quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Entrevista: Myriam Violeta


DOS ARQUIVOS DA MEMÓRIA DE MYRIAM


Dois dias depois de conceder essa entrevista ao Zona Sul, Myriam Violeta Cavalhero foi eleita presidente da Associação dos Profissionais de Comunicação Social do Senado Federal (COMSEFE). Jornalista da TV Senado, ela atualmente está comandando o arquivo da emissora, que conta com mais de 27 mil fitas. Myriam é uma repórter dos sete instrumentos. Além de sua atuação na tv, trabalhou em rádio, jornal e até fez campanha política. A entrevista com Myriam ocorreu no início de dezembro. Participaram dos trabalhos os fotógrafos Waldemir Rodrigues, marido de Myriam, e Roque de Sá - que é o responsável pela cobertura jornalística das agendas de trabalho da governadora Wilma de Faria em Brasília. A entrevista foi transmitida ao vivo pelo www.myspace.com/robertohomem . As fotos são de Roque de Sá. (robertohomem@gmail.com


ZONA SUL – Onde você nasceu?

MYRIAM – Em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Na época, 1971, o estado ainda era Mato Grosso. Não tinha havido o desmembramento. Dizem que mulher que diz a idade é capaz de falar qualquer coisa. Pelo visto essa entrevista já começou bem e promete.

ZONA SUL – Como foi o seu começo nesse planeta? Quais suas primeiras recordações?

MYRIAM – Lembro de passagens muito tenras da minha infância. Recordo desde muito cedo, dos primeiros brinquedos e até do meu aniversário de primeiro ano... Tenho boas lembranças da minha infância. Nunca esqueci de algumas bonecas, mas a coisa mais legal da minha infância foram as brincadeiras futuristas. O pé de manga, por exemplo, era usado como uma nave espacial. Somente depois foi que o Spilberg filmou “Guerra nas Estrelas”.

ZONA SUL – Hélio Contreiras, um excelente compositor baiano, também tinha um quintal mágico. Lá ele brincava com as estampas de mitologia que vinham como brinde do sabonete eucalol. Vale a pena conferir, no Youtube, sua música “Estampas Eucalol”. Enquanto você era futurista, imaginava naves espaciais, Contreiras, à sombra do abacateiro da sua casa, sonhava com a mitologia grega.

MYRIAM – Eu me divertia muito com uma Enciclopédia Delta Larousse que era da minha mãe. Eu ficava, por exemplo, estudando a mitologia dessa forma: depois de ler que Hera foi irmã e esposa de Zeus, eu procurava Zeus. Ao descobrir que Zeus era irmão de Hades, eu pesquisava sobre Hades, e assim por diante. Essa foi uma grande diversão, quando eu era pequena. Porém, nunca pensei em compor ou brincar com as figuras mitológicas. Aprendi muito de mitologia com essa enciclopédia, que, aliás, era escrita em espanhol. Foi dessa forma que comecei, também, a aprender espanhol.

ZONA SUL – Além da mangueira, das bonecas e da enciclopédia, o que mais você recorda?

MYRIAM – Vou dizer uma coisa: o que eu mais recordo é da proteção que meus pais me proporcionavam. Acho que isso é fundamental para alguém construir o seu caráter. Desde quando eu me entendo por gente, me sinto uma pessoa segura e protegida. Acho que isso é muito por causa dos meus pais.

ZONA SUL – O que seus pais faziam da vida?

MYRIAM – Eram vendedores de roupas, sapatos, bolsas... Vendiam de tudo um pouco. Minha mãe era quem fazia as compras, pois ela tinha bom gosto. Já o meu pai fazia as vendas, porque ele tinha mais lábia.

ZONA SUL – Então havia um perfeito entrosamento.

MYRIAM – Era um casamento, literalmente.

ZONA SUL – Como você adquiriu o gosto pela leitura? Foi por causa da Delta Larousse?

MYRIAM – Foi observando os dois. Meu pai lia muito, minha mãe também. Quando eles casaram, meu pai já tinha uma certa bagagem intelectual. Minha mãe não quis ficar para trás. Então passou a ler tudo o que podia. Eu os via lendo e aquilo me influenciou. Lembro de ter lido Gabriel Garcia Márquez aos 14 anos. Eu e minha irmã, Ada Liz. Minha mãe se chamava Marta e meu pai, Fulgêncio. Igual aquele lá de Cuba.

