sábado, 19 de dezembro de 2009

Entrevista: Gildomar Marinho

O menino de Santa Inês, Imperatriz, Fortaleza, São Luís...
De Gildomar Marinho eu conhecia a música “Alegoria de saudade”. Glauco Porto havia me enviado a tal canção por email, e solicitado uma opinião. A mineira Ceumar interpretava essa música, na gravação, acompanhando o compositor, Gildomar. Na véspera dessa entrevista, o conheci pessoalmente. Estava acompanhado pelo poeta, cantor, compositor e jornalista Nélson Oliveira. Sábado à tarde, Glauco me telefona e pergunta o que ando fazendo. Pergunta se pode vir até a minha casa. Estava com Gildomar. Era a chance da entrevista. Comuniquei a meia dúzia de pessoas, convidando-as para participar através do www.myspace.com/robertohomem . E assim foi feito. Ronaldo Siqueira, meu irmão; o jornalista Costa Júnior; alguém utilizando o pseudônimo Just Me e o mestre da guitarra, Aloísio Pinto, ajudaram a construir o resultado final desse texto. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL - Como é o seu nome completo?
GILDOMAR - Meu nome de batismo é Gildomar Nepomuceno Marinho. Nasci em Santa Inês, no Maranhão, em 1967. Mas a minha formação de vida, de militância e de música foi em Imperatriz, no Maranhão, onde fiquei até os 25 anos.
ZONA SUL - Localize geograficamente o município de Santa Inês dentro do mapa do Maranhão. GILDOMAR - Fica a 230 quilômetros da capital, às margens do Rio Pindaré. A cultura lá é muito forte. O boi de Pindaré, por exemplo, que é muito forte no folclore maranhense, é daquela região. Muitos artistas de Santa Inês foram para São Luís e contribuíram decisivamente para o sotaque da arte maranhense que a conhecemos hoje.
ZONA SUL - São Luís tem mais ou menos quantos habitantes? E Santa Inês?
GILDOMAR - A região metropolitana de São Luís tem hoje pouco mais de um milhão de habitantes. Santa Inês é uma cidade pequena, tem entre 70 a 80 mil. Saí de lá para Imperatriz quando tinha cinco ou seis anos. Naquela época havia uma migração muito forte. Coincidiu com vários fenômenos, como a abertura de uma estrada que integrou um pouco mais o norte com o sul do estado e ampliou as oportunidades de exploração de madeira, agricultura e pecuária. Na década de 1980 houve ainda a explosão de Imperatriz, por conta de Serra Pelada. Aquela região que hoje é a Serra dos Carajás - que já tinha um grande potencial em mineração – transformou-se em um local para especulação, por causa do ouro. Depois da chegada das mineradoras é que as coisas foram se organizando um pouco mais.
ZONA SUL - Você acompanhou todo esse processo do desenvolvimento de Imperatriz?
GILDOMAR - Quando cheguei lá, a cidade tinha pouco mais de 20 mil habitantes. De repente a população cresceu para 250 mil.
ZONA SUL - Em que seus pais trabalhavam?
GILDOMAR - Minha mãe, Erundina (tinha o apelido de Teça), era dona-de-casa. Meu pai, João Batista, era motorista. Fomos para Imperatriz na expectativa de crescer. Tem até uma história interessante. Por força da profissão, meu pai foi motorista de madeireira. Transportou muita madeira que ajudou a devastar aquela região. Não é algo nobre, mas foi necessário naquela época. A expansão de Imperatriz ocorreu com muitos conflitos: grilagem, questão ambiental, questão social... Meu pai músico - foi ele quem transferiu pra mim essa sensibilidade musical - depois de algum tempo como motorista de madeireira, se tornou um defensor da natureza. A consciência terminou vencendo. Ele entendeu que o desmatamento era uma coisa inócua para o desenvolvimento em si.
ZONA SUL - Seu pai tocava qual instrumento?
GILDOMAR - Violão. Ele até fabricava instrumentos, era luthier. Um tio meu, conhecido como Marinho de Guerra, era repentista. Ajudou a construir Brasília. Meus pais, apesar de hoje estarem separados, construíram uma família bacana. Educaram bem a mim e aos cinco irmãos que tenho. Na verdade são quatro irmãos e um agregado. Os irmãos são Gilvam, Gilmar, Paulo (o mais novo) e Dorivan, a única irmã. Tem também Claudineide que nós criamos depois. É adotiva. Mas eu dizia que meu tio, Marinho, tornava mais leve e lúdica a lida do dia-a-dia. Ele participava daqueles desafios a luz de lampião, não tinha luz elétrica naquele tempo. Foi importante na construção de um núcleo cultural forte em Imperatriz. Meu pai, influenciado por esse meu irmão, passou a tocar. Mas ele não gravou CD, embora seja compositor. O estilo dele é mais romântico. Aprendeu no Ceará. É oriundo de lá. Sua música mistura um pouco da saudade e do romantismo. Algumas dessas canções eu pretendo resgatar um dia.
ZONA SUL - O que você costumava a ouvir quando era menino em Imperatriz?
GILDOMAR – Naquele início de Imperatriz, a cidade não contava com os meios de comunicação que têm hoje. Eu ficava limitado ao que ouvia na Rádio Nacional, que chegava através de uma retransmissora. Na década de 1980 chegaram outras rádios. Então, na década de 1970 eu ouvia muito Teixeirinha, Sérgio Reis e Luiz Gonzaga. Ouvia também os sucessos de Roberto Carlos.
ZONA SUL - O artista de Imperatriz ou de outras cidades maranhenses conseguia espaço para divulgar o seu trabalho?
GILDOMAR - Não. Uma das poucas formas era a imitação dos shows de calouros. A partir dos anos 1980 é que esse quadro mudou. Imperatriz fica a 660 quilômetros de São Luís. De lá saíram diversos artistas importantes, como Carlinhos Veloz, Erasmo Dibell, Zeca Tocantins e Chiquinho França. A música de lá mistura poesia e a musicalidade daquela região do Bico do Papagaio. Recebe influência do Pará e daquele pedaço de Goiás que hoje é Tocantins. Lógico também que do Maranhão. Foi esse ambiente que me influenciou. Adolescente, eu via a música que ia sendo criada, reunindo elementos tradicionais como o romantismo. Mas não apenas o romantismo do homem e da mulher, mas também o sentimento pela terra, o sonho de um mundo melhor. Havia ainda a luta política, a luta social e também a luta ambiental. Esses ingredientes forneceram um tempero bacana para a música tocantina, que é como se chama a música maranhense daquela região. Entre 1985 e 1989, os artistas maranhenses do sul começaram a ser vistos pelos do norte, que engloba a capital. Houve uma importante troca na criação musical.
ZONA SUL - Como surgiu o desejo e como você aprendeu a tocar violão?
GILDOMAR – Aprendi cedo. Um dia meu pai comprou um cavaquinho, e, como viajava muito, quando voltou de uma dessas idas, se surpreendeu ao me ver tocando dois ou três acordes de uma sequência de músicas de Teixeirinha. Logo em seguida comprou um violão pra mim. De tanto experimentar notas e acordes, de repente me vi tocando algumas canções. Com oito anos eu já estava me enturmando com a música, de um modo autodidata.
ZONA SUL - Depois de aprender a tocar sozinho você procurou uma escola ou algum curso para se aperfeiçoar no violão? Nesse início você já compunha?
GILDOMAR – Não compunha nada com letra, mas achava bonitas algumas sequências de acordes e ficava trabalhando aquilo. Quando entrei no Banco do Nordeste, na década de 1980, me envolvi com a política e o meio sindical. Depois de algum tempo aproveitei um pouco dessa experiência e joguei dentro da música. Porém, minha consolidação musical veio quando fui morar em Fortaleza, já na década de 1990. Me licenciei em música na Universidade Estadual do Ceará. Na faculdade aprendi a misturar o lúdico, a diversão, com um trabalho mais estudado e elaborado. Foi importante para o processo de criação. Fiz muitos exercícios de composição. Daí surgiram canções que hoje estão consolidadas, uma parte nesse meu primeiro CD, “Olho de boi”. Tenho mais 24 canções que entrarão nos dois próximos discos que gravarei.
ZONA SUL - Voltemos um pouco no tempo. Você, ao sair de Imperatriz, chegou a fazer uma escala em São Luís ou embarcou direto para morar em Fortaleza?
GILDOMAR - De Imperatriz fui direto para Fortaleza. Depois foi que voltei para São Luís, em um outro momento. Em Imperatriz aconteceram importantes festivais de música. Participei de alguns deles, embora não tenha vencido. O festival tem muito de interagir, de conhecer pessoas. Participaram desses eventos artistas como Nilson Chaves (Pará), Edmar Gonçalves (Ceará) e Chico Affa (Goiás). Amelinha, Alceu Valença, Zé Ramalho, Gilberto Gil, Tetê Espíndola e um monte de gente fizeram shows de encerramento nesses festivais. Esse clima de interação fez com que eu me aproximasse de artistas do Maranhão. Fiquei em Imperatriz até 1992, quando me mudei para o Ceará. Saí com uma bagagem musical incipiente, do ponto da criação, mas muito forte do ponto de vista da influência.
ZONA SUL - O motivo dessa mudança foi a aprovação no concurso para o Banco do Nordeste?
GILDOMAR - O concurso foi antes, passei em 1985. O fato é que minha trajetória pessoal é mesmo feita de ciclos. Não me apego a nenhum lugar físico, embora goste de todos os lugares onde tenha ido. O lance é que, naquele momento, Imperatriz tinha dado o que tinha que dar. Fui buscar novos horizontes. Eu tinha visitado Fortaleza antes, e tinha conhecido pessoas bacanas, do ponto de vista da criação musical. Dentro dessas influências musicais, o Ednardo foi fundamental. Eu já gostava do jeito dele compor, de escrever e expressar sua arte. No Ceará conheci um grupo de pessoas, inclusive o Pedro Rogério, que terminou sendo meu colega de faculdade.
ZONA SUL - Ele é parente de Rodger Rogério?
GILDOMAR - Filho. Resolvi levar para o Ceará o que tinha aprendido no Maranhão. Aí surgiu a ideia do “Olho de boi”, já naquela época, na década de 1990. Fortaleza foi importante porque é uma cidade mais dinâmica. Conheci pessoas que tocavam jazz, blues, música espanhola e flamenca... É uma cidade muito mais cosmopolita do que Imperatriz. Foi quando resolvi me aperfeiçoar na música. Passei no teste e entrei na faculdade de música. Quando se faz licenciatura em música, as possibilidades são infinitas. Uns querem ser maestros, outros querem ser produtores musicais... Apesar disso, o processo é muito seletivo. De trinta que entram, apenas dois ou três se formam. Um dos motivos é a questão financeira. No meu caso particular, a música é muito importante, mas do ponto de vista de levar o mingau dos meninos pra casa, ela é insuficiente. E isso é um pouco frustrante.
ZONA SUL – Como está sendo sua história musical em Fortaleza?
GILDOMAR - Muito bacana. No curso de música, participei do coral. O canto coral me ensinou muito da técnica vocal. Eu tocava violão, mas não cantava. Então o coral me pegou cru e me lapidou. Com esse aprendizado, me senti preparado para tocar em barzinho, trajetória comum de todo mundo que vai pra música. Hoje em Fortaleza não existem mais os barzinhos, aquela coisa romântica, intimista. A cidade está repleta de “barzões”. Antes o artista cantava olhando para as pessoas. Agora a música é secundária. Toquei em diversos bares e ajudei a construir dois deles, que estão consolidados. Um é o Kukukaya, hoje voltado mais para o forró. Foi inspirado naquela música do Xangai...
ZONA SUL - A música “Kukukaya”, apesar de também ter sido gravada por Xangai, é da compositora e cantora paraibana Cátia de França.
GILDOMAR - É verdade, mas ela tornou-se definitiva e fulminante na interpretação do Xangai. Mas tanto Cátia quanto Xangai tocaram nesse barzinho. O outro que ajudei a criar foi o Maria Bonita. Tinha uma temática, como o próprio nome sugere, voltada para o cangaço, para Lampião. Trabalhávamos lá com música do Cariri, uma região típica do cangaço. Havia uma mistura da culinária com a boa música. Toquei para plateias com personalidades ilustres, como Fagner, Ciro Gomes, Patrícia Gomes, Manassés, Evaldo Gouveia e um monte de gente que já fez ou está fazendo história do ponto de vista cultural, político e social. Depois de ter participado da criação desses dois bares, montei o meu próprio bar. O nome era Pertinho do Céu. Céu era um centro universitário que tinha lá perto. Virou um barzinho acadêmico, com todo tipo de manifestação cultural: cinema, música, arte, pintura, escultura, poesia... Era bastante movimentado na cena cultural da época. Conheci muitos produtores culturais de Fortaleza. Teve até um bloco de carnaval que nasceu nesse barzinho.
ZONA SUL – Também ajudou no seu aperfeiçoamento como músico?
GILDOMAR - Foi importante na minha formação musical também. Minha esposa, Reginalda, tomava conta do bar, da parte administrativa. Eu ficava responsável pela área social e cultural. Fazia agenda, montava palco, fazia abertura de show... Passaram por lá bons nomes da cena cultural como Eugênio Leandro, Edmar Gonçalves, o forrozeiro Messias Holanda (da época de Luiz Gonzaga e Marinês), Lucia Menezes (que hoje está fazendo um trabalho bacana no âmbito nacional)... Havia também frequentadores “vips” como Luizianne Lins, que hoje é prefeita de Fortaleza, e o atual senador Inácio Arruda. O barzinho misturava um pouco da academia, por ficar próximo dos cursos de economia e da área de humanidades. Era bem próximo da Casa Amarela Eusélio Oliveira, que oferece cursos nas áreas de cinema, fotografia e animação. A mistura era grande, mas o bar era pequeno. Sua localização era estratégica. No tempo que sobreviveu, foi muito importante para aquele momento cultural.
ZONA SUL - Além dessa convivência em palco, bar, show e apresentação, você estabeleceu parcerias com músicos cearenses?
GILDOMAR – Confesso que sou meio solitário pra criar. Gosto de ter o meu momento. Tanto é assim que no meu primeiro CD só há uma parceria. E ela foi feita virtualmente, embora eu compartilhe com Zema Ribeiro uma amizade muito próxima. Ele tem um blog (http://www.zemaribeiro.blogspot.com). Trabalhou como bolsista no Banco do Nordeste. Tivemos um momento importante de criação quando eu estava em São Luís. Mesmo em Imperatriz, quando eu privava de muitos momentos com músicos locais e participava de saraus maravilhosos, não fiz parcerias. Comi muito peixe com tucunaré, regado a cerveja e vinho. Fiquei trêbado várias vezes com esses artistas. Vivi momentos ótimos para a criação, mas não tive a audácia de estabelecer nenhum tipo de parceria com esse pessoal. O mesmo ocorreu em Fortaleza. Fiquei várias vezes até quatro, cinco, seis horas da manhã, tomando cerveja e batendo papo. Porém ficou pouca coisa anotada para fazer parceria musical. A meu ver o momento de criação é algo sublime. Claro que o resultado você depois compartilha. Acho uma responsabilidade muito grande pegar um poema para colocar uma música. Mesmo assim, meu segundo CD já é mais aberto a parcerias.
ZONA SUL – Nem falamos com detalhes ainda sobre o primeiro disco e você já avançou para o segundo... Mas, aproveitando esse papo de composição: ela é mais inspiração ou transpiração?
GILDOMAR - As duas coisas. Quando vejo um fato inusitado ou algo que me chame atenção, pode até ser uma coisa simples e óbvia, aquilo lá me puxa e faz acender uma luz. Surge uma ideia. Tomo nota e depois, aí sim, vem o momento de transpiração. Vou lapidar. Raramente a música nasce de forma simples. Algumas vezes, apenas, melodia e letra saem instantaneamente. Foi o que aconteceu com “Olho de boi”. Escrevi e já veio a melodia. O show estava pronto e eu precisava de um nome para ele. Quando surgiu o nome, a música veio. Acho que a pressão fez surgir a inspiração. Mas a música por mais inspirada que seja, só vai se tornar pública, só vai ser ouvida de novo se houver transpiração.
ZONA SUL - O CD “Olho de boi” começou a ser gestado no Maranhão, quando você se enturmou com os artistas de Imperatriz. Foi criando forma no Ceará, quando você mudou-se para aquele estado. Mas onde esse disco veio ao mundo? Ele nasceu em Fortaleza ou em São Luís?
GILDOMAR - Fisicamente em São Luís. Mas sua história vem de antes. Eu tinha um parceiro musical chamado Paulo Renato. Ele era meu contato com os artistas de Fortaleza, quando cheguei na cidade. O conheci meio ao acaso. Uma colega nossa, a ex-prefeita de Fortaleza Maria Luiza Fontenele, estava aniversariando. Ela tinha um monte de amigos músicos, mas quase nenhum deles foi para a festa. Apesar dos desmandos de sua gestão, eu a respeitava pelo fato de ter sido a primeira prefeita do PT, a primeira mulher. E ela era uma militante importante. Sem músico ou cantor na festinha, fiquei tocando. Foi na Praia de Iracema. Conversamos sobre um monte de coisa, inclusive sobre a experiência da sua gestão. Muitas horas depois, apareceu Ednardo, que era meu ídolo. Foi um momento fantástico. Ele talvez nem lembre desse fato, já tinha tomado algumas. Eu lembro até pela questão da tietagem. Mas por intermédio de Paulo Renato entrei no cenário musical de Fortaleza. Envolvido com música e com política também, tive que priorizar. Escolhi a música. Senti que tinha que me lapidar. Estava percebendo que as outras pessoas tinham um nível de qualidade muito bom.
ZONA SUL – Mas nós estávamos falando sobre o seu disco de estreia, o “Olho de Boi”...
GILDOMAR – Pois é. O comentário anterior foi para fazer uma ligação com o disco. Resolvi fazer um show no Teatro São José. O espetáculo foi muito legal, o teatro lotou. Foi uma apresentação autoral. Só foram feitas duas concessões: uma música do Lenine e uma outra do João do Vale. Foi aí que entendi que show tem que ser em teatro. Show em barzinho, ou em outro lugar, não tem o mesmo valor. No teatro você se expõe, as pessoas vão para lá ver você. ノ definitivo. Há uma interação mais próxima com o público. Ao mesmo tempo entendi também que o show tinha que gerar um CD. Fazer uma produção é uma novela. Fiz quase tudo sozinho. Mas foi importante, foi um processo de criação necessário. Pra ter show, precisa ter música. Pra ter música, precisa compor. Então peguei as músicas e fui montando um repertório de um possível show. Com as músicas prontas, fui me preocupar com o dinheiro pro CD. Não tinha. Para o “Olho de boi” ser finalizado, entrei no estúdio três vezes. Por fim consegui aprovar um projetinho e o disco saiu.
ZONA SUL - Projeto de prefeitura, de governo?
GILDOMAR - Do Banco do Nordeste. Saiu o edital, montei o projeto e concorri. Foi aprovado. O melhor de tudo é que com o projeto aprovado, logo que montei a matriz do CD para o Banco, consegui aprovar o segundo e agora também o terceiro projeto. Então, tenho que correr para fazer mais dois CDs para completar a trilogia que envolve o “Olho de Boi”, já gravado, o “Pedra de Cantaria”, que é uma parceria minha com Zema Ribeiro que surgiu na cidade histórica de Alcântara, e o terceiro, que é o “Tocantes”. É uma brincadeira que fiz com Tocantins, com tocar antes ou tocar depois e com músicas tocantes.
ZONA SUL - “Olho de boi” tem a participação de uma das melhores cantoras da música brasileira, que está se revelando também uma excelente compositora: a mineira Ceumar. Como surgiu a oportunidade de ela participar e qual o seu sentimento em tê-la no seu disco de estreia?
GILDOMAR - Fiquei todo arrepiado quando ela respondeu meu email dizendo que participaria do disco. Foi um presente. A culpa disso foi um pouco do Glauco Porto, que já foi entrevistado pelo Zona Sul. Ele alcovitou. Eu mandei uma guia bamba, pra Ceumar, só com violão. Ela comentou faixa por faixa. Ouviu só a harmonia e o solfejo do samba que cantou comigo. A música tinha sido recém construída. Ela topou mesmo assim. Tal fato cresceu minha responsabilidade de fazer um trabalho com bastante qualidade. Foi uma experiência emocionante. Ceumar foi generosa. O CD não tem fins comerciais. A finalidade é registrar algumas canções. Ter nesse trabalho despretensioso a moldura da voz de Ceumar, é um brinde. Na música que ela cantou, “Alegoria de saudade”, coloquei músicos bastante tarimbados na cena maranhense. Combinou com a voz brejeira, mineira dela. O Choro Pungado, grupo que fez a base musical da canção, aceitou participar desde a primeira hora. Foi um presente que não tem mensuração. A participação de Ceumar também foi importante porque o CD ganhou cancha. Quando fiz o seu lançamento, no Teatro de São Luís, teve muita mídia. Em Imperatriz o teatro também esteve lotado. Agora vou fazer em Fortaleza, em alto estilo, no BnB Clube de lá.
ZONA SUL – Talvez, de alguma forma, ela tenha retribuído ao Maranhão o que o Maranhão fez por ela, já que Ceumar despontou cantando “Dindinha”, de Zeca Baleiro. Como foi seu retorno ao Maranhão?
GILDOMAR - Ela comentou isso. Achei até bacana. Mas meu retorno ao Maranhão, depois de uma temporada em Fortaleza, foi importante. Embora eu tenha nascido perto de São Luís, fui criado e influenciado pela música tocantina, que foi importante para o meu progresso. Na estrutura musical e do ponto de vista da vivência artística, fui lapidado em Fortaleza. Retornei ao Maranhão em busca do meu “eu” definitivo: o Gildomar músico e compositor. Meu trabalho no Maranhão, embora fosse no Banco, era externo. Dessa forma, conheci praticamente todos os municípios do Maranhão e manifestações culturais que até então desconhecia. Meu conhecimento de arte maranhense se limitava ao bumba-meu-boi e a duas ou três outras manifestações do interior. O Maranhão, por exemplo, tem o maior número de quilombolas do país. E cada quilombola tem manifestações incríveis, herdadas dos antepassados, que não passam nem chegam perto da nossa cultura branca. Estava dentro do meu estado, e eu não conhecia. Fiz umas cadeiras de sociologia. Antropologia também me interessa demais. A parte antropológica foi definitiva para eu conhecer o Maranhão que não conhecia. Isso foi do ano 2000 pra cá. Convivi com pescadores, agricultores, quilombolas e um monte de gente; com culturas muito próprias, algumas delas muito fechadas. Foi como se eu colocasse uma lente nos meus olhos para ver o que eu não tinha conseguido enxergar quando saí do Maranhão.
ZONA SUL - A distância amplifica até o amor e o sentimento, não?
GILDOMAR - João do Vale foi outro que eu aprendi tardiamente a reconhecer. Só entendi depois a sua grandeza em pegar o simples e transformar em uma coisa grande.
ZONA SUL - Como as pessoas podem ter acesso a esse seu primeiro trabalho?
GILDOMAR - No meu site armazenado no Myspace (www.myspace.com/gildomarmarinho) cinco músicas do disco estão disponíveis. As pessoas também podem manter contato pelo email pedradecantaria@gmail.com Fiz esse email já pensando no próximo CD. A Ceumar não só autorizou como solicitou que eu disponibilizasse, no Myspace, “Alegoria de saudade”. Eu não tinha colocado ainda por uma questão autoral. Agora vou liberá-la. Ceumar é uma cantora que merece muito mais do que o espaço que tem hoje.
ZONA SUL - E o disco? O que você destacaria do repertório?
GILDOMAR - Um primeiro destaque vai para essa canção “Alegoria da saudade”, que conta com Ceumar cantando comigo. O repertório foi difícil selecionar. Tinha muitas músicas. Por desafio, reservei espaço para duas músicas que eu queria incluir no estúdio. Consegui com "Coco do Zé Miúdo", que na verdade é mais uma embolada do que um coco. A participação do Robertinho, que por sinal foi o diretor musical da maior parte das faixas, foi sensacional. Ele pediu para eu cantar o coco, mas eu respondi que não conseguia falar tão rápido. Ele mandou eu treinar com uma pedra na língua. Fiz isso para conseguir falar rapidamente, para ficar com uma dicção rápida e clara. Foi importante e bem legal. Outra música que destacaria é “Tocantins”, por falar da minha região. Também gosto muito de “Ladainha da remissão”, que embora não tenha a força que eu gostaria que tivesse, compila bem a visão que tenho do Nordeste, da religiosidade e da música recursiva. Ela contém interessantes elementos modais. É difícil hoje fazer uma música modal. Só os cantadores de viola exploram isso, porém de uma forma muito incipiente. Claro que também tem Almir Sater e Renato Teixeira, que conseguem, por causa da viola, trazer elementos modais. Tem também o Elomar, que tem um trabalho nessa linha, mas usando a viola como pano de fundo. Meu desafio foi tentar fazer o novo, mas colocando o elemento modal sem a viola de 12 cordas. Também excluí a temática religiosa. Já fui bastante religioso, mas me afastei um pouco, pra poder olhar de longe. Eu não estava me sentindo identificado e, para não ser leviano, me afastei. Mas não falo mal. Estou buscando a minha forma, a minha religiosidade. Esse é um momento que estou passando agora. Tenho certeza que é apenas um estado, não é uma coisa permanente. Outra canção que eu citaria é “Cidadanóia”, que também tem um elemento modal. Sua temática é meio futurística, mas contendo também o velho modal. De repente o novo não é tão novo assim. É só olhar para o rap, que parece tentar repetir o repente. Muitas vezes o novo não é tão novo assim e traz um elemento antigo.
ZONA SUL - Fale sobre os músicos que participaram das gravações com você.
GILDOMAR – Excelentes músicos participaram. Luiz Cláudio, que fez a percussão da música “Dindinha”, no disco de Ceumar, foi um dos três percussionistas do “Olho de boi”. Um outro foi Gileno, ótimo percussionista do Maranhão. Recomendo a qualquer um. Teve também o Carlos Pial, que é percussionista de Papete. Na gravação do CD, descobri que Pial é meu conterrâneo: também nasceu em Santa Inês. O mundo é pequeno. Eu não o conhecia pessoalmente, só de fichas técnicas de alguns shows que ele fez com Papete. É uma figura muito bacana e um percussionista muito competente. Tem umas sacadas muito boas que podem, inclusive, ser conferidas na própria “Alegoria da saudade”. Ele foi definitivo pra dar o molho nessa música. Outro que tem uma sensibilidade muito forte, em termos de percussão, é o Júnior Batera. Ele faz um pouco de percussão e bateria. Trabalha com ritmos desde os 12 anos. É consagradíssimo e já gravou vários CDs. Outro que participou foi Luiz Júnior, um violonista definitivo que já tocou inclusive com Yamandu Costa. É novo, mas é estudioso, curioso e criador. Tem também o Robertinho Chinês, que é um menino, uma criança de 15 anos. Ele fez o cavaquinho na música “Alegoria de Saudade”, com enorme competência. Outros músicos participaram, como João Neto, da flauta, que trabalha em oito grupos de choro. É um chorão nato. Ele é sobrinho do Josias Sobrinho, que é compositor. É uma pessoa muito leve e bastante competente. Temos o Rui Mário, que tocou sanfona, ou acordeón. Acordeon é mais moderno, mas eu chamo de sanfona. Rabeca hoje é violino. A gente brinca, mas é diferente. Ele tem 25 anos, mas é muito competente no que faz. Foi um CD bastante feliz na sua estrutura. Os músicos foram importantes porque lapidaram algumas músicas que eu estava fazendo. Dentro das limitações naturais, eu gostei muito de ter feito e do resultado.
ZONA SUL – Fale do disco que vem por aí.
GILDOMAR – O próximo CD será um desafio. “Pedra de Cantaria” será outro disco conceitual, envolvendo também essa dubiedade de ser um pouco maranhense e um pouco cearense. Mas dessa vez a faca mudará de ponta. Vai ser feito no Ceará, mas com uma linguagem do Maranhão. Só que um Maranhão redescoberto, como falei há pouco, depois da minha passagem por São Luís. A responsabilidade cresceu um pouco mais, por força de outros elementos terem sido incluídos. No “Olho de boi”, nas suas 12 músicas, eu explorei 21 ritmos. O novo CD não terá essa diversidade. Por outro lado, nele estou explorando mais parcerias. Recebi algumas propostas de parceiros, como o Ricarte Almeida, que é poeta, radialista e agitador cultural no Maranhão. Tem o próprio Zema Ribeiro, que já é parceiro. Conversei com Carlinhos Veloz, que disse fazer questão de participar desse trabalho. Depois do primeiro disco, me reaproximei desse povo. A gente se encontra em ponte aérea, mas sempre fica um pouco da amizade do passado, com as projeções do que podemos fazer no futuro. Estamos mais maduros e os projetos são sonhos factíveis que podem se tornar concretos. O próprio Dibell também quer participar. Sei que vai ser difícil estabelecer uma parceria com Dibell, já que ele é definitivo e completo. Quando faz uma música, ela nasce pronta, com tudo. É fantástico no processo de criação. Parece que ele enxerga a música em cima de um prisma que nós mortais não conseguimos. Por isso acredito que participação dele será mais como cantor.
ZONA SUL – Incluirá também parceiros do Ceará?
GILDOMAR - Tem outras parcerias de amigos meus cearenses. São poetas desconhecidos, mas que escrevem coisas belíssimas que eu espero ter competência de musicar. São duas parcerias que estão precisando fechar. Uma é definitiva, vou ter que fazer. De qualquer forma, esse será um CD diferenciado, com outras ideias, músicas, letras e formas de fazer. O desafio será gravá-lo no Ceará levando a pegada do Maranhão. Vamos ver se a gente consegue. A propósito do “Olho de Boi”, quero fazer uma reverência especial a Léo Costa. Ele havia mixado muitos CDs de Papete. Foi muito importante do ponto de vista de criar uma estética diferenciada para o meu CD. Imagine um disco complexo, com muitos músicos. Se errar na mão, na mixagem, o tempero termina sem aquele elemento bacana que é a harmonia. Mixar é tirar os excessos. E ele fez isso muito bem: valorizou o que tinha que ser valorizado e suprimiu o que devia. Achei bacana a forma como ele enxergou o CD.
ZONA SUL – Hoje em dia todo artista fala em registrar seu trabalho em DVD. Você também pensa nisso?
GILDOMAR – Tenho, sim, esse desejo. Por sinal, os dois shows do “Olho de boi” foram filmados. Mas eu não gostei do resultado visual. De qualquer forma foi importante porque vai servir como parâmetro para eu aprimorar as próximas apresentações. Minha preocupação maior naquele espetáculo era com o áudio e a proposta do disco. Tanto foi assim que, como eu quis que as apresentações fossem fiéis ao CD, levei todos os músicos. Um show com tanto músico só fica legal da oitava apresentação pra frente, quando os sons vão se encaixando. Mas o DVD é uma questão de tempo, de amadurecer. A prioridade hoje é tirar do forno os dois CDs já engatilhados. Quem sabe deles não nasce um show? O problema do DVD é que é um projeto caro para os padrões de um artista que, como eu, tem um público restrito. O artista que fica preso a um ofício, no meu caso o trabalho no Banco, tem uma limitação espacial. Não posso sair por aí voando, porque tenho que bater o ponto, vamos dizer assim. Mas há sim o desejo e o projeto de fazer o DVD.
ZONA SUL – Você falou em tantos lugares que será de bom tom esclarecer: você hoje está morando em Fortaleza, São Luís, Imperatriz, São Luís, Rio de Janeiro, Brasília ou qual outra parte do mundo?
GILDOMAR – Estou morando em Fortaleza. Meu projeto é ficar por lá mais uns dois ou três anos, pelo menos. O projeto pessoal é esse dos dois CDs. Também estou me estruturando ara fazer um mestrado na área de desenvolvimento. Esse seria o plano acadêmico. Um aprofundamento maior no violão eu vou deixar para os virtuoses. Vou me dedicar ao exercício da criação e completar essa trilogia de CDs. Será como um legado. Também pretendo me aperfeiçoar no sentido de poder oferecer uma boa apresentação quando estiver mostrando meu trabalho. Essas são metas musicais. Quero ainda conversar com pessoas, discutir como a música está hoje e como ela será no futuro. A Internet promoveu um baque forte na música. Hoje todo mundo tem um MP3 ou outra mídia. Cada qual está produzindo e reproduzindo. A música nacional, imagino, não vai existir da forma como a gente pensa hoje. Deverá se pulverizar e vai ser difícil haver uma linguagem una.
ZONA SUL – Um artista que admiro muito é o Chico Maranhão. Ele influenciou no seu trabalho? E a cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, lhe diz algo?
GILDOMAR - A música “Alegoria de saudade” nasceu no Rio Grande do Norte, quando estive em Natal. É uma cidade linda. Fiz umas andanças por lá. Visitei o Forte dos Reis Magos, achei muito legal. As praias são maravilhosas. Quanto ao Chico Maranhão, ainda tivemos uma aproximação maior. Mas as estradas se encarregarão de corrigir isso. Um parente meu, o Lourival Tavares, outro músico fundamental, que foi importante na minha formação musical, promoveu recentemente um grande show em benefício dos desabrigados da última enchente que atingiu o Maranhão. Muita gente bacana da cena musical participou, como Carlinhos Veloz. Foi em junho. Chico Maranhão também esteve lá. Tocamos no mesmo palco, foi quando o conheci pessoalmente. Penso que é uma questão de tempo de a gente ter uma história bacana. Mas quero deixar um convite ao leitor do Zona Sul para que ele visite o Maranhão e conheça pelo menos um pouco de tudo o que eu falei.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Entrevista: Wilson Rossi

Os sonhos do “Andarilho da Noite”

Eu tinha acabado de chegar em Recife. A picanha de bode do restaurante “Entre Amigos”, em Boa Viagem, estava uma delícia. Na porta do estabelecimento, aguardávamos uma van para nos conduzir de volta ao hotel no qual estávamos hospedados. O potiguar Carlyle Madruga e o baiano Britto Gomes, ambos funcionários da Gráfica do Senado, estavam comigo. Foi quando surgiu Wilson Rossi, vendendo seu disco mais recente, o CD “Andarilho da Noite”. Comprei um exemplar e anotei seu telefone. Poucos dias depois, eu, Britto e Carlyle entrevistamos esse sósia de Reginaldo Rossi, com exclusividade para o jornal Zona Sul. Com vocês, Wilson Rossi!!! (robertohomem@gmail.com)


WILSON – Estou muito feliz por ter conhecido vocês.
ZONA SUL – Como é o seu nome completo?
WILSON – Wilson Rossi é meu pseudônimo, meu nome artístico. Minha razão social, meu nome verdadeiro é Wilson Pedro da Silva.
ZONA SUL - Onde você nasceu?
WILSON – Nasci aqui em Recife, no subúrbio de Jardim São Paulo. É um bairro de classe média baixa. Fica depois de Areias, perto de Estância e do metrô do Barro.
ZONA SUL – Como foi a sua infância em Jardim São Paulo?
WILSON – Foi uma infância muito sofrida. Não sou filho de gente rica, minha família é pobre, humilde. Meus irmãos e meu pai eram trabalhadores. Meu pai, comerciário, sustentou seis filhos. Ele trabalhou no Recife antigo, era contínuo. Fazia serviço de banco: efetuava depósito, limpava o escritório da empresa... Minha mãe é doméstica. Trabalhou sempre em casa. Recentemente completou 94 anos. Seu aniversário foi no dia 24 de setembro. Minha mãe está meio adoentada: perdeu a visão depois de uma operação de catarata. Eu a levo para o banheiro. Minha irmã, Lia Cabeleireira, também toma conta dela.
ZONA SUL – Como se chamam seus pais?
WILSON - Maria das Mercês da Silva e Severino Pedro da Silva. Meu pai já faleceu. Morreu em 1972. Eu estava com 26 anos, na época. Agora em agosto completei 63 anos.
ZONA SUL – Vamos voltar à sua infância: o fato de não ter nascido em berço de ouro fez de você uma criança infeliz?
WILSON – Não. Fui uma criança feliz, apesar de ser de família pobre. Estudei: fiz o curso primário e o segundo grau. Também fiz o curso de impressor gráfico, no Senai. Estudei um ano e seis meses de tipografia. Depois fiz curso de Contabilidade, no Colégio Santa Luzia, na Estância. Porém, nunca usei contabilidade.
ZONA SUL – Na sua infância você apresentou alguma tendência para a música?
WILSON – Sempre gostei de dançar. Eu observava Roberto Carlos e Reginaldo Rossi, que já estavam na mídia, naquela época da Jovem Guarda... Comecei minha carreira em 1976.
ZONA SUL – Que tipo de música você gostava de ouvir?
WILSON – O estilo era esse: Jovem Guarda, Roberto Carlos, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani... Era o que corria nas minhas veias. Eu escutava música nos bailinhos e em emissoras de rádio, como a Continental. O estilo que enquadrou comigo foi o romântico-dançante e não o romântico-lento.
ZONA SUL – Nessa época o gosto pela música não despertou em você o desejo de aprender a tocar um instrumento?
