FLASHES DA VIDA DE LEOPOLDO SILVA
Ele cobriu o Kuarup no Parque do Xingu. Gastou horas da vida em plantões defronte à Casa da Dinda, onde residia o então candidato à Presidência da República, Fernando Collor de Melo. Retratou mortos e os destroços do avião da Varig que caiu na Serra do Cachimbo, no Pará. Também arriscou a vida ao ultrapassar a fronteira brasileira em direção do Paraguai para fotografar importante traficante de drogas da época. Isso é um pouco do que o fotógrafo Leopoldo da Silva - que assina o material que produz como Leopoldo Silva – me contou, no final de fevereiro, em uma noite agradável de Brasília. Os melhores momentos da conversa você confere a seguir.
ZONA SUL – Leopoldo Silva é o seu nome completo?
LEOPOLDO – Meu nome é Leopoldo da Silva, mas o nome artístico é Leopoldo Silva. Nasci em Brasília. Sou da primeira geração da nova capital brasileira. Meus pais vieram pra cá no começo da cidade. Meu pai chegou aqui em 1960, eu nasci em 1962.
ZONA SUL – Seu pai veio de onde para cá?
LEOPOLDO – Veio do Rio de Janeiro, por questões profissionais. Foi na época da transferência do Senado para Brasília. Ele ia começar a trabalhar lá, mas com a mudança, assumiu o emprego no Senado já em Brasília. Já chegou aqui casado com um monte de filhos. Somos 12 irmãos, pelo menos uns oito já tinham nascido naquela época. Minha mãe também era do Rio.
ZONA SUL – Como foi crescer junto com uma cidade?
LEOPOLDO – Tive uma infância muito rica. Brasília era um grande deserto, não tinha nada. Por isso, tudo era muito livre, muito aberto. A cidade inteira estava ao nosso dispor. Era o paraíso para quem, por exemplo, estava começando a andar de bicicleta. ZONA SUL – Você ainda tem amigos dessa época? Algum deles enveredou pelo ramo da fotografia?
LEOPOLDO – Ainda tenho muitos amigos daquele tempo, mas nenhum deles, infelizmente, interessou-se profissionalmente pela fotografia. Mesmo assim, a gente sempre se encontra.
ZONA SUL – Como você entrou no mundo da fotografia?
LEOPOLDO – Sabe aquela época - você com 17 pra 18 anos - sem saber o que quer da vida? Aquele período de prestar vestibular, de indecisão... Eu estava nessa quando um amigo me convidou para fazer um cursinho básico desses que tem em cine-foto. O curso era de graça e perto da minha casa. Como eu não estava fazendo nada, encarei. Foi quando se deu o grande encontro, quando conheci a fotografia. Apaixonei-me desde o primeiro dia. Daí pra frente nunca mais fiz outra coisa na minha vida.
ZONA SUL – Você desistiu até de prestar vestibular?
LEOPOLDO – Desisti de tudo.
ZONA SUL – Ao terminar o curso nesse cine-foto você conseguiu logo um emprego?
LEOPOLDO – Não. Foi assim: tinha um professor nesse curso que era uma pessoa muito legal. Somos amigos até hoje. Ele é um grande fotógrafo brasileiro, seu nome é Kim-Ir-Sem.
ZONA SUL – Ele é coreano, chinês ou o que?
LEOPOLDO – Ele é goiano (risos). Mas esse nome é coreano. Voltando a história, ele estava ministrando esse curso. Terminadas as aulas, ficávamos conversando e nos tornamos amigos. Com o fim do curso – era um curso rápido de três semanas, alguma coisa assim – ele me falou que tinha uma escola de fotografia e que estava precisando de uma pessoa para trabalhar com ele, como monitor. Eu nem pensei duas vezes. Esse foi meu primeiro emprego, aos 18 anos.
ZONA SUL – Qual a reação de sua família quando você anunciou que ia desistir dos estudos para abraçar a fotografia?
