domingo, 23 de dezembro de 2007

ENTREVISTA: Magno Córdova

AS ENTRANHAS DA MPB DOS ANOS SETENTA

Conheci Magno por intermédio de Clodo Ferreira, há alguns anos. Vindo de Minas, ele estava recolhendo material para sua pesquisa de mestrado, posteriormente
defendida na Universidade de Brasília (UnB). O trabalho acadêmico, “Rompendo as entranhas do chão”, traz como tema central a importância para a música brasileira dos anos 70 do encontro ocorrido entre cearenses e piauienses. Esse também é o mote da entrevista de final de ano do Zona Sul. Boa leitura, feliz Natal e um ótimo 2008 para todos! (Roberto Homem)

ZONA SUL – Quem é Magno Córdova?
MAGNO – Magno Córdova nasceu em uma cidade chamada Rubim, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, em 1965. Ficou lá durante sete anos e, em 1972, chegou à capital mineira, Belo Horizonte, com mãe e irmãos. Lá viveu até os 36 anos de idade, quando veio para Brasília.
ZONA SUL – Magno Córdova é o seu nome completo?
MAGNO – Não. É Magno Cirqueira Córdova. Minha mãe, Cirqueira, é baiana da região de Poções e Jequié, por ali. Meu pai é da cidade de Jequitinhonha, próximo também da Bahia, no nordeste de Minas. Meus pais se conheceram em Minas. Rubim é próximo de Jequitinhonha.
ZONA SUL – Seu pai ainda está vivo?
MAGNO – Não. Estive com ele um ano antes de sua morte. Não morávamos na mesma casa. Meu pai foi uma pessoa muito presente nos primeiros anos que vivi em Jequitinhonha. Nas férias escolares eu sempre ia a Jequitinhonha. Depois de adulto, fui outras vezes, embora bem poucas. Fiquei quase dez anos sem ver meu pai. Resolvi vê-lo em 2000. No ano seguinte ele faleceu.
ZONA SUL – A paixão pela música já existia em Rubim ou você só a adquiriu após ir morar em Belo Horizonte?
MAGNO – Apesar de a minha família não ser de músicos, Rubim era uma cidade muito musical. Apesar de estar a 700 km da capital mineira, e de o acesso, nas décadas de 60 e 70, ter sido difícil, algumas pessoas, entre elas a minha mãe, tinham condições de viajar até a capital ou a cidades do pólo para adquirir discos. Dentro da minha casa, por ser uma família muito vasta, a gente ouvia vários gêneros musicais. Incluindo a Jovem Guarda, o Tropicalismo, Nat King Cole, Marta Mendonça e Ângela Maria. Sou o mais novo de uma família de dez filhos. Acabei bebendo um pouco dos meus nove irmãos, que até então moravam em Rubim, com exceção da irmã mais velha, que saiu muito cedo. As pessoas ouviam música até na praça. O cotidiano era banhado por trilhas no ar da cidade. Como até 1972 a televisão ainda não existia em Rubim, o rádio era um instrumento muito importante, era o grande barato da turma.
ZONA SUL – Além destes já citados, o que mais se ouvia na sua casa?
MAGNO – Minha mãe era muito atenta ao fato de seus filhos jovens demonstrarem necessidade de conhecer um pouco de música. Lembro do primeiro disco do Caetano, o que tem Tropicália, chegar a minha casa pelas mãos da minha mãe. Tenho fotos, com cinco anos de idade, ao lado de uma radiola, com o disco do Chico, A Banda. Apesar de não serem ainda os protagonistas da pesquisa que eu viria a fazer, com certeza os tropicalistas e o Chico faziam parte do ambiente da minha casa. Até então, eu não fazia qualquer tipo de audição crítica. Era apenas prazer. Gil e Bethânia também foram muito presentes nessa época. Também lembro do disco da Gal cantando Cultura e Civilização, Tuareg e Meu nome é Gal. Tinha uma capa meio psicodélica, maluquíssima. Lembro de meus irmãos mais velhos ouvirem alto demais. Isso tudo ainda no período Jequitinhonense. Foi uma espécie de primórdio de minha relação com a música.
ZONA SUL – Em qual circunstância você passou a ouvir a música específica de sua pesquisa?
MAGNO – Curiosamente foi nos meus retornos a Rubim. Acredito que até 19 ou 20 anos de idade, eu ia Rubim pelo menos duas vezes ao ano, no período das férias escolares. Ia ver meu pai e meus amigos. Em Rubim pude ouvir muita música que eu não escutava na capital. O ambiente onde eu transitava em Belo Horizonte não ouvia exatamente as músicas que eu escutava no Vale do Jequitinhonha. Por exemplo, Ednardo foi uma coisa que me chamou muita atenção no Vale do Jequitinhonha. Ele já havia se destacado com Pavão Mysteriozo quando conheci o disco O Azul e o Encarnado, no Vale. Fagner, também. Orós e Raimundo Fagner eu ouvi com muita freqüência, no final da década de 70, já adolescente, na casa de amigos da mesma idade que tocavam violão. O disco ...Das barrancas do Rio Gavião eu ouvi de cabo a rabo, atentamente. Apaixonei-me por ele no Vale do Jequitinhonha.
ZONA SUL – Como você explica o fato de ter conhecido o som desses nordestinos no Vale do Jequitinhonha e não em Belo Horizonte, a capital do estado?
MAGNO – Se pensássemos muito rapidamente, chegaríamos à conclusão que a capital seria o lugar onde possivelmente ouviríamos essas canções. Mas eu participava, em BH, de um segmento social diferenciado do que eu convivia na cidade de Rubim. Acho que Rubim, pela própria posição geográfica, pela proximidade com o Nordeste, tinha um acesso mais rápido. As pessoas lá se identificavam com mais facilidade com as músicas, pela própria realidade retratada nas canções, pelo linguajar, pela imagética e por tudo o que essas canções possivelmente retratavam. Imagino que os adolescentes de Belo Horizonte talvez estivessem menos preocupados com aquela realidade ou não se sentissem tocados por aqueles temas retratados nas canções.
ZONA SUL – Como se deu sua troca de Belo Horizonte por Brasília?
MAGNO – Eu me casei com uma pessoa que teve muita importância nesse processo. Ela recebeu um convite para desenvolver um trabalho no Ministério da Educação, em Brasília. Trabalhávamos em Belo Horizonte, nosso filho tinha nascido. Viemos de imediato, não foi nada planejado. Para quem planejava morar pouco tempo aqui, já viramos quase candangos.
ZONA SUL – Quer dizer que sua pesquisa não interferiu na troca de endereço.
MAGNO – Minha pesquisa já havia sido mais ou menos esboçada na Universidade Federal de Minas Gerais, onde me formei, em História. Depois de uns dois ou três anos graduado, retomei meu contato, no Departamento de História, com uma pessoa de quem gosto muito, a professora Regina Horta. Ela havia dito que gostaria de dialogar comigo quando eu resolvesse fazer alguma pesquisa. Eu já havia esboçado um projetinho. Levei para essa professora e, no momento em que eu pensava em desenvolver o trabalho lá, minha mulher recebeu o convite. No início fiquei triste, achei que em Brasília - sem contatos ou referências nas escolas e universidades - a pesquisa ficaria relegada a um plano secundário. Para minha surpresa, logo que cheguei fui buscar informações sobre os departamentos de História e encontrei um terreno bacana para desenvolver o projeto.
ZONA SUL – O tema já havia sido definido em Minas? Pelo que apreendi do seu trabalho, Brasília teve uma importância grande na ligação dos piauienses com os cearenses.
MAGNO – É verdade. Aí é que entra o grande barato da coisa. Uma pesquisa, particularmente na área de história, tem trâmites os mais surpreendentes possíveis. Ao montar o esboço da pesquisa, a questão do Nordeste já havia sido tematizada. Mas tudo era muito vasto, amplo. Eu ainda não tinha feito recortes para discutir uma música nordestina situada exatamente na década de 70. Eu tinha o espaço, mas não o tempo. Quando levei para Regina Horta, eu queria, a princípio bem ingenuamente, discutir questões relativas à tradição e vanguarda dentro da música nordestina. O que eu achava que seria engavetado, encontrou em Brasília um terreno muito propício. Vim sem nunca ter pisado na cidade, mas me descobri diante de um território que me oferecia muito mais elementos para poder discutir questões relativas ao Nordeste. É da própria conformação da cidade. Curiosamente, me deparei com alguns dos possíveis protagonistas daquilo que eu imaginava, em Belo Horizonte, e não sabia que moravam aqui. Meu projeto levado à UnB era uma coisa megalomaníaca, de tão grandioso.
ZONA SUL – Era uma enciclopédia...
MAGNO – Era. Mas toda pesquisa nasce assim, a gente começa sem ter muita clareza do objeto. Ele vai se construindo à medida que a pesquisa se desenvolve. Brasília, de certa forma, me ajudou a fazer esse recorte espaço temporal do meu objeto de pesquisa. Aqui eu tive contatos e notícias daquilo que eu gostaria de trabalhar lá em Belo Horizonte, mas que estava diluído dentro de um universo muito mais vasto. Brasília foi o canal, porque ela participa desse processo, de certa forma. Descobri que Brasília havia se tornado um pólo para artistas piauienses e cearenses. De certa maneira, a minha experiência em Brasília acabou determinando um pouco o caminho que eu deveria seguir na minha pesquisa de mestrado.
ZONA SUL – Fale um pouco sobre o seu trabalho.
MAGNO – Foi uma dissertação de mestrado defendida em uma área de pesquisa chamada História Cultural, que existe na Universidade de Brasília. Levou o título de Rompendo as entranhas do chão. Tem um subtítulo através do qual situo um pouco mais o objeto: Cidade e Identidade de migrantes do Ceará e do Piauí na música popular dos anos 70. O título principal, Rompendo as entranhas do chão, foi tomado de empréstimo de um verso de uma canção de Ednardo, Pastora do tempo. Achei que era pertinente com todas as reflexões que eu fiz no meu trabalho, relativas à identidade, à representações de cidades que esses migrantes retrataram em suas. Peguei a experiência do pessoal do Ceará e, aqui em Brasília, tomei conhecimento que não eram todos cearenses. Haviam piauienses envolvidos. Refiro-me particularmente aos irmãos Ferreira: Clodo, Climério e Clésio. Com essa informação, pude verificar e aprofundar um pouco mais o que havia de genuinamente cearense no movimento que ficou conhecido como pessoal do Ceará, que carrega essa nomeclatura referencial àquele estado. Discuti no trabalho também como isso funcionou naquele ambiente político extremamente complexo, que foi o Brasil da década de 70, pós AI-5 e pós-tropicalista. Este é um universo bastante complexo e ao mesmo tempo ainda pouco situado dentro da história da música popular brasileira. O fundamental foi abordar a importância que esse grupo de artistas teve naquele período.
ZONA SUL – Você trabalhou quanto tempo até concluir esse trabalho?
MAGNO – Institucionalmente, fiquei dois anos e meio envolvido na pesquisa.
ZONA SUL – Foram quantos entrevistados?
MAGNO – Entrevistados foram muitos. Izaíra Silvino, musicista de Fortaleza, foi uma delas. Ela foi a primeira intérprete de Raimundo Fagner, em 1969, em um festival ocorrido em Fortaleza, chamado Aqui no canto. Ela defendeu Luzia do Algodão. A música chegou a ser gravada por uma gravadora local, mas esse disco é raríssimo. Ela foi professora de Fagner, se tornou amiga. Toca violino, cavaquinho... Ela foi uma das pessoas que me forneceram relatos a respeito desse movimento, antes dele se configurar em Brasília. Brasília acabou se tornando o foco. Até então eu não sabia que Fausto Nilo, Fagner, Dedé Evangelista, Augusto Pontes e a musicista Mércia Pinto, entre outros, todos eles vieram do Ceará para morar em Brasília no início dos anos 70. Isso foi antes daquele boom chamado pessoal do Ceará. Mércia Pinto, que também é pianista e professora da UnB, foi uma pessoa muito importante nesse processo. Da mesma forma o foi a escritora Ana Maria Miranda. Eu havia convidado Mércia para participar da minha banca, já que ela é professora do Departamento de Música da UnB. No meio do processo ela acabou se revelando, para além da questão acadêmica, como protagonista do meu objeto. Ela veio de Fortaleza na época em que era casada com Fausto Nilo, quando ele veio dar aula na faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB. Mércia forneceu muitas informações a respeito desse grupo de artistas e professores que vieram para Brasília naquele período. Fausto Nilo, curiosamente, apesar de ter nascido em Fortaleza, compôs sua primeira música no período em que morava em Brasília. Mas, o mais importante foi o encontro desse grupo de Fortaleza com os irmãos Clodo, Climério e Clésio. Eles já moravam aqui e já haviam se radicado em Brasília, vindos do Piauí. Até 1965 a família Ferreira havia se estabelecido em Brasília. No início da década de 70 eles se tornaram amigos, quando Clodo era aluno da Comunicação Social na UnB.
ZONA SUL – Você não respondeu quantas entrevistas realizou...
MAGNO – Vou tentar responder. Só com a Mércia, por exemplo, depois que eu soube que ela também havia protagonizado essa história toda, eu fiz umas nove horas de entrevista, juntando tudo. Nove horas registradas, pois tinha coisas que ela pedia para eu desligar o gravador antes de contar. Mas entrevistei Ana Maria Miranda, Fausto Nilo e até Túlio Mourão, um músico que participou desse processo, apesar de nem ser piauiense nem cearense. Clodo e Climério não prestaram depoimentos formais, mas o tempo inteiro deram assistência e conversaram comigo informalmente, até por telefone, e colocaram à minha disposição muito material fonográfico. Foram pessoas fundamentais nesse processo. Ednardo foi outra figura impressionante. Nesse processo de pesquisa a gente sempre fica cauteloso quando está lidando com a memória de pessoas vivas. Existe o receio de saber como elas vão encarar a forma de abordagem da gente. Foi impressionante como Ednardo me recebeu. Foi muito respeitoso e carinhoso. Ele é uma pessoa muito importante. Conversei com muita gente, inclusive com as potiguares Terezinha de Jesus e com a sua irmã Odhaires.
ZONA SUL Terezinha de Jesus entrou no seu trabalho?
MAGNO – Não. Conversei com ela antes de focalizar a pesquisa nos cearenses e piauienses. Mas ela, junto com a Cátia de França, foram fundamentais para eu me motivar a desenvolver o trabalho. Eu não sabia que Terezinha tinha retornado para Natal. Ela claramente estava envolvida no universo musical com o qual eu queria trabalhar. Na seqüência, percebi que a pesquisa tinha tomado outros rumos, mas a Terezinha é uma artista que tem um papel importantíssimo nesse processo. Além de tudo, ela foi uma das que registraram músicas pelo selo Epic, que era a gravadora a qual Fagner estava envolvido, no final da década de 70. A princípio eu poderia abordar o trabalho de todo esse grupo de artistas, mas infelizmente a pesquisa acadêmica - por questões de limitações temporais e de prazos – exige que o objeto seja enxugado. Mas, voltando ao assunto, também entrevistei o Ródger Rogério, a Téti, a Agilda Cabral - que é irmã da Tânia Araújo, compositora importante nesse processo, parceira de Ednardo. Foram várias pessoas envolvidas, cada uma com uma trajetória bem diferenciada. Isso permitiu que eu pudesse trabalhar com perspectivas as mais diversas, do ponto de vista do letrista, do músico e da valorização. Infelizmente uma pesquisa de mestrado não permite um aprofundamento maior, mas ela aponta uma possibilidade de pesquisas que porventura virão e que podem enfatizar uma ou outra vertente destes trabalhos que por mim foram abordados. Isso num doutorado ficaria mais claro.
ZONA SUL – Vamos voltar à nossa questão matemática: quantas músicas você escutou?
MAGNO – Não tenho a menor idéia. Mesmo se eu fosse responder a partir do momento que eu decidi pela pesquisa, quantas músicas eu ouvi, seriam muitas. Vou fazer uma conta por alto. Algumas eu conhecia desde a adolescência, então resolvi ouvir de novo, para ver como as interpretaria hoje. Por outro lado, muito material me chegou às mãos sem eu conhecer. O grande barato da pesquisa é que você percebe que sabe muito pouco sobre o assunto. Mas, digamos que somente de Clodo, Climério e Clésio, fazendo uma matemática rápida, dos seis discos que eles gravaram na década de 70, ouvi 60 canções. Não estou cantando os outros artistas que gravaram músicas deles. Fagner e Ednardo gravaram muito mais. Na minha pesquisa não inclui Belchior. Ele apenas entrou na minha pesquisa para sair, digamos assim. Em determinado momento questiono a inclusão de Belchior dentro desse universo. A justificativa é que ele não tem qualquer parceria com os irmãos Ferreira. Retratei principalmente a questão da parceria, não só a de assinar uma canção, mas de participar de disco, de gravar. Ednardo, por exemplo, participou do primeiro disco de Clodo, Climério e Clésio, o São Piauí. Foi diretor artístico, algo assim. Parceria a que me refiro é isso. Amelinha também está presente nos discos dos irmãos Ferreira. Esse é o universo. Por isso o Belchior não entrou. Mas voltando à sua questão matemática, por alto eu vou chutar um número: ouvi entre 1.500 e 2.000 músicas. Aliás, nem sei, acho que dá mais.
ZONA SUL – Eleja os 10 discos que integrariam uma discoteca básica dessa sua pesquisa.
MAGNO – Começo por São Piauí, do Clodo, Climério e Clésio. É um dos melhores discos que eu ouvi de todo esse repertório, incluindo todo o universo do Nordeste da década de 70. É um disco fundamental. O Azul e o Encarnado, de Ednardo, é outro disco importante. Há um disco chamado Maraponga, do Ricardo Bezerra, que é sensacional. Tem participações do Hermeto Paschoal, Robertinho de Recife e Amelinha. O primeiro da Amelinha, que é o mais cearense dela, anterior ao Frevo Mulher, o Flor da Paisagem, também tem que entrar nessa lista, é fantástico. Fagner também entra, com certeza, a dúvida é qual deles. O Orós é um disco imprescindível, mas eu elegeria também o Raimundo Fagner, que é o terceiro. Considero melhor que o Manera Fru Fru e o Ave Noturna. Os dois valem a pena. De Rodger e Téti, tem que entrar o Chão Sagrado, um disco fundamental. Da carreira solo da Téti, incluo o disco Equatorial. Outros dois discos que não podem faltar na lista são o Massafera e o Soro, que é Orós de trás pra frente. Este último foi produzido pelo Fagner e inclui um texto do Clodo. É um disco raro. Quem ouvir esses discos terá uma idéia do que aconteceu naquela época. Eu escolhi apenas um Clodo, Climério e Clésio, mas o Chapada do Corisco também é muito importante.
ZONA SUL – Qual a importância da UnB para o encontro dos cearenses e piauienses em Brasília.
MAGNO – A universidade manteve certa dignidade na época da ditadura militar. Ela conseguiu
agregar as pessoas num período onde as liberdades de criação estavam muito pouco permitidas, digamos assim. O fato de essas pessoas terem se encontrado dentro da universidade talvez tenha sido o ponto crucial de uma possibilidade de realização coletiva. Parece que há uma incongruência entre o que seja música popular e o universo acadêmico, mas não é verdade. A universidade foi o espaço onde as pessoas puderam dizer o que gostavam e o que não gostavam. Os piauienses e cearenses interagiram nesse ambiente. Climério foi estudante e, posteriormente, professor da UnB. Clodo foi colega de Augusto Pontes. Fausto veio para dar aula de arquitetura e urbanismo. Fagner teve uma passagem relâmpago. As irmãs dele moravam em Brasília. Ele foi aprovado no vestibular para Arquitetura, mas logo em seguida participou do festival do Centro Universitário de Brasília (Ceub), com Cavalo Ferro. Ganhou o terceiro lugar. No mesmo vestibular, a parceria dele com Belchior, Mucuripe, venceu o festival. Fagner ficou entusiasmado e foi embora para o Rio de Janeiro, com Mucuripe nas costas. No Rio, encontrou um terreno propício para mostrar seu trabalho. A trajetória do Fagner e da música Mucuripe, nesse início, foram fundamentais. Na mesma época, Ednardo, Ródger e Téti gravaram Meu corpo, minha embalagem, tudo gasto na viagem. Era o disco do pessoal do Ceará. Fagner desistiu de sua participação. O título é trecho de um poema de Augusto Pontes, que estava também ali envolvido.
ZONA SUL – Esse disco, depois, virou Ednardo e o pessoal do Ceará...
MAGNO – Sim. O próprio Ednardo chama atenção disso. Na verdade era pessoal do Ceará, não havia um destaque para nenhum deles. Ednardo reconhece que depois as gravadoras fizeram uma espécie de marketing meio maluco, por conta da visibilidade que ele teve em função de Pavão Mysteriozo. É um disco que tem Téti, Rodger e Ednardo em pé de igualdade. Também traz compositores cearenses como Ricardo Bezerra e o próprio Fagner, que participa de Cavalo Ferro.
ZONA SUL – Ednardo também estudou na UnB?
MAGNO – Ednardo não chegou a morar em Brasília. Rodger fez mestrado em Física na UnB. Dedé Evangelista foi professor de Física, também na UnB. Ele fez canções importantes nesse período, em parceria com Rodger e Ednardo. Dedé foi professor de Física, Fausto Nilo, de arquitetura. Clodo, Climério e Clésio, todos eles passaram pela Comunicação Social. Mércia, casada com Fausto, já veio formada em Música, depois deu aula na UnB. A UnB foi o espaço de confluência dessa turma.
ZONA SUL – A pesquisa vai virar livro?
MAGNO – Estou pelejando para esse trabalho ser publicado. Uma das editoras para as quais eu enviei, pediu para eu reformular a linguagem. Dei uma reestruturada no texto, já que um texto acadêmico tem pouco apelo público. Outra editora, essa especializada em textos acadêmicos, possivelmente deve editar o trabalho na íntegra. Quero chegar a um público mais vasto, para não ficar restrito à academia. Em um primeiro ímpeto, eu quis democratizar o trabalho e achei que meu texto não estava tão hermético. Pensei que era possível torná-lo mais viável, do ponto de vista do público. Mas como não entendo políticas e estratégias de editoras, fiquei um pouco na mão dessa turma. Estou aguardando para ver se eles aprovam ou não. De qualquer forma, estou correndo para torná-lo mais próximo do público.
ZONA SUL – Como uma editora pode entrar em contato para negociar a publicação do seu livro?
MAGNO – Através do meu email magnocordova@unb.br. Quem preferir pode ligar para meu telefone, aqui em Brasília: (61) 9122-6279.
ZONA SUL – O que você está pesquisando agora?
MAGNO – Recentemente me envolvi com um projeto de uma pessoa lá de Belo Horizonte, aprovado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet, e pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais. O trabalho é sobre os 300 anos de música no Brasil. A contrapartida do projeto é sairmos divulgando o seu resultado. Essa divulgação começou pela capital mineira. Já fizemos três palestras em Belo Horizonte e agora vamos visitar algumas cidades do interior do estado de Minas. Também viajaremos por alguns estados. Estaremos em Brasília no início do ano que vem. Também estou pretendendo dar continuidade ao trabalho iniciado em “Rompendo as entranhas do chão”, só que com outro recorte. Já está mais ou menos definido. Vou discutir questões um pouco mais amplas, sem limitar por alguma região. Esse projeto será enviado para o programa de pós-graduação em História, dentro da linha de pesquisa de História Cultural da UnB. Espero me empenhar nele até trazer novos resultados de pesquisa sobre a música.
ZONA SUL – Você também é responsável por alguns dos verbetes do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, que pode ser acessado no site http://www.dicionariompb.com.br/
MAGNO – Sim. Um deles foi sobre a Terezinha de Jesus. Foi muito legal ter conseguido a atenção dela, ter me informado a respeito de toda a sua trajetória musical. Coletei o material, redigi e enviei para o Ricardo Cravo Albin, com quem atualmente mantenho contato pessoal. Na época, a mediadora desse meu trabalho dentro do Instituto Cultural Cravo Albin foi Heloísa Tapajós. Era a responsável por esse segmento musical. Nós publicamos informações sobre Clodo, Climério, Clésio e Terezinha. Tenho interesse de fazer um trabalho com o Ricardo aqui em Brasília, envolvendo o Museu Nacional da Imagem e do Som. Já estabeleci contato com algumas pessoas daqui. O projeto está na iminência de ser aprovado. Se for, vamos trabalhar mais concretamente na produção de verbetes e de entrevistas. A intenção é envolver artistas do país inteiro.
ZONA SUL – Por falar em Terezinha de Jesus, o que você diria a respeito da música potiguar?
MAGNO – Vou ser extremamente honesto com você: entre os potiguares, a Terezinha é a pessoa de quem tenho mais afeição e conhecimento a respeito da obra. Tenho todos os discos da Terezinha. Sempre fui apaixonado por sua obra. Recentemente me envolvi com o trabalho da Dona Militana. Foi na execução daquele projeto que falei há poucos instantes, idealizado pela pesquisadora e musicista mineira, Mara de Aquino. O nome do projeto é Cravos na janela. É um livro com um CD encartado e resgata a história da música popular do Brasil, de uma maneira geral. Eu já conhecia os romances da Dona Militana quando Mara incorporou esse repertório no projeto. Outro nome importante do estado, que eu só soube recentemente que ele era potiguar, é Kximbinho. Foi uma surpresa, quando eu soube, já que nunca tinha lido dados biográficos dele. Só conhecia sua obra. Não posso deixar de falar também do CD Mares Potiguares, um disco que me impressionou. Adorei tudo, achei lindo. Reconheci algumas músicas que Terezinha havia gravado. Porém, o que mais me impressionou foi o livro que acompanha o disco em um kit feito por Mirabô. Li com muita doçura e carinho. É um documento de uma importância impressionante para entendermos um pouco do que acontecia na música popular na década de 1970. Esse livro de memórias do Mirabô traz informações impressionantes. Estou para mandar um recado para o Mirabô. Em breve vou escrever, com carinho, uma mensagem para ele. O livro, além de ser extremamente importante do ponto de vista documental, é muito prazeroso de se ler. Babal e Tico da Costa são outros potiguares que conheci e também adoro. Pretendo ficar mais atento à música potiguar, até porque uma coisa eu posso garantir: além dessas pessoas que citei, que adoro, a cidade do Nordeste que mais gosto é Natal.
ZONA SUL – A história da MPB está bem contada nos livros disponíveis?
MAGNO – Não. As pessoas contam muito bem, mas apenas um determinado viés. O que está escrito foi bem contado. Mas a música popular ainda tem lacunas sérias que devem ser abordadas. Esse é um papel do historiador, mas é também dos antropólogos, jornalistas e sociólogos. Quem lida hoje com o universo cultural no Brasil tem que tangenciar alguma coisa relativa ao que representa essa manifestação que é a música popular brasileira. É preciso retomarmos algumas dessas lacunas, preenchê-las. A história sempre precisa ser recontada. Pra além do que já foi abordado, há muita coisa que está esquecida e que é necessário a gente trazer a público. É importante para a memória de todos nós. Eu, como mineiro, fui muito questionado por ter pesquisado os músicos do Piauí e do Ceará e não os do Clube da Esquina. Minha resposta é que já tem muita gente trabalhando pelo Clube da Esquina. É preciso saber o que aconteceu e o que acontece, em termos de música, no território brasileiro como um todo.
ZONA SUL – O elepê acabou. O CD, que surgiu como uma mídia que iria durar muito tempo, parece que está acabando também, depois da chegada do MP3. Hoje se consegue baixar da Internet até mais do que é encontrado em lojas de discos. O que você acha de tudo isso e onde fica a questão dos direitos autorais nessa salada toda?
MAGNO – As pessoas, particularmente os artistas, têm que saber lidar com esse movimento. As tecnologias elas surgem, mudam os comportamentos e as atitudes. Do ponto de vista do mercado, talvez seja algo muito grave ou muito bom, na medida em que você desbanca uma estrutura que a princípio monopolizava determinadas posturas. Para o artista eu acho interessante, principalmente se ele encontrar uma maneira de solucionar as questões do direito autoral.
ZONA SUL – Bandas de rock da Europa e dos Estados Unidos estão disponibilizando seus trabalhos, através da Internet, para quem quiser copiar. No site também aparece o número de uma conta bancária para a pessoa depositar o valor referente ao preço que ela acha que vale aquele disco.
MAGNO – Exatamente. E faz sucesso. Estamos testemunhando uma mudança comportamental. Para mim, como público, essa facilidade é ótima. Isso me dá muito conforto. O mercado não é capaz, por exemplo, de bancar para que o público consuma determinado trabalho, no entanto, através da Internet, o público diluído desse artista ainda não consagrado vai se encontrar. Falamos de Babal, por exemplo, agora há pouco. Eu não conhecia todos os discos dele, mas já encontrei alguns na Internet. Para mim, é muito bom. Para o pesquisador, isso é ótimo. Agora, é lógico que tem uma questão de direito autoral que precisa ser equacionada. De qualquer forma, há uma contradição muito grande na medida em que as empresas criam os equipamentos que permitem a reprodução indefinida dos discos e, ao mesmo tempo, querem restringir essas cópias.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

ENTREVISTA: SEBASTIÃO VICENTE

O PROFISSIONAL DAS PALAVRAS


Sebastião Vicente trabalhou nos principais veículos de comunicação de Natal. Também teve uma passagem pelo ramo da publicidade. Em Brasília atuou em jornal e televisão. Depois de enveredar pelos textos para teatro, atualmente Tião está na TV Câmara, onde, provavelmente, vai aquietar um pouco. Ou não? Difícil prever. Porém, em sua vida de inquietações e busca por desafios, uma coisa é certa: ele continuará se valendo das palavras para tocar sua vida em frente. (Roberto Homem)



ZONA SUL – Como é mesmo seu nome completo?
TIÃO – Sebastião Vicente dos Santos. Nasci em Caicó, mas só nasci...

ZONA SUL – Como assim?
TIÃO – Quando eu estava para nascer, minha mãe foi de Parelhas para lá. Um tio meu, que era militar, morava lá. Minha mãe precisava fazer uma cesária e optou por Caicó. Nasci e voltei para casa.

ZONA SUL – Do que você recorda da época em que morou em Parelhas?
TIÃO – Foi um período completamente diferente da infância que os meus meninos têm hoje, por exemplo. Não há comparação. A realidade deles é muito diferente da que eu tive. Meu pai era feirante; minha mãe, dona de casa. Morávamos na periferia da cidade, em uma rua que não tinha calçamento. Até hoje não tem. Não tinha televisão em casa, nem bicicleta. Demorou anos para ter televisão em minha casa. No mundo de hoje, tudo está à mão, está fácil. Pelo menos para a gente. Em compensação, a gente aproveitava muito mais o que tinha. Parece que as coisas duravam mais. Como diz uma música da qual não lembro o autor: “vivíamos anos intermináveis”.


ZONA SUL – Os interesses e as brincadeiras das crianças naquela época também eram outros... TIÃO – É verdade. Mesmo quando chegou televisão, nós tínhamos outras brincadeiras. Era outro mundo. Não dá para comparar.

ZONA SUL – Como foi sua primeira saída de casa, aos 15 anos, para estudar em Jundiaí?
TIÃO – Jundiaí era quase um regulamento, um estatuto, uma coisa prevista. Todo ano um monte de gente, ao terminar o primeiro grau, participava do processo seletivo para a escola de lá. Era quase um vestibular. Ou você ia para Jundiaí ou fazia um segundo grau não muito bom em Parelhas mesmo. O ensino da Escola Agrícola era melhor que o das outras escolas públicas. Havia uma história de que o aluno saía empregado da escola, mas era lenda. Era uma escola técnica, mas, na verdade, a maioria ia para lá em busca de um segundo grau melhor para fazer vestibular. O interior do estado inteiro mandava aluno.


ZONA SUL – Por que você escolheu Recife para prestar vestibular?
TIÃO – Apesar de ter parentes em Natal, eu não tinha muito contato com eles. Optei por Recife porque um amigo de Parelhas tinha mudado pra lá cinco anos antes. Eu já tinha ido passar férias por lá. Mas, na verdade, eu não tinha muita expectativa de passar. Passei para o curso de jornalismo, na Universidade Católica.

ZONA SUL – Por que jornalismo?
TIÃO – Pelo motivo mais óbvio: eu gostava de ler livros, revistas e de escrever. Jornalismo era o que mais combinava com isso.


ZONA SUL – Recife foi sua primeira experiência em cidade grande?
TIÃO – Foi. Eu passei no vestibular e fui cursar. Mas tinha um problema: a universidade era particular e a mensalidade era cara. Custava 70 e alguma coisa, não lembro qual moeda era. Mas 70 era muito caro. Fui morar em uma pensão. Junto com esses 70, tinha que pagar mais 30 da pensão. E meu pai não tinha dinheiro para isso. Depois descobri que meu pai pedia dinheiro emprestado ao prefeito. Com 18 anos, eu não tinha muito controle dessas coisas. Quando percebi que, pelo lado financeiro, era inviável eu continuar estudando em Recife, tranquei a matrícula. Estudei um ano e fui tentar transferência para Natal. Por sorte, consegui. Quando tranquei a matrícula, ainda sem ter a certeza de que conseguiria a transferência para Natal, vivi um período de insegurança. De dezembro a fevereiro, fiquei naquela dúvida. Se não saísse a transferência, eu teria que fazer um novo vestibular em Natal, pois já estava com a cabeça completamente contaminada pelas idéias da universidade.

ZONA SUL – Você tentou a UFRN por lá não se cobrar mensalidade?
TIÃO – E também por que lá tinha a Residência Universitária! De uma só vez acabaram as despesas com faculdade e hospedagem. E ainda ganhei uma bolsa, porque eu ocupava uma das diretorias da Residência. A bolsa era de 70 e alguma coisa. Não era tanto quanto os 70 e alguma coisa do ano anterior, já que naquela época a inflação era alta. Mas me deu tranqüilidade. Livrei-me daquele peso de saber que estava provocando uma despesa que meu pai não tinha dinheiro para arcar. Então, pude estudar. Com a transferência, fiquei desnivelado. Tinha aula junto com turmas do primeiro e do terceiro nível.


ZONA SUL – Como foi morar em residência universitária?
TIÃO - A Residência era ótima, a experiência foi fabulosa. Se continuar a mesma coisa, recomendo. Foi relativamente fácil conseguir. Convivi com pessoas de vários cursos diferentes. Morei no célebre apartamento 11, da Residência 1, do Campus. Tinha aluno de medicina, cooperativismo, farmácia... A cultura era de estudar muito. Quem estudava menos era eu, já que fazia jornalismo. No jornalismo o estudo é de outra maneira. Não precisa ficar dia e noite naqueles livros. O estudo da gente é diferente.

ZONA SUL – Onde foi seu primeiro emprego?
TIÃO – Surgiu em decorrência de uma experiência em Caicó. Resolvido o problema da mensalidade e da estrutura, comecei a sentir vontade de trabalhar. Queria praticar o jornalismo. A preocupação não era ganhar dinheiro, mas atuar na área. Em determinado período de férias, resolvi, em vez de passar um mês em Parelhas, ir para Caicó, onde eu tinha um tio. Fui até a emissora de rádio Voz do Seridó, AM, e perguntei se me aceitavam por um mês, ajudando no setor de jornalismo. Fui na cara e na coragem. Eles aceitaram. Nem ficaram surpresos. Devem ter achado que eu era um maluco que não ia contribuir para nada, mas que também não ia atrapalhar em nada. Fiquei um mês escrevendo notícias. Nada muito sensacional. No reinício das aulas, na minha turma da noite tinha Rosemilton Silva. Ele era gente boa e olheiro. Um dia precisou de alguém na Rádio Tropical e me chamou. Essa mini-experiência na Voz do Seridó, que era da mesma rede da Tropical, ajudou bastante. Fiquei um tempo na emissora, talvez uns quatro meses. No dia em que Jânio Vidal foi me contratar, mudei para o jornal Dois Pontos. Roberto Guedes precisava de alguém. Novamente Rosemilton lembrou de mim e sugeriu. Fiquei fazendo frila no Dois Pontos um tempão.

ZONA SUL – Como foi no Dois Pontos?
TIÃO – Foi ótimo porque virou uma fonte de renda. Embora trabalhasse em regime de free lancer, eu recebia toda sexta-feira, de acordo com o que tinha produzido. Foi quando comecei a me sustentar. Não precisei mais do dinheiro do meu pai para ir para Parelhas. Comecei comprar uns livrinhos aqui e acolá. Meu primeiro chefão foi Roberto Guedes. Ele era ultra-exigente. Depois peguei uma série de ultra-exigentes ao longo da vida. Mas foi bom pegar logo Roberto Guedes, para não ficar me achando o máximo. Ele derrubava a gente.


ZONA SUL – No Dois Pontos você permaneceu mais tempo do que nos trabalhos anteriores?
TIÃO – Não lembro exatamente, sou muito ruim para memorizar tempo. Mas devo ter passado entre seis meses a um ano. Fiquei até cursar TPDJ (Técnicas de Produção e Difusão Jornalística) na UFRN. Albimar Furtado era o professor. A gente escrevia as matérias que ele pautava. Depois de ver meus textos, ele me levou para a Tribuna do Norte. Na época o estágio era muito policiado, mas acontecia e tinha que acontecer porque os estudantes tinham que praticar em algum lugar. Eu tinha certo sentimento de culpa, mas ao mesmo tempo adorava aquele lugar, aquele trabalho. No começo eu ganhava como estagiário, depois, a Tribuna me contratou como operador de telex. Era a forma que existia de a gente trabalhar.

ZONA SUL – Você começou na Tribuna na editoria de cidades?
TIÃO – Sim, como todo mundo começava. O pauteiro era Roberto Machado. Ele era ótimo, sempre foi. Eu trabalhava muito com Emanuel Barreto, que editava o caderno de fim-de-semana. Ele inventava umas maluquices que eu adorava fazer, pois saía daquela coisa quadradinha do noticiário diário. De operador de telex até virar jornalista demorou um bocado. Quanto mais eu tomava gosto pelo trabalho, mais começava a perder interesse pela universidade. Comecei a abandonar disciplina pelo meio. Demorei muito a terminar o curso, enquanto estive na Tribuna. Só fui terminar o curso quando saí de lá e, ainda como estudante, fui para o Diário de Natal. Era um jornal mais organizadinho e, por isso, mais sem graça. Era bom porque era cômodo. Margareth Rose controlava cada coisa. Um dia ela me perguntou se eu não estava escrevendo rápido demais, estava preocupada. Mal sabia ela que eu escrevia na rua, enquanto esperava o carro do jornal ir me buscar. Eu voltava para a redação com a matéria toda escrita em um bloquinho, à mão. Como bom datilógrafo, eu passava rapidinho o texto para as laudas e corria para a Universidade. Por isso terminei o curso.


ZONA SUL – Do Diário você voltou para a Tribuna?
TIÃO – Não, fui para a Faz Propaganda, de Ricardo Rosado e Solino, também como estudante. Terminei a Universidade nessa transição. Trabalhei um ano por lá. Eu não gostava muito porque fui ficando quadrado. A Tribuna era uma bagunça, mas a gente adorava, dormia lá, passava dia e noite, não tinha horário. Era pura paixão. O Diário era mais quadrado, mais certinho, dava para você organizar sua vida. Na Faz era um pouco do que eu chamaria de serviço público, por ter aqueles dois expedientes: 8 ao meio-dia, e das 2 às 6. Só passava do horário quando tinha algo muito especial, como a necessidade de concluir alguma campanha. Esse tempo foi bom para treinar o que a gente chama de apropriação das palavras: a palavra certa no lugar certinho. Solino era muito rigoroso com isso. Eu escrevia um texto um milhão de vezes até Solino achar que estava OK. Eu não tinha muito prazer, pois não havia imediatismo. A gente fazia uma campanha, o cliente aprovava e levava meses para aquilo virar realidade, quando virava. Mas eu aprendi ali, foi um outro tipo de aprendizado. Até chegar na TV Cabugi, tudo foi aprendizado.

ZONA SUL – Então, a TV Cabugi foi seu próximo passo...
TIÃO – Sim. Fiquei um ano na pauta da TV Cabugi. Era um trabalho muito ruim de fazer. Adriano de Souza e Carlos de Souza trabalhavam na Cabugi. Não lembro qual dos dois me convidou. Havia uma espécie de estatuto nessa época: quem entrava tinha que ser pela pauta, para aprender o mais difícil. Não sei se é muito correto, porque a pauta com a experiência da edição é outra coisa. Você sabe o que rende e o que não. O fato é que ninguém gosta de fazer pauta todo dia. Eu trabalhei com Vilma Lúcia e Bernadete Lago. Eu era o chefe da pauta. Elas me ensinaram tudo, eu não sabia daquela coisa técnica. Convidaram-me para a pauta por causa da minha experiência de jornal, de pegar assuntos comuns e ver alguma coisa interessante naquilo. Chegou um dia que eu não agüentei mais.


ZONA SUL – Como você conseguiu deixar a pauta?
TIÃO - As afiliadas da Globo têm um programa chamado Globo Comunidade. Lá era chamado Cabugi Comunidade. Passava aos domingos, às 7 da manhã, e reunia assuntos comunitários. Era pouco visto, por isso ninguém tinha interesse em fazer. Era um programa novo ainda. Eu já tinha pedido para sair várias vezes, e Osair Vasconcelos nunca concordou. Quando ele tirou férias, Nina Rodrigues ficou em seu lugar. Falei para ela que não dava mais para continuar. Ela pediu para eu ficar fazendo o Cabugi Comunidade. Topei. Adriano editava o RNTV 1 e me pegou para ficar como editor-assistente, quase ao mesmo tempo. Foi dessa forma que consegui sair da pauta.

ZONA SUL – Valeu a pena trocar a pauta pela edição?
TIÃO - O Cabugi Comunidade foi ótimo porque eu podia fazer o que quisesse, já que ninguém via, ninguém policiava. Fiz as maiores maluquices. Inventei uns programas temáticos, que até então não se fazia. Uma vez peguei a repórter Anelly Medeiros e fomos a Carnaúba dos Dantas e a outro ponto de peregrinação que tinha surgido na região do Trairi, não lembro a cidade. Um sujeito tinha feito uma estátua grande do Padre Cícero e tinha colocado em cima de um morro. Juntei esse material com cenas de peregrinação de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Parece maluquice, mas não é. Apenas saí do padrão. No morro do Trairi tinha figuras interessantíssimas. Em Carnaúba também tinha. Gravamos a história de um zelador do Monte do Galo contando as histórias que tinham acontecido lá. Eu editava o programa como um Globinho Repórter, com música e outros recursos que até então tinham pudor de usar. Ao mesmo tempo fiquei trabalhando como editor-assistente do RN TV. Fui aprendendo um pouco mais de televisão com Adriano, que fechava o jornal, e com as pessoas que já estavam lá também: Ana Luíza, a própria Nina e tal. A TV Cabugi serviu para minha profissionalização nesse sentido e também no de noticiário pesado.


ZONA SUL – Da TV Cabugi você voltou para a Tribuna ou acumulou os dois empregos?
TIÃO – Chegou outra fase da minha que eu precisei de dinheiro. Quis comprar um apartamento. Acumulei, fui pedir emprego a Osair Vasconcelos. Tinha vaga de editor de polícia. Todo mundo me olhava atravessado, mas eu fui. Éramos eu e Washington Rodrigues. Eu era o editor e ele era o único repórter. Foi ótimo trabalhar com ele. A gente tinha três páginas, era coisa de outro mundo. Às vezes não tinha assunto para encher esse espaço todo. Eu trabalhava de manhã na TV e à tarde no jornal. Até eu vir para Brasília.

ZONA SUL – Como se deu sua vinda para Brasília?
TIÃO – Eu já tinha cinco anos na TV Cabugi, era muita coisa. O máximo que eu tinha trabalhado em algum lugar, até então, tinha sido na minha primeira passagem pela Tribuna, quando fiquei três anos. Já estava cansado e achando que precisava dar uma chacoalhada. Pouquinho antes de eu sair da TV teve uma campanha eleitoral, tipo de trabalho que eu nunca tinha feito. Fui com Antonio Melo, que levou um monte de gente de Natal para Teresina. Fomos fazer a campanha de Átila Lira, candidato ao governo do Estado. Ele perdeu para Mão Santa. Fiz só o primeiro turno. Campanha eleitoral não é tão ruim não, mas eu sou muito caseiro, tenho dificuldade de ficar tanto tempo fora de casa. É aquele regime de quartel: da produtora para o hotel. O trabalho, em si, até é interessante. Eu e Adriano éramos redatores. Fui na frente, precisaram de um outro redator e sugeri Adriano. Ele estava em Brasília. Nossa equipe fazia peças para televisão. Eu fazia discursos. A profissão, para mim, é escrever. Vivi minha vida toda disso. Meu sustento vem disso, de escrever. Por isso escrever, para mim, não é muito agradável. É muito trabalho. O primeiro turno da campanha durou três meses. Esse período foi decisivo porque saí da rotina da TV Cabugi. Ao final, voltei a trabalhar normalmente, mas aquilo começou a parecer meio monótono. Eu queria me sentir desafiado de novo. Lembrei de Adriano, que já tinha voltado para Brasília. Ele precisava de um editor.


ZONA SUL – Você foi trabalhar como editor em qual veículo?
TIÃO - Na TV Bandeirantes, que estava para lançar uma edição do seu jornal - que já era veiculado à noite – à tarde. Vim como editor de texto. Mal sabia eu que a estrutura era menor do que a da TV Cabugi, na época. Na TV Cabugi, a gente trabalhava em computadores. Na Bandeirantes era máquina de escrever. Voltei um pouco no tempo. Fui trabalhar no Correio Brasiliense para complementar, porque eu também perdi dinheiro nessa mudança. No Correio, Antonio Melo era sub-editor de política. Nessa época ainda existia a função de redator, para pentear os textos dos repórteres. Além disso, eu também escrevia títulos e fazia legendas. Deixava as matérias do tamanho adequado para a página. Às vezes, a matéria era ótima, mas ela tinha 50 centímetros e precisava ficar com 40. Se você fosse um redator incompetente, cortava pelo pé. Se não, ia tirando ali e ajustava o texto cortando palavras do meio. Dessa forma não agredia tanto a informação do repórter. No Correio, fio para a editoria Brasil. Na Bandeirantes era tudo muito parecido, mas no Correio, aprendi muito, mas o trabalho era muito cansativo. Eu entrava às 5 e saía meia-noite. Na sexta-feira tinha os pescoções, quando a gente saía às 4 da manhã. Às vezes eu estava de plantão na Bandeirantes, no dia seguinte. