quinta-feira, 15 de junho de 2006

Entrevista: Alex Madureira

O PARAÍBA ALEX MADUREIRA

Alex Madureira Barros costuma dizer que tem um nome paraíba e que, por ter nascido na capital João Pessoa, é capitalista. Músico, compositor e historiador nas horas vagas, ele nasceu lá pelos idos de 1954. “Sou um cara velho pra caramba”, diz ele, quando brinca com a idade. Essa velhice poderia até ser verdade, se certidões de nascimento merecessem crédito. Mas quem conhecer o paraíba Alex Madureira geralmente o considerará um meninão, metido naqueles bermudões abaixo do joelho e trajando boné com a aba virada para trás. O próprio palavreado, cheio de gírias, é de um garotão que tem pressa, muita pressa para viver. Confira agora o que ele contou ao Zona Sul, em entrevista realizada em meados de maio, em João Pessoa. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – Você é parente dos Madureira que fizeram carreira em Pernambuco, o Antônio e o Antúlio?
ALEX – Pois é, essa é uma coisa muito louca. Meu pai tinha uma irmã mais velha. Quando ele completou 13 anos, perderam os pais. Quer dizer, meu pai, com 13 anos, já não tinha mais nem pai, nem mãe. A família tinha terras na região do Cariri paraibano, em Cabaceiras, perto de Campina Grande. Com a morte do meu avô, meu pai e minha tia foram criados por uma professora. As terras da família foram loteadas e, em seguida, a irmã de meu pai foi para Caruau, em Pernambuco. E lá tem aqueles Madureira. Mas eu não sei realmente se somos ou não parentes. Sei que eles existem. Certa vez, em um evento aqui no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa, fui apresentado a Antúlio Madureira, que já nasceu no Rio Grande do Norte. E eu nem sabia que tinha Madureira no Rio Grande do Norte. Meu pai e minha irmã voltaram a se encontrar muito tempo depois. Eu e meus irmãos já tínhamos nascido e meu pai estava com família constituída. Ela veio aqui em João Pessoa e meu pai foi encontrá-la. Mas tudo ficou naquela velha história: “graças a Deus são todos brancos”. (risos). Quando voltaram a se ver, rolou esse clima e, depois disso, nunca mais se viram. Morreram sem se falar outra vez.
ZONA SUL – Qual era a ocupação do seu pai?
ALEX – Meu pai era gerente do Banco do Brasil, mas também era músico. Tocava saxofone. Ele tinha uma orquestra de frevo que tocava nos eventos tipo carnaval. Antes disso, por conta desse negócio de não ter pai, nem mãe, ele, logo cedo, com 17 anos, entrou no quartel. Era a única opção de vida que tinha na época.
ZONA SUL – Então quer dizer que você já herdou no sangue esse seu lado musical...
ALEX – Não sei se essa coisa tem uma verdade. Às vezes as pessoas falam que a musicalidade está nos negros... Conheço cada negro desafinado pra caramba! Pela parte do meu pai, como ele tocava sax, eu escutava muitas big bands americanas, Tommy Dorsey, Duke Ellington, sabe como é? Mas na frente da minha casa morava uma família de negros que eram radialistas da Rádio Tabajara. A emissora recebia uma enxurrada de discos de todos os estilos. Vinham, por exemplo, discos de jazz. Até então nunca tinha se tocado jazz na Paraíba. O cara levava esses discos para casa, porque sabia que não tinha como entrar na programação da rádio. E a gente ficava lá, escutando Thelonious Monk, Charlie Parker, Wes Montgomery, Miles Davis e por aí vai. O jazz é legal porque é aberto pra tudo. É como uma esponja: pega, filtra, constrói, inventa, passa para outro e não tem problema nenhum de desprezar o que foi feito antes. Não tem aquela coisa do folclore, de ter que manter a tradição e ficar repetindo. No meio dessa coisa toda tem também a música local. Muita gente descobriu a música regional da Paraíba olhando para fora, e não para dentro do estado. Zé Ramalho, que é o artista mais consagrado do estado, descobriu o folclore local através de Bob Dylan, que fazia música caipira dos Estados Unidos.