LEOPOLDO – Eu não anunciei. Fiquei fazendo as coisas paralelamente. Continuei estudando. Aos 18 anos, tive que ir servir ao Exército. Como esse é mesmo um ano em que você tem que parar tudo, deixei de estudar. Em Brasília tinha uma agência, a Ágil Fotojornalismo, muito conhecida no país todo. Dei baixa do Exército em uma sexta-feira, na segunda comecei a trabalhar lá, como laboratorista. Lá se abriram todas as portas e os caminhos para mim. Eu revelava fotos de André Dusek, de Milton Guran e de outros grandes fotógrafos. Esse foi meu grande aprendizado, minha grande escola. Comecei a trabalhar efetivamente, eu já recebia salário, então os estudos ficaram em segundo plano. Minha família não gostou de eu ter parado de estudar, mas, por outro lado, como eu estava trabalhando, ficaram mais conformados. Aí iniciou minha trajetória como fotógrafo.
ZONA SUL – O Exército não despertou em você o mesmo fascínio que aquele cursinho de três semanas...
LEOPOLDO – Não, de forma alguma. No Exército enfrentei muita coisa pesada, muita coisa ruim, chata e burocrática. Era época do governo João Baptista Figueiredo. Mas o mais importante, pra mim, dentro do Exército, foi o relacionamento humano. Aprendi a lidar com a adversidade, com pessoas diferentes, de outra condição social, de outro nível cultural. Foi importante, no futuro, pro meu trabalho. O jornalista tem que lidar com as pessoas o tempo inteiro, e tem que ser um cara “safo”, tem que ter jogo de cintura. E no Exército você tem que ser profissional no jogo de cintura, se não você se ferra.
ZONA SUL – Servir ao Exército na capital do país, ainda no período da ditadura, foi barra pesada?
LEOPOLDO – Não. A barra pesada já tinha ficado para trás. Já se falava na abertura. Estávamos em pleno caminho para a abertura.
ZONA SUL – Qual o próximo passo, depois de você ter trabalhado como laboratorista da Ágil?
LEOPOLDO – Estavam precisando de uma pessoa pra trabalhar em Recife, no final de 1984. Fui trabalhar para a campanha de Miguel Arraes, que iria disputar o governo de Pernambuco. Passei dois anos lá. Eu fazia laboratório e comecei a fotografar também. Profissionalmente foi muito interessante viver em outro estado e totalmente no meio da fotografia. Foi uma experiência muito rica. Fiz a pré-campanha e a campanha, em 1985. Quando ele foi eleito, permaneci durante o primeiro ano de governo. Fui convidado para trabalhar no Palácio do Campo das Princesas, a sede do governo pernambucano, mas eu era um jovem, não estava a fim de ficar preso em lugar nenhum, queria voar, queria andar, queria experiências novas. Não desejava ficar trabalhando num gabinete, de terno e gravata.
ZONA SUL – Você sentiu um choque muito grande em trocar Brasília, uma cidade planejada, até então pequena, por Recife, uma metrópole nordestina? Você sentiu alguma dificuldade?
LEOPOLDO – O choque houve, mas eu não senti muita dificuldade. Muito pelo contrário. O povo nordestino é muito carinhoso, receptivo, acolhedor. O choque foi forte porque Recife é uma cidade grande, violenta, perigosa...
ZONA SUL – E olhe que naquela época não tinha nem tubarão...
LEOPOLDO – (risos). O tipo de tubarão que tinha era outro. Mas foi bem interessante, foi outra experiência riquíssima. Pra um jovem que está começando a vida, foi a glória. Eu ganhava relativamente bem, tinha uma vida legal. Eu era novo, curioso, queria saber tudo, aprender tudo.
ZONA SUL – Você teve muito contato com Miguel Arraes? Como ele era?
LEOPOLDO – Tive sim. Eu trabalhei no comitê central. Estava sempre saindo com ele. A coisa que mais me impressionou em Miguel Arraes foi o seu carisma. Era unanimidade. Tanto com funcionários como com o povo da rua. Em qualquer lugar que ele chegava era assim. Ele entrava pelo sertão, visitava aqueles canaviais, quando chegava era uma festa, diziam logo: “doutor Arraia chegou, doutor Arraia chegou”. E pessoalmente ele era muito simples, muito acessível.