ZONA SUL – Seu pai também era ditador, como o Fulgêncio Batista?

MYRIAM – Nada. Ele era uma pessoa boníssima. Deixou o planeta agora em agosto.

ZONA SUL – Você permaneceu muito tempo em Campo Grande?

MYRIAM – Até vir para Brasília, em 1998.

ZONA SUL – Fale um pouco sobre a Campo Grande da sua época e como a cidade é hoje.

MYRIAM – Campo Grande parece uma cidade que ficou no tempo. Pelo menos eu a vejo assim. Quando chego lá é como se tivesse voltando dez anos no tempo. Talvez um pouco pela falta de incremento econômico, é uma cidade que depende muito do poder público, dos salários pagos ao funcionalismo. Lá não têm indústrias, mas o estado tem muito gado. Campo Grande parece que parou no tempo. Quem se interessar em fazer viagens de volta ao passado, pode ir a Campo Grande.

ZONA SUL – Quer dizer que Campo Grande não mudou muita coisa da época em que você morava lá para hoje?

MYRIAM - Exatamente. Não mudou. Às vezes eu tenho a impressão de que pelo fato de ela não ter acompanhado o desenvolvimento, talvez tenha até piorado.

ZONA SUL – E o jornalismo? Como você passou a se interessar por esse assunto?

MYRIAM – Eu estava no pé de manga, no final da tarde. Naquela época eu pensava em cursar direito. Queria ser advogada. Achava bonito. Quando estava começando o primeiro jornal da noite, desci do pé de manga, passei pela cozinha e ouvi o apresentador ler uma nota informando que a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul tinha acabado de aprovar o curso de comunicação social, com habilitação em jornalismo. O primeiro vestibular seria no ano seguinte. Olhei pra minha mãe e disse: é isso que eu vou ser.

ZONA SUL – Qual foi a reação dela?

MYRIAM – Ela acreditou. (risos) Quando fiz vestibular, me inscrevi em direito e também em jornalismo. Passei nos dois. Mas o curso de direito seria em uma faculdade paga. Eu sabia que meus pais não tinham condições de bancar uma faculdade particular, ainda mais de direito, que é um curso caríssimo. Dessa forma foi fácil optar pelo curso de jornalismo na Federal. Já no primeiro ano de universitária passei em um concurso para a Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul.

ZONA SUL – Tinha alguma coisa a ver com a área de jornalismo?

MYRIAM – A Fundação de Cultura era mantenedora da TV Educativa. Fiquei uns dois meses no serviço burocrático e pedi para ser transferida para a tv propriamente dita. Comecei aí, com 18 anos. Como tenho 38 hoje, já se vão vinte anos de jornalismo.

ZONA SUL – A tv foi coincidência, pela oportunidade que surgiu de essa Fundação de Cultura ser mantenedora de uma emissora, ou você já tinha optado mesmo por trabalhar em televisão?

MYRIAM – A tv foi uma oportunidade. Depois eu trabalhei em rádio, jornal, campanhas políticas...

ZONA SUL – Como foi o primeiro contato com jornalismo?

MYRIAM – Comecei muito do básico, trabalhando no tráfego. Lá é o universo onde se guardam as fitas. Lá ficam as produções gravadas. É um primeiro passo antes de a fita ir para o acervo final, que é o arquivo da emissora. Passado algum tempo, fui para a programação, fui fazer grade. A TVE de Mato Grosso do Sul transmitia programas da Fundação Padre Anchieta e da TV Cultura. Eu tinha que pegar as duas programações e montar uma grade só. Depois fui experimentando outras coisas, fui aprendendo, fui fazendo oficinas. Fiz até cinegrafia. Achei divertido. Porém, depois engravidei. Naquela época uma câmera pesava 20 quilos. Hoje pesa seis quilos a menos. Fui ficando com a barriga grande e chegou um momento que não dava mais pra carregar a câmera e o filho juntos.

ZONA SUL – Você lembra da sua primeira matéria?

