domingo, 30 de julho de 2006

Entrevista: VALÉRIA OLIVEIRA

VALÉRIA TIPO EXPORTAÇÃO




A natalense Valéria Silva de Oliveira é uma das principais artistas da música potiguar. Depois de fazer sucesso em Natal e no Japão, ela agora está ensaiando conquistar o país. Para isso lançou recentemente um CD com distribuição nacional. Foi justamente no lançamento desse disco em Brasília que pude encontrá-la para essa conversa. O papo foi regado a chopp e churrasco de alguns cortes de carneiro e gado. Depois que o gravador foi desligado, chegaram para o final da festa os jornalistas potiguares Sebastião Vicente, sua esposa Rejane Medeiros e Gustavo Porpino, além do mineiro Nélson Oliveira. Confira agora o que Valéria anda aprontando por aí... (Roberto Homem)


ZONA SUL – Você nasceu há muitos anos?
VALÉRIA – Vamos mudar de assunto(risos)... Nasci em 1969.

ZONA SUL – Sua família tinha alguma ligação com música ou você foi a desbravadora nessa área?
VALÉRIA – Eu não conheci um tio que se chamava José. Quando nasci, ele já tinha falecido. Mas sei que ele foi seresteiro em Natal. Acho que minha mãe herdou dele o gosto por ouvir música e cantar. Mas ela nunca foi uma cantora oficial. Cresci ouvindo música através de minha mãe.

ZONA SUL – Que tipo de música ela costumava ouvir?
VALÉRIA – Ouvia muito samba. Por isso, até hoje, o trabalho de Clara Nunes para mim é inesquecível. Ouvia também Beth Carvalho, Alcione, Agepê... Ouvia todos os sambistas e muita música antiga também. Gostava de Nélson Gonçalves, Orlando Silva, Agnaldo Timóteo, Ângela Maria...

ZONA SUL – E você apenas ouvia ou gostava?
VALÉRIA – Gostava do que ouvia e cantava junto. Curti muito os discos de Alcione. Já entrando na adolescência passei a ouvir também muita MPB através do meu irmão, Aldemário. Era um outro tipo: Elis Regina, Gonzaguinha, Edu Lobo, Chico Buarque... Influenciou bastante às primeiras vezes que cantei, que foi na rádio Cabugi AM. Comecei com esse tipo de repertório: música antiga, samba e bossa nova.

ZONA SUL – Quando você começou a ouvir música por conta própria, sem a influência da mãe ou do irmão?
VALÉRIA – Na adolescência passei a ouvir uma série de coisas, como Rita Lee, Kid Abelha e muitas bandas. Eu era de fases. Ouvi também um pouco Legião Urbana e aquele som da época. Ah, lembrei agora que tive uma coleção de discos de Simone. Foi outra que passei a ouvir por causa do meu irmão. Lembro até hoje de um disco ao vivo, gravado no Canecão. É maravilhoso, foi bem marcante. A partir dele passei a colecionar os discos de Simone. Mas foi uma fase. Hoje em dia não ouço mais.

ZONA SUL – Seu trabalho sofre influência dessa salada toda que você ouviu?
VALÉRIA – Sem dúvida nenhuma. Gosto muito das cantoras que têm personalidade forte. É bem marcante a presença de uma Elis Regina na minha vida, por exemplo, pela força do canto dela. Admiro muito nos artistas da música não só uma boa afinação, não só a escolha de um repertório bem feito, mas também a apresentação. Gosto de ver um cantor vivo no palco, transmitindo sua força para quem está assistindo. Uma das cantoras que mais me marcou foi Clara Nunes. Eu via muito isso no canto dela: essa fortaleza, essa luminosidade, essa transcendência. Isso tudo é bem importante para nós que trabalhamos com música. Pelo menos para mim é fundamental.

ZONA SUL – Como você descobriu que cantava?
VALÉRIA – Começando a me interessar em aprender violão, nas rodas familiares. Como minha mãe gostava muito de música, atraia pessoas que gostavam também, como uns primos, especialmente um chamado Walce Araújo Dantas, já falecido. Ele ia muito lá em casa, no final de semana, e ficava tocando junto com meus irmãos mais velhos. Somos seis irmãos, só dois não tocaram. Os outros quatro pelo menos começaram. Meu irmão mais velho tocava muito com Walce e eu ficava ali, ligada sempre na música, curtindo. Comecei com as famosas revistinhas de violão a pegar as músicas, sozinha. Aí fui desenvolvendo, dessa forma até autodidata. Essa roda familiar se tornou uma roda de amigos da minha mãe, de pessoas que moravam no bairro, seresteiros também...

ZONA SUL – Qual era o bairro?
VALÉRIA – Candelária. Eu nasci nas Rocas, mas fui para Candelária com sete, oito anos. Nessa roda de amigos da minha mãe encontrei um cara que se chama Martins Filho. Na época, era radialista. Tinha um programa chamado Show da Cidade, na Cabugi AM. Ele começou a se interessar pelo que estava ouvindo, por aquelas pessoas amadoras que se reuniam com freqüência e gostavam muito de música. Meu irmão, Marcos, e minha prima, Romeika, participavam. Ele nos convidou junto com esses seresteiros mais velhos para participar de um dos seus programas. O programa acontecia às 11 da noite, e a gente simulava uma mesa de bar. Ficávamos lá brincando, conversando com os ouvintes. Ligavam com perguntas. A gente cantava descontraidamente. Tenho até algumas fotos dessa época. Foi Martins Filho quem começou a me direcionar para shows. Eu ainda muito nova...

ZONA SUL – Qual a idade?
VALÉRIA – Eu tinha uns 14 anos. Minha mãe começou a se preocupar quando viu que a coisa estava partindo para um lado mais sério. Me acompanhava nos shows, cheguei a ir para cidades do interior, a abrir shows na Casa da Música Popular Brasileira, ali na Praia do Meio, naquela época. Passei um período com Martins, ele fazendo esse trabalho comigo, que deve ter durado um ano, mais ou menos. Depois, não sei por que cargas d’água, deu na minha cabeça que não era aquilo que eu queria fazer.

ZONA SUL – E o que você queria fazer na época?
VALÉRIA – Eu desconfio que era o estilo que me incomodava. Na época eu não tinha nem entrado na ETFRN. Mas aquele processo todo passou a não me atrair. Não era por eu não gostar de música, mas eu estava meio infeliz, até precocemente, com o tipo de música que ele me sugeria cantar, que eram músicas mais comerciais. Eu tive que dar uma parada estratégica, que durou um ano.

ZONA SUL – Que músicas comerciais eram essas?
VALÉRIA – Cheguei a cantar Rosana, algumas coisas de Sandra de Sá... Cantava Simone, que eu gostava. A tendência era partir para um lado mais comercial até pela casa que eu estava trabalhando, na época, que era a Casa da MPB, que apresentava cantores mais populares. Como eu era muito jovem, não consigo nem lembrar ao certo os motivos que me fizeram parar. Mas algumas pessoas que já me conheciam de Candelária começaram a me convidar para participar de festivais. Participei do Festival do Sesc, do Festival de Candelária e comecei a cantar em bares. Nesse período meus pais ainda estavam querendo me acompanhar, porque me achavam muito jovem.

ZONA SUL – Qual foi o resultado dessa sua participação nesses festivais?
VALÉRIA – Não passei da primeira fase (risos). Ainda teve uma passagem minha, lembrei agora, que um amigo me ouviu cantar e me apresentou para a Banda dos Anos 60. Fiz um teste, na época, mas não passei. Comecei a me frustrar. Aí fui para o Tropicália Night Bar com esse mesmo amigo, lembro que Carlinhos Moreno, Wigder e uma galera tocavam lá. Era uma turma da pesada, e eu morrendo de medo até de olhar para as pessoas. Tímida que mais era impossível. Acho que a timidez me atrapalhava muito nesse período. Eu também não fui selecionada para cantar no Tropicália. Foi uma série de “nãos” iniciais. Mas passei a cantar em bares com mais regularidade. O primeiro bar onde cantei foi o Bora Bora, na estrada de Ponta Negra.

ZONA SUL – Onde você aperfeiçoou o violão aprendido nas revistinhas?
VALÉRIA – Tenho uma tendência legal para tocar violão e também sou muito observadora com quem toca. Uma das grandes referências para mim no violão é João Bosco. Sou completamente apaixonada, fissurada por aquele violão dele que só falta falar. Só vim começar a estudar depois de mais velha. Entrei na Escola de Música já depois de formada. Formei-me em 1991. Foi de 1993, 1994 pra cá que fui estudar música.

ZONA SUL – Você se formou em que?
VALÉRIA – Em engenharia civil. Fiz Edificações na Escola Técnica. Meus irmãos fizeram também. Quatro deles fizeram ETFRN. Na época da ETFRN comecei a trabalhar em escritórios de amigos de meus irmãos que eram engenheiros. O primeiro onde trabalhei foi a Plantae. Passei uns oito anos trabalhando lá. Era mais na área de desenho. Meu interesse de entrar no curso de edificações é porque eu achava interessante os desenhos e projetos que meus irmãos faziam. Comecei a brincar com isso e terminei entrando no curso e me dei super-bem como desenhista. Nesse período saí da ETFRN e fui cursar engenharia civil.

ZONA SUL – Quando resolveu se dedicar integralmente à música?
VALÉRIA – Por volta de 1998. Antes, trabalhei em outro escritório, projetando e abri um escritoriozinho com uma amiga de faculdade, mas durou pouco. Meu tempo ficava apertado, pois eu já estava envolvida com a música e era uma loucura trabalhar de manhã, de tarde e de noite, nos finais de semana. De quinta-feira em diante tinha show. No outro dia eu estava morrendo de sono, não conseguia dar conta de tudo. No decorrer do tempo vi que não tinha mais condições de levar as duas carreiras adiante.

ZONA SUL – Foi fácil optar pela música?
VALÉRIA – Foi inevitável. Eu tinha um pouco de receio pela questão do mercado mesmo, que é complicado. Mas não tinha mais jeito. Eu já estava envolvida até o pescoço, completamente apaixonada.

ZONA SUL – Seu único instrumento é o violão?
VALÉRIA – Eu até tentei estudar violoncelo, mas o período não ajudou. Eu estava muito ocupada, parei. Mas entrei duas vezes para estudar violoncelo. Esse é um instrumento que, se der, eu ainda quero aprender. O outro é o clarinete.

ZONA SUL – Quando você começou a compor?
VALÉRIA – Comecei a compor há dois anos, mais ou menos. Esse estímulo inicial para composição veio do meu produtor no Japão, Kazuo Yoshida, inicialmente em trabalhos de músicos japoneses. Ele me apresentou uma saxofonista japonesa, que é da banda dele, Tchieko Tsumi. Ela me mandou duas melodias, eu coloquei letra. Antes de fazer essas parcerias com ela, Yoshida já tinha me mandado uma melodia dele, que eu tinha colocado letra. Essa música, Flor da Felicidade, foi gravada agora no CD Imbalança. Depois dessa parceria com Kazuo fiz as duas com Tchieko. Em seguida gravei também músicas em parceria com o baixista japonês Tetsuo Sakurai. Nesse projeto do Tetsuo, entraram também Rosa Passos, Ivan Lins, Djavan e uma cantora japonesa que não recordo o nome. O CD se chama Cartas do Brasil. Depois desses dois discos finalmente chegou o momento de fazer o Imbalança. Além de Flor da Felicidade, o disco contém uma música só minha, Fogo do Inverno. De certa forma foi Yoshida que me botou nesse imprensado. Eu tinha sempre um receio grande de me expor. Na seqüência encontrei duas pessoas muito queridas, dois compositores de Natal muito jovens, Luiz Gadelha e Simona Talma. Devido nossos encontros constantes para farras, à nossa identificação musical e tudo o mais, começamos a fazer algumas coisas juntas. Foram grandes estimuladores. Hoje em dia estou em um momento muito feliz com relação a isso porque compor já faz parte do meu cotidiano. Venho trabalhando isso junto com eles e outros artistas da cidade como Cristal, Romildo Soares, Ângela Castro, Carlos Gurgel e Iracema Macedo. É uma honra poder estar trocando com esses outros artistas e poetas.

ZONA SUL – Voltando um pouco no tempo, você falou que teve certa decepção com o repertório que estava cantando, deu uma parada e retornou. Esse retorno foi com qual repertório?
VALÉRIA – Voltei cantando uma MPB mais sofisticada, que era o que eu gostava. Por exemplo, O bêbado e o equilibrista que era sucesso na época. Era o auge. Hoje é uma música bastante batida. Voltei cantando Caetano Veloso, Elis Regina, João Bosco e uma série de artistas que eu já adorava e curtia à muito tempo. Na época eu não tocava. Só cantava.

