domingo, 14 de outubro de 2007

Entrevista: JOÃO SALINAS

AS AVENTURAS DE JOÃO SALINAS



O jornalista Carlos Roberto Pereira e sua esposa Joelma foram os anfitriões. O advogado Ronaldo Siqueira, meu irmão, o compositor Wlad Carvalho e Tico da Costa, artista irmão do entrevistado, me ajudaram com as perguntas. Óbvio que Carlos Roberto também contribuiu para dissecar a vida da vítima do mês: o músico, compositor, cantor e, acima de tudo, americano, João Salinas. A conversa fluiu enquanto o churrasco funcionava como parede para doses de cachaça, whisky e cerveja. O leitor do Zona Sul acompanha o resultado da conversa a partir de agora. Pena que a tecnologia ainda não inventou um jornal com áudio, para que não apenas as palavras, mas também as gargalhadas, pudessem ser ouvidas durante a leitura... (Roberto Homem)



ZONA SUL – Seu nome é mesmo João Salinas?
JOÃO – Não. Escolhi esse nome quando ainda estava noivo com Cecília Galvão, que hoje é minha esposa. Meu nome artístico foi Joãozinho da Costa até que um dia, lá do Paraguai, meu irmão Tico da Costa descobriu um artista com esse mesmo nome. Tico sugeriu que eu mudasse, já que havia esse percussionista. Fiquei com Cecília bolando um nome. Bolamos várias opções.

ZONA SUL – Por exemplo...
JOÃO – João Viola... (risos). João América foi outro. Desse eu gostei, devido ao América Futebol Clube.

ZONA SUL – Correria o risco de abecedista não comprar o seu CD...
JOÃO – Pois é. Mas, então veio a lembrança de Areia Branca, das salinas. Eu perguntei a Cecília o que ela achava de João Salinas. Imediatamente ela disse: "é esse aí". Comecei a escrever em uma folha de papel o nome João Salinas, pra ver como ficava a estética da letra, visualmente. E gostei. Depois, perguntei a Tico, que também aprovou na hora. Meus irmãos também gostaram. Então, vingou mesmo.

ZONA SUL – Qual o nome que consta na sua certidão de nascimento?
JOÃO – João Maria da Costa. Fui o único dos 16 filhos que meus pais tiveram que nasceu em Natal. Fui gerado em Areia Branca, mas nasci em Natal. Aliás, sou o único que não sou matuto (risos). Vocês desculpem as brincadeiras, é que essa é a minha primeira entrevista e eu ainda não tenho muita habilidade e tal.

ZONA SUL – Não se preocupe, essa também é a nossa primeira entrevista... Pelo menos é a primeira com você. Qual sua idade?
JOÃO – Estou com 39 anos. Nasci em 1968, mas eu gostaria de ter nascido em 1940. Queria ter vivido a época de compositores como Pixinguinha e o início da carreira de Tom Jobim. Minha grande frustração foi não ter conhecido Tom, pessoalmente. Manoca Barreto, dono da escola de música Toque, onde ensinei violão, fala pra todo mundo que uma das músicas mais bonitas que eu fiz foi em homenagem a Tom Jobim. No dia em que ele morreu, eu compus "Um Tom".

ZONA SUL – Certamente, pelo fato de ter nascido na capital, você teve uma infância diferente da dos seus irmãos. Em que bairro você viveu seus primeiros anos em Natal?
JOÃO – Nasci na Policlínica. Morei no Alecrim até um ano de idade e de lá fui para Potilândia. Lá me criei, na casa onde mora minha mãe até hoje. Eu jogava bola o dia todinho. Eu fiz o primário na Escola Estadual Café Filho, que fica dentro do 7º Batalhão de Engenharia. Quando chegava da escola, jogava minha roupa por cima do muro e corria pra jogar bola. O muro era baixinho. Eu ia para a aula com um calção por baixo da farda. Na volta, nem entrava em casa. Tirava a calça e arremessava por cima do muro. Jogava futebol até meia-noite, direto.