WILSON – A história é longa. Jamais pensei em ser cantor, em sobreviver da música. Trabalhei até 1975 em uma gráfica, como impressor. Saí de lá para a gravadora Mocambo/Rozemblit. Tenho mania de sempre estar com caneta e papel. Um dia, fazendo um serviço para o Bandepe (Banco do Estado de Pernambuco), veio a inspiração. Eu também nunca tinha pensado em ser compositor. Foi coisa de Deus. Eu estava numerando algumas páginas, quando veio a inspiração. Nem sou sambista, mas veio: “O samba é um ritmo quente / Que mexe com a gente / Quando começa a tocar / O samba é um ritmo gostoso / Que nasceu no morro / E é popular”. Estava por perto um amigo, impressor também, Edvaldo, muito brincalhão e extrovertido. Eu disse a ele: “Edvaldo, fiz uma letra de música”. Foi aí que tudo começou. Graças à reação dele. Agora me arrepiei todinho. É emoção. Já gravei no Rio e em São Paulo, só falta estourar. Se um dia eu estourar na mídia, se um dia Papai do Céu me der o merecimento, vou chamar esse rapaz. Ele foi um incentivador. Edvaldo, o impressor que trabalhava na máquina automática ao meu lado.
ZONA SUL – Qual foi a reação desse seu amigo Edvaldo?
WILSON – Ele gritou bem alto, lá na fábrica: “eita, Pedro é compositor”. Claudionor Germano e Capiba, também trabalhavam lá no escritório da gravadora. De repente apareceu uma multidão. Veio diretor, encarregado, chefe... A fábrica parou para me ouvir cantar. Eu disse que não era cantor, mas eles insistiram e eu cantei o verso que tinha acabado de compor. Depois desse dia não tive mais sossego na minha vida, dentro da fábrica. Todo mundo me procurava. Porém eu não fazia mais nada, só recebia o salário. Eu pedia ao encarregado um serviço, mas ele dizia para eu não esquentar. Depois que fiz as primeiras músicas, os amigos disseram que aquelas canções combinavam com o Reginaldo Rossi. Foi quando comecei a procurá-lo, no Hotel Jandaia, onde ele costumava se hospedar.
ZONA SUL – Até então você notava que era parecido fisicamente com Reginaldo Rossi?
WILSON – Eu nem pensava nisso. Naquela época estava na moda o sapato cavalo de aço, o cinto largo e o cabelo grande. Deixei meu cabelo crescer e o bicho pegou. Na verdade eu estava mais para Wando do que para Reginaldo Rossi, na aparência. Mas alguns poucos diziam que eu parecia com Reginaldo Rossi. Levei na brincadeira, porque eu não pensava em ser cantor. Tudo aconteceu naturalmente, foi coisa de Deus.
ZONA SUL – Depois do sucesso com o samba composto na fábrica, qual foi seu passo seguinte na direção de uma carreira de artista?
WILSON – Certo dia eu estava assistindo o Programa Silvio Santos. A TV exibia um quadro de perguntas e respostas. Uma menina não soube responder em qual ano o Brasil tinha sido descoberto. Eu, mentalmente, respondi: “o Brasil foi descoberto em 1500, por Pedro Álvares Cabral”. Foi quando surgiu minha segunda canção, também de forma espontânea. “O Brasil foi descoberto em 1500 / Por um homem consciente / Chamado Cabral / Cabral que nasceu em Portugal”. Foi mais um samba. Depois foi que passei a compor no estilo brega. Na verdade, samba e frevo não fazem meu gênero. A terceira, já um brega, foi assim: “Eu não vou deixar você, amor / Eu pretendo casar / Você conquistou meu coração / Eu não vou te deixar”. A turma na gravadora disse logo que aquela música era pra Reginaldo Rossi. Gravei com violão. Não eu cantando. Eu cantava muito ruim naquela época. Com a fita na mão, comecei a procurar Reginaldo Rossi.
ZONA SUL – Você já tinha passado a se caracterizar como ele?
WILSON – Não. A música pra mim era uma simples brincadeira. Mas como eu já estava com algumas músicas prontas, e os amigos disseram que Reginaldo Rossi poderia gravá-las, achei que poderia faturar algum dinheiro. Na recepção do Hotel Jandaia, perguntei se ele estava hospedado. Da mesma forma que eu sou Wilson Pedro da Silva, ele também não tem Rossi no nome. Chama-se Reginaldo Rodrigues dos Santos O meu Rossi e o dele é apenas artístico. O recepcionista interfonou e disse a ele que um compositor estava a sua procura. Eu andava com um gravadorzinho, para tocar a fita cassete. Ele me recebeu de toalha e de zorba. A toalha pendurada no ombro. Reginaldo é uma onda. “Diz, bicho. Tudo bem, cara?”. Ele falava ajeitando o cabelo. Reginaldo tem a mania de puxar o pixaim, como eu também tenho. Expliquei que estava com umas músicas para ele analisar. Ele sentou no sofá, eu liguei o gravador. Ele ouviu enrolando o cabelo. Na terceira música, Reginaldo Rossi falou: “desliga, garoto”. “Olha, já gravei pela CBS. Você é um talento, mas eu já gravei. Venha daqui a seis meses. Me procure novamente”. Saí de lá satisfeito e falei pro pessoal da fábrica que Reginaldo tinha mandado eu voltar de novo. Voltei seis meses depois, com outra música.
ZONA SUL – Ele lhe reconheceu?
WILSON – Reconheceu. Naquela época meu cabelo era preto e grande. Eu parecia com Wando, era uma coisa naquele estilo. Mostrei o trabalho, mas Reginaldo disse novamente que já tinha gravado pela CBS. Mesmo assim me convidou para a piscina do hotel. Ficamos olhando o mar, ele lendo o jornal. Pouco depois ele cantou pra mim uma música que tinha gravado. Essa canção hoje eu canto em show. Foi gravada em 1977, quando a CBS mandou ele embora: “O romance que ninguém leu”. A música é assim. “Sim, você disse que eu / Em relação a você / Sou uma fonte que já secou / O perfume que não cheirou / O romance que ninguém leu / Uma chuva que não molhou /A semente que não nasceu”. Cantou também “Mon amour, meu bem, ma femme”. Essa faz muito sucesso até hoje. “Nesse corpo meigo e tão pequeno / Há uma espécie de veneno / Bem gostoso de provar”. E saiu mostrando tudinho. Reginaldo Rossi foi um artista que sempre chamou minha atenção.
ZONA SUL – Quando você começou a pensar que a música poderia ser um caminho para você trilhar?
WILSON – Nesse mesmo dia, no hotel, Reginaldo, imitando uma música de Roberto Carlos, disse a mim: “Wilson, não fique triste, não se zangue. Vá para o sul do país e faça como eu, que morei em vaga para poder sair mostrando meu trabalho a todo mundo. Faça isso que você vai chegar, pois talento não lhe falta”. Saí de lá e fui para a Rozemblit, a fábrica de discos, e pedi as contas. Eu não cantava, só fazia composição. É muita coragem, não é?
ZONA SUL – Coragem não, isso é loucura!
WILSON – (risos) É mesmo! Eu tinha três anos de fábrica e disse que não queria trabalhar mais lá. O chefe era fanho, seu nome era Jaime. (Wilson imita a voz fanhosa do ex-chefe) “Mas Wilson, você vai fazer o que no Rio de Janeiro, cara?”. Respondi que ia tentar a vida. Eles não queriam me mandar embora. Então passei a chegar todos os dias depois das nove horas. Eu sabia que eles iam terminar se aborrecendo. Certo dia me chamaram e me mandaram embora. Recebi o dinheiro da rescisão e comprei uma passagem de ônibus para o Rio de Janeiro.
ZONA SUL – Você tinha alguns contatos no Rio?
WILSON – Fui com a cara e a coragem. Eu e Deus. Eu tinha minha profissão de gráfico e um tio que morava em Copacabana. Passei cinco dias na casa dele, só o tempo de arrumar um emprego em uma gráfica, e fui cuidar da minha vida. Meu objetivo era a música, não era ficar na casa de parentes. Consegui alugar um quarto para solteiro em São Cristóvão. Arrumei a vaga e fui morar lá. Agradeci a meu tio e fui viver a minha vida. Eu trabalhava e corria atrás da música. Saia às seis da tarde, da gráfica, e ia para as boates do Rio de Janeiro. Eu não era cantor. Lá estudei em uma escola de música para canhotos, na Rua Floriano Peixoto, perto da Central do Brasil. Consegui fazer um gancho na Boate Casanova, perto do bondinho de Santa Teresa. Eu cantava, dava canja, junto com um conjunto regional com sanfona, baixo, violão e piano. A cantora de lá tomava uma cana danada. Ela entrava no palco com uma garrafa de cachaça escondida dentro do sutiã. Ela tinha os seios grandes, sabe? Colocava a garrafa no pé do piano. Cantava uma música e dava um gole, uma bicada. Foi assim que comecei.
ZONA SUL – Depois dessas “canjas” na Boate Casanova, qual foi o degrau seguinte que você escalou na busca do sonho de divulgar seu trabalho?
WILSON – Antes de responder, vou contar uma história engraçada. Eu morava no Riachuelo, perto do bondinho. Eu andava com o gravador e as fitinhas dentro da tiracolo. Estava sempre preparado. Uma madrugada, duas horas da manhã, saí da Boate Casanova. Quando percebi, dois malandros me cercaram. Deus é tão bom que na mesma hora apareceu um carro da polícia. Era uma daquelas veraneio azul. Os ladrões correram, quando viram. “Doutor, você me salvou, iam me assaltar agora”, eu disse a um dos policiais. Corri pra casa, era pertinho. Veja como as coisas são: por coincidência eu morava num edifício chamado Rei da Voz. Tudo se encaixava. Cheguei em casa, me deitei e fui dormir, para no outro dia ir trabalhar. Minha vida era assim. Passava o dia trabalhando na gráfica e, à noite, dava canja nas boates, esperando aparecer uma oportunidade. Às vezes, durante o dia, eu conseguia fugir e ia pra porta das gravadoras. Levava uma fitinha e um violão para mostrar meu trabalho. Fui na RCA Victor, na Odeon, na Copacabana... Fiz o que Reginaldo Rossi disse.
ZONA SUL – Como você era recebido nessas gravadoras?
WILSON – Era muita canseira. Quem recebia a fita não era nem o produtor, mas a atendente ou a secretária. Ela mandava eu voltar para pegar o resultado depois de 30 dias. A fita era jogada na gaveta. Às vezes nem escutavam. Eu sabia porque quando uma fita cassete é escutada, o rolo vai rodando. Eu chegava lá e a fita continuava no começo, estava do mesmo jeito que eu tinha deixado. Era só conversa. Depois de dois anos no Rio de Janeiro, resolvi tentar em São Paulo. Isso foi em 1980. Lá na capital paulista passei um frio danado. O Rio de Janeiro é igual a Recife, quente. Quase desisti de São Paulo, depois de uma semana.
ZONA SUL – Onde você morou, lá em São Paulo?
WILSON – Na Boca do Lixo. Fiquei na Rua dos Timbiras. O que Reginaldo Rossi falou, eu fiz tudinho. Fiquei no edifício Tabiras. Arrumei uma vaga no terceiro andar. Também consegui emprego em gráfica. Na época era fácil. Hoje, com a computação, está difícil. São Paulo foi melhor do que o Rio. Lá eu conheci meu parceiro Gabriel Santos, que gravou “Menina triste”. Ele tinha gravado pela Copacabana. Tocava violão e cantava bem. É de Uberlândia, Minas Gerais. Eu trabalhava na Rua Vitória, e ele também. Fizemos amizade em um boteco onde tomávamos café. Um dia ele me chamou para visitá-lo, para tocar um violão. Passei a frequentar a cobertura dele. Ele não bebia não, sabe? Tomávamos um cafezinho ou um suco e ficávamos tocando violão. Essa música, “Menina triste”, é minha, dele e de minha irmã, Lia Cabeleireira. Ela mandou duas estrofes da letra. Em um domingo de manhã fiz a música com ele. Sol maior. “Menina, por favor não chores mais / Pois você triste, nada trás / Menina, o mundo é bom demais / E a tristeza se desfaz / Eu olho para o céu / E vejo uma estrela brilhar / Esta noite tão linda pra se amar / Eu quero sentir você aqui / Pra nunca mais te esquecer”. Eu acho essa música linda. Sou um cara muito romântico. Sou um cara feio de rosto, mas sou bonito por dentro e romântico. Feio por fora, bonito por dentro. Gabriel sugeriu que preparássemos um repertório para cantar na noite. Foi assim que formamos uma dupla. Ele no violão, eu no atabaque e cantando. A vida noturna de São Paulo é melhor do que a do Rio. Foi lá onde prosperei musicalmente. O Rio foi uma aterrissagem. São Paulo me profissionalizou. Lá peguei um 767 e decolei.
