sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Entrevista: Jaime Mariz


MOVIDO A GRANDES DESAFIOS

O engenheiro Jaime Mariz de Faria Júnior é movido a desafios. E batalhas para travar não têm faltado. O último combate do qual participou – com sucesso no final da refrega – foi a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (FUNPRESP). A voz poderosa, o timbre grave, as palavras bem articuladas, a postura confiável e o gestual comedido fazem de Jaime um interlocutor especializado na arte de esgrimir idéias. A conversa com ele se deu agora no veraneio, em Muriú. O anfitrião, Neneto Almeida, fez a cobertura fotográfica. A seguir, um resumo da entrevista. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL - Você é caicoense?
JAIME - Nasci em Natal por uma necessidade médica: minha mãe teve uma gravidez complicada e precisou parir em um centro mais desenvolvido. Então ela se deslocou até Natal. Embora tenha nascido na Maternidade Januário Cicco, me considero caicoense, já que foi ali que passei a minha infância, minha primeira adolescência e de onde nunca me afastei.
ZONA SUL – Fale um pouco a respeito dos seus pais.
JAIME – Minha mãe, Maria Julieta Dantas de Faria, vem de duas numerosas famílias seridoenses, Dantas e Medeiros. É prima legítima do Monsenhor Walfredo Gurgel. Meu avô Joel Dantas - líder político do antigo PSD de Caicó – era tio e padrinho político de Monsenhor Walfredo Gurgel. Já o meu pai, Jaime Mariz de Faria, era sobrinho de Dinarte Mariz – irmão de sua mãe Osmila - e também sobrinho de Juvenal Lamartine – irmão de seu pai Epitácio. Nasci, portanto, numa família política por todos os lados. Como o lado paterno era dinartista e o materno aluizista (Aluízio Alves e Monsenhor Walfredo Gurgel eram aliados), vivi um conflito político muito grande na minha infância e adolescência. Monsenhor era referência maior em Caicó, juntamente com Manoel Torres. A família se dividia entre essas duas lideranças.
ZONA SUL – Como foi conviver com Dinarte Mariz e Monsenhor Walfredo Gurgel?
JAIME – Foi agradável, apesar de não ter sido muito de perto. Convivi com Dinarte - ele já no final da vida, mas ainda muito bem e lúcido – quando de suas vindas para a Fazenda Solidão. Ele e Monsenhor Walfredo Gurgel foram dois grandes líderes políticos que, a exemplo de outros, se doaram por completo à política, sem obter praticamente nenhuma vantagem pessoal em contrapartida.
ZONA SUL – Sua mãe desenvolveu alguma atividade?
JAIME – Sempre foi dona de casa, nunca teve qualquer participação na política. Da mesma forma, meu pai também não enveredou pela política, apesar de, quando jovem, ter sido prefeito de sua cidade Serra Negra do Norte. Mas, depois de maduro meu pai concluiu o curso de Direito, depois que eu, que sou o caçula, me formei. Advogou até os últimos dias de sua vida. Antes, ele foi funcionário do Batalhão em Caicó, se dedicou à agropecuária e foi bancário.
ZONA SUL – Fale sobre seus irmãos.
JAIME – Somos dois homens e duas mulheres. A mais velha é Tânia, médica dermatologista em São Paulo há mais de 30 anos, mas está vindo morar em Natal. Depois tem João Luciano, que é engenheiro da prefeitura de Natal. Sônia, socióloga e funcionária pública, é casada com Geraldo Queiroz, que foi reitor da UFRN. Sou o quarto filho. Somos uma família pequena para os padrões do Seridó da nossa época.
ZONA SUL – Você morou em Caicó até qual idade?
JAIME – Até os 14 anos. Caicó era uma cidade muito tranqüila. Os carros da época eram quase contados nos dedos. Andávamos a cidade toda a pé. Estudei no Colégio Diocesano Seridoense, talvez o melhor colégio daquela época de Caicó. Com essa formação relativamente boa, tentei ser estudante de colégio militar com o objetivo de ter oportunidade de uma formação melhor ainda. Passei no concurso da escola preparatória de cadetes do ano de 1971, juntamente com apenas dois outros do Rio Grande do Norte, mas não fui por decisão própria, depois de muitas reflexões. Aos 15 anos vim para Natal, estudar na Escola Técnica Federal. Vim morar na casa da minha irmã, Sônia. Depois do curso técnico de Eletrotécnica, cursei Engenharia, na UFRN. Morei durante muito tempo na casa de Sônia e Geraldo Queiroz. Tenho por eles enorme carinho, considerando-os uma mistura de irmãos, segundos pais, além de amigos e conselheiros.