MYRIAM – Enquanto produtora, não vou lembrar. Enquanto repórter... Também não. Mas não deve ter sido algo muito significativo. Fazer jornalismo em uma cidade com 600 mil habitantes não dá a chance de cobrir muita coisa importante. Era um tiroteio aqui, um assassinato ali... Cobrir polícia era o mais divertido. Política era terrível. Só me apaixonei pela política com o passar do tempo. Como todo mundo, comecei fazendo matérias de polícia. O jornalismo policial é muito dez. Quando eu tava na CBN, a minha diversão também era fazer matérias policiais.

ZONA SUL – Como foi essa transição da tv para o rádio?

MYRIAM – Na TV Educativa eu fiquei mais na parte de cozinha, digamos assim: programação, tráfego, locução... A experiência na rádio somente ocorreu uns seis ou sete anos depois. Ao mesmo tempo em que estava na TVE, trabalhei na TV Bandeirantes. Lá eu fiz produção. Uma amiga editora na TV Educativa foi quem falou que a Band tava abrindo uma retransmissora em Campo Grande e montando uma equipe de jornalismo. Depois de produtora, fiz reportagem também. Da Band fui fazer um programa rural para uma produtora que comprava horário no SBT. Lá em Mato Grosso do Sul esse tipo de programa faz muito sucesso. Depois fui fazer campanha política, atuando como repórter.

ZONA SUL – Você fez campanha para quem?

MYRIAM – A primeira foi para Marilu Guimarães, uma deputada federal que se candidatou a prefeita de Campo Grande, na época. Ela perdeu. Depois fiz para Wilson Martins, candidato a governador. Ele venceu. Trabalhei também para Nélson Trad, mas sua candidatura não decolou e ele abandonou a campanha no meio do caminho. Hoje é deputado federal. Depois fiquei muitos anos, quase dez, sem fazer campanha. Foi quando surgiu a oportunidade de trabalhar na campanha de Íris Resende para prefeito de Goiânia.

ZONA SUL – Nessa última eleição?

MYRIAM – Na penúltima. Antes de ele ser reeleito prefeito de Goiânia. Depois fiz a de Marcelo Miranda, para governador de Tocantins.

ZONA SUL – Desses políticos que você falou, talvez o mais conhecido seja o prefeito, ex-ministro e ex-governador Íris Resende. Como ele é pessoalmente?

MYRIAM – Na convivência ele é uma pessoa extremamente afável. Mas a verdade é que você nunca conhece o político exatamente. Principalmente em uma campanha.

ZONA SUL – De uns tempos para cá, parece que os políticos têm se apresentado nas campanhas com máscaras moldadas pelos marqueteiros. Dificilmente expõem o que realmente são. Procuram se comportar como o candidato ideal apontado pelas pesquisas.

MYRIAM – Nessa última campanha que trabalhei, a de Marcelo Miranda, pude comprovar como o PMDB consegue ter capilaridade. Da mesma forma que o partido tem o poder de ocupar espaço nos governos, ele consegue ter capilaridade na base. Considero uma grande falácia essa história de que o brasileiro não entende nada de política. Os mais humildes podem até não entender dos mecanismos e dos termos técnicos. Mas eles sabem quem é o presidente, quem comanda o Congresso, quem está roubando, quem não está e em quem ele tem que votar ou não. Você constata isso até no cara mais simples lá da roça. Para mim é interessante ter essa noção do que pensa o cara que tá acostumado a pisar no tapete verde da Câmara, no tapete azul do Senado, e o que só tem possibilidade de pisar no chão. Conversei sobre política com quebradeiras de coco, no interior de Tocantins, por exemplo. É muito legal ver todas essas perspectivas de um Brasil só. O povo tem a concepção de quem está elegendo. Mas é verdadeira a afirmação de que eles elegem uma imagem. é mais ou menos como comprar um iogurte em um supermercado. A pessoa só vai saber se ele é bom se levar para casa e experimentar. Se der dor de barriga, não compra mais.

ZONA SUL – Alguns têm dado muita dor-de-cabeça também.

MYRIAM – Aí tem outra face obscura da política brasileira, que é o clientelismo.

ZONA SUL – O pior é a falta de perspectiva. Nem a tão falada reforma política ajudaria a democratizar a política. As propostas discutidas até agora mantém o status quo. A disputa entre alguém que dispõe de um cargo e um outro que está fora desse esquema é completamente desigual.

