FOTÓGRAFO DO ROCK E GUITARRISTA DAS IMAGENS
Por trás da faceta de roqueiro e de um homem acostumado a
coberturas jornalísticas e de eventos musicais, a imagem que Nicolas Gomes
deixa transparecer é a de um cara discreto, tímido, econômico nas palavras e
bom caráter. A rebeldia – que caracteriza o rock and roll – pode ser percebida
nas tatuagens espalhadas pelo corpo, mas não no comportamento. Bem educado, o
que ele demonstra mesmo sem reservas é o amor pelos filhos Lucas e Alice.
Recebi Nicolas em minha casa para que ele contasse ao leitor do Zona Sul a sua história. Foi uma noite
divertida regada a risadas, vinho e cerveja. Ele falou sobre rock, fotografia,
Vasco da Gama e, sobretudo, contou sua vida. Vamos conferir um resumo da
conversa. (robertohomem@gmail.com)
ZONA SUL -
Nicolas Lira Gomes...
NICOLAS – O
sobrenome Lira é por parte da minha mãe, Celi Maria Lira Gomes. Gomes eu herdei
do meu pai, Heriberto de Sousa Gomes. Embora a família da minha mãe seja
caicoense, ela nasceu em Natal. Meus pais moram em Natal. Tenho um irmão mais
velho, Igor Lira Gomes. Minha mãe se formou em Economia, na UFRN, e é
funcionária pública. Hoje ela está no Idema (Instituto de Desenvolvimento Sustentável
e Meio Ambiente do RN). Meu pai se formou em Odontologia, na UFRN. Entrou na
Marinha por concurso público. Hoje está na reserva, aposentado. Nasci em 1981,
em 1985 mudamos para Recife. Depois fomos para o Rio de Janeiro.
ZONA SUL –
Você guarda alguma recordação da primeira fase que morou em Natal?
NICOLAS – Minha
família morava em Morro Branco, perto da CEFET, quase esquina com a Rui
Barbosa. Quando a gente foi para Recife, esse imóvel ficou alugado. Dessa época
lembro-me de festas e eventos comemorativos de datas como “Dia do Índio”, no
Colégio das Neves. Também me lembro de ir brincar e andar de bicicleta no
Bosque dos Namorados. Mas a maior parte dessas recordações veio depois, vendo
fotografias. Meu pai tinha uma casa em Cotovelo. A gente ia para lá quase todo
final de semana. Nasci em outubro: em dezembro já estava veraneando. Às vezes
até acho que sou mais de Cotovelo do que de Natal. Quando a gente voltou,
depois de morar em Recife e no Rio, ficou morando um tempo na praia, até a casa
de Morro Branco, que estava em reforma, ficar pronta.
ZONA SUL –
Você morou o suficiente em Recife para torcer por algum time pernambucano?
NICOLAS –
Não, mas quase. Se eu ficasse mais tempo ia escolher o Sport, que era o mais
forte da época. Comecei a acompanhar futebol em 1988. Torci muito contra o
Santa Cruz, ouvindo no rádio com o porteiro do prédio. Meu primeiro time foi o
Vasco. Apesar de o time ter Romário e Bebeto, eu admirava era o goleiro Acácio,
que foi um grande pegador de pênalti. Foi aí que comecei a gostar de futebol.
Naquela época eu também era fissurado em jogo de botão.
ZONA SUL –
O rádio, além das transmissões esportivas, chegou a ser importante para você como
fonte de música?
NICOLAS – Nossa!
Boa parte do que sou hoje devo ao rádio. Em Recife mesmo, nessa época, eu e meu
irmão ganhamos de minha mãe um microsystem pequeno. Veio com duas fitas e um
curso de inglês. Não cheguei a ouvir até o final nenhuma das oito fitas que
vieram com o curso. Comecei a gravar as músicas que eu gostava por cima delas.
ZONA SUL –
O que você ouvia nessa época?
NICOLAS – Sempre
ouvi rock, nunca gostei de outro tipo de música. Ouvia, basicamente, rock
nacional: Paralamas, Titãs, Ira!, Inimigos do Rei, Engenheiros do Hawaii...
Comecei escutando pelo rádio, depois passei para as fitas e os elepês. O
primeiro vinil que ganhei foi do Bom Jovi. A partir daí passei a pedir fita e
vinil de presente de aniversário. Também passei a juntar dinheiro para comprar
fitas e fui procurando grupos internacionais, como Guns N' Roses.
ZONA SUL –
Seus pais ouviam o que?
NICOLAS –
Basicamente MPB: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Marisa Monte... Lembro muito de
Marina Lima. Minha mãe comprava discos de Cazuza, Lulu Santos...
Eles também ouviam Beatles.
ZONA SUL –
Os Beatles lhe interessavam?
NICOLAS –
Claro. Mas eu acho que só fui perceber depois, quando comecei a fazer as minhas
coletâneas. A partir daí passei a ouvir com calma os discos que tinha lá em
casa.
ZONA SUL –
Na escola você foi bom aluno?
NICOLAS –
Não, sempre fui mediano. Nunca me interessei muito pelo que se ensinava lá. A
exceção era Geografia. Era das poucas matérias que eu sempre tirava 9 ou 10. Mas,
em 1992 trocamos Recife pelo Rio.
ZONA SUL –
Você ofereceu alguma resistência quando soube que teria que ir morar em outra
cidade? Foi difícil a mudança?
NICOLAS – Eu
tinha apenas onze anos: sabia que ia ser chato, mas não era nada do outro
mundo. Meu pai tinha duas opções: Brasília ou Rio. Meu pai nunca gostou do Rio.
Nas vezes que tinha ido lá a experiência não foi boa. Minha mãe, utilizando
desenhos, pediu nossa opinião. Eu e Igor escolhemos o Rio. Meu pai, que tinha o
poder de decidir, foi voto vencido. Senti bastante a mudança, ela foi brutal. O
preconceito contra o nordestino, no Rio, é gigante. Naquela época era muito
pior. Minha experiência é com aquele Rio não pacificado. Os anos 1990, no Rio,
foram muito difíceis, a violência estava espalhada.
ZONA SUL –
Onde vocês foram morar?
NICOLAS – Meus
pais passaram um mês no Rio procurando apartamento, enquanto nós passávamos as
férias em Natal. Encontraram alguns apartamentos pequenos, de dois quartos, mas
não muito legais. Perto da data da mudança, eles estavam tristes porque não
tinham encontrado um local legal. Foi quando surgiu um amigo da minha avó por
parte de pai. Ele tinha um apartamento fechado na Avenida Jardim Botânico. Era
um cara rico que não tinha interesse em alugar. Através da amizade com a minha
avó, ele topou abrir uma exceção. Era em um bloco que tinha sido da Aeronáutica
e que depois teve unidades vendidas também para não militares. O apartamento
era pequeno, de três quartos, mas a localização era fantástica. Ficava a duas
quadras de um clube da Marinha, chamado Piraquê, que é coisa de outro mundo. Minha
vida no Rio foi toda dentro desse clube.
ZONA SUL –
Onde vocês foram estudar?
NICOLAS –
No Colégio Nossa Senhora de Lourdes, em Botafogo, vizinho ao Jardim Botânico.
Era um bom ensino a um preço razoável. O custo de vida na Zona Sul era muito alto.
ZONA SUL –
Como você enfrentou o preconceito contra nordestino?
NICOLAS – Comecei
a superar o preconceito quando comecei a não ligar mais para ele. No começo era
muito chato. No Rio você é Paraíba. Em São Paulo você chamado de baiano. A
princípio eu tentava explicar que não era da Paraíba, mas do Rio Grande do
Norte. Inocência. Como esse preconceito vinha basicamente dos meninos, me
aproximei mais das meninas do que dos caras. Elas tinham mais curiosidade do
que preconceito.
ZONA SUL –
No Rio, o que você buscou primeiro: a música ou o Vasco?
NICOLAS – Saí
de Recife sem ser um torcedor fanático pelo Vasco. A paixão pelo time veio
naturalmente. A força do futebol foi primeira coisa que senti ao chegar ao Rio.
Na escola, na segunda-feira, todo mundo comentava. O futebol me marcou primeiro,
até porque o Rio de Janeiro nunca foi forte para o rock. O que me chocou lá foi
o funk. Depois de um tempo, cheguei a frequentar bastante as festas e a dançar
aquela música tão exótica. É como o forró, no Nordeste. Como a maioria curte, é
o que mais toca nas festas.
ZONA SUL –
E o rock?
NICOLAS –
Em 1992 conheci muitas bandas de punk rock, como Ramones, Nofx, Bad Religion...