ZONA SUL – Você pensou em jogar futebol profissionalmente?
JOÃO – Pensei. Joguei muito perto do Morro do Careca, em Ponta Negra. Um dia fui visto por um olheiro do Náutico. O cara me chamou para jogar no time Timbu, em Recife. Disse que eu jogava bem e me ofereceu a chance de fazer um teste no Náutico. Como ainda estava na escola, não pude ir. Também pesou o fato de eu estar estudando violão clássico na Escola de Música, com Eugênio Lima. Preferi abrir mão dessa possível carreira de jogador de futebol.

ZONA SUL – Como a música passou a competir com o futebol, na sua vida?
JOÃO – Antes mesmo de começar a tocar violão, eu já escutava muita música, através de Paula Neto, outro irmão. Na época ele comprou uma radiola daquelas bem pequenininhas, que tem o alto-falante na tampa. Por influência dele, ouvi muito Novos Baianos, Mutantes... Mesmo sem tocar violão ainda, eu já curtia. Paula Neto sempre me abasteceu com músicas boas. O disco de Tico, de 1976, “Samba e poesia” também me fez tomar gosto pela música e criar vontade de aprender a tocar violão. Minha maior alegria foi quando aprendi a fazer uma pestana. Até então eu só fazia acordes simples, sem pestana. Quando acertei uma pestana, fiz minha primeira música. Eu tinha nove anos de idade.

ZONA SUL – Essa primeira música foi inspirada em que?
JOÃO – Eu me inspirei em uma ventania batendo em uma casa bem velha. (risos) A música chamava-se "Construção". Em 1977, quando Tico veio de Roma, eu mostrei pra ele esse samba. Ele gostou e disse que eu tinha que tocá-la no teatro. Toquei, nesse mesmo ano, no Teatro Alberto Maranhão. Com nove anos eu estreei com uma participação em um show que Tico fez. Além de “Construção”, toquei também “Asa Branca”, no cavaquinho.

ZONA SUL – Você começou a estudar violão com qual idade?
JOÃO – Depois dessa apresentação, eu comecei a desenvolver, intuitivamente e por conta própria, a parte harmônica. Aos 11 anos compus uma música usando uns acordes que eu nem conhecia, mas achava bonito. "Vejo todo dia, pela praia, vento a vento / Com a brisa o sol nascendo". Naquela época eu tinha uma voz bemfininha... (João Salinas canta imitando a voz fininha da época, enquanto os entrevistadores riem). Eu achava esses acordes legais, mas não sabia os seus nomes. Comecei a me interessar pela harmonia. Aos 13 anos, quando eu estudava no Augusto Severo, uma escola estadual, me apaixonei pela professora de português. O nome dela era Iaçonara. Foi uma paixão longe, aquela coisa de adolescente. Certo dia fiz uma música para ela: "Iara do Mar". Não tive coragem de mostrar. Levei até o violão para o colégio, os colegas fizeram aquele coro - "mostra, mostra" – mas eu, com uma vergonhadanada, não mostrei a ela. Toquei para os meus amigos. Era assim: "Seria como quem olhasse a sorte / Foi bom te conhecer / A poesia se fez com a canção / Fazendo clarear / A tua imagem / Imagem bonita / Num passe de mágica / Eu vejo você / Garota dos cabelos loiros / Que a natureza fez / Eu vou te procurar no mar / Em dias de verão /Iaçonara, iara do mar". A música tinha até um arranjo vocal. Depois de alguns anos, mostrei essa música a Manoca. Ele tinha sido aluno de Iaçonara na ETFRN. Manoca disse que eu precisava mostrar a ela. Isso uns 10 ou 15 anos depois. Ele disse que ia ligar para ela. Pouco tempo depois, eu estava em casa com o violão, eIaçonara telefonou. Perguntei quem era, ela respondeu: "Iaçonara, a sua musa". Ela soube da composição ainda na época do Augusto Severo, mas não conhecia a música. Nesse dia, toquei a música pelo telefone. Ela chorou, de emoção.