ZONA SUL – Você foi um bom aluno?
JAIME – Sempre fui, desde os tempos de Caicó. Apesar de descender de famílias de certas posses, na minha casa a situação financeira era muito difícil. Meus pais diziam sempre que a única coisa que poderiam nos dar era educação. Eu me apegava aos estudos com afinco, sabendo que ali estava o meu futuro. Também fui bom aluno na ETFRN, bem como no curso de Engenharia Elétrica na UFRN.
ZONA SUL – Ao concluir Eletrotécnica você foi fazer Engenharia Elétrica na UFRN...
JAIME – Eu queria trabalhar como eletrotécnico para começar a ganhar o meu dinheiro, por isso não estudei tanto para o vestibular. Mas passei fácil com a base que tinha. Mesmo assim, fiz estágio na COSERN. Quando concluí Engenharia fui convidado pela UFRN para integrar os quadros de professores do departamento, com a condição de fazer mestrado. Eu, juntamente com uns dez alunos concluintes que tinham se sobressaído durante o curso de graduação das engenharias. Escolhi a Unicamp, em Campinas/SP, para fazer o mestrado. Grandes nomes da engenharia elétrica ensinavam lá. Estudávamos mais de 10 horas por dia. Na volta para Natal, comecei a dar aula na graduação de Engenharia Elétrica da UFRN, bem como na antiga ETFRN, depois CEFET e hoje IFRN, a convite. Em 1983, o então reitor Genibaldo Barros me convidou para ser pró-reitor estudantil da Universidade. Aceitei. Essa foi minha primeira experiência como dirigente. Eu tinha 27 ou 28 anos.
ZONA SUL – A que você atribui esse convite?
JAIME – Na época eu participava discretamente do movimento docente e de grupos espontâneos que se juntavam para discutir a Universidade. Quando o novo reitor foi anunciado, entregamos um documento com propostas tiradas dessas discussões. Depois ele nos convidou para conversar sobre o documento entregue e acabou me convidando para ser seu pró-reitor estudantil, creio que sob a influência de Dinarte Mariz, na época senador com grande prestígio em Brasília. O Brasil vivia o final da ditadura militar. O movimento estudantil retornava forte e atuante. Diante desse quadro, o pró-reitor estudantil deveria ser alguém jovem e com trânsito entre os estudantes para tentar construir um diálogo aberto. Esses critérios devem ter facilitado minha escolha. Participei decisivamente nas negociações para a primeira eleição direta dentro da UFRN, que foi no Centro de Tecnologia, onde era professor. Só não fui candidato porque nessa época já era pró-reitor. Como tal, fui o interlocutor da UFRN perante os estudantes na famosa ocupação da reitoria.
ZONA SUL – Como foi?
JAIME – Em 1984, os Restaurantes Universitários da UFRN consumiam grandes parcelas do orçamento da instituição, já que os preços cobrados eram simbólicos a todos os comensais, inclusive para quem não era carente. O Conselho Universitário analisando aquela distorção resolveu modificar a situação, estabelecendo regras mais rígidas para se ter acesso aos preços subsidiados. Foi definido reajuste para os estudantes carentes, mas acompanhado da oferta de bolsas de trabalho para os que comprovadamente tivessem dificuldades financeiras. O DCE sentiu que o tema mobilizaria os estudantes das residências universitárias e outros mais engajados, e decidiu ocupar o prédio da Reitoria em sinal de protesto. Quando os estudantes chegaram à reitoria para ocupá-la, a administração resolveu se retirar, até para evitar confrontos. Não houve nenhuma agressão de parte a parte. O reitor, juntamente com seu estafe e já fora da reitoria, decidiu que o elo de comunicação entre os estudantes e a administração seria eu, já que era o Pró-Reitor Estudantil. Por obrigação legal o reitor teve que pedir a reintegração de posse do prédio público ocupado. A decisão da Justiça foi pelo provimento do pedido e as forças policiais se prepararam para cumprir a decisão do magistrado na manhã de um determinado dia. Formou-se, no seio da sociedade natalense uma comissão que foi denominada de “Alto Nível” tentar mediar o impasse. Sob a liderança do reitor Genibaldo Barros passamos a noite anterior ao dia determinado para a desocupação do prédio negociando e, por volta das 5 horas da manhã, antes do início da ação das forças policiais, foi fechado um acordo e teve início a desocupação do prédio. Assisti ao vivo e fui protagonista desse episódio histórico do movimento estudantil do Rio Grande do Norte.