Em Recife, o rádio só tocava música nacional. O máximo, de internacional, era Guns
N' Roses, Iron Maiden... No Rio conheci bandas mais undergrounds, punks. Eu
escutava rock em casa e ia curtir o funk na rua. Nas festas, em determinado
momento a gente dominava o som e botava nossos discos e fitas. Ninguém gostava
quando a gente tocava Ratos de Porão e Sepultura. Enquanto a minha turma
vibrava, o resto do povo ficava esperando a hora do funk. Aconteceu o mesmo em
Natal, depois, com o forró.
ZONA SUL –
Você morou quanto tempo no Rio?
NICOLAS –
Fiquei de 1992 a 1997. O clube Piraquê foi muito importante nesse período todo.
Quando não estava na escola, ia para lá. Fiz todos os esportes: basquete,
futebol, tênis, tênis de mesa... O clube tinha cabeleireiro, boate,
restaurante... Era completo. Depois fiz remo, no Botafogo. Apesar de morar no
Jardim Botânico, a vida da minha família sempre foi muito simples. Meus pais
são muito regrados, nunca valorizaram o luxo. A gente juntava dinheiro para ir
para Natal no final do ano. Além do fato de ser nordestino, conviver com o
pessoal rico também foi difícil, por causa do preconceito social.
ZONA SUL –
A fotografia já lhe chamava atenção nessa época?
NICOLAS –
Não, ela veio depois. Porém, de uma maneira subjetiva, eu convivia com a
imagem. A especialidade do meu pai, como dentista da Marinha, é radiografia. Ele
faz documentação ortodôntica. No Rio ele comprou uma câmera especial só para
tirar foto de dente, chamada “dental eye”. Era caríssima. Ele carregava em uma
maleta toda alcochoada. Na época de Recife ele reunia os amigos para mostrar os
slides das viagens que fazia. Ele só fotografava em positivo, em slide. Fazia
um jantar para os amigos e mostrava as fotos.
ZONA SUL –
Você guarda algum fragmento na memória de sua primeira ida ao Maracanã?
NICOLAS – Lembro
do jogo Brasil e Uruguai, eliminatório para a Copa de 1994. Foi minha primeira
ida ao Maracanã. Fomos eu, meu irmão, meu pai e um colega da escola que morava
no mesmo prédio. Só não gostei porque a gente ficou do lado da torcida do
Flamengo. Mesmo sendo jogo do Brasil, a torcida do Vasco sempre fica de um lado
e a do Flamengo do outro. A gente ficou na torcida do Flamengo porque – fazendo
uma comparação com o Machadão, seria a torcida do Alecrim – é o lugar onde fica
a sombra e sopra um ventinho. As pessoas cantavam as músicas do Flamengo antes
do jogo. O clima era como se fosse de Vasco e Flamengo, só que com o Brasil
jogando. Depois passei a frequentar o estádio com o meu pai, já que ele não
deixava a gente ir sozinho. Uma vez a gente ia para jogo do Vasco, na seguinte
para jogo do Flamengo, que era o time de preferência do meu irmão. Tinha também
a opção de não querer ir.
ZONA SUL –
E as praias do Rio?
NICOLAS – Na
época em que morei lá acho que sou fui à praia duas vezes. Aquela água gelada
não me fazia falta, até porque eu passava as férias em Natal. Em compensação,
quando minha avó por parte de pai, Idelzuithe, ia visitar a gente, mandava
carta para a Globo se inscrevendo para assistir o programa do Faustão. Íamos:
eu, meu irmão, ela e meu avô. Depois disso a gente chegou a ir a programas que
duraram pouco, como o do Luiz Thunderbird. No Jardim Botânico a gente morava ao
lado do teatro da Globo. Era o Teatro Fênix, antes de a Globo se transferir
integralmente para o Projac.
ZONA SUL –
Voltar para uma Natal que até então você só conhecia nas férias foi bom?
NICOLAS –
Foi péssimo. Sair de uma metrópole onde eu tinha tudo nas mãos, todo mundo
estava envolvido com tudo o que estava acontecendo e voltar para Natal foi
horrível. Passei um ano muito ruim, de adaptação. O segundo ano foi de exclusão
por opção. Finalizei meus estudos na CAP Colégio e Curso. Quando voltei para
Natal foi quando me formei roqueiro mesmo. Foi quando decidi tocar guitarra.
ZONA SUL –
Como foi a repercussão familiar dessa decisão de se tornar roqueiro?
NICOLAS –
A pior possível. Meus pais sempre foram muito compreensíveis, a gente sempre
conversou muito. Eles nunca foram de reprimir, de proibir. Sempre foram abertos.
Mas eu decidi a partir da minha experiência pessoal e de amigos também.
Envolvi-me por minha conta e risco. Se fosse depender dos meus pais, eu teria
seguido a vida do meu irmão: ele se formou em Odontologia, na UFRN, fez o
concurso para oficial da Marinha, entrou, e está lá até hoje. Mora no Rio.
ZONA SUL –
Como foi o processo para você se tornar um roqueiro?
NICOLAS – Quando
voltei para Natal mudei muito e os meus interesses também mudaram bastante. Conheci
uma turma legal. Meus primeiros colegas em Natal foram dessa turma. Um deles
hoje é músico, Diogo das Virgens. Aprendi a tocar violão através dele. Nunca
tive aula, sempre fui autodidata, mas Diogo me ensinou os primeiros acordes. Logo
que voltei, nos primeiros dias de aula, sem conhecer ninguém, me sentei ao lado
dele. Diogo viu nos meus cadernos os adesivos das bandas Foo Fighters e Green
Day. Ele olhou e puxou assunto. Foi minha primeira amizade fora de Cotovelo. Eu
tinha decidido que ia tocar guitarra por influência do Slash, guitarrista do Guns
N' Roses. Como Diogo já tinha guitarra, pedi que me ajudasse. Ele recomendou
que antes eu tinha que aprender a tocar violão, para conhecer os acordes, a
teoria. Comprei um violãozinho de 80 reais. Diogo ensinou três acordes e me deu
um livrinho. No terceiro mês de treino, consegui tocar a minha primeira música.
Tive que passar por essa fase pra comprar a guitarra.
ZONA SUL –
Além de tocar, você também compõe...
NICOLAS – Quando
aprendi as três primeiras notas já comecei a compor, mesmo toscamente. Eu
acordava de madrugada e ia escrever uma letra qualquer pra conseguir tocar. Acho
que isso me afastou um pouco de Diogo, que nunca se interessou em compor. O
negócio dele, até hoje, é fazer cover bem. Então, com poucas amizades, fiquei
um tempo sem sair, entocado. Foi assim até eu prestar vestibular. Eu não sabia
para qual curso eu queria fazer. Até que um dia vi um, chamado Engenharia de
Produção. Li em um livro sobre profissões que minha mãe tinha me dado, que o
cara dessa função ficava na fábrica vendo o controle de produção. Pensei: “se é
para ser qualquer coisa, que seja isso”. Fiz o vestibular, mas claro que não
passei, porque não estudava. Nessa época eu ficava traduzindo músicas das
bandas. Lembro que comecei a acessar a internet entre 1997 e 98. Eu só
procurava sobre rock. E era um rock bem específico, não comecei escutando Led Zeppelin
ou Black Sabbath, mas bandas bem undergrounds, punks e hardcores da Califórnia.
A primeira vez que ouvi uma música de punk-rock fiquei muitos anos só
pesquisando e escutando isso.
ZONA SUL –
Qual sua primeira banda em Natal?
NICOLAS – No
começo tive muitas bandas de ensaio, mas nenhuma que chegasse a ter nome. A
primeira vez que gravei foi em 2003, na Banda Radial, integrada por colegas que
tenho até hoje em Natal. São os irmãos Rocha (Henrique Geladeira e Gustavo
Macaco), Rodrigo Sérvulo (O Homenzinho), e o baterista Augusto. Com exceção do
Rodrigo, que era vocalista, os demais continuam envolvidos com música. Tive
bandas que não chegaram a gravar nada relevante. Toquei com algumas pessoas
conhecidas na cena do rock como Solano (Jane Fonda), Fabio Nunes (Carbura),
David Fonseca (Folclore), Rogério Pitomba (grande baterista que hoje toca com
vários artistas de Natal), Flavio França (Expose Yout Hate, Outset) e Jussian
(O Surto).
ZONA SUL –
Nessa época você já fotografava?
NICOLAS –
Comecei nessa época da Banda Radial, quando meu irmão foi fazer um curso no
Chile e voltou com uma câmera digital. Eu ainda não havia passado no vestibular.
Minha mãe sugeriu que eu fizesse para algum curso da UNP, que era perto de casa.