ZONA SUL – Pelo que entendi, você aprendeu a tocar sozinho. Depois, quando quis aperfeiçoar seus conhecimentos, entrou em uma escola. Foi assim mesmo?
JOÃO – Não. Antes de entrar na escola de música eu já tocava bem e já tinha umas 30 composições. Foi através de Tico, em uma de suas vindas da Europa para passar férias em Natal, que fui apresentado a Eugênio Lima. Ele tinha me visto tocando e falou que eu tinha que estudar violão clássico. Entrei na Escola de Música. Mas as aulas com Eugênio, na Escola de Música, eram meio diferentes. Muitas vezes, antes de começar uma aula, eu comentava: "Eugênio, fiz uma música tão bonita ontem..." Essa era a senha. A partir daí eu começava a tocar minhas músicas e Eugênio terminava nem dando aula de violão clássico. Ficava só ouvindo. A aula era todinha eu tocando MPB.Na época havia uma determinação proibindo esse tipo de música. Até para tocar MPB no corredor, tinha que ser bem baixinho. Por fim, Eugênio mandou eu seguir a carreira de popular. Mas ainda aprendi uns clássicos. Passei dois anos com Eugênio. Até me apresentei em recital. Estudei o método de Henrique Pinto, todinho. Com isso eu ganhei na parte técnica. Aprendi a usar o indicador, o médio e a não solar só com um dedo. Também estudei flauta transversal, com a irmã de Eugênio, a Regina Lima.

ZONA SUL – Você hoje também domina a flauta?
JOÃO – Não. Abandonei. Atualmente meu instrumento é mesmo o violão.

ZONA SUL – O que você foi fazer quando saiu da Escola de Música?
JOÃO – Fui dar aula na escola Toque, quando Manoca Barreto a abriu. Nessa época músicos como Jubileu, Júnior Primata e Joca Costa, entre outros, passaram a conhecer a minha música. Manoca mostrava a eles e todos gostavam e me apoiavam. Diziam que eu tinha que fazer um show. Agradeço muito a Manoca, por ele ter me dado a mão, me aberto portas. Foi Manoca, por exemplo, quem me inscreveu no Projeto Seis e Meia. Na época a seleção era feita através de concurso. Zé Dias organizava. No primeiro ano que participei, tirei o segundo lugar. Wigder foi o primeiro. Foi depois desse primeiro Seis e Meia que passei a ser conhecido.

ZONA SUL – Esse Seis e Meia foi seu primeiro show?
JOÃO – Não. Além daquela participação especial, em 1977, no show de Tico no Teatro Alberto Maranhão, eu tinha me apresentado em 1992 no Bar do Buraco, também com Tico. O Seis e Meia foi em 1997. Até então eu tocava só para amigos. Nessa época eu já tinha mais de 100 músicas.

ZONA SUL – Você ficou nervoso nessa sua primeira apresentação no Bar do Buraco?
JOÃO – Rapaz, eu até vomitei antes! Tinha tomado umas cervejas e vomitei que só. Fiz o show pálido. Não sei se foi uma comida ou se foi a bebida mesmo. Vomitei demais, um dia antes. Toquei o show sem beber nada. Chega a boca secou. (risos)

ZONA SUL – Como é o seu processo de criação? Mudou alguma coisa do início pra cá?
JOÃO – Continua o mesmo. Por exemplo, eu adoro compor com barulho. Já fiz muita música dentro de ônibus. Uma delas, “Natal em mim” - que foi gravada em um disco lançado por Zé Dias, com arranjos de Joca Costa - eu compus em um sábado, dentro do ônibus. Peguei o ônibus no Alecrim. Todo aquele pessoal da feira estava dentro do ônibus, fazendo um barulho danado. Ao contrário de muitos compositores, gosto de barulho para compor. Quanto mais gente e mais barulho, mais eu me inspiro.

ZONA SUL – Há alguma explicação para isso? Você se inspira na conversa que as pessoas vão travando?
JOÃO – Não, eu não capto nada não. O barulho, em si, é que me inspira. Eu entro em outro processo.

ZONA SUL – Nunca pensou em comprar uma britadeira para lhe auxiliar nesse processo de criação? (risos) Até o primeiro show você já pensava em seguir carreira na música? Quando você tomou essa decisão?
JOÃO – Tomei essa decisão quando fiz meu primeiro Projeto Seis e Meia. Nessa ocasião eu abri o show de Joyce. A princípio eu pensava em ser jogador de futebol. O problema é que quando recebi o convite para fazer o teste no Náutico, estava terminando o segundo grau, já estava na Escola de Música e visualizava uma carreira de músico. Assim desisti dos gramados. Em 1997 sacramentei a decisão de seguir a carreira de compositor.