ZONA SUL – Quando você começou a olhar para os compositores da terra?
VALÉRIA – A partir do primeiro CD, o Impressões, projeto iniciado em 1996 e finalizado, com o lançamento do disco, no ano seguinte. Depois de várias passagens por bares fui conhecendo pessoas que faziam música de boa qualidade. fui apresentada a vários compositores da cidade. Apesar de não ter sido o motivo decisivo, também pesou para eu gravar artistas locais a questão dos direitos autorais. Mas eu queria mesmo era divulgar a música potiguar, que é o que venho fazendo, à medida do possível. Neste primeiro CD gravei duas músicas editadas, Pano pra manga (Rosa Passos e Paulo César Pinheiro) e Faca (Fátima Guedes).

ZONA SUL – Qual a repercussão desse seu primeiro trabalho?
VALÉRIA – Na cidade, ainda era novidade a gravação de CD. Gravei através da primeira lei de incentivo à cultura que pintou, o Profinc. Saíram algumas críticas, na cidade, favoráveis. Mas eu estava num processo de aprendizado. Também estavam nessa mesma fase os músicos enquanto músicos, o arranjador enquanto arranjador. Vale destacar que os técnicos nos pequenos estúdios faziam milagres. Todo mundo, de certa forma, estava aprendendo a fazer um CD. Acho que o disco reflete muito isso. Hoje ele está remixado e remasterizado numa segunda prensagem. Mas ainda com a mentalidade da época da música complicada, de que o bom é o complicado. A gente ainda estava com aquela sede de muitas notas, de arranjos complexos. Foi nesse clima que o disco foi feito, mas acho que pra um primeiro CD e pras condições que nós fizemos na nossa pequena cidade, foi um trabalho bem interessante.

ZONA SUL – Esse primeiro CD abriu muitas portas? Teve alguma influência na sua carreira?
VALÉRIA – Não vou dizer que ele abriu muitas portas, até porque acho que até hoje as portas para Natal ainda estão bem fechadas. Temos dificuldade de saber com quem tratar fora da cidade, como atingir os contatos interessantes fora de Natal para fazer com que nosso trabalho ganhe o Brasil. Não temos aqui quem faça o trabalho de nos colocar em contato com produtores, produtoras e gravadoras. A cidade ainda está muito fechada em relação a isso. Ainda está engatinhando. Hoje a coisa está começando a acontecer por conta da Internet. São grandes as dificuldades de fazer com que um registro fonográfico chegue a outros estados.

ZONA SUL – Depois desse primeiro disco veio o Japão ou o segundo disco?
VALÉRIA – As coisas vieram juntas. Lancei Impressões em 1997. Em 2000 veio o convite pro Japão, feito por uma produtora cultural chamada Ivete Farias. Ela é potiguar e estava residindo há cinco anos no Japão. É casada com um alemão. Ela estava fazendo produção cultural lá e tentando viabilizar a ida de brasileiros, dando ênfase a potiguares. Era o sonho dela poder levar alguém de Natal pra lá. Chegou a me falar que tinha até convidado Cida Lobo pra ir, mas não tinha dado certo por algum motivo. A gente se encontrou no Veleiros Restaurante, em Ponta Negra. Eu estava fazendo um show, ela assistindo. Quando acabei, ela me veio com essa proposta mais do que indecente (risos). Achei até graça, porque pra mim era quase uma piada. Japão? Que coisa louca! Eu nunca tinha saído do Rio Grande do Norte! Era uma aventura muito maluca. Mas a gente trocou algumas idéias e, como ela era conhecida de amigos por quem tenho a maior confiança do mundo, sabia que não seria nenhuma ilusão, que podia dar certo. Ivete me deixou as coordenadas do que eu precisava fazer se eu quisesse ir, enquanto ela fazia alguns contatos antecipados. Foi uma luta pra gente conseguir viabilizar essa minha viagem, ver passagem e toda a condição financeira pra me manter lá. Ela não me prometia nem uma casa maravilhosa com cachê maravilhoso, nem nada. Tudo seria no peito e na raça. Mas topei. Na época deu a louca. Eu nem sou de fazer muita aventura... Quer dizer, não era, né, hoje já sou.