ZONA SUL – Nessa época você já tinha começado a construir a sua família?
JAIME – Eu já era casado. Conheci minha mulher, Marília, em uma Festa de Sant’Ana, em Caicó, em 1972. Ambos morávamos em Natal. Depois de vários anos de namoro, casamos no meio do meu mestrado, em 1978. Em 1981 nasceu nosso primeiro filho, Jaime Mariz de Faria Neto, que hoje é advogado militante aqui em Natal, inclusive com escritório estabelecido. Por conta dele hoje estudo Direito. Marília também é formada em Engenharia. Inicialmente foi engenheira química do Estado. Como havia morado nos Estados Unidos por duas vezes, tinha muita facilidade com línguas, principalmente o inglês. Assim decidiu cursar Letras na UFRN. Inicialmente por diletantismo, mas depois passou em um concurso público para ser professora de Letras da UFRN. Depois concluiu mestrado, doutorado na área e agora está saindo para pós-doutorado. Abandonou por completo o ramo da engenharia para se dedicar à atividade de professora do Departamento de Letras da UFRN. Temos mais duas filhas: Natália, que é arquiteta com escritório instalado também aqui em Natal; e Raíssa, a menor, que está fazendo Direito na UFRN com excelente aproveitamento. Ela deverá seguir a carreira de advogada ou alguma carreira jurídica, pois está demonstrando grande vocação para tal.
ZONA SUL – Depois de ser pró-reitor você não pensou em assumir o principal cargo da Reitoria?
JAIME - Quando estava terminando o mandato de pró-reitor, começou o primeiro processo na história da UFRN de eleição direta para a composição da lista sêxtupla para reitor. A política universitária fervia. A minha situação de Pró-Reitor me colocava numa posição de destaque e por isso participei ativamente desse processo. Quatro chapas foram formadas, cada uma com seis candidatos a integrantes da lista sêxtupla para reitor e mais seis para vice-reitor, sendo, portanto, 48 nomes na disputa. Uma liderada pelo professor Daladier Pessoa Cunha Lima, outra pela professora Justina Iva, a terceira chapa era encabeçada pelo professor Adilson Gurgel de Castro, e a quarta, chamada “Chapa do Bom Senso”, onde constava o meu nome dentre outros cinco professores para reitor. Cada eleitor – professor, estudante e funcionários - votava em seis nomes para reitor e seis para vice-reitor. O mais votado entre todos foi o Professor Daladier Pessoa Cunha Lima e eu fui o segundo mais votado uninominalmente, mas minha chapa ficou em terceiro lugar no cômputo geral. No segundo turno o Professor Daladier disputou e venceu a professora Justina Iva e foi eleito e depois nomeado reitor. Fiquei satisfeito com a minha votação, até por ser o mais jovem dentre todos os 24 candidatos a reitor. Logo após essa eleição, Geraldo Melo foi eleito governador do Rio Grande do Norte e me convidou para presidir a COSERN.
ZONA SUL – Geraldo Melo já conhecia você?
JAIME – Não. A indicação do meu nome ao governador Geraldo Melo foi feita por Wanderley Mariz, que tinha sido o candidato a senador pelo PMDB na chapa dele, apesar de não ter sido eleito. Minha formação em Engenharia Elétrica e professor da UFRN e ETFRN coincidiam com o perfil que o governador eleito achava adequado para a COSERN. Além do mais as ligações do meu sogro e de minha sogra com o PMDB ajudaram bastante. Passei três anos no cargo. Pedi exoneração ao governador para fazer pós-graduação na área de energia na Bélgica.
ZONA SUL – Nessa primeira vez que você se ocupou com a COSERN tinha alguma missão específica?