ZONA SUL – O que aconteceu de tão bom em São Paulo?
WILSON – Nessa luta de largar seis horas da tarde e ir para noite, encontrei Roberto Linhares, meu parceiro na música “Não vou te perder”. Ele tinha lançado dois elepês pela gravadora Polygran. É um cantor naquele estilo Evaldo Braga. Toca um violão! Eu trabalhava na gráfica durante o dia e à noite saía para ver ser aparecia algum produtor ou empresário para me contratar. Eu ainda era Wilson Braga, artisticamente. Não era Wilson Rossi. Roberto encontrou comigo na gráfica e disse que tava fazendo uma temporada no Hotel Comodoro, um cinco estrelas na Avenida Duque de Caxias, em São Paulo. Me convidou para passar por lá. Saí do trabalho, passei em casa, tomei um banho e saí todo bonitão com meu conjunto jeans, bota, cordão de prata e pulseira. Meu cabelo não era dourado como agora. Era grande, mas era preto. Quando entrei, ele estava cantando. Deus trabalha na nossa vida. Eu lutei dez anos no Rio e em São Paulo, desde que Reginaldo Rossi disse que, se eu batalhasse, chegava lá. Deus tinha me oferecido o dom, eu tinha que dar prosseguimento a ele. Quando entrei no hotel, a esposa do meu amigo cantor, Sebastiana Gonçalves, que era compositora, estava sentada na mesa. Sentei ao lado dela. Quando Roberto Linhares terminou a música que estava cantando, anunciou: “daqui a pouco Wilson Braga, um cantor de Recife, vai se apresentar para vocês”. Foi uma surpresa. Eu sem saber nada, sem conhecer os músicos, sem ter ensaiado. Foi terminar de eu tomar um copo e ele me chamou. “Wilson Braga com vocês”. O tecladista perguntou o que eu ia cantar. Eu pedi para ele fazer um lá menor e comecei: “Moça, me espere amanhã / Trago o meu coração / Pronto pra te entregar”. Depois pedi um sol maior. “A vida passa, telefono / E você já não atende mais / Será que já não temos tempo / Nem coragem de dialogar?”.
ZONA SUL – Deve ter sido um sucesso. Começou com “Moça”, de Wando, e passou logo para “Pingos de amor”, de Paulo Diniz...
WILSON – O tecladista já tinha comentado: “esse cara entende”. Então eu pedi um lá maior. Alceu Valença estava estourado em todo o Brasil, e eu mandei “Morena tropicana”, que é mais ou menos assim. “Da manga rosa quero o gosto e o sumo / Melão maduro, sapoti, joá / Jabuticaba, teu olhar noturno / Beijo travesso de umbu-cajá”.
ZONA SUL – Mas esse repertório é muito diferente do que você apresenta agora.
WILSON – Essas músicas estavam na mídia, faziam sucesso em 1981. Mas não parou por aí. Eu pedi para ele fazer um lá maior. Ele perguntou qual era a música. Eu disse: “é um brega do meu irmãozinho Reginaldo Rossi”. E comecei: “Ah! Que bom se eu encontrasse / Alguém que só falasse / De amor, amor, amor... Amor”. Todo mundo aplaudiu e eu agradeci. Fico emocionado me lembrando dos bons momentos. Quando sentei à mesa do meu amigo, o cantor, a esposa dele perguntou: “menino, de onde você é?”. Respondi que era de Recife. “Está contratado, vou investir em você”. A esposa do cantor propôs eu gravar um disco. Ela perguntou se eu podia ir para o Rio de Janeiro na manhã seguinte. Topei. Fui na pensão, peguei minhas coisas, acertei tudo e fui embora.
ZONA SUL – Não pediu nem demissão da gráfica? O disco que ela prometeu saiu?
WILSON – (risos) Acertei tudo lá e fiquei num apartamento, no Rio de Janeiro, em Cordovil. Ela bancando. Fiquei no apartamento e comecei a preparar um repertório. Gravei um compacto duplo pela gravadora independente SGS discos, as iniciais do nome dela: Sebastiana Gonçalves da Silva. Foi meu primeiro trabalho gravado. O nome do disco foi “Menina triste”. Eu tenho o compacto em casa
ZONA SUL – Você foi um bom gráfico quando exerceu essa atividade profissionalmente? Dizem que por trás de um bom gráfico sempre existe um grande boêmio. Você foi um grande boêmio?
WILSON – Sou um bom gráfico e sou um grande boêmio. Sou da noite. No momento, a situação em Recife pra mim, musicalmente, ta difícil. Por isso estou trabalhando de novo em gráfica. Estou sem fazer shows há um certo tempo. Eu tenho família, sou casado, tenho uma filha de 12 anos. Tenho minhas contas a pagar. Não sou homem de estar pedindo a ninguém. Tenho colegas que pedem um real pra passagem, pro cigarro. Eu não sou disso. Sempre trabalhei na minha vida. Não tenho vergonha de dizer isso não. Sou cantor profissional. Tenho disco na loja, estou para gravar outro CD. Mas faz mais de um ano que não pinta nada e tenho que sustentar minha família. Estou errado?
ZONA SUL – Não. Claro que não. Você foi melhor impressor ou foi melhor boêmio?
WILSON – A pessoa que é nunca diz o que é. Concorda? Eu faço os dois lados. Continuo fazendo. Eu imprimia, cortava, revisava. Hoje estou nessa gráfica como revisor. Pego o original e reviso se a impressão está boa, se tem erros de português. O serviço só sai quando eu autorizo.
ZONA SUL – É notório que na música brega existe uma pitada de dor de cotovelo, a famosa dor de corno. Na sua vivência musical essa dor de corno sempre foi virtual? Ela só apareceu nas suas letras ou aconteceu na vida real também?
WILSON – (risos). Gostei da pergunta, Carlyle, gostei. Aconteceu comigo em São Paulo. Na vida real. Eu não era casado, mas gostava de alguém. Eu cantava na noite, em São Paulo. Eu morava numa pensão, no Brás e namorava uma moça do meu relacionamento. Não vou falar o nome, mas eu gostava dela e ela de mim. Quando chego da noitada, duas horas da manhã, numa sexta-feira, encontrei ela sentada num murozinho baixinho. O cara sentado e ela no colo do cara, fazendo “I love you”. O cara era amigo meu. Quando me viu, cumprimentou: “tudo bom?”. Tudo, vai, termina, termina o show. Foi o que eu respondi.
ZONA SUL – Esse episódio tem alguma coisa a ver com a música “Traiçoeira”?
WILSON – Mais ou menos, porque coisa desse tipo sempre inspira. “Você diz que me ama / Mas me engana / Com outro rapaz / Eu vivia sozinho / Sem teus carinhos / Mas tinha paz / Você diz que eu não presto / Diz que eu sou resto / Não me ama mais / Eu vivia sozinho / Sem teus carinhos / Mas tinha paz / Traiçoeira, Traiçoeira / Você diz que me ama / Mas me engana / Com outro rapaz”.
ZONA SUL – Depois do compacto duplo que você gravou no Rio, o que veio a seguir?
WILSON – O CD “As melhores”, em 2005, pela loja Sol CDs. Gravei as melhores músicas que eu tinha até aquela época. Antes eu tinha gravado 500 cópias de um CD, mas ele não foi para a loja. Esse sim, “As melhores”, foi para o comércio.
ZONA SUL – Como se deu sua volta do eixo Rio / São Paulo para Recife?
WILSON – Depois que gravei, em 1988, voltei para Recife, que é minha terra natal. Também me casei, e tal. Meu objetivo era gravar. Como tinha conseguido, voltei. Eu tinha que vir mostrar às pessoas o que eu tinha alcançado lá. Muita gente dizia que eu não ia conseguir gravar, que eu não cantava nada. Falavam essas coisas, aquelas gozações que a gente sofre na vida. Graças a Deus gravei, para mostrar ao povo que eu tenho talento. Cheguei de São Paulo num dia de sábado. Saí de casa com minha bolsa a tiracolo, e com dez compactos dentro. Alguns amigos estavam bebendo cachaça. Quando me viram, perguntaram se eu tinha gravado. Respondi que sim. Eles estavam ouvindo músicas de Zé Ribeiro, de Reginaldo Rossi, e tomando cerveja. Duvidaram da minha resposta e ficaram naquela gozação. “Você gravou nada”. Quando abri a bolsa e mostrei, veio aquela avalanche pra cima de mim. “Mas rapaz, o cara gravou mesmo”. Eu, bem tranqüilo, outra cabeça, fiquei na minha. Começaram a pedir discos. Eu disse que não, que eles tinham que comprar. “Vocês foram os primeiros a torcerem para eu não vencer na vida, pois eu gravei. É dez cruzeiros, vai?”.
ZONA SUL – Depois desse compacto não surgiu a oportunidade para gravar um elepê?
WILSON – Não. Gravei o compacto em 1988 e fiquei dez anos sem gravar. Somente em 1998 fiz o CD demo independente, que inclusive foi bancado por um amigo. O disco não chegou às lojas. Eu vendia à noite, nos bares. Mas dessa forma as coisas não funcionam. O artista tem que conseguir colocar o seu trabalho nas lojas. Esse demo eu fiz com Nido dos Teclados, que tocava comigo em shows e me ajudou. Fui na casa dele, no meio de semana, e mostrei as músicas. Ele fez uma ligação direta do teclado pro som e dessa forma gravei o CD. Depois fiquei batendo de porta em porta, nas gravadoras, e nada. Até que um dia encontrei Farias, outra pessoa que me ajudou. Ele era representante da Continental e da RGE Discos. Era também produtor. Ele falou que as gravadoras não tavam contratando, não tavam vendendo nada.
ZONA SUL – Com todas essas dificuldades, como você estava sustentando a família?
WILSON – Mais uma vez eu estava trabalhando como gráfico, pra sobreviver. Certo dia, era um sábado, encontrei Farias na Ponte Duarte Coelho e mostrei o demo. Ele disse: “tu é danado mesmo, não desiste”. Expliquei que precisava botar meu disco nas lojas. Ele marcou de a gente se encontrar, na segunda-feira, em uma loja de discos ao lado dos Correios, era a Sol CDs. Farias disse que o dono tinha um selo, e que se ele gostasse do meu disco, lançava. Dez horas da manhã, fui lá. Farias já estava esperando. Fui apresentado a Reginaldo, o dono da Sol CDs. Começamos a ouvir o disco dentro da loja mesmo. Um vendedor botou pra tocar a primeira música, “Tarde de domingo”. A letra e a melodia são minhas. “Meu bem lembro as tardes de domingo / Você vinha sorrindo / Me chamando de amor / O sol ia se escondendo / Você vinha correndo / Pra sentir o meu amor / Você é a razão do meu viver / Você minha musa, meu bem querer / Você mora no meu coração / Você é meu tudo, minha inspiração”. Ele disse que a música era bonita. O disco foi tocando, e chegou em “Quente como um vulcão”, a terceira.
ZONA SUL – A propósito, essa música pode ser ouvida no Youtube, no endereço http://www.youtube.com/watch?v=oy-214jd1bs. Ou então ela pode ser achada pesquisando, no Youtube, “Wilson Rossi”.
WILSON – Sim. Gravei esse clipe especialmente para o Zona Sul e será ótimo que vocês assistam. Mas a música começou a tocar lá na Sol CDs: “Depois que você provar do meu sabor / Nunca mais vai querer me deixar / Eu vou saciar todo o teu corpo / Vai ser teu meu beijo doce / Com os meus braços vou te acalentar”. Quando a ela terminou, Reginaldo disse: “está aprovado”. E ficaram, Reginaldo e Farias, um dizendo para o outro bancar mil cópias do disco pra mim. O valor era quatro mil reais. Mas continuamos ali. Quando chegava um cliente para olhar os discos, o dono mandava botar pra tocar o meu. Chegou um comprador, um coroa alto, e começou a escolher o que comprar. E minha música tocando. Ele perguntou quem era o cantor. O vendedor apontou pra mim. “Gostei, quanto é o CD, garoto?”. Eu disse que era dez reais. Ele respondeu que tava caro. Então eu disse: “fale com o vendedor aí”. Eu não tinha nem fechado contrato com o dono da loja, pois a negociação continuava. Reginaldo ouviu o papo e ficou olhando o andamento da conversa. A cópia do demo foi vendida ao coroa por nove reais. Não era nem original, era um demo. Quando ele pagou, que eu fui dar o troco de um real, ele não aceitou. Ficou pelos dez mesmo. Mas esse um real eu juntei com mais dois e dei três reais pro vendedor, pra ele almoçar, pois já tava perto do meio-dia: “Toma tua comissão”. (risos). Foi então que Reginaldo decidiu me lançar no mercado.