MYRIAM – É verdade. Talvez pudesse melhorar com o voto distrital. O sistema proporcional de votação faz com que você espere sempre um “Messias”, um salvador da pátria.

ZONA SUL – Na verdade os mandatos de prefeitos, governadores e presidente da República não são de quatro, mas de oito anos. Com um recall no meio. Só não é reeleito quem consegue fazer de sua gestão um desastre. No legislativo a renovação também é muito difícil de ocorrer.

MYRIAM – De qualquer forma eu gosto muito de fazer essas campanhas. Mas já estou ficando velha, cansada e acho que não encaro mais nenhuma. Dessa experiência que tenho posso dizer que o brasileiro vota na imagem, no que está vendo. Por esse motivo é que os candidatos contratam jornalistas, marqueteiros, músicos... É uma verdadeira indústria de fazer imagem. O brasileiro vota naquela imagem do brasileiro que vai salvar a pátria.

ZONA SUL – No Brasil existe também a cultura da esperteza, de levar vantagem sobre os outros. A impressão que dá é que nos últimos anos valores como a honestidade e a verdade perderam muito do seu valor. Não existe pudor em eleger, por exemplo, alguém flagrado em um escândalo. Existe a a ignorância, mas há também uma cultura da desonestidade.

MYRIAM – Entrei oito quilômetros em uma mata para encontrar mulheres quebrando coco babaçu para venderem o litro a 50 centavos. Ouso dizer que há brasileiros e brasileiros. Tenho uma tese, que não comprovei ainda, que quanto mais miserável o cara e quanto mais longe ele está da mídia, mais honesto ele é. A mídia influencia muito para que a pessoa consuma. Pra ser alguém, ela precisa ter algo ostentável. Pode ser um tênis, uma calça ou uma camiseta de marca. Ou eu tenho, ostento e consumo, ou não faço parte daquela sociedade. É essa a ideia que a mídia passa. E para ter dinheiro para consumir, a pessoa pode, por exemplo, ser olheira do tráfico. Se render uma graninha que permita comprar o tênis all star ou nike, está tudo certo. A mídia traz esse desejo desenfreado por consumir a qualquer custo. Ela prega uma eterna felicidade. A pessoa tem que ser eternamente feliz. As estrelas, as atrizes das novelas e as “Xuxas” da vida, todas são sempre felizes. É como se a infelicidade e a solidão não fizessem parte da vida do ser humano também. As imagens postas fazem com que você pense assim: se eu não tiver as pernas de fulana ou os peitos de sicrana eu não sou uma mulher bonita. É complicado. Por outro lado, esse povo que está perto da miséria e longe da mídia, da tv e do consumir, seria incapaz de lhe roubar nos 50 centavos que custa o litro de coco babaçu.

ZONA SUL – A mídia estimula a desonestidade?

MYRIAM – Ouso dizer que sim. Porém teria que ser feito um estudo. De qualquer forma a mídia impõe uma imagem e às vezes leva a crer que se alguém não está recortado de acordo com aquela imagem, essa pessoa está fora.

ZONA SUL – Vamos voltar à sua história. Você estava nos contando do seu trabalho na Band.

MYRIAM – Saí da Band e fui para o SBT. Do SBT fui fazer assessoria de imprensa no Sindicato da Telefonia (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de Mesas Telefônicas no Estado do Mato Grosso do Sul - SINTTEL). Foi legal porque eu estava terminando a faculdade e meu projeto de conclusão de curso era a viabilidade de montar uma tv sindical. Um circuito de tv como hoje é tão comum. Hoje é fácil, a tecnologia ajudou muito. Naquele tempo não. Sou da época da máquina de escrever, do filme para fotografar e do telex.

ZONA SUL – O trabalho em assessoria de sindicato é mais de mídia escrita. Você já tinha essa experiência? Foi para lá visando experimentar novos ares ou foi uma questão de sobrevivência mesmo?