ZONA SUL – De lá você voltou para Brasília?
LEOPOLDO – Sim, em 1986 ou 1987. Eu não tinha nada em vista ainda por aqui, só não quis ficar trabalhando no governo pernambucano. Eu tinha feito uns frilas interessantes por lá, uns trabalhos pra fundação de cultura de lá, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). Conheci muita gente legal, tanto que tenho amigos em Recife até hoje. Decidi voltar, estava cansado daquela rotina. Voltei pensando mais no lado profissional mesmo. Brasília era um mercado grande, que estava em plena expansão. Como eu conhecia todo mundo aqui, já tinha alguns contatos, comecei a fazer frila na grande imprensa, na Folha, no Jornal do Brasil... Depois de muito frila, de eu cobrir muitas férias, pintou uma oportunidade, surgiu uma vaga no JB e fui efetivado.
ZONA SUL – Em qual ano?
LEOPOLDO – Em 1988. Naquela época eu era o fotógrafo mais jovem do mercado de Brasília. Eu era bem novo, tinha 25, 26 anos, por aí.
ZONA SUL – Qual cobertura fotográfica expressiva você lembra de ter feito nessa época?
LEOPOLDO – Uma coisa que me marcou muito foi aquele acidente, em 1989, com um avião da Varig, lá na Serra do Cachimbo, no sul do Pará. Fui pra lá fazer a cobertura fotográfica. Foi uma coisa assombrosa. O voo Varig RG-254, que ia de Marabá para Belém, não chegou ao seu destino. O piloto cometeu um erro de navegação e voou durante mais de três horas sem saber onde estava. Quando o combustível acabou, ele teve que realizar um pouso de emergência em plena floresta amazônica, próximo a São José do Xingu, na Serra do Cachimbo. O impacto do avião contra as árvores provocou a morte de 13 ocupantes e ferimentos em outros 41. Foi chocante ver aquele tanto de gente ferida, aquele tanto de gente morta. Foi meu primeiro contato de verdade com cenas fortes, reais.
ZONA SUL – O que mais você recorda desse tempo?
LEOPOLDO - Teve a campanha do Collor. Quem trabalhou na época assistiu a cenas de jornalismo explícito. Fazíamos aqueles plantões sem fim na Casa da Dinda. Todo mundo que atuou por lá nessa época tem alguma coisa pra contar. E eu tenho uma história engraçada. Ficávamos horas, dias. Passei vários finais de semana na porta da Casa da Dinda. Eu achava até um pouco sem nexo passar o dia inteiro, o final de semana todo, na porta do cara. E não acontecia nada. Dava até para entrar no carro do jornal e tirar um cochilo. Até que um dia, um sábado à tarde, tudo mudou. Não sei precisar a data, mas de repente abriu o portão da casa e saiu um cara correndo. Era o Collor, foi a primeira vez que ele fez uma daquelas corridas que se tornaram tradicionais. Foi engraçado, era jornalista saindo de dentro do carro e correndo atrás... Um amigo tirou uma foto minha, nesse dia, que ficou bem legal. Eu era magrinho, cheio de disposição. Quando vi Collor sair correndo, segurei minha câmera e saí correndo atrás. No dia seguinte, primeira página de jornal. Desse dia em diante começaram aquelas famosas corridas do Collor.
ZONA SUL – Ele já usava aquelas camisetas com mensagens?
LEOPOLDO – Não. Depois foi que começou a usar. Tudo o que acontecia de politicamente importante, ele respondia com a camiseta.
ZONA SUL – Collor tinha contato pessoal com vocês?
LEOPOLDO – Tinha. Ele conhecia todos nós. Depois de eleito presidente, Collor costumava fazer apostas. Por exemplo: quem conseguisse acompanhá-lo na corrida ganhava um prêmio. O prêmio era passar um dia com ele dentro do Palácio. Comecei a acompanhá-lo na campanha, fiquei pouco tempo depois de sua eleição. Logo em seguida saí do jornal.
