anunciar o resultado. Se Henrique tivesse vencido, ele e os veículos do grupo Cabugi já estariam fazendo a maior farra. Mas o silêncio era absoluto. Cassiano olhou para mim e disse: “vou mudar minha coluna”. Pouco tempo depois Carlos Alberto - que apoiava Aldo – entrou no ar, na TV Ponta Negra, exigindo que o juiz voltasse e anunciasse o resultado. O juiz voltou e anunciou Aldo Tinoco como novo prefeito de Natal. Foi um gol que fiz no jornalismo e que me rendeu, um mês depois, convite para cobrir as férias de Barbosinha, na editoria de Política. Só saí de lá quando quis. O editor, Luciano Herbert, não só me ensinou, mas me botou na cara do gol em várias ocasiões. O filé eram as buchas, que ninguém queria fazer por ter outros compromissos fora do jornal. Como eu não tinha nada, sobrava para mim.
ZONA SUL – Em 1994 você saiu do Diário de Natal para ser secretário de Comunicação Social do governador Vivaldo Costa.
MAX – Foi outra loucura. Antes disso, com um ano e meio trabalhando como repórter de Política do Diário e com apenas meio ano de formado, virei assessor de imprensa da secretária Estadual de Saúde, Nilma Rodrigues, que na época era casada com um primo do então governador Vivaldo Costa. Eu trabalhava lá pela manhã e à tarde no Diário. Todo dia ela me chamava em seu gabinete para reclamar que eu estava batendo no governador. Eu respondia que apenas estava reportando o que ele tinha feito ou deixado de fazer. “Max, mas você trabalha para ele”, a secretária argumentava. Eu corrigia: “de manhã, mas de tarde eu trabalho no Diário de Natal. Aqui na Secretaria eu só falo bem dele, mando release”. Quando o governador foi substituir João Batista Machado, que havia sido assessor de Comunicação de José Agripino, o pretendido para o cargo era Gerson de Castro. Ele não aceitou e me indicou. Eu estava decidido a não assumir, mas topei porque os colegas do Diário prometeram me ajudar. Entrei no fim do governo, foi uma experiência maluca, claro. Apanhei pra caramba. Mas cair e errar só não presta se você não aprendeu. Perto do final do governo, como eu sabia que meu negócio era jornalismo político, decidi trocar Natal por Brasília. Eu ia para batalhar emprego, mas, por intermédio da hoje prefeita de Natal e minha ex-colega de faculdade, Micarla, consegui emprego no gabinete do seu pai, o deputado federal Carlos Alberto de Sousa. Dois meses depois, Carlos Alberto me chamou para jantar. Ele disse que seria candidato a prefeito de Natal e que me queria como diretor de jornalismo da TV Ponta Negra. Passei um mês no SBT com Boris Casoy, duas semanas dentro do “Aqui e Agora” e vim dirigir a Ponta Negra. Fiquei um ano e meio. Depois que saí da emissora, voltei para o Diário como editor de Política e em seguida acumulei a função com a direção da TV Potengi. Peguei a TV no zero e sem dinheiro. Deixei toda a estrutura. Quando passei a assessorar Geraldo Melo, deixei o Diário de Natal. Fiquei bons anos na TV e assessorando Geraldo. Saí da TV e fiquei só como assessor de Geraldo. Esse foi meu último emprego no jornalismo. Fiquei quatro anos com ele e tocando o Galo do Alto.
ZONA SUL – Como surgiu o Galo do Alto?
MAX – Abri o Galo com o meu irmão e a minha cunhada, em dezembro de 2003. No primeiro ano eu vinha mais como cliente. Depois desse período eles saíram e eu tive que contratar um gerente administrativo para trabalhar durante o dia e um gerente de casa para a noite. Esse esquema continuou até eu deixar a assessoria de Geraldo Melo. Aí passei a me dedicar inteiramente ao restaurante.
ZONA SUL – E sua candidatura a deputado federal?
MAX – Foi tiração de onda. Gastei 500 reais na candidatura a federal e tive voto em 70 municípios. Minha candidatura era uma piada, tanto é que o slogan era “Max, a onda”. Na propaganda eu tocava música do Gorillaz, do Charles Brown Júnior e até dos Titãs: “a gente não quer só comer, a gente quer comer e quer fazer amor”. Levei um processo dos Titãs por causa disso. Um processo não, um princípio de processo. Veio uma advogada aqui em Natal me entrevistar, um ano depois. Eu disse que os Titãs iam para o meu bar, e que minha candidatura tinha sido uma brincadeira. Ela aconselhou que da próxima vez eu pedisse autorização que eles liberariam. Eu tive 1% dos votos necessários para me eleger. Precisava de 70 mil, mas tive 720 votos.
ZONA SUL – Você é o atual presidente da Abrasel.
MAX – A Abrasel é uma entidade que surgiu por uma conveniência governamental. Na época em que o turismo começou a se desenvolver no Brasil, era necessário criar uma associação que congregasse as empresas de entretenimento e lazer. Por isso a sigla Abrasel. Em algum tempo essa associação miou e ficaram só os bares e restaurantes. Na verdade, a Abrasel representa o setor de alimentação fora do lar. Pega desde padaria que tem self service, lanchonete, sorveteria, restaurante e bar.
ZONA SUL – Nessa área de alimentação fora do lar, o RN está preparado para a Copa do Mundo?
MAX – Está sobrando. Com relação a Copa, a Abrasel é a única entidade do setor de turismo que apresentou um projeto novo ao país. Se você chegar hoje em qualquer uma das 12 cidades-sede, vai encontrar em cada uma delas três pontos de informação turística: aeroporto, rodoviária e centro da cidade. Estamos propondo aos governos municipal, estadual e federal transformar os bares e restaurantes associados a Abrasel em três tipos de lugares. O principal é o TIP (Turist Information Point). Sem custo para a população, o restaurante virará um ponto de informação turística. Vamos fazer dez desses em cada cidade. O Poder Público vai instalar terminais de informática para que o turista possa ter acesso às informações turísticas da cidade. O dono, ou o gestor principal do estabelecimento, terá que ser versado em pelo menos três línguas. Além dos dez TIPs. Os demais bares e restaurantes trabalharão com informações básicas para os turistas. A terceira alternativa – já estamos trabalhando nela em Ponta Negra - é capacitar o barraqueiro e o ambulante credenciado na Prefeitura para conseguir dar um apoio ao turista em dez línguas. O cara anda com um papel plastificado com bolinhas coloridas. O turista chega falando alemão, o camelô olha, pega o papelzinho e o turista identifica a língua que ele fala, com as informações turísticas principais naquele folheto.
ZONA SUL – O Rio Grande do Sul lhe faz muita falta?
MAX – Gosto muito do meu estado, mas hoje me considero um nordestino feroz. Vou confessar uma coisa: até admito que falem mal do Rio Grande do Sul. Não gosto, mas admito. Mas do Nordeste, especialmente do Rio Grande do Norte, não permito. Acho que fiquei assim depois de conhecer o estado viajando com Geraldo Melo e Carlos Alberto. Geraldo me apresentou o RN profundamente. Além disso, foi aqui que conheci Luísa, a mulher com quem casei. Primeiro passamos sete anos casados e tivemos dois guris. Nos separamos e, sete anos depois, casamos de novo. Tivemos outro filho e lá vão seis anos.
ZONA SUL – Como o leitor pode ter acesso a mais informações sobre o Galo do Alto?
MAX – Entrando no nosso site na Internet www.galodoalto.com.br ou no Facebook www.facebook.com/Galodoalto. O restaurante funciona todos os dias, sempre com música ao vivo. Só fecho dois dias no ano: noite de Natal e de Ano Novo. Fica na Rua Dr. Manoel Augusto Bezerra de Araújo, 142, no Alto de Ponta Negra. É bem em frente ao Castelo Taberna Pub. No terreno ao lado, acabamos de inaugurar o BUD Bar, um bar temático da Budweiser. Lá vamos transmitir futebol e UFC, além de tocar música de boa qualidade.
ZONA SUL – Deixe um recado para o leitor.
MAX – Não deixe de conhecer o BUD Bar, que funciona com um grande balcão para que as pessoas possam ter oportunidade de poder circular e não apenas ficar sentadas em mesa. Bar de mesa acaba virando ilha, as pessoas não se confraternizam. Esse congraçamento é uma das caras de Natal.
ZONA SUL – Valeu, tchê!
MAX – Eu nunca tinha falado tanto na minha vida. 