ZONA SUL – Como foi sua transformação de Wilson Braga pra Wilson Rossi?
WILSON – Em 2005, um fã meu, um garoto novo, 26 anos, perguntou se eu tava fazendo shows. Como as coisas andavam meio fracas, ele propôs: “eu vou lhe vender, mas só se você trocar o nome”. Era uma perseguição, o nome Rossi, desde o início da minha carreira. Eu não queria, mas ele insistiu: “se você adotar o sobrenome Rossi, eu lhe vendo no Clube 10 de Novembro, lá no Totó”. Ele disse que ia me colocar junto com a Banda Aparência, de Nido dos Teclados. Deu certo. Passei três meses cantando nesse clube. Lá se apresentavam Banda Só Brega, Reginaldo Rossi, Labaredas, Paulo Madsen... A penúltima atração era eu. Antes da atração final eu fazia 40 minutos. Mas tiraram a vida desse rapaz. Ele foi assassinado. Se estivesse vivo, com esse CD que tenho agora, eu teria estourado.
ZONA SUL – Você já encontrou Reginaldo Rossi depois que virou Wilson Rossi? Sabe o que ele acha disso?
WILSON – Não encontrei ainda. Porém, ele sabe que Wilson Rossi existe, porque vendi um
CD meu ao seu empresário e cunhado, o Sandro. Mas não tomei conhecimento da reação dele. Quando eu era Wilson Braga, encontrava com ele. Uma dessas vezes foi durante entrevista, em 1990, no programa de Geraldo Freire, na Rádio Jornal. Eu falei assim pra ele: “Reginaldo, foi até bom nos encontrarmos frente a frente, porque as mulheres, as gatas, dizem que eu quero ser você”. Eu sou desenrolado. “Reginaldo, eu não quero ser você: eu quero ser eu mesmo: Wilson Braga”. Por ironia do destino hoje eu sou Wilson Rossi. (risos).
ZONA SUL – Você teve a mesma sorte que Reginaldo Rossi teve com as mulheres?
WILSON – Já tive muitas mulheres, como dizia Martinho da Vila. O cara que canta, sabe como é que é, tem certas facilidades. Você está fazendo um show e as mulheres já ficam delirando, dando em cima. Vou contar uma história. Eu tinha lançado o meu compacto e tava fazendo um show no Bar do Juvino, na Rua Real da Torre. Eu tava cantando a música “Menina Triste”, em espanhol. Nisso, de repente uma nega deu um pinote no meu pescoço, me agarrou e me beijou na boca. A minha esposa estava de lado, a tiracolo no palco. Do Bar do Juvino até chegar em casa, foi só confusão. Tome beliscão. E eu nem tive culpa. Sobre esse tema, tenho uma música pra gravar no novo CD, chamada “Briga de amor”. A mulher briga, briga, briga com o cara, mas depois é só love. “Quanto mais a gente briga / Mais a gente se ama / As nossas brigas / Acabam na cama”.
ZONA SUL – Você hoje viveria somente sustentado pela música?
WILSON – Viveria sim, se tivesse uma estrutura, um empresário me divulgando, correndo atrás e arrumando shows. O artista vive das apresentações que faz. Principalmente hoje, quando somos obrigados a enfrentar também a pirataria. Se o artista não fizer shows, vai morrer de fome. Não sou de ficar parado, pois tenho família, e é minha obrigação sustentá-la, independente da música estar rendendo alguma coisa ou não. Mas a música dá dinheiro, fama e popularidade. Mas não é para todos. É muito bom para Roberto Carlos, para Reginaldo Rossi e muitos outros. Mas todos os bem sucedidos encontraram a pessoa certa para trabalhar com eles. Eu até agora não encontrei. O melhor de todos, o menino sobre quem falei, foi assassinado. Depois dele, não encontrei outro igual. Ele era dinâmico, saía no carro de som, divulgando: “hoje, no 10 de Novembro, não percam... Wilson Rossi e Banda Aparência”. Era assim todo domingo. Tinha vez que ele dizia: “Wilson, vá pra Rádio Comunitária”. Eu pegava meu CD e ía. Lá tocavam cinco músicas e depois informavam sobre o show. Todo fim de semana ele conseguia algum tipo de mídia. Mas tiraram a vida do rapaz. Desde que ele faleceu, não pintou mais um empresário nesse estilo.
ZONA SUL – Como é hoje a sua vida, como artista, em Recife?
WILSON – Atualmente só tem surgido promessa. Muitos empresários pegaram meu CD, prometeram arrumar show, mas até agora nada. Por falar nisso, um deles disse que a música “Quente como um vulcão” tinha tudo para estourar. Falou que me colocaria novamente no estúdio para gravar com outros arranjos e outra pegada, pra poder trabalhar a canção. Mas até hoje nada. Quando ligo, ele não atende. É como eu falei: só tem pintado promessa. Minha carreira em Recife ta assim, difícil, no momento. Estou com CD, um bom trabalho, mas os empresários não estão apostando. Mas Deus ta vendo tudo e vem trabalhando na minha vida. Acho que quando a pessoa não tem condições de ajudar, não deve prometer. Porque termina atrapalhando, ao criar uma falsa ilusão. Pega o seu material, diz que vai ajudar e não ajuda. Eu já disse a certos divulgadores que ficam botando banca: “meu amigo, você fala assim porque não tenho dinheiro”. E é verdade. Se eu chegasse pra um divulgador e oferecesse 300 paus toda semana para ele marcar entrevista em rádio e emissora de televisão, as coisas num instante chegavam. No instante o cara se abria. Mas como não tenho dinheiro, eles ficam naquela história de que batata é doce e limão é azedo. Os caras querem dinheiro. Se não tiver...
ZONA SUL – Quer dizer que não basta apenas talento. Tem que ter dinheiro.
WILSON – Sim. Sem dinheiro não funciona. Eu fiz uma proposta pra um desses. Dei o CD e disse que se ele me divulgasse, eu daria 50% do cachê de cada show que ele arrumasse, tiradas as despesas com a banda. Ele não arrumou nenhum. Será que sou tão ruim assim? Tem gente pior do que eu, com nome nacional e ganhando dinheiro. Tá rico, tem ônibus, avião... E canta igual ou até menos do que eu. Mas essa pessoa teve alguém por trás para investir, para colocar na mídia. Artisticamente sei que não sou o melhor de todos, mas também tenho certeza que não sou o pior. Estou sendo sincero.
ZONA SUL – Wilson Rossi não é pior nem melhor do que ninguém: ele é apenas diferente. Sua semelhança física e musical com Reginaldo Rossi é benéfica ou prejudicial? Para você virar Wilson Rossi, o que mudou na sua aparência?
WILSON – Apenas mudei a pintura do cabelo. Meu cabelo era preto. Ah, mudei um pouco o corte também. Sobre a segunda parte da pergunta, parecer Reginaldo Rossi às vezes ajuda, mas em outras atrapalha. Chego até a ouvir gozação, como escutei hoje. Eu ia passando, vendendo meu cedezinho na Praça Maciel Pinheiro. Os biriteiros que ficam tomando cachaça, só atrapalham. Eu tava passando, quando eles gritaram “Reginaldo Rossi”, três vezes. Como sou educado, respondi com um aceno. Eles acharam pouco e gritaram: “Reginaldo Rossi depois da gripe!”. Ora! Só pode ser inveja, porque eu não tenho culpa de parecer com Reginaldo Rossi.
ZONA SUL – Sua esposa curte o Reginaldo Rossi?
WILSON – Pouco. Quando Reginaldo Rossi aparece na televisão, ela troca o canal. Verônica é o nome dela. Fiz até uma música pra minha esposa. Ela dizia que eu cantava música pra todo mundo e não cantava pra ela. E eu calado. Apenas esperando a inspiração. Quando veio, saiu essa música: “Verônica, você é a razão do meu viver / Verônica, eu não consigo te esquecer / Quando você me conheceu / Eu estava cantando no palco / Cantando meu brega rasgado / Eu estava no estrelato / Você sentada na mesa / Me olhava com atenção / Eu cantava ‘Menina Triste’ / Foi assim que eu ganhei seu coração”. Essa música é muito forte. Muito boa. Mas não tenho dinheiro para investir. Essa música é de trabalho.
ZONA SUL – Se alguém quiser entrar em contato com você, como pode fazer?
WILSON – Vou dar os telefones da Sol CDs, de Reginaldo, o dono da loja. Ele é meu produtor fonográfico. (81) 3224-7607 ou 3224-3498. Quem quiser falar com Wilson Rossi, agendar shows, pode ligar para (81) 3251-7516. Todos os telefones são de Recife, Pernambuco. O DDD é 81.
ZONA SUL – Quais seus projetos para o futuro?
WILSON – Pretendo lançar mais um disco pela Sol CDs. Já está tudo certo entre eu e Reginaldo. Só que ele quer, que dessa vez, eu faça a matriz. Tenho que conseguir um patrocinador para bancar o estúdio e os músicos. A gravadora, ele garante.
ZONA SUL – Muito obrigado pela entrevista e nós, do Zona Sul, desejamos a você grande sucesso.
WILSON – Eu sou quem agradeço pela oportunidade. Sou muito grato a Deus por ter conhecido vocês. Essa noite foi maravilhosa e me deixou muito feliz. Um abraço a todos aí de Natal. Estou aqui bem pertinho, em Recife. Qualquer coisa, mandem as ordens.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Entrevista: Geraldo Carvalho

A POESIA NA MÚSICA POTIGUAR BRASILEIRA

Como o personagem deste mês é um dos principais compositores da atual música potiguar, o time para entrevistá-lo teria que estar a altura da empreitada. Por isso, foi escalada uma
verdadeira seleção: além de mim, participaram da conversa os jornalistas Costa Júnior, Márcia Pinheiro e Nélson Oliveira, os fotógrafos Waldemir Rodrigues e Roque de Sá e o advogado Ronaldo Siqueira. Eu, Nélson, Roque e Waldemir confrontarmos o entrevistado aqui em Brasília. Geraldinho Carvalho passou uma temporada na capital federal lançando seu último CD e fazendo shows em diversos espaços da cidade. De Natal, acompanhando e participando da transmissão através do site www.myspace.com/robertohomem , Ronaldo, Márcia e Costa Júnior. Depois de mais de uma hora de conversa, o artista brindou a todos nós com um minishow. Infelizmente, o leitor do Zona Sul não poderá escutar as músicas. Mas o melhor da conversa está transcrito logo abaixo e também no http://www.zonasulnatal.blogspot.com/ , o endereço do jornal na rede mundial. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – Vamos começar de uma forma bastante inusitada: como é seu nome, onde você nasceu e como foram seus primeiros anos de estadia aqui neste planeta terra?
GERALDO – Geraldo Carvalho de Oliveira Júnior. Nasci em Angicos, em 8 de janeiro de 1967. Aos três anos fui para Campina Grande, na Paraíba. Meu pai, ferroviário, foi transferido para lá. Por contingência do destino troquei o Sertão Central Cabugi pela Serra da Borborema. Em Campina Grande, eu escutava muito rádio. A vida era simples e lá em casa não tinha toca-discos, nem nada. Mas tinha um radinho maravilhoso que se conectava à Rádio Borborema. Através da emissora eu escutava Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Elino Julião (que é do Rio Grande do Norte), Marinês e Sua Gente, Zé Ramalho, Fagner, Genival Lacerda, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso e toda essa gama de compositores e artistas que compõem a canção brasileira, a MPB. Quem viveu minha época teve uma sorte muito grande de ouvir música de qualidade no rádio. Hoje é muito difícil escutar, no Nordeste, coisas desse nível. O forró que tocava era de boa qualidade, a MPB também. Hoje não tem mais. Fico até preocupado com o futuro das pessoas que escutam o que se toca hoje no rádio. Principalmente me preocupo com Natal. Poucas rádios tocam música de qualidade.
ZONA SUL – Antes de chegar a Natal, vamos voltar um pouco ao território paraibano...
GERALDO – Claro. Campina Grande foi, para mim, o começo de tudo. Foi lá que aprendi a tocar violão. Minha mãe, que graças a Deus ainda está viva, cantarolava canções dela mesma e outras que faziam sucesso na época. Ela gostava de compor pra entreter os filhos. A gente dando trabalho e ela fazendo motes, criando canções e forjando possibilidades de entretenimento, através da canção. Isso foi muito importante pra minha vida. Mamãe até hoje é muito espirituosa, apesar da idade.