ZONA SUL – Viajou sozinha?
VALÉRIA – Sim, viajei só, morrendo de medo, mas fui. Consegui os recursos básicos fazendo shows, contatando amigos, pessoas que acreditam no meu trabalho. Pra minha surpresa, foi uma turnê de dois meses bem legal. Fui com uns 15, 20 dias de shows confirmados. Umas quatro ou cinco casas fechadas e o resto do mês e o segundo mês todo em aberto. E a gente conseguiu fazer show praticamente os dois meses inteiros.

ZONA SUL – Como foi o primeiro show no Japão? Qual a recepção do público japonês? O repertório que você levou era mais nacionalizado?
VALÉRIA – Tenho dúvida se foi no Corcovado ou no Saci Pererê... O meu repertório era 80% nacionalizado, com muita coisa do Nordeste. Quando você chega num país desses, com uma cultura tão diferente, deixa de ser apenas uma cantora potiguar e passa a ser uma cantora brasileira. Mas eu cheguei com algumas novidades que eles não estavam muito acostumados a ouvir. As casas onde fui me apresentar, no geral, tocavam bossa nova e samba. Eu cheguei com ritmos diferentes, cantei xotes, baiões, e eles gostaram. Muito da paixão do japonês pela música brasileira vem da alegria. Também me desenrolei muito com o repertório de bossa nova e de samba, que eu já estava acostumada desde a adolescência. Ajudou muito eu tocar violão.

ZONA SUL – Você se apresentava acompanhada por alguém?
VALÉRIA – Sim. Conheci alguns músicos brasileiros que moram no Japão. Fui acompanhada em muitos shows por Robson Amaral, que é um percussionista que mora lá até hoje, e pelo pianista Paulo Gomes. Robson é do Rio e, Paulo, de Minas Gerais. Também conheci alguns japoneses, fizemos algumas coisas por lá também. A receptividade sempre foi surpreendente. As primeiras casas onde toquei nessa minha primeira ida eram muito pequenas, com capacidade entre 30 a 50 pessoas. O palco ficava muito perto do público. Às vezes gerava uma dúvida: eles estão gostando ou não. Eram tão calados e atentos... Mas depois do show é que via o quanto eles estavam gostando. Foi uma experiência muito boa.

ZONA SUL – Depois dessa primeira ida, você voltou mais quantas vezes ao Japão?
VALÉRIA – Mais duas vezes. Nessa primeira ida eu já conheci Kazuo Yoshida. Tem uma coisa interessante nesse esquema de bares no Japão: o dono da casa às vezes contrata músicos fixos para a casa e o cantor tem que chegar e se adaptar. Muitas vezes você não tem nem tempo de ensaiar com esses músicos. Você chega lá já no final da tarde pra passar o som e têm dois músicos lhe esperando. Você diz: oi, tudo bem? Tá aqui o repertório. Quando os músicos eram brasileiros ou japoneses que falavam português, era uma maravilha. Mas passei por uns apertos, sem falar a língua, com dois japoneses olhando pra mim. Mas a gente botava as cifras na frente e encarava. Numa dessas encontrei com Kazuo Yoshida. Foi ótimo primeiro porque ele fala português e depois porque a gente se deu muito bem, entrou numa sintonia musical muito boa. Yoshida é muito apaixonado por ritmos e ficou encantado com minha forma de tocar. Nesse primeiro dia ele já perguntou se podia ir em outra apresentação minha gravar uma mostra do meu trabalho. Ele começou a me acompanhar. Foi em outra apresentação, gravou. Depois, entrou em contato comigo e perguntou se a gente podia ir num estúdio gravar uma demo. Essa demo virou o primeiro disco lançado no Japão.