9 comentários:

  1. Outra bela entrevista, parabés para Fontes e Siqueira...

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  2. Julião, vamos nos organizar para numa dessas minhas idas a Natal vc também deixar seu depoimento ao Zona Sul.
    Um abraço!

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  3. Roberto Neném, parabéns pela entrevista com o Potucho Max.

    P.S- POTUCHO = POtiguar + gaUCHO.

    Sérgio Luis Lima de Almeida

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  4. É BudBar, de Bundweiser, e não BundBar, de bunda, se bem que poderia ser..
    Glênio Sarmento

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  5. Obrigado, Glênio, pela correção. Ajeitei o texto, mas se Max mudar o nome para BundBar, me avise que eu retifico novamente!
    Roberto Homem

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  6. Adorei a entrevista

    Eunice Borges

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  7. Iaçonara Miranda de Albuquerque26 de agosto de 2012 às 00:24

    Robertos, adorei o texto. Vocês foram realmente fiéis ao jeito de Max falar! Legal saber parte da história do meu "cumpadi" que eu não conhecia. Max e os irmãos, Mano e Cris, são os gaúchos mais potiguares que conheço, apesar de continuarem com expressões como "pra ti ver", o indefectível "Bah" e, assim, dando uma mescla de "gauchês" ao "potiguês" nosso de cada dia. Gostei também de ter encontrado vocês no Galo do Alto no fim da entrevista. Peguei só o clima de confraternização do finzinho, o que já foi uma festa. Beijos.

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  8. Méritos totais para Bob Man, que editou as três horas da excelente e reveladora conversa com Max, e a transformou nos 10 ou quinze minutos de leitura expostos no blogue e no jornal impresso. Valeu, tchê!

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  9. Tá importante heim Max.

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