JAIME – A legislação da época não ameaçava a perda da concessão federal caso a empresa não atendesse critérios rígidos de gestão. Então a missão era fazer obras de transmissão (subestações e linhas de transmissão) e também de distribuição para levar energia de boa qualidade a todos os recantos do estado ainda não atendidos pela COSERN. As preocupações normais de gestão de uma grande empresa. Fizemos um grande programa de expansão, mas não tínhamos uma “espada de Dâmocles” sobre a cabeça da empresa, caso não atendesse a determinados requisitos, completamente diferente da segunda vez que fui presidente da empresa.
ZONA SUL – Como foi a temporada na Bélgica?
JAIME – O curso era sobre energias renováveis, em Bruxelas. Nunca tinha morado no exterior. Éramos cinco brasileiros, juntamente com outros estudantes de várias partes do mundo. Fomos aprender o que o mundo dito civilizado fazia para produzir energia de outras fontes energéticas além da hidroeletricidade. A Bélgica não tinha grandes rios para construir hidrelétricas, nem petróleo ou gás natural para queimar e transformar em energia elétrica, também não tinha carvão.  É um país pobre energeticamente. Eles fazem de tudo um pouco para poder suprir suas necessidades: importam gás natural da Argélia de navio para suas termoelétricas, produzem energia através do vento (eólica) e do sol, utilizando placas fotovoltaicas. Também queimam lixo para produzir energia, e utilizam energia atômica, além de uma pequena produção hidrelétrica também. A matriz energética é bastante diversificada para poder, com esse somatório, atender a demanda típica de um país europeu de Primeiro Mundo, que é bastante alta. Analisávamos os processos e os custos da energia gerada através de todas essas fontes para compará-los e ver qual o mais viável para cada situação.
ZONA SUL – Concluído o curso, o que você foi fazer da vida?
JAIME - Voltei à atividade docente nas duas instituições, UFRN e CEFET, até que, em 1994, Aluízio Alves foi escolhido para o Ministério da Integração Regional e me convidou para ser diretor da Sudene. A missão era tentar moralizar a liberação dos recursos do Finor, implantando critérios técnicos rigorosos e objetivos. A influência política na aprovação e liberação de recursos passou a ser nenhuma. Para liderar essa empreitada foi escolhido um militar de cinco estrelas do Exército Brasileiro, o general Nilton Moreira Rodrigues, para o cargo de superintendente da Sudene. O presidente da República era Itamar Franco. Fui o diretor da Finor – que era fundo financeiro que financiava a implantação das indústrias na região. Nosso trabalho era tirar as empresas inadimplentes e, com viés absolutamente técnico, preservar o pouco dinheiro que existia para garantir os projetos que estavam cumprindo a lei e se implantando com regularidade. Obtivemos sucesso na empreitada, pois no final do primeiro ano os critérios já eram conhecidos por todos, elogiados pela grande maioria e as pressões quase inexistentes.
ZONA SUL – Qual seu destino ao sair da Sudene?
JAIME – No final do meu primeiro ano na Sudene, o atual ministro Garibaldi Alves Filho se elegeu governador do Rio Grande do Norte e me convidou para voltar a presidir a COSERN. Dessa vez a missão era completamente diferente. Havia sido aprovada uma nova legislação condicionando a manutenção da concessão da distribuição de energia, que é federal, ao cumprimento de determinados critérios: a empresa não poderia deixar de pagar à CHESF (a COSERN já devia muito à CHESF), teria que repassar o ICMS arrecadado (a COSERN arrecadava e dele se apropriava, não repassando para o governo do Estado, que por sua vez não repassava a parte dos municípios), teria que melhorar seus índices técnicos que aferem a qualidade do fornecimento da energia e o mais importante: os grandes consumidores poderiam comprar energia a quem desejasse, quebrando assim o monopólio do fornecimento, o que se constituía no grande desafio para a COSERN, já que os grandes consumidores (Petrobrás, Coteminas, Vicunha, etc.) eram responsáveis por uma parte significativa do faturamento da empresa. Temia-se que essa perda de monopólio fosse fatal para o futuro da COSERN, tornando-a irreversivelmente deficitária. O então governador Garibaldi Filho me explicou o desafio e acrescentou que – como a COSERN tinha sido criada no governo do seu tio Aluízio Alves – ela não poderia perder a concessão de maneira nenhuma no seu governo.