Como tinha feito para Engenharia de Produção na UFRN, botei na cabeça que teria
que fazer para alguma Engenharia: entrei em Engenharia da Computação. Gosto de
computador, tenho facilidade com informática e tecnologia. Mas nunca me
dediquei ao curso, que é bem difícil. A pessoa tem que ralar muito para
conseguir alguma coisa. No final de 2001 consegui estágio na Caixa Econômica,
através do curso de Computação. Fiz um curso de engenharia de redes, da Cisco.
Foi o único curso para o qual me dediquei de verdade. Com seis meses de Caixa fui
admitido para trabalhar com gerenciamento de redes. Na CEF, trabalhava na
agência da Ribeira, onde ficavam todos os roteadores. Eu monitorava a
comunicação de todas as agências do estado. Meu turno era o da manhã, era
complicado porque eu tinha que estar lá às 7 da manhã com tudo ok. Tinha que
acordar muito cedo, foi bem difícil. Foram dois anos bem de ralação.
ZONA SUL –
Mas você estava falando da câmera que o seu irmão trouxe.
NICOLAS – Ele
trouxe a câmera, mas eu tomei conta dela. No começo, quando precisava, ele até
pedia. Essa câmera normal, dessas cybershot, foi a minha escola. A partir dela
comecei a tirar foto. As primeiras fotos que fiz já saíram boas. Tenho até
hoje. A visão já veio automática. Demorei um tempo para fazer curso. A
fotografia estava adormecida, foi um estalo completamente inusitado.
ZONA SUL –
Essas primeiras fotos retratam o que?
NICOLAS – Peguei
a câmera, abri a porta de casa e fui para a rua tirar foto de qualquer coisa. Saí
andando ali pelo lado do CEFET, naquela pracinha ao lado. Tirei foto das
árvores, das ruas, de detalhes. Foi a primeira saída fotográfica que dei. Depois
abri um fotolog, um site onde você bota foto e as pessoas comentam. Lá
publiquei um dos primeiros ensaios da Banda Radial. Levei a câmera, fiz umas
fotos e postei. Em pouco tempo as pessoas começaram a elogiar. Fiquei surpreso
porque pra mim era normal, não tinha nada demais. Naquela época as pessoas não
tinham muito contato com a fotografia, que se popularizou quando se tornou digital.
Antigamente todo mundo tinha que posar para o registro. Fotografia custava caro,
não dava para ficar tirando foto de qualquer coisa. Com a câmera digital eu
tirava foto de tudo: era só descarregar e deletar o que não tinha ficado bom.
Não parei mais. O segundo ano que passei na Caixa Econômica foi todo juntando
dinheiro para comprar uma câmera profissional.
ZONA SUL –
Você saiu da Caixa antes de começar a ganhar dinheiro com fotografia?
NICOLAS – Comecei
a trabalhar com fotografia antes de sair da Caixa. O objetivo de comprar o
equipamento deu forças para eu acordar às 5h30 para ir trabalhar. Ainda na CEF,
fiz um editorial de moda para O Poti com a cybershot. Fui indicado por uma
amiga que trabalhava com moda. O produtor me ligou, e a gente marcou. Quando
cheguei ao local combinado, que tirei a cybershot da mochila, ele olhou pra mim
e disse: “sério que é você quem vai tirar essas fotos?”. Foi um bullying
daqueles. Mas as fotos ficaram boas, saiu no jornal e ele gostou. Tanto rolou
que depois fiz outros trabalhos para ele. Quanto terminou o segundo ano, a
empresa terceirizada pela qual eu prestava serviço à CEF estava meio enrolada.
Conversei com meu chefe e ele concordou em facilitar minha saída, dando todos
os benefícios. Assim decidi que ia viver me dedicando à música e à fotografia.
Eu já não estava mais fazendo Engenharia da Computação e já sabia que não ia
terminar esse curso. Ao sair da CEF, fiquei seis meses com o seguro-desemprego,
que me permitiu comprar os equipamentos que eu precisava. Com o dinheiro do
FGTS comprei uma ilha de edição. Foi nessa época que comecei a parceria com
Anderson Foca, do DoSol. Até então eles não tinham nada de documentação de foto
e vídeo.
ZONA SUL –
Isso tudo foi em 2003?
