quarta-feira, 21 de julho de 2004

Entrevista: Alexandre Siqueira


“NATAL ESQUECE SUAS PRÓPRIAS RIQUEZAS CULTURAIS”

O Zona Sul entrevistou o cantor, compositor, instrumentista e professor de violão Alexandre Siqueira. Ele esteve em Brasília visitando dois irmãos. Em setembro, o artista se apresenta mais uma vez no Seis e Meia, no Teatro Alberto Maranhão. Em suas duas primeiras participações no projeto, ele foi a atração local dos shows de Moraes Moreira e Renato Braz. Conheça um pouco mais desse que é um dos principais talentos da nova geração de músicos que ocupam a cena cultural potiguar.

Também sou Siqueira. Mas não conhecia Alexandre. Sequer sei se somos parentes. Mas uma coisa descobri: ele é um dos grandes talentos da música potiguar, mesmo tendo nascido em Recife, em 1971. Apesar do que diz a certidão de nascimento, como negar a naturalidade papa-jerimum a um cidadão que trocou a capital pernambucana por Natal aos dois meses de idade? Alexandre esteve em Brasília em meados de junho. A conversa, cujos melhores momentos você acompanha a seguir, foi realizada em uma noite fria, no bar de Chico, no Clube da Imprensa. O jornalista Átila Pessoa (ex-TV Cabugi) deu uma canja ao Zona Sul ajudando nas perguntas. Além de assisti-lo tocar algumas composições logo após o bate-papo, repeti a experiência na noite seguinte, quando Alexandre apresentou-se no bar Nosso Mar, na Asa Norte de Brasília. Primeiro ele tocou sozinho, depois foi acompanhado pelo músico cearense Marcílio Homem. (Também sou Homem e, da mesma forma, ainda não descobri se eu e Marcílio somos primos). (Roberto Homem)

ZONA SUL - Quem é Alexandre Siqueira?
ALEXANDRE – Nasci em Recife, em 1971. Passei dois meses lá e fui rebocado para Natal, por meu pai. Ele foi convidado para ser professor de violão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, substituindo meu avô, que tinha sofrido uma trombose. Fiz iniciação musical na Escola de Música, quando ainda era criança. Hoje, além de professor de violão concursado da Fundação José Augusto há 15 anos, trabalho com informática. Estou me especializando em uma área chamada musicografia em Braille. Foi uma coisa que surgiu sem querer. Um aluno deficiente visual procurou a escola. Ele fez um teste disputando com outros 100 concorrentes normais, entre aspas. Pensei: por que não dar uma oportunidade a ele? Dei, e a escola me botou como seu professor, como se fosse um castigo. Resolvi usar isso a meu favor, e comecei a estudar o método Braille. Agora estou buscando aperfeiçoamento na musicografia em Braille. É a partitura em Braille. Até então eu trabalhava com gravação. Ele decorava o que estava gravado.
ZONA SUL – Como surgiu a vocação para a música? Qual o primeiro instrumento? Toca outros? Como aprendeu? A família incentivou sua investida nessa área? Qual sua formação na área da música?
ALEXANDRE – A flauta foi o meu primeiro instrumento. Depois eu quis estudar violão, mas meu pai não aprovou muito a idéia. Aprendi violão por insistência. Levei várias surras porque pegava o violão escondido. Ele só cedeu após me ver tocando. Não teve como continuar proibindo. Talvez eu não tenha herdado o talento do meu pai ou do meu avô, mas com certeza tive facilidades por fazer parte dessa família. Tinha tudo: violão, partitura... Cresci em um ambiente musical. Não sei se o talento foi transferido geneticamente, talvez sim. Me dediquei à bateria um tempo e me desiludi porque emprestei a um amigo uma baqueta que Lobão me deu e ele nunca mais me devolveu. Isso me desestimulou... Mas, enfim, o violão é o meu instrumento número 1. É a ele que me dedico. Na verdade eu gostaria de tocar todos, mas quando descobri que tinha que me dedicar a só um, senão não conseguiria ser alguma coisa na música, escolhi o violão. Minha formação no violão é a música clássica, mas sempre toquei música popular também. Eu terminei um curso básico de violão na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, um curso técnico. Desisti do bacharelado, que eu entrei em 98 e já estava concluindo, quando faltavam 18 créditos. Mesmo assim, me considero, e me consideram também, bacharel. Mas não sou de fato.