ZONA SUL – Sua relação com Garibaldi começou a partir daí ou já existia?
JAIME – Já existia, pois morei perto de familiares dele e o via sempre quando de suas visitas a sua irmã. Além do mais sempre foi um deputado muito atuante, com grande visibilidade em todo o estado. E quando foi prefeito de Natal e eu presidente da COSERN essa relação estreitou-se bastante, já que existia uma parceria entre Prefeitura e COSERN para a iluminação pública e todos os outros assuntos comuns às duas instituições. Nesse convite para ser presidente da COSERN pela segunda vez, o Garibaldi determinou que a gestão fosse, obrigatoriamente, técnica para que a empresa pudesse enfrentar com chance de êxito os desafios que estavam postos. Isso implicou em contrariar interesses políticos de correligionários e adversários, já que a nova lei de concessão não nos dava outra alternativa. Fizemos um plano de recuperação da empresa que passava por princípios básicos: aumentar receitas e cortar despesas. Aumentar a receita porque a COSERN não recebia as contas de energia de uma grande parte dos consumidores públicos, como prefeituras e o próprio estado, além de consumidores privados com influência política que se achavam também desobrigados de pagarem suas faturas de energia. E na outra ponta, tivemos que elaborar um plano de corte de despesas, pois a empresa gastava exageradamente em várias áreas. Começamos pelos salários do presidente e dos diretores, que foram cortados para um terço, isto é, um corte expressivo de 66%. Reduzimos as assessorias das diretorias e de toda a estrutura organizacional em geral, e extinguimos até os carros que serviam ao presidente e aos diretores. Depois de cortar na própria carne, pedimos a colaboração do sindicato dos eletricitários, extremamente combativo, que tinha conseguido fechar um acordo trabalhista muito generoso com a diretoria que estava saindo, no final do governo anterior.
ZONA SUL – Acordo bom é esse, que se faz para outro pagar...
JAIME – Tentamos rediscutir o acordo com o sindicato, mas não tivemos qualquer aceitação, por menor que fosse. Assim resolvemos questioná-lo na justiça do trabalho, mas a sentença foi pela preservação do acordo. Porém no acordo coletivo seguinte conseguimos economias significativas nas chamadas vantagens indiretas, o que foi muito importante para a empresa. E ao longo do ano, apesar de muitas dificuldades, conseguimos também êxito na política de aumentar a receita, de modo que o déficit previsto de R$ 76 milhões foi reduzido ao final do ano para apenas R$ 4 milhões. No exercício seguinte nós começaríamos a colher os primeiros frutos do equilíbrio que estava em curso. Foi quando o governador Garibaldi decidiu aderir ao projeto de privatização das estatais distribuidoras de energia elétrica, que praticamente abrangia as empresas distribuidoras de quase todos os estados brasileiros, e me convidou para conduzir o processo de privatização. O então secretário de Planejamento e Finanças tinha pedido demissão. Fui convidado para assumir o seu lugar, com a incumbência de conduzir, além das obrigações normais da pasta, o processo de privatização, que não era o meu projeto pessoal para a COSERN. Hoje acho que a privatização foi uma decisão bem tomada e acertada, inclusive na hora certa. Tivemos um dos melhores preços relativos do Brasil, comparado aos preços obtidos pelas distribuidoras dos outros estados, o que viabilizou a contrapartida financeira para a construção de grandes adutoras, de três grandes barragens, um programa de erradicação de casas de taipa, um de eletrificação rural, a construção e reformas de hospitais, escolas, centrais do cidadão, carros e equipamentos para a segurança pública, etc. O estado virou um grande canteiro de obras. As distribuidoras estaduais que não foram privatizadas, ou foram depois daquele momento, perderam tempo e seu resultado deixou a desejar. Além disso, a COSERN privatizada passou a recolher o ICMS incidente sobre a energia elétrica, que hoje é da ordem do valor de uma ponte Forte-Redinha por ano, mais de R$ 300 milhões, com 25% desse total repassado aos municípios como a lei determina. Isso sem falar no grande programa de investimento interno dentro da COSERN que o edital de licitação obrigou os novos proprietários a realizarem, o que demandou valores superiores a um bilhão de reais, e transformou a COSERN, de uma das três piores do Nordeste para uma das melhores distribuidoras do Brasil, recebendo prêmios nacionais, todos os anos, pelo seu bom desempenho. Depois do processo de privatização voltei para a academia e passei a estudar a nova COSERN com olhos acadêmicos. Lembro de uma constatação que muito me alegrou: depois de dez anos faltava energia no Rio Grande do Norte três vezes menos do que antes da privatização. E quando faltava, a duração era quatro vezes menor. Isso representava maior atratividade para que novos empresários viessem se instalar no estado gerando emprego e renda, além de melhor qualidade de vida para os potiguares.