ZONA SUL – Você disse que após o Seis e Meia tornou-se conhecido...
JOÃO – Aconteceu um lance engraçado nesse Seis e Meia. Quando acabou o show fui para o camarim, me preparar para ir embora. Eu lá dentro e a platéia, que não me conhecia, começou a pedir bis. Lembro que Zé Dias foi lá e saiu me empurrando de volta para o palco: “hômi, tão pedindo bis, vai!”. Fui. Entrei no palco meio alvoroçado. Eu pensava que era pra tocar as músicas tudinho de novo. Eu pensei, “tô lascado”. Já estava com a boca seca e doido pra fazer xixi. Fiquei tão nervoso, antes do show, que tomei muita água. A vontade era grande de fazer xixi. Fiquei me perguntando, inocente: “será que é o show de novo, todinho?”. (risos)

ZONA SUL – Você chegou a ter contato com Joyce?
JOÃO – Bati um papo rápido. Não deu para mostrar nada, nem trocar contato. Depois abri shows, no Seis e Meia, para Paulinho Moska. Com ele também mantive apenas um contato muito rápido. Esse foi em 1998. Um ano depois.

ZONA SUL – Voltando a pergunta que eu estava fazendo. Você disse que após o Seis e Meia tornou-se conhecido em Natal. O que significa isso? As oportunidades aumentaram?
JOÃO – Eu me referi à repercussão, depois do show, na Escola de Música e na Fundação José Augusto. Também pintou oportunidade para fazer algumas apresentações, como em Nalva Melo, que era uma cabeleireira que tinha um espaço lá na Ribeira. Também apareceram muitos parceiros, como Babal, Cleudo Freire e Sérgio Farias...

ZONA SUL – Nessa época você já dava aulas de violão?
JOÃO – Comecei a ensinar violão com 16 anos. O processo era mais intuitivo. Eu passava o básico, a harmonia... O simples mesmo. Fui dar aula de violão pela própria necessidade. Não havia emprego. Eu precisava ter um dinheirinho extra. Comecei a divulgar. A história começou a espalhar. Os alunos gostavam da minha metodologia. Eu me moldo de acordo com a necessidade do aluno. Aconteceu cada episódio bom...

ZONA SUL – Então conte alguns...
JOÃO – Tudo bem, mas, antes, eu queria fazer xixi...
(pausa para João Salinas ir ao banheiro)

ZONA SUL – Antes desse pit stop, você estava começando a falar sobre alguns “causos” que aconteceram em suas aulas de violão...
JOÃO – É, rapaz. Alguns dos meus alunos não tinham a mínima vocação. Por exemplo: tinha uma aluna a quem eu dava aula uma hora da tarde. Depois do almoço, com aquele sono danado. Ela passou um mês repetindo a mesma música: “Aquarela”, de Toquinho. Um dia, a aluna abriu a janela do apartamento, era o nono andar do prédio. Veio aquele vento, bateu um sono... Tentei segurar, enquanto ela, com a cabeça baixa, repetia a mesma música. Eram duas horas de aula. Teve um momento que eu desabei. Dormi mesmo. Quando eu menos esperava, ela bateu no meu pescoço: “João, tá dormindo?”. O toque dela bateu como uma machadada. Abri os olhos vermelhos de sono e respondi: “não, estou apenas concentrado, ouvindo você tocar”. (risos). Mas o fundamental nessa relação aluno-professor, para mim, é o lado afetivo. É a troca de sentimentos. Ali está uma pessoa querendo aprender. Na realidade, dou aulas de violão por amor. Não é nem pela questão da grana. Acabo me apegando tanto ao aluno quanto à aluna. Fico preocupado em passar os meus conhecimentos. É gratificante ver um aluno progredindo. Me dá o maior prazer. Também dou aulas a pessoas com necessidades especiais. Os pais contratam como terapia. A música é uma terapia. Eu toco umas músicas engraçadas e vou interagindo com esse aluno especial.