MYRIAM – Foi uma questão de salário. Todas as minhas migrações de um veículo para outro foi para ganhar mais. Sempre gostei de tv, mas se aparecia alguma coisa, eu topava. O Sinttel me ofereceu algo em torno de 50% a mais do que o meu salário na tv. O diferente na mídia sindical é que lá você esquece que é jornalista e deixa de ouvir os dois lados. Lá só existe um lado. O outro é pelego, é o mal. É interessante escrever tão virado para um lado só. Chega um momento em que você termina acreditando naquilo que está escrevendo. Na época do Sinttel eu acreditava que o estado tinha que manter o monopólio privado na telefonia, que tinha que intervir. Adorei fazer jornalismo sindical, mas me ofereceram mais dinheiro e saí de lá. O jornalista acaba meio se transformando em um escritor de ficção. Mas é difícil ser assessor de imprensa de algo que você não acredita. Saí do Sintell e fui fazer a campanha de Wilson Martins. Ele era senador e queria se eleger governador do Mato Grosso do Sul.

ZONA SUL – E depois da campanha, o que você foi fazer?

MYRIAM – Depois que ganhei meu dinheirinho na campanha, aceitei o convite para retornar à TV Educativa. Como eu não era mais concursada, pois havia pedido demissão há muito tempo, fui contratada pela CLT. A tv tinha se desvinculado da Fundação de Cultura e se transformado em uma fundação própria. Dessa forma podia contratar pela CLT. Fiquei um tempo lá e fui para a Folha de São Paulo.

ZONA SUL – Como surgiu a oportunidade de ir para a Folha?

MYRIAM – Um colega nosso, o Fábio Guibu, saiu e em seu lugar ficou Paulo Yafusso. Quando Paulinho estava indo para a retransmissora da Globo, sugeriu que eu enviasse um currículo à Folha. Fiz isso, fui contratada e fiquei um ano e meio. Depois fui para a CBN.

ZONA SUL – Nesse ano e meio de Folha alguma cobertura que você vez merece ser destacada aqui nessa entrevista?

MYRIAM – Fiz algumas capas e fiz muito Agrofolha. Mato Grosso do Sul rende muito narcotráfico, você consegue ene capas. Algumas delas foram sobre o juiz Odilon de Oliveira, que naquela época já estava atrás de Fernandinho Beira-Mar. Ele foi o juiz que condenou mais de 100 traficantes e que hoje vive confinado no fórum de Ponta Porã. Foi jurado de morte pelo crime organizado. O juiz Odilon vive super-hiper-mega protegido por agentes da Polícia Federal fortemente armados. A PF lhe dá segurança permanente. Naquela época em que ele não era tão protegido assim, o entrevistei algumas vezes.

ZONA SUL – O juiz Odilon de Oliveira transparecia ser uma pessoa de bem?

MYRIAM – Admirável. Pela experiência que tive com ele enquanto jornalista, pelo contato que tive, posso afirmar que ele é um brasileiro que dá para se tirar o chapéu. Taí um brasileiro que não se vende. Ele vive protegido, escondido, tentando não ser morto pelo que acredita estar fazendo da maneira correta. Mas, como eu dizia, o narcotráfico sempre gerou boas matérias. Outra que escrevi e que também virou capa foi um escândalo de corrupção, na época, envolvendo o Bamerindus. Acho que havia um esquema para desviar dinheiro através da venda de imóveis. Não lembro mais. Estou ficando velha. Só entrando no Google para olhar. Na CBN, uma matéria que não esqueço e que deu comoção foi a seguinte. Em Mato Grosso do Sul o filho de um fazendeiro muito rico, como em um enredo de novela, foi traído pela mulher. Ela o teria traído com um tratador de cavalos. A mulher teria encomendado a morte do marido, em conluio com o amante. Como vingança, o pai do rapaz encomendou a morte da ex-nora. Um dia estava na unidade móvel da CBN, à procura de notícias. Somente eu e o motorista. Eu sempre saía pela cidade atrás de notícia e, quando encontrava algo interessante, telefonava para a emissora. Nesse dia não tinha nada em vista, quando passou uma ambulância com a sirene ligada. Mandei o motorista acompanhá-la. Era Mayra que tinha levado um tiro. Eu só soube depois. A ambulância chegou no pronto-socorro hospital da Universidade Federal. Quando a maca desceu, fui atrás como se fosse parente.

ZONA SUL – Até então você já sabia o que estava acontecendo? Conhecia a identidade da mulher que tinha sido baleada?