ZONA SUL – Mas você só ouvia jazz ou escutava também o som nordestino?
ALEX – Claro que sim. Na época, por exemplo, Jackson do Pandeiro era um artista consagrado, um sucesso. Além dele tinha um cara da Bahia que fazia boa música dentro de um contexto regional. Quando você faz música dentro de um contexto regional você tem certos limites estéticos. Se sair dos limites, deixa de ser regional. Mas esse baiano, dentro dessa gavetinha regional que só cabe tantos megapixels, ele criava coisas incríveis... Ary Lobo (Eu vou pra lua, eu vou morar lá / Sair no meu Sputnik do campo do Jiquiá). Esse cara era um gênio, ele rivalizava com Jackson do Pandeiro, só que Jackson cresceu tanto que ofuscou um pouco a carreira de Ary Lobo. Mas ele era um músico inventivo, tinha ritmo na letra.
ZONA SUL – Nessa época que você ouvia jazz com seus amigos da Rádio Tabajara e também se encantava com Jackson do Pandeiro e Ary Lobo, você já tocava?
ALEX – Já. Acho que eu tinha uns 13 anos quando comecei a tocar. Quando meu pai era gerente do Banco do Brasil, inventaram uma cooperativa, que era uma espécie de supermercado de hoje em dia. Ele foi escolhido para ser gerente. Vendia de tudo, de roupa a eletrodoméstico, mas só para os funcionários do banco. Como o negócio foi dando supercerto, numa dessas ganhei um violão Veronesi, que é uma marca de acordeom, de sanfona, e tal, feito no Rio Grande do Sul. Ruim pra caramba! Tem muita gente que desiste de tocar por falta de aptidão física para manusear o instrumento. Às vezes o instrumento é feito em um diâmetro completamente absurdo, fora de padrão. Você não tem conforto nenhum tocando um negócio daquele. Incomoda, seus dedos ficam duros, as cordas tem uma tensão exageradamente dura. Mas, não desisti, mesmo começando com um Veronesi. Dele passei para outros e por aí fui...
ZONA SUL – Mas você aprendeu sozinho ou estudou com alguém?
ALEX – Sou autodidata. Somente depois de muito tempo entrei na universidade. Fiz vestibular para Música. Sou da primeira turma de Música da Universidade Federal da Paraíba. Éramos oito alunos. Alguns viraram músicos, nem concluíram o curso e se jogaram mesmo na vida do som, enquanto outros concluíram e são as pessoas que hoje administram a Orquestra Sinfônica da Paraíba.
ZONA SUL - Enquanto você estava aprendendo a tocar violão vislumbrava algum objetivo? Já compunha alguma coisa?
ALEX – Na minha vida toda eu sempre agi como compositor. Nunca gostei de tocar a pedidos. Eu sempre respondia que não sabia. E respondia que tinha uma música bacana que eu fazia, e tal... Fui me impondo nesse lance de fazer música autoral na Paraíba. Hoje em dia nosso estado tem muita gente boa como Chico Correia, Cabruêra e Escurinho. São referências. Quando você escuta o som de um deles, se remete à Paraíba e, ao mesmo tempo, vê o mundo, por causa da mistura que eles fazem.
ZONA SUL – No começo, como você fazia para divulgar seu trabalho? Fazia shows, tocava para amigos?
ALEX – Eu já fiz de tudo, toquei em conjunto de baile, até fiz parte de uma banda do Rio Grande do Norte, chamada Flor de Cactus!
ZONA SUL – Como foi essa história?
ALEX – Tinha saído o guitarrista do Flor de Cactus. Um dia me encontrei com Mingo, Neguinho, Chico Guedes, Babal, as figuras que faziam a banda. Lenine morava na minha casa no Rio de Janeiro.
ZONA SUL – Vamos colocar um pouco de suspense nessa sua participação no Flor de Cactus e voltar um pouquinho atrás. Como é que você chegou ao Rio?