ZONA SUL – Você também chegou a dar aula de canto, como foi a experiência?
JOÃO – Dei aula de canto por necessidade financeira mesmo. Eu estava com poucos alunos de violão. Depois de um dos meus shows no Seis e Meia, uma menina, ao final, me procurou: “além de ensinar violão você também dá aula de canto?”. Como eu estava com pouco aluno e precisando de dinheiro, respondi que dava. Na verdade eu nunca tinha dado aula de canto. Não sabia nem como funcionava a metodologia. Ela morava no 10º andar de um prédio em Ponta Negra. A vista dava para o Morro do Careca. Quando ela sentou na minha frente, ansiosa pela primeira aula, pensei: “e agora, o que vou ensinar?”. E olha que eu tinha cobrado caro pela aula de canto. A garota estava com uma expectativa grande de evoluir a voz. Tentei encontrar alguma coisa para ensinar. Tive a idéia de compor uma melodia, na hora. Lembro até o acorde: Mi com nona. Eu falei: “tem um exercício muito bom pra canto: eu vou solfejar uma melodia e você vai repetir”. E comecei: “lara laralarilarara”. Ela repetiu. Eu disse: “ta muito bom, não desafinou uma nota”. E prossegui. Fui inventando aquela música na hora. Enquanto eu tocava, solfejava e pedia para ela repetir, foi despertando o gosto por aquela melodia. Comecei a achar que aquela melodia estava mesmo muito boa. E o Morro do Careca de frente pra mim. Viajei na música. Fiz várias partes melódicas e tive a certeza que a melodia estava boa mesmo. Pedi a ela para pegar uma caneta e um papel, para colocarmos uma letra na música. Nessa hora já não tinha mais nada a ver com a aula de canto. A sorte é que ela também tinha gostado da música e foi correndo pegar a caneta. E começamos a fazer a letra: “Canta, canta o mundo voa / Voa comigo longe / Longe de tudo venha / O amor tem pressa / E o meu cantar / Canta pra você / Onde irei, onde vai / Vou só com você / Onde irei, onde vai / Vou só com você”. (aplausos).

ZONA SUL – A aluna tem participação nessa letra...
JOÃO – Ela fez um trechinho, ficou um pouco tímida. Mas ela teve participação. Vez por outra eu dizia: “agora faça um versinho aí”. A música fluiu. Ainda passei um mês dando aula de canto. Deu tempo de fazer outra melodia (risos). A aula era eu compor para ela solfejar. Eu também tocava, no violão, a escala de Dó para ela repetir com a voz. Só topei essas aulas porque eu estava passando necessidade financeira. Só tinha dois alunos, na época.

ZONA SUL – Depois disso também pintou a oportunidade para você tocar em velório...
JOÃO – Maria Vênus Pinheiro, que tem uma voz lindíssima e é superafinada, me convidou. Nessa época eu já tinha bastante aluno. Maria Vênus se encontrou com Cecília, a minha esposa, e perguntou se eu estava disponível para tocar em algumas missas. Cecília deu o meu telefone. Maria Vênus perguntou se eu podia tocar uma missa dois dias depois. Fazia um bocado de tempo que eu não ia a uma missa, mas topei. Também perguntei se tinha um cachezinho. Ela disse que sim. Fui tocar na missa e peguei tudo de ouvido, na hora. Nesse mesmo dia ela disse que também tocava em velório e me convidou para acompanhá-la. Fiquei meio surpreso, mas topei.

ZONA SUL – Esse é um campo pouco explorado...
JOÃO – É. Minha primeira experiência em velório foi estranha. Maria Vênus estava se preparando para cantar. Quando fui pegar o violão, deu uma vontade de rir... Não por causa do velório ou por eu estar desrespeitando aquele momento, mas senti vontade de rir de mim mesmo, pelo inusitado da coisa. Mas comecei a tocar. Quanto mais eu tocava, mais uma parente da falecida olhava para mim, emocionada, em prantos. De tanto ela olhar, fiquei encabulado. Quando o caixão foi fechado, que começaram a levar o corpo para o enterro, ela se aproximou de mim e disse: “você toca tão lindo!”. E emendou: “quando eu morrer quero que você toque pra mim”. Sem querer, de tão nervoso que eu estava, pela situação, respondi: “é pra quando?”. (risos) “Tenho que botar na agenda...”. Ela estava tão emocionada, que não percebeu minha gafe. Mas não foi com má intenção. Eu disse aquilo porque estava realmente muito nervoso pela situação.