MYRIAM – Não sabia de nada. Fui ver quem era a mulher. Era Mayra Ayub, a tal esposa que teria contratado o assassinato do marido. Ela é uma pessoa super-conhecida em Mato Grosso do Sul. O caso também já dominava as conversas. Como eu falei, entrei acompanhando a maca como se fosse alguém da família. Foi aí que liguei para a redação e disse que tinha uma bomba. “Me bota ao vivo agora que a Mayra Ayub levou um tiro em uma emboscada e estou dentro do Hospital Universitário”. Naquela época a gente já usava celular. Dei a notícia da suspeita de vingança em primeira mão. Esse crime até foi contado por aquele programa da Globo que mostrava casos de polícia, histórias estranhas e assassinatos. Um dos episódios foi sobre essa história da Mayra Ayub. A experiência na CBN foi a mais rica que tive no jornalismo. Era empolgante estar com uma informação na mão e ligar pro locutor dizendo: “abre que estou entrando com uma notícia”. Era legal saber que eles estavam confiando em mim e no meu feeling de jornalista.

ZONA SUL – Da CBN você foi para onde?

MYRYAM – Quando saí de lá fui para a pauta da TV Globo. Fui pauteira da TV Globo até saber que haveria um concurso para jornalista do Senado. Fiz minha inscrição, estudei e passei. Tinham 10 vagas, passei em décimo-quarto. Me acabei de chorar, e comecei a pensar em arrumar outra coisa pra fazer, já que não tinha me classificado. Mas aí me chamaram e estou na TV Senado até hoje.

ZONA SUL – Você trafegou por todas as mídias. Não sentia nenhum incômodo de mudar de uma para outra?

MYRIAM – Sentia. Um fato interessante é que ao trabalhar na Folha perdi o hábito de mexer com a imagem. O papel recebe todas as suas histórias. E o rádio também. Quando voltei para a tv, quando fui para a Globo, sugeri uma pauta para a minha chefe de reportagem. Ela me olhou e disse assim: “muito interessante, mas com que imagem eu vou contar essa história”. Tive que reescrever a pauta, reestruturá-la para ela caber em um minuto e quarenta, dois minutos. E também tive que arrumar um jeito de ter imagens, de incluir alguém me contando aquela história. O caminho contrário, da tv para a Folha, foi mais fácil. Não apanhei tanto porque na tv eu já estava acostumada a escrever de forma sucinta. Na Folha você tem que ser muito sucinto. Eu tinha 15 ou 30 linhas para contar tudo às pessoas. O lance da pirâmide invertida, que todo jornalista aprende, de ter que contar primeiro o mais importante, é uma regra valiosíssima na Folha. Eles cortavam a matéria mesmo. Não tinham um pingo de dó. Uma vez cortaram tanto uma matéria minha que ela virou motivo de piada. Foi muito engraçado. Eu disse para o meu editor que não tinha condições de explicar a leishmaniose - que é uma doença provocada por protozoários e geralmente é transmitida ao homem através da picada de mosquitos, depois de os mosquitos picarem cães contaminados - em dez linhas. Ele queria que eu falasse do surto, das vítimas e do processo da doença em dez linhas. Depois de eu insistir que não escrevia, e ele dizer que eu escrevia, escrevi. No texto eu disse que o mosquito picava o cachorro e contraía a bactéria. Então, contaminado, ele picava o homem e era quando ocorria a transmissão da leishmaniose. Meu editor cortou tanto o texto que o cachorro sumiu da matéria e o mosquito já espalhava a doença picando o homem. Virei a chacota dos coleguinhas, no dia seguinte. Só faltou ele dizer que era o cachorro que mordia o homem. Para quem é repórter de nascença, como eu, editor pode ser um chefe muito ruim. Passei por muitas nessa vida de jornalista.

ZONA SUL – E no Senado? Como foi trocar a Campo Grande que nunca mudava, pela capital do país?