ZONA SUL – Mas por que você desistiu?
ALEXANDRE – Um dos motivos é que estava havendo uma certa redundância nas aulas. Eu me vi no seguinte dilema: como poderia estudar uma peça de violão com um professor que não conseguia tocar essa peça? Eu tocando a peça! Isso começou a me desestimular, e eu passei a me perguntar o que estava fazendo naquela sala de aula. Então, resolvi trancar. A parte financeira também pesou. Na época, eu estava precisando trabalhar e ganhar dinheiro com música não é fácil. Tive que buscar outra atividade. Eu estava com 30 anos, tinha que correr atrás. Abri uma firma de informática e comecei a desenvolver uma atividade que também gosto, que é a informática, na parte de redes e manutenção.
ZONA SUL – Que influências podem ser encontradas na música que você faz? O que costumava escutar? Os meios de comunicação influenciaram sua formação?
ALEXANDRE – Além de executar peças clássicas e da MPB, também tenho um trabalho composicional, onde faço letra e melodia ou desenvolvo algumas parcerias. Esse é um estilo que eu diria que é meu. Não é uma coisa que estou imitando ninguém. Minhas influências principais são Djavan, misturado com Pink Floyd e João Bosco. Sem deixar escapar Tom Jobim e a própria música erudita. Acredito que a gente sempre colhe um pouquinho de cada coisa que escuta e, de uma maneira ou de outra, acaba colocando no seu trabalho. Como fui radialista, o rádio me marcou muito. Fiz uma temporada acompanhando Glorinha Oliveira. Ela fazia um programa chamado Feitiço da Vila, que era transmitido do Hotel Vila do Mar. Acompanhei-a durante uma temporada. Foi a primeira e única experiência que tive com música ao vivo no rádio. Ainda hoje acompanho Glorinha, de vez em quando. Tenho algumas composições feitas com Chico Eliont. Trabalhei na FM Tropical como locutor. Fui a primeira voz que foi ao ar na FM 98,9, a Nordeste FM. Deixei o rádio para me dedicar mais à música.
ZONA SUL – Você se apresentou no Projeto Seis e Meia duas vezes. Em uma, a atração nacional era Moraes Moreira e, na outra, Renato Braz. Também abriu um show de Nana Vasconcelos na Casa da Indústria. Participou dos ótimos cds “A nuvem e a sede”, do carioca-potiguar Sérgio Farias, que hoje mora na França, e de “O tocador de flauta”, de Carlinhos Zens. Como foram todas estas experiências? Além delas, o que mais você destacaria no seu currículo artístico?
ALEXANDRE – Sérgio Farias foi meu aluno, é meu filho musical, eu diria assim. Ele entrou na música influenciado também por mim. Não vou dizer que foi só por mim, mas Sérgio Farias freqüentou minha casa numa época em que ele não tocava violão. Todos os dias ele ia e ficava me vendo tocar, perguntando coisas, pedindo partituras e discos. De repente ele surgiu tocando, para minha surpresa. Até hoje é um grande amigo, e a gente tem composições juntos. Carlos Zens é meu irmão, praticamente. A gente tem muito trabalho junto. O pouco que aprendi de chorinho foi com ele. Do seu último disco eu fiz o arranjo para Nau Catarineta / Canção Trovadoresca, faixa que tem uma poesia, uma variação poética de Dácio Galvão. Praticamente fiz o arranjo dessa música. Ele chegou com uma proposta e eu mudei completamente. Ele costuma me pedir opinião antes de gravar. Traz o material e pede para eu escutar. No Projeto Seis e Meia, toquei e cantei com Renato Braz uma música de Gilberto Gil, Estrela. Ele tocando bongô e cantando e eu tocando violão e cantando. Ele é uma pessoa ótima e até hoje temos contato. Com Moraes Moreira, sequer fui apresentado a ele. Já com Naná Vasconcelos, o contato foi mais interessante, embora não tenhamos preparado nada para tocar juntos. Mas conversamos bastante, ele é pernambucano, também. Estudou com meu pai na Escola de Belas Artes de Recife. Ele lembra ainda do meu pai. O admiro muito como percussionista. Ele disse que gostou do meu show, que chegou a assistir umas partes. Também gravei muitos cds em Natal com artistas locais, como Valéria Oliveira. Em seu primeiro cd fiz o arranjo e toquei violão da faixa Vem, de Cleudo. Chico Eliont me convidou pra gravar, mas até agora furei com ele. Está danado comigo. Quer que eu cante uma música no seu disco.
ZONA SUL – Quais seus projetos para curto, médio e longo prazo? Algum show, cd ou participação em vista?
ALEXANDRE - Tem o meu próprio cd no qual estou trabalhando. Como além do lado financeiro, sou muito perfeccionista, já faz dois anos que toco este projeto. Vai se chamar Instinto de Pássaro, que é o título da música carro-chefe do disco, uma composição minha e de Átila Pessoa. Participarei do Projeto Seis e Meia em setembro, mas ainda não sei com quem. Sobre outros planos, confesso que não sou muito pretensioso. Sou uma pessoa que faço música por amor mesmo. Não vou mentir: gostaria de ser um sucesso nacional. Mas não sou. Se um dia chegar a isso, ótimo. Mas não é o meu objetivo. Minha pretensão com a música eu já consegui. Que é a parte que eu faço, de tocar e cantar. Claro que sempre vou procurar me aperfeiçoar, mas já atingi o que eu queria. Se vier alguma coisa a mais, vai ser lucro. Quero continuar buscando o máximo me apresentar e mostrar o meu trabalho. Se isso der frutos, ótimo. Se não der, ótimo também.
ZONA SUL – Como é o seu processo de composição? Algum software auxilia no seu processo criativo? A informática e a Internet contribuem para o seu trabalho como artista?
ALEXANDRE – Normalmente surge a melodia primeiro. Mas tenho experiências de pegar letras e tentar fazer a melodia depois. Deu certo algumas vezes. Dificilmente dá, mas uma música por ano, duas, a gente faz, não é, Átila? E músicas boas. Sobre a questão da informática, eu utilizo muito. Eu trabalho com Cake Walk, Notewhorty Composer, Encore, Finale 2004, e com programas como o Protools, de edição de áudio. Sou curioso, estou sempre buscando novidade. Mas para compor não. A composição é violão e voz. Depois que ta pronto, aí sim já vou direto para o programa. Porque eu vou ouvir as cordas, testar um instrumento ou outro. Sairia muito caro fazer esse tipo de experimento contratando músicos para instrumentos específicos. Mas a base da música eu faço no violão mesmo. A Internet também me ajuda muito. Eu tenho até uma página na Internet. http://www.alexandresiqueira.com.br/ . Eu mantinha essa página no HPG. Ela era chamada de Violonista Potiguar, dedicada aos violonistas de Natal. Quando comprei esse novo domínio, eu copiei todo o conteúdo e passei para lá. Agora estou retrabalhando, fazendo a manutenção. Muitos violonistas de Natal utilizam os serviços que disponibilizei lá. Estou sempre colocando reportagens sobre violão, alguns links para outros sites na Internet que hospedam softwares para download. Tem também a parte dos currículos dos músicos. Quem quiser pode me enviar seus dados, a página tem uma seção que inclui o conteúdo de cada um. Estou atualizando. Estou querendo colocar agora algumas músicas. Preciso digitalizá-las. Também estou buscando autorização para divulgar algumas coisas que eu gravei em cds de outras pessoas.
ZONA SUL – Enquanto a Paraíba, o Ceará e Pernambuco vivem exportando artistas para o país, o Rio Grande do Norte costuma ser mais tímido nessa área. Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Antonio Madureira e Lenine saíram de Pernambuco. Cátia de França, Vital Farias, Elba Ramalho, Zé Ramalho e Chico César representam a Paraíba. Do Ceará, se destacaram, entre outros, Fagner, Ednardo, Amelinha, Belchior e Manasses. Do Rio Grande do Norte, Terezinha de Jesus e Elino Julião ocuparam espaço importante, mas tiveram que voltar para Natal. Por que essa diferença com os estados vizinhos, quando sabemos que o RN possui artistas importantes como Babal, Pedro Mendes, Cleudo e Valéria Oliveira, só para citar esses quatro.