ALEX – Cara, eu cheguei no Rio tocando numa banda chamada Gasolina Azul, olha só. Ela nunca chegou a lugar nenhum, nem a um posto de gasolina (risos). Éramos eu e um brother aqui de João Pessoa, chamado Alexandre Carneiro, figura conhecidíssima aqui, no Rio de Janeiro e em Recife. Ele é referência, amigo de Alceu Valença. Morou em Londres, deu a maior assistência a Alceu, em sua carreira. Alceu, na batalha, e Alexandre ajudando. Aliás, Alexandre é de Natal, apesar de seus pais terem nascido aqui. Nasceu lá, mas foi criado aqui. Daqui foi morar em Londres e depois no Rio. Naquela transição de artistas que vão tentar um lugar ao sol no eixo Rio-São Paulo, Alexandre Carneiro era uma espécie de embaixador do Nordeste no Rio. Todos ficavam lá com ele, Alceu, Don Tronxo, Geraldinho Azevedo... Como éramos vizinhos aqui de Cabo Branco, e eu tocava guitarra, fizemos umas demos por aqui e mandamos pro Rio. Ele me convidou para sua casa no Rio de Janeiro. Só que Alexandre Carneiro é primo legítimo de Lenine. Eu já conhecia Lenine desde a época de moleque, porque ele passava as férias aqui na Paraíba, em João Pessoa. Quando estou no Rio de Janeiro, encontro o Lenine já levando um violão jeitoso, estiloso pra caramba. O jeito dele tocar violão é uma coisa fantástica. De repente, entra o Lenine no meio do negócio, na casa de Alexandre Carneiro, blá-blá-blá. É quando entra Zé Ramalho, que foi também para o Rio fazer show. Não tinha casa. Então ele e sua banda também ficaram hospedados na casa de Alexandre.
ZONA SUL – Vamos acabar com o suspense. E o Flor de Cactus?
ALEX – No meio desse burburinho todo entra o Flor de Cactus. Chagas era um puta guitarrista. Joca, bom pra caramba, referência na guitarra no Brasil e talvez até no mundo. Joca é incrível, acho até que ele tem uma escola de música em Natal, um puta músico, super-talentoso. No meio desse negócio, Chagas resolveu voltar para o Rio Grande do Norte, enquanto o pessoal decidiu alugar uma casa em Jacarepaguá. Eu morava em Botafogo, com Lenine, Ivan Santos e Bráulio Tavares, e ensaiava em Jacarepaguá, com o Flor de Catus. Chegamos a gravar um disco, Alicerce da Terra, que é até uma letra de Bráulio Tavares. Nessa época já tinha aquela onda de interagir o Rio Grande do Norte com a Paraíba e Pernambuco. Esses três estados são praticamente vizinhos, a Paraíba no meio dos dois. Depois dessa época, perdeu um pouco o convívio cultural entre Paraíba e Rio Grande do Norte. Criou-se uma lacuna que até hoje não entendo o porquê. Sou amigo pra caramba do pessoal de Pernambuco, e, ao mesmo tempo, desde Flor de Cactus e Terezinha de Jesus, negócio das antigas, conheço pouca coisa do Rio Grande do Norte. Hoje em dia o que tenho escutado é Du Souto, uma banda legal pra caramba. Ta na onda fazendo uma música esperta, moderna, e ao mesmo tempo com referências que remetem ao seu lugar de origem. Mas ficou essa lacuna.
ZONA SUL – Você passou quanto tempo no Rio? Por que voltou para a Paraíba?
ALEX – Morei onze anos. Voltei para João Pessoa, mas continuo indo e voltando. O universo, ao mesmo tempo que cresceu, também diminuiu as distâncias através da computação, não sei o que, Internet, bababá, essas coisas. Por aqui tem um negócio legal, mano, João Pessoa é uma cidade que tem uma atitude cultural bacana. Lógico que o poder público nunca enxerga esse tipo de coisa. Por exemplo, Escurinho, artista local, faz show em São Paulo, na Bahia, em Brasília, viaja pra caramba e aqui é uma coisa não tão reconhecida. Mas a gente já desencanou desse tipo de coisa. Não é algo que afete mais, a gente não vai deixar de tocar por isso. O Brasil é uma universidade de estilos, cada estado tem uma peculiaridade, um evento cultural característico, uma personalidade estética dentro de um contexto folclórico, né isso?