MYRIAM – Não me arrependo, gostei daqui. No começo demorei um pouco a me adaptar: achei a cidade um pouco fria. Mas o mundo inteiro está aqui, tem pessoas de todo o país e de todos os países. Passei a conviver com a pluralidade brasileira. Mas uma coisa que me chamou atenção foi que, diferente de Campo Grande, que é uma cidade cheia de japoneses, aqui tem poucos asiáticos. Quando cheguei a Brasília e não vi um japonês, achei muito estranho. Levei meses para ver um. Foi muito estranho (risos). Em compensação fui conviver com baianos, potiguares, maranhenses, pernambucanos... Fui vendo como o Brasil é bonito. No Mato Grosso do Sul se convive muito com paulistas, gaúchos, paranaenses, paraguaios e japoneses. Mas o lado norte-nordeste do Brasil não é tão familiar. Eu conhecia mais os brasileiros do sul e do sudeste. Agora sei quanta riqueza existe no norte e nordeste. Foi uma experiência pra cima.

ZONA SUL – Você percebeu muita diferença ao trocar uma emissora privada pela TV Senado?

MYRIAM – Uma coisa que estranhei na TV Senado foi a velocidade. É bem diferente da iniciativa privada, onde se trabalha de 12 a 14 horas por dia, e o repórter tem que estar atento para não perder absolutamente nada. Na tv privada sua competência depende da capacidade de apurar pauta. O jornalista tem que criar uma rede de pessoas que servirão como fontes. Essas pessoas têm que confiar em você nem que seja para ligar e dizer: “tá havendo uma megaoperação em tal lugar, apura”. Saí desse ambiente onde a riqueza era a fonte e fui parar em um lugar onde não precisava ter fonte. Minhas fontes eram os 81 senadores. Porém eles não iam me dar informação privilegiada, como até hoje não me dão. A mídia que o Senado tem não é uma mídia a qual o senador vai procurar para plantar, entre aspas, uma notícia. De jeito nenhum. Dessa forma o repórter perde a relação de importância da fonte. Foi isso o que mais estranhei. Aquele velho caderninho meio surrado, cheio de telefones, aos poucos foi substituído.

ZONA SUL – E com relação à tecnologia?

MYRIAM - A tecnologia também. Quando entrei na TV Senado, em 1998, coincidiu com o início da a explosão do Google. Foi uma mudança completa. A internet passou a oferecer uma imensa base de dados. Antes, quando o repórter precisava de uma informação mais conjuntural para ilustrar sua matéria, precisava recorrer a uma fonte. Por exemplo, se em uma matéria eu precisava dar a população de Campo Grande, se eu não soubesse que a cidade tinha 600 mil habitantes eu era obrigada a ligar para minha fonte no IBGE e pedir para ele levantar essa informação. Hoje é simples, basta pesquisar no Google. Essa facilidade foi um grande choque. Costumo dizer que somos uma geração extremamente feliz, em termos de evolução tecnológica. Passei pela máquina de escrever, pela fonte que precisava cultivar com todo amor e carinho e pelo rádio-escuta. Toda redação tinha o seu radinho sintonizado na mesma faixa da polícia. Alguém ficava ouvindo o que os policiais estavam conversando entre si, para ver se conseguia uma notícia ou outra. Geralmente quem fazia isso era um estagiário. Ele ficava no rádio-escuta. Peguei toda a transformação dessa maneira de fazer jornalismo pra era do Google. Hoje mesmo estamos nesse bate-papo em um ambiente virtual que pode ser acompanhado de qualquer parte do mundo pela internet. Hoje o menino pega uma câmera digital e não tem noção do que é entrada de luz ou velocidade do obturador. Sou de uma época em que, para fechar jornal, o cara tinha que ler todas as matérias. Depois ele descia, tomava uma boa cachaça, e voltava para fechar a capa do jornal. Ele já vinha meio manguaçado. Tenho vinte anos de profissão nas costas. A evolução do jornalismo foi muito legal. Porém, minha experiência diante da de Roque é quase nenhuma. Ele é do tempo que o flash funcionava com pólvora.

ZONA SUL – O que você destacaria no seu trabalho na TV Senado?

MYRIAM – Quando eu trabalhava na iniciativa privada, tinha que seguir a linha editorial traçada pelo dono do jornal. Mesmo que não concordasse. Do contrário estava fora. Tinha milhões de pessoas com um currículo embaixo do braço querendo a vaga. A TV Senado não tem uma linha editorial: são 81 linhas editoriais. Ou você aprende a ser plural e trabalha dentro dessas 81 linhas, ou terá dificuldades em fazer jornalismo só para um lado ou para o outro. Essa discussão a gente mantém muito lá na TV. Do mesmo jeito que você escuta Kátia Abreu um dia, Garibaldi no outro dia, ou José Agripino, escuta da mesma forma um José Nery, Eduardo Suplicy ou qualquer outro. De todas as mídias do Senado, a TV é a mais visada. Telefonam para lá até para reclamar que a reunião da CCJ começou e a TV ainda não colocou no ar. Gostaria de deixar uma reflexão para o leitor do Zona Sul. Será que a Veja, a Folha, a Globo ou o Estadão, por exemplo, teriam coragem de transmitir ao vivo a sua reunião de pauta ou de definição da capa?