ALEXANDRE – Isso é um bordão, mas é a realidade: a questão é cultural. Acredito que Natal é uma cidade sem identidade. Isso é histórico também. Natal foi o Trampolim da Vitória, na Segunda Guerra. Sofreu a invasão de americanos que deixaram raízes. Natal tornou-se uma cidade que abriu-se para os estrangeiros, para o que vem de fora, esquecendo das suas próprias riquezas culturais. Buscou um outro mundo. Minha tese é a de que Natal ainda tem essa visão cultural de estar olhando pra fora e não para dentro. Isso me deixa muito triste, mas é uma coisa que a gente praticamente luta o tempo todo e nunca consegue vencer. Eu luto contra isso praticamente desde quando comecei na música. Os produtores musicais locais dão valor ao forró da Paraíba, de Fortaleza, aos artistas da MPB do Rio de Janeiro, trazem os artistas de todo o país para Natal, colocando o nosso trabalho de artista local em segundo, terceiro, até quarto plano. Isso deixa mágoas na gente. De uma certa maneira a classe artística também é responsável pois até se acomodou com isso.
ZONA SUL – E a música potiguar de hoje? Quem se destaca, na sua avaliação. Que perspectivas você vislumbra para essa gente que está trilhando o caminho do som no Rio Grande do Norte?
ALEXANDRE – O artista que eu destaco é o Sérgio Farias. É um cara que pra mim é completo. Ele consegue compor, ser um bom instrumentista e ainda está cantando bem, que não cantava antes. Se tornou um cara que faz tudo. É produtor, arranjador... E tudo o que faz é bem feito. Agora, Pedro Mendes é um grande músico. Tem um cara chamado João Salinas, o próprio Babal é um grande compositor. Temos alguns trabalhos que estão se destacando como o de Galvão. Elino Julião é um ícone da música regional. Recebeu até recentemente uma menção honrosa da prefeitura. Merecidamente. Ele foi parceiro de Luiz Gonzaga, de Jackson do Pandeiro. Tem um trabalho forte até hoje.
ZONA SUL - O MADA (Música Alimento da Alma) e o projeto Nação Potiguar, desenvolvido por Candinha Bezerra, são duas experiências culturais do estado que dão certo e são reconhecidas em todo o país. A última edição do MADA, por exemplo, reuniu bandas como Sepultura e O Rappa, além de artistas como Lulu Santos, Marcelo D2 e Jorge Benjor. Como você vê iniciativas desse tipo?
ALEXANDRE – Acho ótimas e Natal precisa de muito mais. Agora, como temos somente isso, vamos incentivar e fazer com que funcione. O MADA é fantástico. A cada ano me impressiona mais ainda o que acontece. Fiquei surpreso com o número de pessoas que freqüentou o evento esse ano. Hoje o MADA está ganhando dinheiro mesmo. No começo não era assim. Acho que é o maior evento cultural que existe no nosso estado atualmente. É um sucesso. E o projeto de Candinha eu participei de dois. De um nós já falamos, que foi esse show com Nana Vasconcelos. Mas eu também gravei um cd com uma artista popular, a Dona Militana, de São Gonçalo do Amarante. Tive a felicidade de gravar duas faixas do seu cd como violonista. São duas músicas relacionadas à Península Ibérica. Dácio Galvão, o produtor, queria um instrumento flamenco e eu toquei um violão espanhol que foi do meu avô, fabricado no século XVIII. Gravei as duas faixas com ele. Ficou muito bom. Não tenho o disco e nunca ouvi o resultado. Só na hora, após a gravação, que ouvi que ficou muito bom.
ZONA SUL – Qual o motivo de sua visita a Brasília? Gostaria de mandar algum recado para o povo potiguar? Deixe também um endereço de e-mail para quem quiser manter contato.
ALEXANDRE - Vim fazer um turismo familiar. Tenho dois irmãos que moram aqui, um deles é meu irmão gêmeo. Vim também para dar uma relaxada. Tive uns problemas de saúde e resolvi dar uma parada geral de dez dias nos meus trabalhos. Também desejo reativar minha musicalidade. Mas ao povo de Natal, mando um recado: se preparem que estou chegando para fazer o Seis e Meia, sei que tem muita gente cobrando. E para os que quiserem manter contato, meu e-mail é alexandre@alexandresiqueira.com.br