ZONA SUL – Você deixou a cobertura antes da crise política?
LEOPOLDO – Quando Collor renunciou, eu não estava mais no jornal.
ZONA SUL – Você deixou a cobertura do Collor porque saiu do JB ou foi destacado para outro trabalho?
LEOPOLDO – Saí do JB de uma forma natural. É comum, na imprensa, quando entra um chefe novo ele demitir alguns e contratar outros de sua confiança. Saí do Jornal do Brasil e voltei a fazer frila. Vez por outra tinha um trabalho no Palácio. Aqui em Brasília não tem jeito: é Congresso e Palácio. Mas, voltando a nossa conversa, passei um bom período vivendo de freelance. Trabalhei na Folha, Estadão, Veja, IstoÉ... Depois surgiu a Época. Eu era bem curingão. O freelancer trabalha pra quem chama. Fiquei quase um ano na Agência Regional de Notícias, que fazia o Diário do Grande ABC. Mas, paralelo, eu continuava fazendo frila. Fiquei muito tempo como freelancer da IstoÉ, até que um dia surgiu uma vaga e me efetivaram na revista.
ZONA SUL – Qual a diferença entre trabalhar para jornal e para revista?
LEOPOLDO – A diferença é grande. O pique da revista é diferente. O jornal você fecha diariamente. Na revista você tem mais tempo, pode elaborar mais. Por exemplo: o personagem da semana é o Sarney. A revista fecha quinta-feira. Você tem a semana inteira pra correr atrás de Sarney. Lembro que a gente tinha muito problema com Antônio Carlos Magalhães, por causa da brigalhada dele com a revista. Passei semanas e semanas indo ao Congresso só para fotografá-lo. Única e exclusivamente.
ZONA SUL – Algum político chega a marcar o fotógrafo por causa do veículo no qual ele trabalha?
LEOPOLDO – Claro. Ele sabe onde você trabalha. Mas é difícil ele tentar impedir, porque é um homem público que está em um local público. Mas ele fica de olho. Ele sabe que você está ali para fotografá-lo. Ele toma mais cuidado, fica esperto.
ZONA SUL – Qual foi sua grande cobertura na IstoÉ?
LEOPOLDO – Uma reportagem que eu fiz na revista me marcou muito. Trabalhei lá durante cinco anos. Conheci quase todo o Brasil. Viajei o país de cabo a rabo. Hoje, a única capital que não conheço é Porto Alegre. Já fui do litoral ao sertão, do Oiapoque ao Chuí, praticamente. Mas, uma vez fomos fazer uma reportagem no Mato Grosso do Sul, na época em que o Ramez Tebet era presidente do Senado. Havia algumas denúncias contra ele, envolvendo negociações com terra. Fomos lá apurar. Pouco tempo depois que chegamos, um dos jornais da cidade estampou na capa: “A guerra do tráfico mata dez na fronteira”. O repórter que estava comigo, Amaury Ribeiro Júnior, propôs irmos lá. Ligamos para o chefe, contamos a história e ele concordou. Pegamos o carro e fomos. Andamos 400 km e fomos até a fronteira. Era uma história cabeluda. Guerra de traficante com a polícia, de traficante com traficante. Confusão maior do mundo. Começamos a apurar. Futuca daqui, pergunta dali, no frigir dos ovos conseguimos entrevistar o maior traficante do Paraguai, na época, o Carlos Cabral, conhecido como Líder. Fomos à fazenda dele, dentro do Paraguai. Só conseguimos isso porque o filho dele tinha sido morto em um confronto com a polícia. Um negócio feio, complicado. Essa cobertura foi muito tensa, sabe filme de 007? Foi parecido. Se eu disser que não tive medo, estarei mentindo. Muita arma, fuzis, uma história que eu nunca tinha vivenciado. Num esquema desses, você está sozinho, não pode contar com ninguém. Não tem proteção nenhuma e está lidando com bandido, com traficante. Essa reportagem foi inesquecível. A revista deu cinco páginas de matéria. Fui a única pessoa que conseguiu fotografar esse cara.
ZONA SUL – Ele se deixou fotografar?