ZONA SUL – O que você já gravou? Quais os registros em disco? Chegou a lançar algum sozinho?
ALEX – Eu tenho um disco que ainda não lancei, o nome é “Deu o carai!”. É um disco de forró, só que sem sanfona. É guitarra, zabumba, triângulo e contrabaixo. É um trabalho até técnico, porque você tem que adaptar uma palhetada de guitarra, uma digitação, para que o negócio fique o mais próximo possível de como é que funciona a música na sanfona, no teclado e tal. É uma coisa que me dediquei bastante, passei uns dois anos malhando esse tipo de coisa pra tentar reproduzir a digitação da sanfona, só que tocada pela guitarra e de uma forma que você escutasse o forró mesmo tradicional.
ZONA SUL – Por que nunca foi lançado?
ALEX – Por minha irresponsabilidade mesmo. Eu mesmo não me administro. Eu toco, tenho estúdio, as pessoas gravam – Escurinho, Fuba, uma pá de gente – comigo, produzo os discos, mas comigo talvez eu não me respeite tanto. (risos).
ZONA SUL – Gravando com outros artistas, que trabalho você mais gostou de ter feito?
ALEX – Todo dia que pinta um trabalho, é um novo desafio, uma nova forma. Você tem que pensar de um jeito, não pode fazer o que já fez com outro artista, tem que criar algo diferente. Esso é o grande lance, de você mudar. Mas dos que fiz na minha casa, gosto dos discos de Escurinho, gosto de Paulinho de Tarso, um cara que mora na Suíça. Esse disco foi super-bem aceito lá. Hoje em dia ele sobrevive profissionalmente desse disco, que vende muito, e ele é um cara aqui da Paraíba. Mas ninguém sabe quem é Paulinho de Tarso por aqui. Gosto do Quinteto da Paraíba, que não tem nada a ver com guitarra, com nada, já é música clássica. Bom pra caramba. Escrevi algumas peças. Quando você fala em música clássica tem que falar “escrevi algumas peças” (rindo e ironizando). Os caras têm música minha gravada que virou trilha de peça de teatro na Inglaterra, não sei o que lá. Também gosto dos discos locais de frevo, apesar de serem sazonais, só funcionarem naquela época. João Pessoa tem uma tradição de frevo que herdou de Pernambuco, por conta da convivência próxima. Os músicos da Orquestra Sinfônica daqui, a parte de sopro, reverenciam o frevo porque é uma música virtuose. Quem toca frevo tem que tocar o instrumento bem. Não tem aquele meio-termo de tocar mais ou menos. Quem tocar Vassourinha, esses rifs mais tradicionais, tem que fazer exibicionismo mesmo. Vassourinha é um Código da Vinci, quando soa aquele ta-rã-rã-rã-rã-rã-rã... todo mundo levanta a mão e já sai pulando. Temos um bloco maravilhoso que é o Muriçocas do Miramar, no qual toco com Fuba, parceiro nosso, que hoje em dia é vereador em João Pessoa e está exercendo um mandato legal pra caramba. Sem querer babar ovo de político, mas ele é o cara que está abrindo as portas da cultura aqui.
ZONA SUL - Como funciona esse Muriçocas do Miramar?
ALEX - Fuba tem o Muriçocas do Miramar que todo ano bota 400 mil pessoas na rua. João Pessoa tem 800 mil pessoas, metade da população sai no bloco. Você não acredita. É um evento louquíssimo, e é fora do calendário carnavalesco. Nos dias de carnaval, a cidade fica um deserto, todo mundo ou volta para o sertão ou vai para as praias. Muriçocas do Miramar é a prévia. Toco nele há 18 anos. Ele tem 22 anos. Possui uma estrutura absurda, são 20 trios elétricos, algo megalomaníaco. João Pessoa se encontra nesse bloco. E eu tenho o prazer de gravar esses discos. Um bloco sem música não é bloco, é enterro. Tenho uma participação legal, junto com Fuba, que é o compositor oficial, já são três cds gravados. Musicalmente, vivo assim: faço, produzo, toco. Hoje, o grande lance hoje é você editar a música. O pós-produção é que é o complication. Você tem uma série de plugins de computação.