NICOLAS – Sim,
esse ano foi o que marcou tudo: minha primeira banda, deixei o emprego e
descobri a minha vocação. Como eu dizia, comprei uma ilha completa, computador,
mesa, impressora, câmera, câmera de filmar, mochila. Tudo que é necessário para
fazer vídeo e foto eu tinha. A primeira coisa que fiz foi o Festival DoSol, os
shows no DoSol Rock Bar, que tinha aberto e videoclipes para bandas que o Foca
gravava. Fiquei seis meses fazendo isso. Eu nunca tinha feito um clipe na vida.
Cheguei, filmei uma banda e na frente do computador aprendi a editar em três
dias, na marra. Aprendi a pegar as imagens e cortar e juntar, botar uma cor. Até
hoje mantenho esse perfil de manter as coisas simples, sem muito efeito. Fazer
uma boa fotografia, cortar, juntar tudo e fazer o vídeo: essa é mais ou menos a
minha filosofia até hoje. Em 2004 eu já estava à toda: tocando, cobrindo
festival, fotografando. Já tinha me tornado conhecido em Natal pela fotografia.
Todo mundo sabia quem era o Nicbraw das fotos. Foi quando entrei no AllFace, a
convite de Anderson. A banda já existia. Foi a época mais legal, em termos de
banda. Com AllFace viajei de norte a sul tocando nos melhores festivais do
Brasil. Fizemos turnês com bandas que hoje são famosas, como Fresno e NX Zero. Muita
gente passou pelo AllFace, como Rafael Calango, Eduardo Passaia, Júlio Cortez, Rafael
Bender, Ana Morena, Jussian, Vinicius Menna e Paulinho. A banda sempre foi uma coisa
de amizade, de pessoas próximas que estavam ali tocando. Até hoje funciona
desse jeito. Não tem competição, é um negócio bem aberto mesmo. A primeira vez
que vim a Brasília foi por causa da banda. A gente tocou em Taguatinga, no ano
de 2006, em um festival do Senhor F. Um ano depois a gente tocou no Porão do
Rock. A gente também tocou bastante em Fortaleza, Recife, Teresina, Brasília,
Goiânia, São Paulo e, claro, em Natal.
ZONA SUL –
E depois do AllFace?
NICOLAS – No
final de 2007 a banda diminuiu bastante o ritmo, ela meio que acabou sem
nenhuma nota oficial. Na virada para 2008, conheci a Cynthia, lá em Natal. A
gente começou a namorar. Ela nasceu em Recife, mas morou a vida toda em
Brasília. Foi para Natal fazer faculdade. Seu pai mora lá com outra família,
três filhos e tudo. Com quatro ou cinco meses de namoro, ela ficou grávida. Eu
estava no meu último ano da faculdade de Publicidade.
ZONA SUL –
Ainda não falamos nessa faculdade.
NICOLAS - Em
2005 - eu já fotógrafo e roqueiro – ouvindo sempre meu pai repetir aquela
história de que eu tinha feito um monte de coisa, mas não tinha terminado nada.
Resolvi fazer Publicidade, que era mais próximo da minha área. Cheguei a
pesquisar faculdades de fotografia e até pensei em sair de Natal. Mas não achei
nada interessante que pudesse valer a pena. Fui cursar Publicidade mais para
dar uma satisfação aos meus pais. Mas o curso foi ótimo, fiz boas amizades e me
ajudou bastante. No final de 2008, me formei. Nessa época Cynthia estava
grávida e voltou para Brasília, para ficar com a mãe, que é o porto seguro
dela. Veio grávida de Alice, a nossa primeira filha. Eu em Natal, no último ano
de Publicidade. Nesse ano mudei bastante: não saía, só pensava em me formar e
decidir o que ia fazer. Decidi vir para Brasília antes de me formar. Alice
nasceu no dia 27 de dezembro de 2008. Vim para o nascimento dela e voltei para
Natal só para colar grau. Quando peguei o canudo, desci do palco, olhei para o
meu pai e disse: “pai, esse aqui é pra você”.
ZONA SUL –
Quando você se mudou para Brasília já tinha alguma coisa em vista?