LEOPOLDO – Deixou sim, mas com o rosto coberto por uma camisa com uma estampa de Cristo. Só que eu fiz foto dele sem o rosto coberto, mas não saiu. Fiz com uma camerazinha que eu tinha levado escondida. Quem andava por aquela região era o Fernandinho Beira-mar.
ZONA SUL – Esse traficante ainda está vivo?
LEOPOLDO – Creio que sim. Na época ficamos muito grilados porque recebemos ameaças até aqui em Brasília. Foram vários telefonemas, depois que a matéria saiu. Falamos sobre o envolvimento da polícia na história, foi uma coisa pesada. Ficamos quase 15 dias para fazer essa matéria. Ficávamos no hotel sem fazer nada, esperando um contato. Parecia coisa de filme. Foi inesquecível, acho que dificilmente acontecerá outro caso parecido.
ZONA SUL – Por que você saiu da IstoÉ?
LEOPOLDO – Em 2006 houve uma onda de demissão muito grande. Saiu gente de Brasília, São Paulo e Rio, sucursais foram fechadas. Sempre a mesma conversa de economia. Saí numa dessas levas. Fui fazer frila de novo. Desde essa época até hoje fiquei sem trabalhar fixo na grande imprensa. Só free-lance.
ZONA SUL – Qual um chefe que você recorda como muito bom?
LEOPOLDO – Tales Faria, na revista IstoÉ. Foi o melhor chefe que tive até hoje. Além de ser um grandessíssimo jornalista, uma pessoa de visão, é um ser humano fora do comum.
ZONA SUL – E um repórter, um grande parceiro que afinou bem com você nessas coberturas?
LEOPOLDO – Têm vários. Trabalhei e aprendi muito com um dos melhores repórteres investigativos que temos por aqui, o Mino Pedrosa. É um cara que tem uma sacação incrível. Outros dois são o Amaury Ribeiro Júnior e o Ricardo Miranda. Ambos estão no Correio Braziliense. Posso citar uns 50. Brasília é um grande celeiro de bons repórteres, até pela própria tradição de política.
ZONA SUL – Tem alguma cobertura importante no exterior?
LEOPOLDO – Fui ao Haiti, pela IstoÉ, acompanhar a tropa brasileira. A situação lá é muito triste. Aqui no Brasil estamos acostumados a ver miséria e pobreza, mas lá a coisa é generalizada, atinge a grande maioria da população. É triste ver. Outra coisa é que você sente que as pessoas estão de saco cheio de ver uma porrada de estrangeiros no país deles. Porto Príncipe é uma cidade muito vigiada. Quando saíamos acompanhando a comitiva, vinham sempre dois tanques urutus atrás e vários soldados cercando. Os caras tinham medo que pudesse acontecer alguma coisa com a gente.
ZONA SUL – Como os haitianos tratam o brasileiro?
LEOPOLDO – Eles gostam muito dessa história do futebol, mas, na grande maioria, estão de saco cheio. Pode ser brasileiro, francês ou o que for, eles não aguentam mais. Não é nada de pessoal contra o brasileiro, mas devido à situação. Estive lá em 2004.
ZONA SUL – Qual a foto mais difícil de ser concretizada?
LEOPOLDO – A do traficante. O repórter tinha feito a entrevista por telefone, então, por telefone também, eu falei para ele que precisávamos de fotos. Ele não queria, alegando que estavam querendo matá-lo. Mas pediu para eu aguardar, que ele ia pensar. Dois dias depois ligou dizendo que não seria possível. Eu argumentei novamente, chorei até que ele topou. E não foi só o fato de convencê-lo. Foi complicado e tenso na hora de ir lá fazer a foto, pois tivemos que entrar no meio do mato junto com pessoas que não conhecíamos. A própria fazenda era um lugar perigoso, em guerra, com muitas armas. Para chegar até lá pareceu operação de cinema. Fomos com os rostos tapados. O lugar tinha uma porção de gente com fuzil. Fiz a foto, o traficante posou do jeito que eu quis. Quando terminei tirei o filme da máquina, enfiei no canto do bolso e coloquei outro na câmera para evitar qualquer tipo de acidente. Ao final ele nos convidou para almoçar, para relaxar. Explicamos que tínhamos de ir embora. Saímos de lá com o pé fincado.