ZONA SUL – Depois da Secretaria de Planejamento, você foi secretário de Administração...
JAIME – No final do primeiro governo Garibaldi pedi para sair da Secretaria de Planejamento porque estava muito cansado. As três prioridades “tocadas” simultaneamente durante todo o tempo que estive à frente daquela Secretaria me submeteram a grande estresse: a rolagem da dívida do Estado junto a União, o processo de privatização da COSERN e a conclusão do processo de “enxugamento” de empresas e órgãos estaduais que tinham perdido sentido. O governador, compreendendo meus motivos, convidou Lindolfo Sales para me substituir. Mas eles dois me convenceram a ir para a Secretaria de Administração, cuidar da folha de pagamento do funcionalismo. Aceitei porque pensava que teria uma vida mais tranquila. Ledo engano. Outro grande desafio se apresentou: o sistema de informática que era usado para pagar a folha de todo o Estado, que superava os R$ 100 milhões mensais, era totalmente desparametrizado, vulnerável e manual. O pagamento era feito através de cheque salário, permitindo extravios e desvios frequentes. Além disso, o pessoal que trabalhava na elaboração dessa folha tinha um poder enorme, pois somente eles participavam do processo e era possível acrescentar qualquer nova matrícula facilmente, ou conceder vantagens salariais eventuais ou definitivas com um simples comando de um operador daquele sistema. Ao lado dessas vulnerabilidades tomei conhecimento de que a Secretaria de Administração comprara um sistema caro e tido como o mais moderno da época, chamado ERGON, mas não conseguia implantá-lo. Ele era capaz de evitar qualquer erro de implantação na folha de pagamento. Compreendi, então, que a implantação desse novo sistema seria a perda de poder daquela equipe antiga e reduzidíssima que trabalhava na folha de todo o Estado desde muitos governos. Acabamos com o cheque salário, apesar das resistências, e mudamos quase completamente essa equipe para podermos implantar o sistema novo. Soube depois, com tristeza, que quem me sucedeu na Secretaria desparametrizou totalmente o ERGON, tornando-o quase tão manipulável e vulnerável quanto o anterior. Uma pena para as finanças do Estado. Ao final do segundo mandato de Garibaldi como governador eu retornei à UFRN e CEFET. Lá sempre foram minhas casas definitivas, pois os cargos são passageiros.
ZONA SUL – Voltou para sala de aula?
JAIME – Sim, todas as vezes que voltei para a UFRN e CEFET foi para a sala de aula. Ali o professor se realiza, porque pode exercer sua missão de passar para os alunos não apenas o conteúdo programado, mas também lições e experiências de vida. Essa missão é muito nobre. Amigos, colegas e até ex-alunos que se dedicaram a atividades empresariais, ou comerciais e hoje ricos, às vezes perguntam como estou financeiramente. Respondo que tenho o suficiente para viver. Apesar de não ter acumulado como eles, penso de que me dediquei à atividade muito mais nobre do que ganhar dinheiro: contribuir para educar gerações.
ZONA SUL – Esse retorno à UFRN e CEFET foi por muito tempo? Você tentou retomar sua carreira política dentro da universidade para pleitear novamente o cargo de reitor?
JAIME – Voltei em 2003 e permaneci por lá até 2010. Aprendi que a atividade política na universidade não pode ser interrompida. Na hora em que você sai, ao voltar perde praticamente tudo o que havia acumulado e tem que recomeçar do zero. Por isso não me envolvi mais com a política universitária, como fizera antes. Foquei em outras prioridades, me dediquei com mais afinco à sala de aula, e resolvi estudar Direito.
ZONA SUL – Essa nova saída, em 2010, foi para onde?