ZONA SUL – E sua ligação com a história da Paraíba?
ALEX – Tenho uma biblioteca sobre a cidade de João Pessoa que herdei de um amigo meu, que é fotógrafo, Gustavo Moura. Quando seu pai, que era historiador, morreu, ele ficou sem saber o que fazer com os livros. Eu pedi a parte que tratava da Paraíba. Levei pra minha casa e li. Eu morei 11 anos no Rio sem prestar tanta atenção na minha cidade. Depois que você está fora é que começa a ter uma visão mais macro. Vê com outro olhar. Voltei pra João Pessoa e me envolvi com um pessoal, através de Fubá. Lá desenvolvemos uma série de atividades.
ZONA SUL – Por falar nisso, o que você está achando dessa primeira Bienal Nacional do Livro da Paraíba? Para que o leitor saiba, nós estamos conversando na sala vip do estande montado pelo Senado nessa feira literária realizada em João Pessoa.
ALEX – Esse evento é uma raridade. Uma feira de livros é a coisa mais bem vinda que pode ter dentro de uma cidade, né mano? O preço da livraria do Senado não tem quem ganhe. E não é apenas o preço, é o conteúdo que a gráfica está oferecendo. Essa iniciativa é uma coisa positiva pra caramba: você botar informação de boa qualidade dentro de uma embalagem perfeita. Esse livro de Gaspar Barléu, O Brasil Holandês sob o Conde João Maurício de Nassau, pra mim é muito importante. Eu tive esse livro, mas ele era tão velho que eu não conseguia ler. Tinha páginas coladas, não dava para ler na cama, por exemplo, porque ele estava se deteriorando. Caia poeira na sua cara. Não consegui ler o livro inteiro pela própria condição física dele. Mas tem uma linguagem, umas observações fantásticas. Os ataques holandeses. O primeiro tiro disparado por um canhoneiro, essas coisas.
ZONA SUL – O que você tem escutado hoje em dia?
ALEX – Cara, eu não consigo escutar muita coisa porque vivo de música. Passo o tempo todo gravando, escutando, repetindo, aquela coisa. Sabe como é gravar um disco, né? Você pega uma música e escuta no mínimo umas mil vezes. Tem um clique aqui que você só descobre três dias depois. Mas, musicalmente, uma coisa bacana é a democracia digital. Hoje em dia você com um computador de 5 mil reais consegue obter o mesmo som de um cara que tem um computador de 50 mil reais. Você consegue chegar a um resultado bacana, se for criativo. Você faz fogo com duas pedras.
ZONA SUL – Você está planejando alguma coisa?
ALEX – Meu plano é para João Pessoa. Nossa cidade é complexa por ser litorânea, por ter nascido na beira de um rio. Até hoje ainda tem conflito. Aqui é uma pequena Brasília. Em relação ao estado, todas as pessoas dos outros municípios convergem pra cá. Uma boa parte da migração que não vai para Rio, São Paulo ou Brasília fica aqui mesmo na capital. E por conta disso, existe um ranço meio provinciano. Você chega na Câmara Municipal, tem 21 vereadores, só dois nasceram na capital. O resto é tudo do sertão. Na mídia, num universo de seis jornais, dois jornalistas nasceram na cidade. O resto é tudo do interior, com aquele estilo de vida característico dos funcionários públicos. Falam que o baiano não nasce, ele estréia. Dizem que ele é um artista nato. Fazendo uma analogia, o paraibano não nasce, ele é nomeado. É um funcionário público por natureza. Essa cidade já nasceu cidade, ela não foi vila, não passou por município, não sei o que, até virar cidade. Do dia pra noite, o rei resolveu fazer disso aqui a capitania real da Paraíba. Militarmente, a Paraíba é super-bem conceituada, mas socialmente ela é fora do eixo geopolítico do estado. Ela está num istmo. O acesso a Paraíba sempre foi uma coisa complicadíssima, desde a colonização. O interior da Paraíba tinha muito mais acesso com Pernambuco, que era a capitania vizinha, do que com a própria capital. As pessoas vinham de Recife, entravam em Goiana e iam direto para o sertão. E a capital era lá em Cabedelo, na beira de um rio. Militarmente, estrategicamente falando, era uma coisa defensável pra caramba. O outro nome que a Paraíba teve, Filipéia de Nossa Senhora das Neves, só rola nos anais históricos, no diálogo coloquial, no dia-a-dia isso aqui sempre foi Paraíba.