ZONA SUL – Qual o político mais fácil de fotografar, que sempre dá boas fotos?
LEOPOLDO – Um cara bom de foto é o José Serra, por causa do biótipo dele. Dá sempre umas coisas boas. Não que ele seja simpático, mas dá boas fotos.
ZONA SUL – Qual a foto que você não conseguiu fazer?
LEOPOLDO – Estávamos em Manaus, acompanhando o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Fomos a um centro de treinamento do Exército, na fronteira. Aquela coisa de infantaria de selva. Fomos de barco e ficamos esperando FHC chegar de helicóptero. A tropa já estava toda perfilada com duas mascotes, duas onças pintadas, aguardando também. As onças amarradas em uma baita corrente, seguradas por um soldado. O presidente chegou e fui fotografando. Quando ele virou, se aproximou da onça, eu tinha só duas fotos no filme. Pensei que poderia acontecer alguma coisa e resolvi trocar o filme. Quando estava trocando o filme, ele passou a mão na onça e a onça rosnou. Tomei a decisão errada de trocar o filme naquele instante e perdi essa foto.
ZONA SUL – Qual foto só você conseguiu fazer?
LEOPOLDO – A do traficante foi uma delas. Outra foi quando eu estava na Câmara dos Deputados cobrindo aquelas comissões. Eram várias: saía de uma sala e ia para outra. Quando entrei em uma delas, senti que os ânimos estavam meio exaltados. Na época Agnaldo Timóteo era deputado. Do nada ele levantou e deu um tapa em outro deputado, durante uma discussão. Eu estava na hora H certinha. Só eu fiz essa foto. No outro dia foi primeira página. Foi um misto de sorte, claro, e de competência.
ZONA SUL – Existe muita competição entre os fotógrafos?
LEOPOLDO – Claro. A competição é muito grande. Tem histórias que já viraram até lendas, como um desregular a máquina do outro, ou sumir com o filme do concorrente. Hoje em dia está bem mais atenuado, mas antigamente a concorrência entre as empresas era grande. Dois fotógrafos podiam ser amigos pessoais, um frequentar a casa do outro, mas na hora do trabalho, tornavam-se quase inimigos. Um precisava ter uma foto diferente do outro.
ZONA SUL – Como foi, para você, a transição do filme, da película, para o cartão de memória, ou seja, da fotografia tradicional para a digital?
LEOPOLDO – A era digital é uma consequência do progresso. Facilitou muito a vida de nós fotógrafos. Se bem que é uma faca de dois gumes. Por exemplo: antes, quando eu ia cobrir uma viagem de um presidente, eu levava minha bolsa de equipamentos e um baú enorme com ampliador, papel, química... Tinha que chegar mais cedo no hotel para escolher o quarto que tivesse o banheiro mais adequado para lá montar o laboratório de revelação. A gente revelava o filme e copiava a foto dentro do banheiro do hotel e transmitia através de um equipamento infernal ligado à linha telefônica. Você grudava o papel da foto em um cilindro e uma luzinha ia lendo e enviando faixa por faixa. Isso na época do preto e branco. Quando passamos a transmitir também fotos coloridas, ao invés de passar uma vez só, tínhamos que transmitir três vezes: o magenta, o ciano e o amarelo. Era um inferno. As linhas telefônicas também eram terríveis, a ligação caía toda hora. Era tudo precário. Tinha também o problema do filme, era mais limitado, você tinha que bater menos chapas. Hoje eu não teria perdido aquela foto de FHC tentando alisar a onça e ela responder rosnando para ele.
ZONA SUL – Com a digital você também vê na hora se a foto ficou boa ou não...