ZONA SUL – Você consegue pagar suas despesas só como músico ou tem algum outro emprego?
JOÃO – Na realidade eu sou um operário da música. Eu vivo exclusivamente da música. Dou aulas de violão e, graças a Deus, apareceu através de Maria Vênus Pinheiro essa oportunidade de estar tocando com ela. Para mim é o maior prazer conviver com o pessoal do Morada da Paz.

ZONA SUL – Você é contratado para tocar em todos os velórios do Morada da Paz?
JOÃO – Não. Só somos contratados quando a família conhece o nosso trabalho. Têm famílias que ainda mantém aquele tabu de velório ser apenas choro. Maria Vênus foi a pioneira. Só nós fazemos esse tipo de trabalho aqui em Natal. Maria Vênus também é compositora e faz poemas. Ela chegou a gravar um disco, “A estrela é Jesus”. Teve participação de Eduardo Taufick, nos arranjos. É um disco de músicas sacras.

ZONA SUL – E o seu CD, quando sai? Já tem nome? São apenas composições próprias?
JOÃO – Têm músicas minhas e parcerias. Já está gravado, falta a prensagem. O disco é voz e violão e está bem verdadeiro. São 12 composições. Ele se chama “Xanana”, que é a flor de Natal. Ela dá em tudo que é canteiro e terreno baldio. A autora da letra da música “Xanana” é tia da minha esposa, Leda Melo. Leda é excelente letrista. Eu musiquei dois poemas dela, “Xanana” e “Dama da Noite”, que também está inserida no disco. Também tem parcerias com compositores como Cleudo Freire e Carlos Newton Júnior, que é professor de literatura e muito amigo de Ariano Suassuna. Ele fez parte do Movimento Armorial. Carlos Newton me deu umas letras, e eu musiquei. Recentemente Ariano escutou as músicas, por intermédio de Carlos Newton, e adorou. Há um projeto patrocinado pelo governo de Pernambuco para o lançamento de um disco meu em parceria com Carlos Newton Júnior.

ZONA SUL – Você acha que o lançamento do disco “Xanana” pode dar um impulso na sua carreira?
JOÃO – Esse disco não será apenas um registro do meu trabalho. Amigos músicos sugeriram que eu enviasse o disco para intérpretes do país. Aliás, depois de um show do Projeto Nação Potiguar, de Candinha Bezerra, conheci Guinga. Improvisadamente nos encontramos e Tico pediu para eu tocar umas músicas minhas pra Guinga. Toquei e ele adorou. Quanto eu estava tocando uma das músicas, ao chegar em determinada parte melódica, Guinga mandou eu parar e perguntou: “você já estudou Villa-Lobos?”. Respondi que não. Achei esse comentário muito legal. Ele tirou o violão dele e começou a tocar junto comigo essa música, chamada “Meu lugar”. Ele terminou aprendendo a música e tocando comigo.

ZONA SUL – Quem já gravou João Salinas?
JOÃO – Di Stéffano gravou, em um disco instrumental, “Meu lugar” e “Boa de endoidar”, com participações de Arthur Maia e Marcelo Martins. Glorinha Oliveira gravou uma parceria que fiz com Heraldo Palmeira. Essa composição surgiu de madrugada. Heraldo me ligou, eu nem o conhecia. Glorinha ia viajar no dia seguinte. Ele disse que estava faltando uma música para fechar o repertório do disco dela, e que tinha escrito uma letra. Passou por telefone. Copiei e, com quinze minutos, retornei a ligação já com a música pronta. Gravei e, no dia seguinte, fui encontrar com Glorinha Oliveira. Ela viajou ouvindo a música, no avião. O nome é “Tema”. Lane Cardoso gravou também, num CD do Festival do Sesi, a música “Verdejar”. Valéria Oliveira gravou a música “Quem dera”.

ZONA SUL – Você pretende investir mais na sua carreira de compositor, de músico ou na de intérprete?
JOÃO – A princípio, na de compositor. Estou compondo muito, agora. Na realidade, eu não gosto de fazer show. Eu prefiro tocar para amigos um violão acústico. Inicialmente pretendo divulgar meu trabalho como compositor.

ZONA SUL – Você deve ter hoje quantas composições?
JOÃO – Quase 200 músicas. Depois que entrei na Escola de Música, e estudei violão clássico, aprendi a escrever partituras. Eu mesmo escrevo minhas músicas e registro. Muitas delas estão gravadas na memória.