ZONA SUL – Então você defende que a cidade deveria voltar a se chamar Paraíba, e deixar de ser João Pessoa...
ALEX – João Pessoa é um apelido que colocaram na cidade de Paraíba. Portanto, João Pessoa é Paraíba. Não quero desmerecer João Pessoa, que foi uma figura legal, não sei o que, teve seus méritos e defeitos. Mas o que acontece é que nada é maior do que esse nome Paraíba. Esse nome pra mim é tudo. É o começo de tudo. As guerras que aconteceram, o sangue derramado... Hollywood e o velho Texas não têm a menor noção do que aconteceu aqui nessas terras, cara. Em termos de batalhas, de guerra, de sangue e de coisas brutais. A colonização da Paraíba, do rio Paraíba, no caso, foi uma coisa. Foram cinco tentativas e todas elas rechaçadas de forma sangrenta. Tem uma coisa fantástica que os historiadores não relevam isso. O rio tem duas margens. Em uma delas moravam os potiguaras, que denominaram o Rio Grande do Norte, que ficavam do outro lado do Rio Paraíba, em Costinha, Lucena, Baía da Traição... Na outra margem tinha uma outra tribo que era do mesmo tronco lingüístico, seriam primos entre si, num termo mais civilizado. Eram os tabajaras, da baía. Eles seriam os Red Hunters, caçadores de cabeça. Operavam para os portugueses. Eram índios que caçavam índios para vender como escravos para os portugueses. Um dia, na baía, houve um problema quando um capitão-do-mato resolveu incluir os tabajaras também como escravos. Eles se rebelaram, fugiram. Depois voltaram, se entenderam com os potiguaras e ficaram na margem direita do rio. Os tabajaras e os potiguaras resistiram a cinco tentativas de colonização portuguesa aqui na Paraíba. As festas indígenas eram uns bacanais que não acabavam nunca. Os caras não tinham horário, nada pra cumprir. Festa de índio é parecido com o carnaval de Campina Grande, 30 dias de festa. Tipo as bodas de Canaã. O casamento tem 56 dias de festa. No meio de uma festa dessas, duas índias uma potiguara e uma tabajara, discutiram por conta de um papagaio. Criou-se uma celeuma e se desenvolveram dois anos de luta por causa desse papagaio. Do mesmo jeito que os caras gostavam de festa eles gostavam de briga também. Depois de dois anos, um chefe chamado Aderbal Piragibe, vendo que sua tribo terminaria sendo exterminada, foi a Olinda e se rendeu ao bispo de lá. Levou a tribo junto. Saíram daqui pra Olinda 3 mil índios. Só assim os portugueses fundaram a Paraíba.
ZONA SUL – O que você pretende fazer com esse volume todo de informações que acumulou, e continua acumulando, sobre a Paraíba? Um livro, por exemplo, um documentário, um filme?