LEOPOLDO – Exatamente. Mas, em contrapartida, nós fotógrafos, antigamente, fazíamos parte de uma elite. Não era para qualquer um. Se eu lhe desse uma câmera aqui você ia levar dois, três anos para começar a se entender com ela. Outra coisa é que a fotografia era cara. Hoje banalizou. O cara tira foto até do celular. Porém eu continuo achando que nem mesmo essa facilidade toda substitui o talento. Nada substitui o talento, não adianta. Mas as empresas se aproveitaram disso. Antigamente, para você formar um fotógrafo, precisava de anos. Hoje não sai caro formar um garoto curioso tenaz, através da tentativa e do erro. Inchou o mercado e houve uma queda no nível profissional e nos salários também. Houve uma queda da imprensa como um todo.
ZONA SUL – Hoje em dia alguns blogs de notícias estão competindo ombro a ombro com empresas tradicionais de comunicação. Como funciona essa coisa do blog para a fotografia?
LEOPOLDO – Os blogs são mais um meio. O que importa mesmo é saber o que a pessoa quer: qualidade, ou qualquer coisa serve? Tem muita gente que prefere a segunda opção porque o público dele não é exigente e ele próprio não tem compromisso com a informação, com a qualidade da imagem. Coloca de qualquer jeito. Creio que a elevação cultural e intelectual da própria população vai exigir que o nível suba. Até lá vão existir blogs e blogs.
ZONA SUL – Você se espelhou em alguém? Tem algum ídolo na fotografia?
LEOPOLDO – Admiro muita gente. O Sebastião Salgado, por exemplo, serve de referência não só pra mim, mas pra fotógrafos do mundo inteiro, pela qualidade do seu trabalho e até pela própria história. Mas Brasília mesmo é um celeiro, temos fotógrafos maravilhosos.
ZONA SUL – Você já realizou exposições?
LEOPOLDO – Várias. O período em que trabalhei na Ágil foi o mais rico nesse aspecto. Quando tem muito fotógrafo junto, em associação, cooperativa, essa coisa flui. Um incentiva o outro a expor seu trabalho. Sou dessa panela, desse grupo que pensava muito, que discutia muito fotografia. A exposição é resultado disso, de você fazer a fotografia para ser vista, não apenas para ela ser estampada na página do jornal. Pretendo fazer uma exposição com fotos antigas. Tenho muita coisa em casa. Tenho que colocar essa experiência pra ser vista. A última grande exposição da qual participei foi em 2004, a Fotoarte.
ZONA SUL – O que é Fotoarte?
LEOPOLDO – São exposições que ocorrem todo ano em Brasília, no Rio e outros estados. Exposições coletivas, individuais, nacionais e internacionais. São três semanas, se não me engano em agosto, onde a fotografia fica em evidência.
ZONA SUL – Quais as características que a pessoa deve ter para se tornar um bom fotógrafo?
LEOPOLDO – Antes de mais nada, deve ser um bom observador, ser tenaz e sagaz. Quem não vai para as coisas com tesão, com gosto, nunca será um bom fotógrafo.
ZONA SUL – O que você acha dos paparazzi?
LEOPOLDO – Acho fantástico quem se dedica a esse tipo de fotografia. Porém não é minha praia. Você vê fotos incríveis. Aguentar os paparazzi é o preço que a pessoa pública paga para estar na mídia.
ZONA SUL – Como é a legislação para o fotógrafo?
LEOPOLDO – Aqui no Brasil temos problemas seríssimos devido à falta de regulamentação. Tramita há mais de vinte anos um projeto na Câmara dos Deputados. De vez em quando dão uma cutucada, um deputado pega, mas depois volta ao esquecimento novamente. Falta mobilização da categoria. Nós os fotógrafos que convivemos com os políticos diariamente, deveríamos estar à frente de um movimento, fazendo pressão. Mas falta organização e união em torno desse objetivo comum. Na fotografia, principalmente, as pessoas tendem a ficar mais individuais.
ZONA SUL – Hoje com o photoshop, com o avanço da informática, se tornou fácil manipular uma fotografia. Como fica a questão ética com esse avanço todo?
LEOPOLDO – Um exemplo clássico disso são as revistas de moda feminina. Hoje você faz uma mulher ficar um espetáculo. Mas acho que não vem a ser um grande problema não. Creio que não estão abusando disso não.