JAIME - Fui convidado pelo deputado Henrique Eduardo Alves para o Ministério da Integração. Trabalhei na parte elétrica da transposição do Rio São Francisco. Fiquei apenas seis meses, pois o governo do presidente Lula terminara e o ministro daquela pasta mudou, provocando a substituição de toda equipe de cargos comissionados. Quando estava praticamente voltando para Natal, o senador Garibaldi Alves Filho me chamou para integrar sua equipe no Ministério da Previdência Social, onde estou até agora enfrentando outro enorme desafio.
ZONA SUL – Antes de entrar nessa parte, por favor, responda: a transposição sai ou não sai?
JAIME – Sai sim. O trecho Leste, por exemplo, já é irreversível. Mas a obra está atrasada.
ZONA SUL – Os ânimos foram apaziguados? Quando esse projeto voltou a ser discutido, Bahia, Alagoas e Sergipe fizeram uma confusão enorme contra a realização das obras.
JAIME – Hoje não há mais nenhuma resistência visível ao projeto. A polêmica tinha um viés político muito forte, porque tecnicamente não há nenhum problema, nem de prejudicar a geração de energia elétrica, porque a água já está praticamente se encaminhando para a foz do rio. Aquela é uma grande obra e muito complexa, mas ela é estratégica para o Nordeste. Poderá garantir o abastecimento humano e aumentar em muito a possibilidade de irrigação. Não vai acabar com a seca, mas amenizará bastante onde a transposição puder chegar.
ZONA SUL – Voltemos ao Ministério da Previdência...
JAIME – Esse talvez tenha sido o segundo maior desafio da minha vida. O ministro Garibaldi me chamou para a Secretaria de Políticas de Previdência Complementar, para ajudá-lo na parte técnica e no debate político visando a aprovação do fundo de pensão para os futuros servidores públicos federais. Os números assustavam: o déficit do regime próprio dos servidores públicos federais, no ano de 2010, foi semelhante a todo o orçamento do Ministério da Educação! O servidor público federal contribui com 11% do seu salário para a previdência, a União contribui com o dobro desse valor e ainda sobra um déficit equivalente a todo o orçamento do Ministério da Educação. E esse déficit tem crescido a uma taxa de 10% ao ano. Travamos durante todo o ano de 2010 e o início de 2011 o debate dentro das universidades, sindicatos, associações, estados, Congresso Nacional e partidos políticos, mostrando a proposta, a necessidade de sua aprovação e os números e projeções.  A liderança do ministro e o trânsito livre que ele tem junto aos partidos políticos representados no Congresso Nacional foram fundamentais para a aprovação da FUNPRESP.
ZONA SUL – A imprensa também ajudou...
JAIME – A mídia teve papel importantíssimo! O ministro determinou que antes de iniciar a discussão deveríamos dar à imprensa todas as informações possíveis. Ele convidou jornalistas dos grandes jornais, das grandes revistas e dos principais canais de TV para explicar-lhes os detalhes do projeto. Ao conhecer os números, a imprensa se tornou forte aliada. Foram vários os editorias e matérias favoráveis em importantes veículos de comunicação. Com dados sólidos e argumentos consistentes que nós tínhamos, obtivemos sucesso no debate. Até partidos que fazem oposição ao governo no Senado Federal e Câmara dos Deputados perceberam que ali não se tratava de um projeto de um partido, coligação ou de um governo, mas o projeto do Estado Brasileiro. A aprovação da FUNPRESP permitirá um redesenho interessante nas contas públicas. Na hora em que o governo acena com um futuro menos preocupante para a conta previdenciária, demonstra que está trabalhando efetivamente para o equilíbrio das contas públicas do Brasil. Apesar de os efeitos da FUNPRESP só serem no médio e longo prazo, já estamos convivendo com os benefícios de sua aprovação. No meio dessa queda de juros que houve, tem lá uma colaboração real da FUNPRESP. Com o apoio decisivo da presidenta Dilma Rousseff e a liderança do ministro Garibaldi, pudemos mostrar que é possível fazer reforma no Brasil através do bom debate. Se o projeto é consistente e há disposição para o diálogo, para a argumentação, é possível construir uma solução que seja a melhor para o país.
ZONA SUL – Se Raissa - sua filha que está cursando Direito - ingressar no serviço público você recomendará a ela que adira à FUNPRESP?