ZONA SUL – Como é o nome de sua mãe?
GERALDO – Joana Guedes. Ela era muito afinada. Meu pai também gostava muito de música. Nenhum dos dois tocava qualquer instrumento. Apesar disso, nós, todos os filhos, aprendemos a tocar violão e a cantar.
ZONA SUL – Qual repertório sua mãe costumava cantar pra você?
GERALDO – Deixa eu me lembrar de uma canção que ela cantava... “Índia seus cabelos nos ombros caídos / Negros como a noite que não tem luar”. Ela cantava várias outras.
ZONA SUL (Roberto) – Minha mãe, Iralde, também gostava de cantar essa.
GERALDO – Acho que todas as mães cantavam, essa é bem de mãe. (risos).
ZONA SUL – Mas, regressemos de novo a Paraíba...
GERALDO – É mesmo. Campina Grande é uma cidadã paraibana que tem uma peculiaridade: antes mesmo de Natal ou João Pessoa, lá foi instalada uma TV local. A TV Borborema já tinha telejornais locais em 1977 ou 1978. Lá eu estreei, ao cantar no programa do Palhaço Carrapeta. Eu tinha oito ou nove anos. O programa dava espaço a crianças que faziam mágica, dançavam, cantavam... Interpretei “Vida de Gado”, uma canção de Zé Ramalho. “Vocês que fazem parte dessa massa / Que passa nos projetos do futuro”. Depois fui convidado a cantar na rádio. Tornei-me um sucesso no colégio e no bairro onde morava: todos tinham me visto na televisão. Foi muito bacana. Essa experiência me ajudou a continuar, me impulsionou. Quando fui fazer minha segunda apresentação na TV, minha mãe pediu que eu cantasse “Índia”. Cantei e foi uma maravilha.
ZONA SUL – Como você aprendeu a tocar violão?
GERALDO – Meu irmão mais velho, Wallace Guedes Carvalho de Oliveira, aprendeu a tocar em Angicos, ainda adolescente. Ele toca até hoje, mas não seguiu a carreira de músico. Ele estudou na antiga ETFRN (Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte). Concluiu mineração e está morando em Corumbá, no Mato Grosso. Eu achava lindo ver Wallace tocar e cantar. Ele tinha uma pegada muito boa no violão. Ele e meu outro irmão, Francisco Guedes, que cantava, não queriam que eu aprendesse violão. A preocupação era com a questão do estudo. Tinham medo que o violão tirasse minha atenção dos livros. Eu sempre pedindo para eles me ensinarem um acorde. E eles negando. Mas não podiam impedir de eu vê-los tocar. Quando deixavam o violão de bobeira, eu ia lá e imitava o que tinha decorado vendo os dois tocarem. Isso aos nove anos. Quando voltavam do trabalho eu tava lá, tocando uma canção. Perguntavam como eu tinha aprendido. Eu explicava que tinha sido olhando.
ZONA SUL – O temor deles era justificado? Você estudou ou o violão desviou sua atenção?
GERALDO – Estudei. Fiz o segundo grau. Depois fiz uns cursos de teoria e solfejo na Escola de Música da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
ZONA SUL – Você foi para Natal com qual idade?
GERALDO – Saí de Angicos aos três anos de idade e fui para Campina Grande. De lá fui para Natal aos 11 ou 12 anos.
ZONA SUL – Qual o motivo da mudança para Natal?
GERALDO – A primeira mudança, como falei, foi porque papai trabalhava na Rede Ferroviária Federal e foi transferido para Campina Grande. Quando se aposentou, quis voltar para o Rio Grande do Norte e optou por Natal.
ZONA SUL – Você também estudou na EFRN?
GERALDO – Três irmãos estudaram lá. Wallace fez mineração, William Guedes fez mecânica e está na Petrobras e Pedro Roberto fez edificações e trabalha com construção civil. William Guedes, apesar de não ter seguido a carreira de músico, é um grande compositor. Tem uma música no meu CD que é dele e de Franklin Mário. Uma das poucas que não é minha. Chama-se “Preso no aquário”.
ZONA SUL – Quando você entrou na Escola de Música já sabia que a arte seria o seu caminho?
GERALDO – Já, nessa época sim. Eu tinha 19 anos. Aos 18 experimentei uma grande dúvida se era isso mesmo o que eu queria. Foi quando conheci Barrosinho, trompetista da Banda Black Rio. Ele tocou com Caetano Veloso e até com Roberto Carlos. Infelizmente já está em outra dimensão. Tive o prazer de conhecê-lo na casa de Lucinha Madana Mohana, a Lucinha Morena. Aos 18 anos cheguei na casa de Lucinha pra encontrar com Barrosinho. Eu era menino, ele era um um senhor de idade, um músico consagrado inclusive no Festival de Montreux e tudo o mais. Eu, terminando o segundo grau, estava com a camisa do Salesiano. Na porta da casa de Lucinha, senti uma coisa estranha, descendo lá de cima. “É isso que você quer mesmo?”. A pergunta e ecoou nos meus ouvidos durante um minuto. Esse tempo valeu por uma eternidade. Mas eu respondi àquela pergunta: “é”. Era o que eu queria mesmo. Barrosinho ia fazer um show no teatro do Centro de Convenções. Eu tinha ficado de conseguir um violonista pra tocar com ele. Como não tinha arrumado ninguém, ele perguntou se eu topava acompanhá-lo. Naquela idade, eu tinha estudado harmonia com Manoca Barreto, mas nem pensava em ter a ousadia de acompanhar Barrosinho e seu trompete. Mas quando ele fez a pergunta, respondi. “Eu?... Topo”. Só disse isso porque eu tinha tomado a decisão, antes de entrar na casa, de abraçar a música. Toquei com ele e foi o maior sucesso. Rendeu minha primeira aparição em jornal. Ensaiamos um pouco, mas a maior parte da apresentação foi de improviso mesmo. Também cantei algumas canções, a pedido dele.
ZONA SUL – Composições suas?
GERALDO – Não, ainda não. Eu estava começando a escrever algumas coisas, mas ainda não havia ousado mostrar.
ZONA SUL – Como você começou a compor? O que lhe inspirou primeiro?
GERALDO – Foi conhecer a poesia dos artistas potiguares, incentivado por Jota Medeiros, Falves Silva e Chico Ivan, que é doutor em semiótica e professor de letras da Universidade. Essa galera me impulsionou a, digamos, musicar. Eles me apresentaram a Haroldo de Campos quando o poeta esteve em Natal. Eu, ainda garoto, na faixa dos 18 anos, andava com eles. Haroldo de Campos jantando, e eu ali de lado, dividindo a mesa com ele e outros seus amigos. Haroldo foi uma figura maravilhosa. Criou a poesia concreta junto com seu irmão Augusto de Campos e com Décio Pignatari. Musiquei dois poemas dele. No primeiro CD gravei “Ma non dove”, música feita em parceria com Jota Medeiros a partir de fragmento de “Galáxias”, de Haroldo. No segundo gravei outra canção feita a partir de poesia dele: “Toura”
ZONA SUL – Fale um pouco sobre Haroldo de Campos.
GERALDO – Era uma pessoa supersimples, elegante e que falava correto demais. Não vacilava nas palavras. Haroldo não tinha sotaque nenhum. Apenas falava correto. Você não percebia nenhum sotaque quando ele falava. Quando liguei pra falar com ele da canção que eu pretendia gravar no CD “Manhecença”, falei: “Haroldo, através de Chico Ivan e Jota Medeiros lhe conheci em Natal. Quero mostrar uma canção que fiz em cima de um poema seu, e que pretendo incluir no meu CD. Mas pra isso você tem que autorizar, pois a letra é sua”. Caetano Veloso tinha musicado “Circulado de Fulô”. Que ousadia a minha! Mas eu precisava fazer isso. Jota Medeiros, o parceiro na melodia, foi quem me apresentou o poema. Haroldo me deu seu endereço e enviei a canção para ele ouvir lá na Vila Madalena. Depois eu telefonei. Ele disse que tinha achado a música fantástica e que eu podia gravar. Ele já estava de cadeira de rodas, doente, mas enviou a autorização pelo correio.
ZONA SUL – Satisfeita a curiosidade sobre Haroldo de Campos, voltemos ao Geraldo compositor.
GERALDO – Como ia dizendo, comecei a compor por conta dessa galera: Jota, Falves... Eles me apresentaram os potiguares Jorge Fernandes, Ferreira Itajubá... Jorge Fernandes, o futurista, atuou na Semana de Arte Moderna de 1922 e é considerado um dos precursores da poesia moderna no Brasil. Ferreira Itajubá viveu antes, nasceu por volta de 1875. Sua poesia também é muito bonita. Como a de Zila Mamede, que é de 1928. O poema “Manhecença”, de Jorge Fernandes, deu nome ao meu primeiro CD. Ele foi publicado no “Livro de Poemas”, de 1927. Quando Jota Medeiros me mostrou o livro, de cara achei “Manhecença” fantástico. É uma fotografia do Nordeste brasileiro, do amanhecer do Nordeste brasileiro. “O dia nasce grunhindo pelos bicos dos urumarais... / Dos azulões... Da asa branca...”. Se tivesse um violão aqui, eu ia cantar.
ZONA SUL – Tem. Não se avexe não. Vamos completar a entrevista e logo em seguida você canta.
GERALDO – Ótimo. Então, resumindo, comecei a compor quando fui apresentado aos poetas e comecei a ver música nas poesias. Iniciei musicando os poetas potiguares, como o próprio Jota Medeiros e Chico Ivan. Por isso comecei a compor. Depois comecei a escrever também. Agora as coisas estão entrelaçadas: música, poesia, letra e tal.
ZONA SUL – Como você sobrevivia no início e como imaginava que seria o futuro?
GERALDO – Essa pergunta é fogo. Posso tomar mais um pouco de vinho? (risos). O primeiro cachê que ganhei foi na época do episódio que contei envolvendo Barrosinho e Lucinha Moreno. Nunca tinha pensado que ganharia dinheiro com música. Até o dia em que fui convidado para fazer uma apresentação remunerada no SESC. Foi a coisa mais fantástica do mundo. O cachê era como se fosse hoje 150 reais.
ZONA SUL – Você já tinha trabalhado em outro tipo de atividade?
GERALDO – Aos 17 anos, fui cobrador de uma loja de tecidos. Também trabalhei na Garavelo. Fui vice-campeão de venda de consórcio com 18 anos. Depois, só atividades relacionadas à música. Trabalhei, por exemplo, 10 anos no manicômio judiciário, em Natal, fazendo terapia musical. No manicômio, lá no Centro de Atenção Psicosocial (Caps), eu fazia terapia musical, organizava um coral e botava a galera que tinha transtorno mental ou dependência química para cantar.
ZONA SUL – Hoje você se considera mais intérprete ou compositor?
GERALDO – Estou me achando mais compositor, porém continuo procurando aperfeiçoar o canto. Quero compor mais, criar mais e fazer mais canções. Mas também quero sempre cantar.
ZONA SUL – Antes de começar a gravar você trabalhou em barzinhos?
GERALDO – Trabalhei em bar, na noite de Natal, durante uns 13 a 15 anos. Toquei em vários locais. Com Cida Lobo e Valéria Oliveira, por exemplo, toquei no Viver. Fiz outros lugares, como Coconut e Cocobeach.
ZONA SUL – Como é, para o artista, trabalhar em barzinho?
GERALDO – É uma experiência boa. Foi na noite de Natal que aprendi a lidar com o palco, com o público. Hoje em dia, a noite de Natal está um pouco diferente. Antes tocávamos eu, Cida, Valéria, Manasses, Sueldo...
ZONA SUL – Nomes da elite da música potiguar...
GERALDO - Hoje não é mais assim.
ZONA SUL – Talvez seja porque os que estão tocando hoje ainda vão criar nome e conquistar seu espaço na música potiguar.
GERALDO – Pode ser. Mas é bom explicar que eu e os artistas que citei nos afastamos por alguns motivos. Primeiro pelo cachê. Depois pelo tempo de apresentação que tínhamos que cumprir. Tem outros detalhes que eu não gostaria de falar. Quando gravei meu primeiro CD, em 2000, decidi sair da noite. Não estava valendo a pena. Às vezes cantava três, quatro horas e não se prestava muita atenção. Mas há pouco tempo ocorreu um negócio interessante: fui convidado para fazer um trabalho no Natal Shopping. Pagaram o cachê que eu pedi e para tocar um tempo legal: duas horas, no máximo.