ZONA SUL – Isso já na sua primeira ida.
VALÉRIA – Sim. Depois que ele gravou a demo, apresentou o trabalho a várias gravadoras, até que a Vídeoarts Music se interessou. No segundo ano voltei pra fazer a minha turnê normal, com Ivete. Como já havia o link com a Vídeoarts, fizemos uma pequena turnê pelo Japão apresentando esse trabalho em mini lives, que são apresentações de 20 a 30 minutos em lojas. A loja preparava um palco, microfone e uma estrutura bem legal. Tocávamos no meio da loja. Depois tinha uma sessão de autógrafos. A fila que se formava era incrível. Tenho registro disso. As pessoas compravam o CD e iam pra sessão de autógrafos. Foi uma coisa pela qual fiquei fissurada, tentei, depois, fazer o mesmo em Natal, mas ninguém se interessou. Consegui fazer uma vez só, na Sparta. No decorrer dessa segunda temporada fomos pra estúdio e gravamos umas coisas. Inclusive, como o cantor e compositor Filó Machado estava em turnê pelo Japão, tocando com uma japonesa, terminei fazendo uma parceria com ele e gravamos, juntos, Adeus América. Depois gravei também com Hugo Fattoruso, um pianista uruguaio. Gravamos Flor da Felicidade, que acabou não entrando no segundo disco, que se chama Canto Livre. No terceiro ano voltei para fazer o lançamento do Canto Livre. Dessa vez com uma estrutura maior. A gravadora fez um link com uma empresária de uma das casas do Japão, Keiko, uma japonesa. Era gerente de uma casa chamada Sabá. Ela viabilizou essa turnê pelo Japão junto com Wanda Sá e banda, que também estava lançando o CD dela pela Vídeoarts. Eu fazia meia hora de show antes de Wanda Sá, depois a gente se encontrava no palco, cantava uma música, ela fazia o show dela e no final eu voltava para o encerramento. Foi maravilhoso, porque eu cantei em casas maravilhosas no Japão.

ZONA SUL – Você chegou a gravar quantos CDs no Japão?
VALÉRIA – Gravei três, contando com Imbalança.

ZONA SUL – Como surgiu a possibilidade de Edu Lobo participar de Imbalança?
VALÉRIA – Em 2002 lancei o Canto Livre. Aí não viajei mais para o Japão. Em 2003 não pintou nada e em 2004 resolveram fazer uma nova produção. Só que Kazuo veio para o Brasil. A gente se encontrou no Rio de Janeiro e fizemos 80% da gravação lá, no estúdio Fibra. Kazuo Yoshida pediu à produtora executiva do disco no Rio, que era Tatiana Horácio, para apresentar os discos anteriores pra Edu Lobo, pra saber se ele topava ou não fazer essa participação. Pra nossa surpresa ele topou. A gente só se encontrou, praticamente, no estúdio. Antes não tivemos contato, só pra decidir a música, a coisa do tom e tal. Confesso que fiquei numa tensão, numa expectativa muito louca. Jamais imaginaria que fosse ter um encontro desses tão especial. E tão cedo. Mas foi um encontro muito bom, tranqüilo, relaxado. Desde a chegada dele senti que a coisa ia fluir com muita tranqüilidade. Ele foi muito generoso, ensaiamos a música duas ou três vezes, conversamos. A esposa dele também é muito simpática. Gravamos a música ao vivo em estúdio, como a gente chama. Tocando e cantando juntos. Sem ser aquela coisa de gravar violão, voz dele, minha voz... Não. Foi tudo valendo. Ouvimos juntos, depois ele aprovou.

ZONA SUL – Essa divulgação nacional foi contato da gravadora? Até então ela só distribuía seus discos no Japão...
VALÉRIA – Isso. O esquema foi Kazuo, mais uma vez. Durante a gravação de Imbalança a gente encontrou com os donos da gravadora Deck Disk, João Augusto e Mônica. Saímos pra jantar, demos uma conversada, mas não ficou nada certo. Foi um primeiro contato mesmo. É tanto que eu nem estava com tanta expectativa com relação a isso. A Deck distribui discos de várias pessoas que gravam no Japão. Eles já tinham contato com outros artistas da Vídeoarts. Eu não tinha mas nem esperança que esse trabalho fosse lançado aqui, até que, dois anos depois, surgiu a possibilidade.

ZONA SUL – Deu para faturar uma boa grana nessas suas idas ao Japão?
VALÉRIA – Os ganhos que tive com minhas idas ao Japão foram as viagens, foram ganhos culturais. O pouco que consegui ganhar foi através dos shows, das apresentações. A questão do CD a gente não tem contrato exclusivo, meu contrato é de gravação. Então o ganho é mínimo. O bom disso tudo é porque você tem um produto lançado no mercado e a partir desse produto você pode fazer shows.

ZONA SUL – Você já tem algum plano para os próximos passos? O que você pretende fazer a partir de agora?
VALÉRIA – Eu já vinha desenvolvendo um trabalho de composição, como eu já falei. No final do ano passado fiz um show no qual mostrei minha cara pra Natal, enquanto compositora. Foi o show Anúncio de antiquário. Foi muito bem recebido pela cidade. Até hoje pessoas que não viram o show perguntam quando vou fazer de novo, porque ele foi muito bem comentado. Pretendo repeti-lo ainda esse ano, se Deus quiser.

ZONA SUL – O que esse show teve de tão especial?
VALÉRIA – Ele teve Valéria nua e crua. Me mostrei como musicista, como compositora, como cantora, e apresentei uma sonoridade que é minha, particular. Acho que a grande novidade do que venho fazendo atualmente é que estou envolvida muito com a parte de produção do meu trabalho. Desde a produção musical, os arranjos, as sonoridades... Já tenho muita coisa encaminhada para um próximo trabalho em CD. Joguei tudo isso no palco como uma grande novidade e o público ficou meio surpreso. De novembro pra cá todos os meus shows estão pontuados por composições próprias. Mesmo quando faço show do Imbalança, aqui e acolá eu já jogo alguma coisa nova.

ZONA SUL – Como a informática e a Internet interferiram no seu trabalho?
VALÉRIA – Em termos de Internet ainda uso menos do que poderia. Mas já tento colocar um blog no ar (http://www.valeriacanta.zip.net/). Pretendo lançar meu site até o final do ano. Por enquanto estou usando o blog. Através dele divulgo não apenas meus shows, como eventos de artistas da cidade, CDs e textos que acho interessantes. Uso também o Orkut, que é um meio rápido de fazer circular as notícias. A Internet pra gente que não tem uma divulgação oficial através de uma gravadora é fundamental hoje em dia. Recebo e-mails de diversas partes do país. A Internet, de certa forma até força os outros meios de comunicação a se abrirem também um pouco mais. Em relação à informática de uma maneira geral, tenho buscado alguns programas de música e feito umas produções em casa. Um dos programas que uso é o Cool Edit. Uso também o Encore pra escrever partituras

ZONA SUL – Quem merece ser divulgado em Natal hoje?
VALÉRIA – São tantos... Mas eu cito logo os que estão perto de mim, que além de serem parceiros são grandes cantores e jovens pra caramba: Simona Talma, Luiz Gadelha, Ângela Castro, Crystal... Dos antigos, tenho verdadeira admiração e confio no taco de várias, entre eles Cleudo Freire, Romildo, Babal, Galvão e Pedro Mendes. Muita coisa boa tem acontecido em Natal ultimamente. Acho que um novo fôlego está pintando, e não só com a música. Tenho me envolvido bastante com pessoas do teatro e tou começando a conhecer pessoas que trabalham com cinema. Tem um grupo se formando e sinto que tá querendo alguma coisa.

ZONA SUL – O que faltou eu perguntar a você?
VALÉRIA – Só tem uma coisa que eu acrescentaria, é sobre minha expectativa de focalizar meu trabalho em um trabalho único. O objetivo agora é lançar um disco autoral, pela primeira vez na minha carreira, depois de cinco discos. Talvez se forme aí um perfil mais definido da minha música. Eu gostaria de poder trazer esses parceiros que conquistei no Japão, como Kazuo, e os grandes músicos com os quais gravei. Absorver esse pessoal pro meu trabalho autoral e fazer um trabalho único. Para não me dividir tanto em relação aos trabalhos independentes e com gravadoras. Focalizar, canalizar todas as minhas energias pra um único trabalho.

ZONA SUL – Ah, faltou eu perguntar sobre a experiência desses shows que você fez em Brasília...
VALÉRIA – Cheguei em Brasília no dia 2 de junho e só tive grandes momentos. Encontrei muita gente de Natal, me senti praticamente em casa com a receptividade. Passeei praticamente todo o dia que cheguei, andei pela cidade. Já sabia como Brasília funcionava, apesar de não conhecer nada. Mas tinha uma idéia. Tenho um poder de adaptação muito bom, graças a Deus. No dia seguinte já fiz um show para uma platéia maravilhosa, inesperada até. Achei que podia ser um público menor, até por ninguém me conhecer na cidade. Mas fui assistida por mais de cem pessoas, entre amigos, novos amigos que fiz, amigos de amigos, e uma platéia completamente desconhecida. Foi uma noite bem agradável, bem musical, toquei com Erick, percussionista que mora em Brasília, mas que nasceu em Natal. Aproveitei bastante esse tempo pra fazer contatos em rádios e emissoras de TV. Foi uma semana intensa e bem proveitosa.