JAIME – Não somente recomendarei, mas direi que ela estará melhor protegida para a sua aposentadoria no novo regime do que no atual. Por uma razão básica: o atual regime não é sustentável no longo prazo. Quem entrasse no serviço público pensando nos benefícios de aposentadoria e pensão dos atuais funcionários iria se decepcionar ao longo da carreira, pois as mudanças decorrentes dos déficits crescentes seriam inevitáveis. O novo regime tem outras vantagens. Se ao longo da vida funcional o servidor sair do serviço público, ele leva suas contribuições para outro fundo que vá aderir. Essa portabilidade não existe no modelo anterior. Segundo: ele pode contribuir também sobre as gratificações dos cargos em comissão que ocupe, aumentando sua poupança e, consequentemente, o benefício que receberá na aposentadoria. Terceiro: no novo modelo, para cada cinco anos que ele adiar a sua aposentadoria, seu benefício crescerá 30%. Esse é um regime de previdência que o Brasil já conhece bem através da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica. No Brasil já existem mais de 300 fundos de pensão, com poupança acumulada que supera os R$ 160 bilhões, essenciais para a poupança interna e para os investimentos no nosso país.
ZONA SUL – Como fica a situação dos funcionários que ingressaram no serviço público federal antes de a FUNPRESP entrar em vigor?
JAIME – Para os antigos, não muda nada. O servidor público federal que entrar a partir de fevereiro é que vai estar submetido a esse novo sistema. Essa reforma respeitou todos os direitos adquiridos dos atuais servidores, e os novos servidores vão entrar com regras claras, sabendo o que vai reger a sua aposentadoria. Os especialistas dizem que o ministro Garibaldi conseguiu viabilizar a aprovação da maior reforma previdenciária que o Brasil conheceu até hoje. E de uma maneira pacífica e mansa, sem atropelar direitos ou expectativa de direito. Garibaldi, apesar do jeito pacato e conciliador, quando necessário enfrenta desafios e trava embates extremamente ousados. Ele tem conduzido o Ministério da Previdência pensando muito mais nas próximas gerações do que nas próximas eleições.
ZONA SUL – Qual será sua próxima missão no Ministério?
JAIME – Logo que a FUNPRESP foi aprovada, o ministro me deu outra missão: tentar interagir com estados e capitais para viabilizar a criação de um fundo que sirva como multipatrocinador para estados e municípios poderem também fazer reformas semelhantes nos seus regimes próprios de previdência. Não adianta só equilibrar as contas previdenciárias dos servidores públicos da União. Existem contas de estados e de municípios em situação preocupante. Então, o desafio para esse ano é tentar construir outro fundo - que estamos chamando de Prev-Federação - para tentar resolver também a situação das contas previdenciárias de estados e municípios.
ZONA SUL – Quando não está envolvido com o trabalho, onde gasta seu tempo? Em que você se diverte?
JAIME – Gosto muito de música popular brasileira: Vinicius, Toquinho, Chico, Caetano, Gal... Gosto também dos que cantam a nossa cultura como Luiz Gonzaga, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, Flávio José. Esses são meus focos preferidos na música brasileira. Gosto de tomar uma cerveja ou um bom vinho com os amigos, nos finais de semana. Na verdade sou um colecionador de amizades. Tenho amigos de diferentes vertentes em Natal. Também preservo as amizades da minha infância e adolescência de Caicó. A vida me agraciou com essa enorme coleção de amigos.
ZONA SUL – Você pode ser encontrado nas mídias sociais?
JAIME – No Facebook e Instagram, principalmente. Meu email é jaimemariz@yahoo.com.br. Estou à disposição para qualquer contato.
ZONA SUL – Você planeja algo para o futuro?
JAIME – Meu próximo projeto de vida é ser advogado, depois de ter passado 35 anos sendo engenheiro e professor. Quero advogar nessa próxima fase de minha vida, durante o tempo que Deus me der, a exemplo do meu pai, que morreu aos 83 anos, ainda advogando. Além disso, curtir a família e os amigos.
ZONA SUL – E planos para ingressar na política?
JAIME – Aqui e acolá me incentivam para entrar na política partidária. Até recebi convites para me candidatar em Caicó, minha terra. Mas considero que o meu perfil é muito mais técnico. Gosto de política, nasci dentro da política. Desde pequeno ouço e participo de movimentações políticas, mas essa participação é muito mais dentro dos bastidores do que no front.