ZONA SUL – Você utiliza a internet de alguma forma para ajudar no seu trabalho?
LEOPOLDO – Hoje em dia é impossível você viver sem a internet. Sem chance. Você faz todos os contatos, transmite seu material, troca impressões.
ZONA SUL – Atualmente você está atuando na cobertura do Congresso, trabalhando na Agência Senado. Como está sendo a experiência?
LEOPOLDO – É uma experiência diferente. Não tem o pique do jornalismo, é muito o lado oficial.
ZONA SUL – Você rodou, rodou e terminou trabalhando em gabinete, coisa que você não aceitou na época de Miguel Arraes.
LEOPOLDO – Vinte anos depois as coisas mudam bastante.
ZONA SUL – O que faltou lhe perguntar nesse bate-papo?
LEOPOLDO – Queria falar um pouco de uma preocupação que sinto há algum tempo: o fim do fotojornalismo como era, aguerrido. Era a grande propulsão da imprensa. O cara abria o jornal e via uma foto impactante na capa. Levava na hora o jornal. A força da imagem. A coisa comercial, do só ganhar dinheiro, de não se preocupar com a qualidade está me preocupando muito. Não só nós fotógrafos perdemos, mas o público, o leitor e o país perdem com isso.
ZONA SUL – Antes da entrevista conversávamos também sobre o enfraquecimento dos sindicatos...
LEOPOLDO – O responsável por isso é o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quem era diretor de sindicato agora está empregado no governo. Não ficou ninguém. E os cofres estão abertos. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) bagunçava o trânsito de Brasília toda semana, com suas mobilizações. Isso é saudável. Agora não tem mais isso. Pelo jeito todo mundo está satisfeito, tudo está resolvido. Ninguém mais precisa ir à rua reivindicar, brigar pelos seus direitos. O governo Lula costurou um acordo tão grande que não sobrou mais nada.
ZONA SUL – Você incentivaria alguém que está pensando em iniciar na fotografia?
LEOPOLDO – Claro, mesmo com todas as dificuldades. Só tem um caminho de você ultrapassar as dificuldades, é perseverança. Nesses vinte e tantos anos atuando como fotógrafo, já pensei várias vezes em abrir um boteco. A paixão pelo que faço impediu. Sou fotógrafo por essência, estou sempre com minha câmera. Viajei de férias agora e trabalhei o período todo.
ZONA SUL – Você foi para onde?
LEOPOLDO – Para o Chile. Vai sair uma exposição dessa viagem. Fiquei uma semana em Santiago, e a organização da capital chilena me impressionou. Uma cidade limpa, um metrô fantástico. A primeira coisa que me veio à cabeça foi por que em Brasília a gente não pode ter um sistema de transporte público parecido. Por que eu tenho que pegar meu carro para ir trabalhar todo dia? E o Chile é um país bem mais pobre. Senti-me um cidadão. Tudo organizado, limpo. A pessoa não fica dez minutos na estação, o trem chega. Na hora do rush é mais cheio, mas você espera um pouco e embarca. As coisas funcionam. Você quer resolver algum assunto do outro lado da cidade? Pode marcar meia hora de relógio que você estará lá, pagando dois reais. Brasília, uma cidade com tantos recursos, planejada, reta, não teria dificuldade nenhuma para ter um sistema parecido. Lá a cidade é feita para o cidadão, Brasília não, é uma cidade para os carros.
ZONA SUL – Mande um recado para o povo potiguar, pra gente se despedir aqui. Também deixe seus contatos para alguém que queira trocar uma ideia.
LEOPOLDO – Queria deixar uma mensagem de paz e amor para o povo potiguar. Que seu lindo estado fique cada vez mais próspero, e que só produza boas notícias durante muito tempo. Quem quiser entrar em contato comigo pode enviar um email para leopoldoosilva@gmail.com Em breve estarei também com uma página na internet.
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ResponderExcluiroie vc mora em marabá ? quero saber se vc tira fotos de cenas? e quanto é ?
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