NICOLAS – Eu
tinha muito equipamento de fotografia, reduzi tudo a uma mochila. Comprei tudo
portátil, tudo wireless. Troquei o estúdio completo por um equipamento móvel,
para ganhar mobilidade. Vim para cá com uma mala, uma mochila e uns tripés. Vim
com meia dúzia de roupa, meu novo equipamento e muita vontade. Era o que eu
tinha. Cheguei conhecendo apenas três pessoas: Cynthia, Rafael Bilico – que é
de Brasília e se formou comigo em Natal - e Izaac Alves, chamado de Durex, que
não terminou o curso de Engenharia e voltou para Brasília. Rafael é designer,
tive pouco contato com ele em Brasília. Izaac Durex começou a tatuar pouco
antes de voltar para Brasília. Quando chegou, conseguiu um trabalho muito legal
em um estúdio na galeria do Hotel Nacional. O estúdio de Jersinho, o Jerson
Filho. Ele praticamente tatuava os amigos e foi para um estúdio comercial. No
primeiro ano em que eu estava aqui, devo ter saído para ver dois shows de bandas
gringas. Fora isso eu ia para o estúdio conversar com Izaac.
ZONA SUL –
Sua primeira tatuagem veio dessa época?
NICOLAS – A
tatuagem é uma coisa bastante marcante. É uma decisão muito importante,
definitiva, não tem volta, e as pessoas não levam isso muito a sério. Demorei
um tempo até eu mesmo assimilar a ideia de ser tatuado. E foi através dessa
minha proximidade com Izaac que comecei a frequentar o estúdio de tatuagem. Como
não tinha o que fazer, ia ver se conhecia alguém para arrumar algum trabalho. Conheci
muita gente envolvida com arte. As primeiras bandas que fiz foto aqui foram
através desses contatos. Mas a minha primeira tatuagem foi o símbolo de uma
banda californiana chamada Strung Out, que é um átomo. Fiz esse átomo na perna.
Tinha uma mulher sendo tatuada na mesma hora, ao lado. Ela estava tatuando a
costela, que é um lugar que dói muito. Ela estava de boa, enquanto eu, uma
tatuagenzinha na perna, estava gemendo e fazendo careta. A mulher ficou rindo
da minha cara. Foi um bullying que sofri aqui em Brasília. (risos).
ZONA SUL –
Em Brasília, você chegou a se enturmar com alguma banda?
NICOLAS –
Quando vim, vendi em Natal praticamente tudo relacionado à música (pedais,
amplificador e uma guitarra). Vim apenas com uma guitarra e um macbook. No
começo ficava compondo e gravando sozinho, só para gastar a energia e a vontade.
ZONA SUL –
Por falar em gravar, como o material que você compôs antes, em Natal, pode ser
encontrado?
NICOLAS – Tem
alguma coisa no disco AllFace Simples, o último do grupo. (O link direto para
baixar esse CD é http://www.4shared.com/zip/TXC8Fiw-/AllFace_-_Simples.html).
Encontra também alguns clipes no Youtube. O disco do Radial a gente gravou, mas
não foi divulgado. A finalização dele foi ruim, não colocaram pra baixar, nem
nada. Mas, voltando a Brasília, conheci Cynthia apresentou um colega antigo
dela, o César Pirata. As pessoas que eu conhecia na cidade eram os meus dois
amigos e as bandas de Brasília que tocaram em Natal, que eu fotografei e tive
contato: Lucy And The Popsonics, Bois de Gerião, Móveis Coloniais de Acaju e
Autoramas. Mas era complicado, nas vezes em que eu saía para ver show, só
conhecia as pessoas que estavam tocando, e mais ninguém. Ficava sozinho. Então,
a primeira pessoa que conheci em Brasília foi o César Pirata, que é baixista. Com
ele formamos a banda Mais que Palavras. Fazem parte da formação o vocalista Maneko
(Manoel Neto), que é o maior tatuador em Brasília; Tiago Caetano, que é
baterista. No começo tinha o Kenji. Ele saiu e entrou o Guto (Augusto Toda),
também na guitarra. A gente formou essa banda em 2010, no final do ano. A banda
lançou o primeiro disco com seis músicas. O nome é Mais que Palavras, também.
Gravamos o segundo agora, deve sair no começo do ano. Vai ser no formato split.
Ou seja, vamos lançar em conjunto com uma banda amiga a banda Vida Livre. Cinco
músicas de cada banda. Vamos aproveitar esse novo trabalho e tentar viajar
bastante em 2013 para divulgá-lo e fazer shows.
ZONA SUL –
Como está sendo trabalhar no Ministério da Previdência?
NICOLAS – Com
o nascimento do meu segundo filho, Lucas, em 27 de setembro de 2010, senti
necessidade de ter um trabalho fixo, para não depender apenas de freelancer.