ZONA SUL – A tecnologia ajuda o seu trabalho de alguma forma? Você tem site na Internet?
JOÃO – Não, eu sou leigo em computador, apesar de saber que a Internet é um canal de comunicação poderosíssimo. Minha esposa fez meu e-mail, mas eu nem sei de cor. Nunca usei. Tenho e-mail, mas nunca usei e também ninguém nunca me mandou nada. Se mandou, eu não recebi. Mas sei que a tecnologia é importante.

ZONA SUL – O que você anda escutando ultimamente?
JOÃO – Deixa eu só voltar um pouco para contar algo que esqueci. Em 1997 participei de um Festival do SESI. Lá eu conheci o Sérgio Farias. Concorremos nesse festival. Tirei o segundo lugar com a música “Grandeza”. Ele ficou em primeiro lugar, com “Nuvem cheia”. Foi lá que trocamos figurinhas e quando despertou um projeto que estamos ensaiando. Vamos fazer um show com músicas em parceria e músicas da gente mesmo. Ele é um grande compositor. O show ainda não tem previsão de data, estamos ensaiando.

ZONA SUL – Mas você não disse o que tem ouvido ultimamente...
JOÃO – Eu comprei uma coleção de Luiz Gonzaga. Escuto quase todos os dias. João Gilberto nunca deixei de escutar. Mas o principal continua sendo e Tom Jobim. Na infância eu também ouvia Moraes Moreira, Novos Baianos e Mutantes, por influência do meu irmão Paula Neto.

ZONA SUL – Você acha que sua música sofre influência de algum desses artistas?
JOÃO – Eu sei lá. (risos). Acho que sou influenciado por músicas antigas, tipo “Aurora”, e melodias daquela época. Também escutei muito... Ih, esqueci o nome dele agora, como é que pode? Comer galinha e arrotar carne de bode. Ah, lembrei, Beto Guedes! Manoca e outras pessoas achavam meu estilo parecido com o daquele pessoal do Clube da Esquina.

ZONA SUL – Como é o momento quando vem uma música em você? Você tem uma idéia do todo, quando está compondo, ou vai desenvolvendo na hora, a harmonia, acorde por acorde? O que mais impressiona em você, quando a gente escuta, são esses 300 mil acordes que você faz de meio em meio segundo. Como é esse lance?
JOÃO – Vários músicos já me fizeram essa pergunta. O processo é que a criação já vem junto com a harmonia. Faço a harmonia e já vou criando uma melodia em cima. Depois, não preciso mais mexer na harmonia. Não refaço as harmonias das minhas composições. Na minha mente os acordes não são visuais, são sonoros. Eu não visualizo nada, vou na sonoridade. Vou armando a harmonia e criando a melodia em cima. Através de um acorde simples, podemos criar mil melodias, das mais variadas possíveis. Quando surge outra harmonia, já abre um leque melódico, e a gente já começa a viajar.

ZONA SUL – O que vem primeiro, a melodia ou a letra?
JOÃO – Quando a música é só minha, a melodia vem primeiro. Raramente faço uma música e letra com a letra já valendo. Tenho mania de criar melodia e colocar uma letra que não tem nada a ver. Essa letra serve apenas como subsídio para preparar aquela melodia para quando eu for letrar. Para mim a música está em primeiro lugar. Já musiquei muita letra, mas prefiro o processo inverso. Se for uma parceria, acho melhor mandar a melodia pronta, com a harmonia. Flui melhor.

ZONA SUL – O que faltou ser perguntado que você gostaria de ter respondido?
JOÃO – Faltou falar sobre o meu América. Não sei se eu gosto mais do América ou da música. Às vezes eu paro de compor para assistir jogo do América. A minha paixão pelo América surgiu através do meu pai, que é americano roxo. Já em 1977, eu pequenininho, ele me levava aos jogos. Foi aí que começou a despertar a paixão. Nunca perco um jogo do América.

ZONA SUL – Se despeça do leitor do Zona Sul...
JOÃO – Agradeço a oportunidade de poder falar sobre a minha história, a minha vida e também poder divulgar o meu trabalho, as minhas aulas violão. Aliás, quem quiser entrar em contato é só ligar para o (84) 8802-9181. Estou disponível para passar meus conhecimentos musicais.