ZONA SUL – Shopping deve ser pior do que bar, no que diz respeito ao público prestar atenção. GERALDO – Eu pensava assim, mas resolvi encarar. Fiz minha divulgação, eles fizeram a deles. O resultado foi bacana. Pediram para eu fazer quatro noites, contrapropus duas, para ver como ficava. Levei CDs pra vender. A plateia pedia músicas minhas e de potiguares como Babal, Galvão... Foi quando vi que Natal pode mudar, pode valorizar o artista potiguar. Senti mais esperança na música feita no Rio Grande do Norte. Quando eu tocava em bar, a galera gritava “toca aquela”, pedindo canções geralmente de artistas que faziam sucesso no sul do país. No shopping chegavam bilhetinhos pedindo minhas músicas e de outros artistas de Natal.
ZONA SUL – O bar parece ser muito mais um local que se aproxima da arte do que o shopping center, que é voltado para o consumo.
GERALDO – Por isso me surpreendi e topei fazer mais dois sábados. Eu não esperava, mas alguma coisa me dizia: “vá lá”. Quem tocou comigo foi o Wagner Tsé, percussionista maravilhoso do Rio Grande do Norte. Conseguimos fazer uma coisa legal. O objetivo era interagir, e não tocar como radiola de fichas. O bar aproxima mais da cultura e o shopping é mais consumista. Mas foi uma coisa totalmente atípica. A gente trava uma luta grande para fazer com que a música potiguar aconteça. Se você prestar atenção, o Maranhão tem a “Marrom” Alcione, tem Zeca Baleiro e tal. Torquato Neto é do Piauí. O Ceará tem Fagner, Belchior e Ednardo. Pula o Rio Grande do Norte. Na Paraíba tem Zé Ramalho, Elba Ramalho, Chico César, Sivuca... Pernambuco, nem se fala: Lenine, Geraldo Azevedo, Alceu Valença... Até Alagoas tem Djavan.
ZONA SUL – Se você olhar a coleção de entrevistas do Zona Sul constatará que essa mesma observação que você está fazendo foi feita pelo menos uma dúzia de vezes. O Rio Grande do Norte exportou Gilliard...
GERALDO – Gilliard teve uma grande oportunidade de engrandecer Natal. E não fez. É ação e reação: quando você não faz a sua parte, não valoriza o lugar de onde você é, termina tendo um baque. Ele teve em todos os programas de televisão e Natal ficava na incógnita.
ZONA SUL – Tem também a questão da própria qualidade da música. Não dá para comparar, por exemplo, Fagner e Gilliard. Por outro lado, o Rio Grande do Norte tem artistas do mesmo quilate dos que fazem ou fizeram sucesso na MPB. Se, por exemplo, Pedrinho Mendes, Babal ou Mirabô tivessem a oportunidade que Gilliard teve, a história seria diferente.
GERALDO – Sem dúvida. É muita gente boa. Como isso pode acontecer? Não dá pra explicar direito. Acho que entra a questão da política cultural. Existe um entravamento, o que eu poderia dizer...
ZONA SUL – Enquanto você pensa na conclusão da sua resposta, no www.myspace.com/robertohomem estão citando grandes nomes da música potiguar como Terezinha de Jesus e Tico da Costa. Também estão sendo lembrados Papel Gomes, Carlos Alexandre e Paulinho de Macau.
GERALDO – Carlos Alexandre morou na Cidade da Esperança. O nome dele era Pedro. Paulinho de Macau cantou na Xuxa. Elino Julião foi referência maior: começou com Jackson do Pandeiro. Hianto de Almeida foi um dos precursores da Bossa Nova. Leno, meu amigo, fez uma importante dupla com Lílian. Hoje está morando em Natal.
ZONA SULDudé Viana e Carlinhos Zens acabaram de entrar na lista dos internautas.
GERALDO – Que coisa boa! A galera conhece os nossos grandes compositores. Natal tem um potencial muito grande, resta a mídia e a política cultural fazerem alguma coisa para colocar esses artistas em evidência. Um povo sem cultura é um povo sem identidade.
ZONA SUL – Quando Fagner conseguiu uma vaga na CBS, gravou todos os seus amigos cearenses. Geraldo Azevedo e Alceu Valença começaram a carreira gravando um elepê juntos. Zé Ramalho, Elba Ramalho e Cátia de França gravaram discos uns ajudando os outros. Falta união entre os músicos potiguares?
GERALDO – Isso existiu no passado. A consciência que a gente tem hoje – eu, Krystal, Valéria e Babal, por exemplo – é outra totalmente diferente. Agora a coisa vai acontecer porque a gente ta empenhado. Independente de ser um ou outro, o importante é que a música potiguar aconteça. Roberta Sá é uma grande representante da música potiguar, apesar de ter morado no Rio de Janeiro desde a infância. Mas é potiguar e é muito boa. A música potiguar vai ter que acontecer porque a gente está trabalhando nesse sentido.
ZONA SUL – Outros talentos da música potiguar citados foram Núbia Lafayete, Trio Irakitan e Ademilde Fonseca.
GERALDO – Grande Núbia, lá de Assu. Ademilde foi “crooner” do América. Tem também Ivanildo, o Sax de Ouro. Tem muita gente. Falta incentivo da política cultural para que os artistas locais apareçam na mídia local, primeiro, pra depois na nacional. Chico Science aconteceu no Recife. Lenine também aconteceu primeiro lá, para conquistar o Brasil. Vale destacar que Natal participou ativamente da arte/correio, da arte/postal e da arte/marginal, nos anos 60. A censura proibia qualquer manifestação cultural que pudesse revelar sacanagem. Natal, como o Rio de Janeiro e Recife, fazia isso através de cartas. Os envelopes já eram arte. Jota Medeiros é o grande ícone da arte/marginal no Brasil. Estou vendo um livro de Jota Medeiros ali naquela estante: “Antilogia poética”.
ZONA SUL – Você está com a visão em dia! Fale um pouco sobre o processo de gravação dos seus dois CDs.
GERALDO – Fiz o primeiro através de uma captação na Lei de Incentivo, que ainda era a Lei Mineiro. Quando tinha captado metade dos recursos, a lei acabou. Batalhei o restante da grana e conclui “Manhecença”. Gravei no estúdio “Nas Dunas”, que era de Fernando Suassuna e de Edu Gomes, que tocavam no “Mad Dogs”. Consegui com muita batalha e muita luta. Foi a concretização de um sonho grande, pois eu precisava descarregar o repertório que tinha na manga. O disco foi muito elogiado pela imprensa. Deu respaldo para eu fazer o segundo CD: “Um toque a mais”.
ZONA SUL – Do ponto de vista musical e poético, como você compararia seus dois CDs?
GERALDO – O primeiro é mais poético, inclusive porque eu musiquei Jorge Fernandes, Ferreira Itajubá, Haroldo de Campos e Jarbas Martins, um poeta da minha cidade. O segundo, creio, está um pouco mais pop, porém sem perder a qualidade da poesia. Está um acústico pop. passando pelo reggae, pelo jazz, pelo funk, pelo maracatu, pelo frevo e pelo blues. Acho que consegui, de certa forma, dar uma linhagem ao repertório, uma uniformidade do começo ao fim do CD. O segundo está mais cosmopolita. Acho que consegui chegar mais perto do que eu queria.
ZONA SUL – Comercialmente falando, como foi o resultado do primeiro CD e como estão as vendas do segundo?
GERALDO – Do primeiro foram vendidas três mil cópias. Hoje em dia não se ganha dinheiro com CD, a verdade é essa. Dá pra fazer um almoço, tomar uma cerveja, pagar um estúdio pra ensaiar... Felizmente, como diz a canção de Wally Salomão e Jards Macalé, “eu não preciso de muito dinheiro, graças a Deus”.
ZONA SUL – Você fez muitas viagens e shows fora de Natal?
GERALDO – Lancei o primeiro CD em várias cidades nordestinas. Estive em Teresina, João Pessoa e Fortaleza, por exemplo. Também mandei esse primeiro trabalho para a Itália, Suíça e Espanha. Aqui em Brasília algumas canções tocavam na Nacional FM. O CD também foi para São Paulo e para o Rio. Fiz o que pude para divulgá-lo. A questão da produção é muito complicada. Encontrar produtor é uma questão de sorte. Achar alguém que seja, digamos assim, um cúmplice na questão musical, na confiança e no gosto pelo seu trabalho, é como procurar agulha em palheiro. Vivo pedindo pra que caia alguém perto de mim que me ajude, que faça isso. Enquanto isso não acontece, eu mesmo vou tocando. Lógico que quando faço um show tenho um apoio básico. Nesses casos contrato um produtor provisório pra me ajudar.
ZONA SUL – Como você definiria o som que você faz?
GERALDO - Minha música vai se formando a partir de detalhes da world music. Ela é mais universal. Ainda não sei bem o que é, só sei que é música potiguar brasileira.
ZONA SUL – Você tem planos para gravar um DVD?
GERALDO – Tenho, mas só gravo se for bem feito, se tiver dinheiro pra fazer. Se não for assim, não faço.
ZONA SUL – Você participou várias vezes do “Projeto Seis e Meia”. Quais e como foram essas experiências?
GERALDO – Primeiro foi em 1995, quando abri o show de Luiz Melodia. Senti uma ansiedade grande. A banda que me acompanhou tinha, entre outros, Eduardo Taufic (teclado), Zé Fontes (baixo), Edinho (guitarra), Neemias (sax), Jailton e Jorge Negão (percussão) e Paulo Rosback (bateria), que está morando em Brasília. Levei nove músicos pra poder abrir o show de Luiz Melodia.
ZONA SUL – Luiz Melodia deve ter feito um show só com voz e violão...
GERALDO – É verdade. O show era ele e Renato Piau. (risos). Mas nossa apresentação foi uma beleza. Depois Melodia veio falar comigo, elogiar. Disse que tinha assistido da coxia. Em 1997 fiz com Jair Rodrigues. Também abri a apresentação de Orlando Moraes, artista que me surpreendeu pela gentileza e pela pessoa que é. Ele é o marido de Glória Pires. Em 2003 fiz com Belchior. Junto com Romildo Soaress e outra galera, fiz com Simoninha. No início do ano abri a temporada do “Seis e Meia” em 2009 junto com a Joanna.
ZONA SUL – Por falar em Jair Rodrigues, no dia 25 de novembro Nélson Oliveira, que está participando dessa entrevista, faz um show no Auditório do Interlegis, do Senado, dedicado aos 50 anos de carreira de Jair. A apresentação será transmitida ao vivo pela Internet no site http://www.interlegis.gov.br/
GERALDO – Coisa boa! Tive o prazer de conhecer o Jair Rodrigues e fazer um som com ele.
ZONA SUL – Fale um pouco sobre sua passagem aqui por Brasília.
GERALDO – Em Natal, conheci muita gente boa de Brasília. Entre eles o Mário Nóia, músico que trabalha no DNIT, uma pessoa maravilhosa que me deu muita confiança. Coloquei na mente que vinha pra cá. E a coisa aconteceu, estou aqui. Brasília me transmitiu uma energia muito forte. Desde menino eu lia esoterismo, e Brasília tem essas coisas esotéricas. Com 12 ou 13 anos, eu já procurava os livros de Lobsang Rampa e Carlos Castañeda, e coisas assim. Menino eu lia numerologia, astrologia e espiritismo.
ZONA SUL – Você veio para Brasília a trabalho ou para conhecer a cidade?
GERALDO – Vim divulgar o meu trabalho. Os poucos CDs que trouxe, uns cem, estão acabando. Cheguei aqui sem saber onde ia me apresentar. E consegui agendar apresentações em vários locais.
ZONA SUL – Brasília já inspirou alguma canção?
GERALDO – Já, “Chão de Brasília”. Djavan fez “Céu de Brasília”, agora eu compus o “Chão”.
ZONA SUL – E os planos pro futuro?
GERALDO – Planejo continuar viajando e divulgando o meu trabalho e o dos outros artistas de Natal. Somente através da divulgação a música potiguar terá seu valor reconhecido. Essa falta de conhecimento não ocorre por culpa das pessoas. O problema, repito, é a política cultural que não incentiva. Chegou a hora de mudar essa situação. E isso não é só na música, mas nas artes plásticas, na literatura, no teatro, na dança... Acredito que logo logo a cultura potiguar conquistará o espaço necessário para mostrar o seu valor.
ZONA SUL – O que você sentiu falta de ser perguntado?
GERALDO – As perguntas foram bem abrangentes, todos os entrevistadores se mostraram bem antenados, acho que é isso mesmo. Só faltou perguntar o dia em que vou embora de Brasília.
ZONA SUL – Isso aí quem tem que perguntar é a pessoa que está lhe hospedando. (risos).