Quando entrei em contato com o assessor de Comunicação, José Wilde, coincidiu
que o senador Garibaldi Alves estava assumindo o Ministério. Estavam sem
fotógrafo, fui contratado na hora. Meu pai tinha me passado os contatos de
Wilde. Como eu não tinha experiência em fotojornalismo, senti um pouco de
dificuldade, a princípio. Mas depois desse período trabalhando lá, posso dizer
que hoje sou um fotojornalista e um fotógrafo social com experiência. Aprendi a
importância da rapidez, agilidade e instantaneidade. O clima e o protocolo
também são outros. Você não pode ousar tanto, tem que seguir o padrão da coisa.
Aprendi a dinâmica de trabalhar com fotojornalismo, que é fantástico. Acumulei
experiência de gabinete, de rua, de viagem. Além disso, trabalhar com o
ministro Garibaldi Alves é muito bom. O que mais destacaria nele não é nem a sua
capacidade política – que é indiscutível - mas a característica que ele tem de deixar
todo mundo à vontade com sua espontaneidade.
ZONA SUL –
Você participa de várias mídias sociais. Onde o leitor do jornal pode lhe
encontrar?
NICOLAS – Todos
os trabalhos que eu faço são divulgados no Facebook e no Twitter. No Facebook
podem procurar por Nicolas Gomes. No Twitter estou lá como Nicfoto.
ZONA SUL –
O que você está planejando para o futuro?
NICOLAS – A
curto prazo, pretendo viajar mais, tocar em várias cidades e com bandas amigas
para mostrar o trabalho da nossa banda Mais que Palavras. Mais para frente
quero focar meu trabalho na área cultural, voltar ao que eu fazia em 2005:
trabalhar com bandas e espetáculos. O fato de estar morando em Brasília ajuda
bastante, pela localização. Depois que vim para cá consegui finalmente fechar
trabalhos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ano passado fiz alguns videoclipes
fora. Peguei o final de semana e viajei para gravar o vídeo. Editei em
Brasília. Fiz da banda Zander, do Rio, e da banda Bob e o Telescópio, de São
Paulo. Também não deixe o mercado de Natal. Tenho voltado com constância, inclusive
para o festival DoSol. No começo do ano tirei vinte dias de férias. Fui para
Natal e passei uma semana descansando e o resto do tempo trabalhando. Faço dez
dias de trabalho seguido, volto para Brasília e edito aqui.
ZONA SUL –
Deixe um recado para o leitor do Zona Sul.
NICOLAS – Foi
em Natal onde fiz as melhores coisas da minha vida. Precisei voltar para a
cidade para me encontrar. Morei em vários lugares, conheço o Brasil todo, mas é
em Natal e em Cotovelo que me sinto em casa, me sinto mais à vontade. Vou
sempre voltar para Natal a trabalho ou para passar férias com a família. Morando
fora, vejo que as pessoas não dão valor às coisas de Natal. Tratam a cidade
como se ela fosse um patinho feio. Mas Natal tem muita coisa boa e de
qualidade. Comparo as bandas de rock da cidade como qualquer banda de outro
lugar. O natalense precisa acreditar mais no que faz. No caso da música, ela
não tem fronteira. Essa história de artista da terra não deveria existir.
Termina restringido, dá a impressão de que quem é tachado com esse rótulo tem
uma menor qualidade. Independente de ser da terra ou não, Natal tem bandas que
não deixam nada a dever às melhores do país.
Bem, já estive com o Nicholas em viagem. Gente boa. Tem 2 grandes defeitos: 1) não entrega as fotos que a gente tira. 2) é Vascaíno. kkkkkk
ResponderExcluirIlo bill: sobre a vascainidade de Nicolas, eu posso confirmar e afirmar que, ao invés de defeito, é uma de suas qualidades. Sobre a não entrega de fotos, essa eu nego. Além de craque nos enquadramentos, ele costuma dar nó em pingo d'água para despachar em tempo hábil as fotos tiradas nos locais mais inóspitos.
ResponderExcluirNas voltas que o mundo dá, li essa história. Sou amigo dos pais dele e, embora não seja natalense, morei lá e sou apaixonado pela cidade.
ResponderExcluirUm abraço para Heriberto e Celi
Paulo
Nas voltas que o mundo dá, li essa história. Sou amigo dos pais dele e, embora não seja natalense, morei lá e sou apaixonado pela cidade.
ResponderExcluirUm abraço para Heriberto e Celi
Paulo
Grande sobrinho. Excelente entrevista. Já tem 11 anos. Aquele abraço. Parabéns.
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