ZONA SUL – O Senado também não transmite as suas reuniões de Mesa nem de líderes.

MYRIAM – Mas transmite o principal, que são as votações no Plenário. É lá onde são tomadas as decisões. E é tudo transmitido. É uma coisa muito ousada. Só lamento que as transmissões sejam para uma minoria da população que tem dinheiro para pagar uma tv a cabo. Somente há pouco tempo é que a TV Senado está começando a ser sintonizada em canal aberto, em algumas cidades. Em Natal já é assim. Também é assim em Fortaleza, Manaus, Cuiabá, Brasília, João Pessoa, Recife, Salvador e no Rio de Janeiro.

ZONA SUL – Como você avalia a programação dos canais comerciais exibidos na tv aberta?

MYRAM - Acho a programação da tv aberta um lixo. Ela é completamente voltada para vender. Se homem e mulher pelada na novela das oito vende, então que se coloque homem e mulher pelada. Essa é a filosofia. Se essa novela da Record repleta de tiroteio e venda de cocaína no morro vende, então é o que vai ao ar. Apesar de ser um lixo, é a única que o povo tem acesso. Dentro da TV Senado há uma discussão contínua: uma turma defende que só devemos transmitir os trabalhos legislativos. Uma outra acredita que o melhor caminho é continuarmos incluindo na nossa programação matérias culturais, educativas e música clássica. Essa segunda opinião é a que vem prevalecendo até o momento. Lembro que a tv aberta passava antigamente um programa chamado “Concertos para a juventude”. Música clássica a partir das oito da manhã dos domingos. Infelizmente esse tipo de programa não tem mais espaço nem no horário das oito da manhã dos domingos. Sorte que alguns canais estão tentando suplantar o lixo da tv aberta comercial. A TV Senado se propõe a ser uma dessas emissoras.

ZONA SUL – Você tem alguma coisa a falar sobre Natal.

MYRIAM – Adoro Natal. A cidade tem uma aura e uma energia maravilhosas. Fui várias vezes. Uma delas foi a trabalho, quando a TV Senado estava começando a transmitir seu sinal aberto na cidade. Gravei um Repórter Senado, que é um programa de 50 minutos, sobre as tvs legislativas do Brasil. Mostrei a TV Assembleia aí do Rio Grande do Norte. Ela estava muito incipiente ainda, mas já era uma experiência muito bacana. Tinha uma turma fazendo um jornalismo muito bacana lá. A prefeitura de Natal também estava tentando implantar uma tv para a Câmara Municipal. Fomos mostrar esse movimento. Na condição de turista, fui a Natal duas ou três vezes. O povo é muito legal, tem muita gente boa e um mar maravilhoso. Fiquei apaixonada. Entre várias praias estive em Maracajaú e na Pipa. Natal é um dos lugares onde coloquei o pé e constatei imediatamente que lá voltaria. E retornei e voltarei mais vezes. Natal é uma lembrança muito boa.

ZONA SUL - O que você anda fazendo atualmente na TV Senado?

MYRIAM - Agora estou aparecendo apenas esporadicamente no vídeo. Estou responsável pelo acervo da tv. Como comecei no tráfego, de uma certa forma voltei às minhas origens. Em quase 14 anos de existência, a TV Senado tem um acervo de 27.500. Atualmente também estou fechando um Repórter Senado sobre Orçamento. Quero convidar aos que lerem essa entrevista a assistirem a TV Senado. Tem muita coisa boa pra ver. Se você assistir através da internet, no site www.senado.gov.br/tv vai poder ver não apenas o que está sendo transmitido para todo o país, mas também outros cinco canais. A internet consegue mostrar muito mais coisas em tempo real do que o que está passando na TV.

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