ALEX – Penso em fazer um dvd. Esse dvd é uma coisa que já vi em tv a cabo, seria um julgamento histórico. A gente tem uma série de eventos. Por exemplo, a gente tem o problema do mensalão, hoje em dia. Nas histórias locais tem uma série de coisas obscuras que eu gostaria de rever de forma bem humorada. Não de forma rancorosa ou vingativa. Só mostrando o que aconteceu. O dinheiro era para fazer uma ponte, o cara fez isso, fez aquilo, a ponte era uma obra de um ano, demorou dez. Por aí vai. Seria uma revisão do próprio umbigo. Não uma coisa pra levar para outros estados. Seria mais pra resolver um problema interno, um posicionamento político interno. Por exemplo, sou a favor de que essa cidade seja o que sempre foi: Paraíba. Em 1930 houve um fato, mataram o presidente, na época não existia o cargo governador, chamava presidente de estado. Ele foi assassinado, mas foi por uma variante que não tem nada a ver com a verdadeira revolução de 30. Ele foi morto por um aliado. Tiveram vários fatores. Tinha o fator nacional, o estadual e o partidário. Nós somos de uma determinada sigla, e vamos para uma convenção decidir quais vão ser os candidatos e a gente chega a um consenso agora de noite, amanhã de manhã eu vou ao jornal e mostro uma chapa que não tem nada a ver com o combinado. Resultado: a morte de João Pessoa foi uma coisa partidária. O camarada que criou a possibilidade do presidente ser morto se chama José Américo de Almeida, que é um ícone, um culto. Ele criou o regionalismo na literatura, mas foi também o camarada que atirou indiretamente. Ele criou o factóide que fez com que houvesse essa causa. Ele, José Américo, foi quem resolveu mudar o nome de Paraíba pra João Pessoa. Mas esse fato foi importante pra Paraíba, mas para o resto do país não teve essa relevância toda. João Pessoa morreu sem saber quem atirou nele. Essa mudança de nome criou uma baixa auto-estima no estado até hoje. Ninguém fala rio-grandense de merda. Mas paraíba é um palavrão, uma coisa meio pejorativa. Paraíba no Rio e baiano em São Paulo. Quando você vai xingar um cara do Nordeste, o chama de paraíba. “É um paraíba mesmo”. Eu sou a favor disso mesmo, do paraíba pejorativo, “xingue mesmo, seu merda, a gente é paraíba mesmo e vá se lascar”. O paraíba era um camarada revoltado, se você xingasse ele ia lá e brigava com você. Na medida em que você mudou o nome para João Pessoa, um camarada que governou um ano e seis meses, passamos a ser pessoenses. Parece que passamos a fazer parte de uma oligarquia. Você tem um sobrenome, não uma naturalidade. Você é daquela família e tal. Eu comecei a levantar essa bandeira, “a gente é paraíba mesmo, cara”. Ninguém sabe o que é pessoense. Se você falar Paraíba, já sabe o que está acontecendo. Meu problema hoje em dia é que tem muita gente querendo mudar o nome da cidade. Mas há várias correntes. Uma quer chamar de Cabo Branco, outra de Sanhoá, outra de não sei o que. O lado que defende João Pessoa está firme e forte por isso, pela divisão dos que são contra esse nome. Todo dia aparece um nome, “vamos chamar Nuvens Azuis”. Mas tem um conceito histórico. Temos 422 anos, essa capital, trezentos e noventa e tantos foi Paraíba. Tivemos cinco nomes. Mas toda vida era Paraíba.
ZONA SUL – Mande um recado para Natal, quem sabe a união que existia antes com os músicos da Paraíba não pode ser retomada?
ALEX – Natal era mais perto mesmo. Quero mandar um recado pro Rio Grande do Norte, pra Natal especificamente. Natal é cosmopolita pra caramba. Pô, a praia da Pipa deu uns insights interessantes no consciente de Natal. Eu adoro essas bandas que tão acontecendo. Tem um outro cara chamado Alex Meireles, de Natal, teve várias bandas lá. Garotão, rapaziada mais jovem. Por mim eu interagia mais politicamente, uma prefeitura faria intercâmbio com a outra. A gente tem uma vizinhança mágica. Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará... Paraíba no meio. Tentei fazer um projeto, Fronteiras, pra interagir, mas não deu. Natal tem um festival incrível, o Mada. Só que é uma época. A gente precisaria de um mercado durante o resto do ano. A gente toca no verão, mas depois tem que esperar o próximo ano chegar pra ter show. O verão está perfeito, todas as prefeituras estão promovendo eventos maravilhosos. Mas e quando acaba isso? E o resto do ano, como é que fica? A gente precisa interagir. Meu email é alexmadureirapb@yahoo.com.br . Escrevam. A gente interage, baixa músicas, essas coisas todas. Vários artistas locais deixam música pra baixar. A gente tem que baixar as mangas e mandar ver. Meu irmão, a gente falou pra caramba, não foi?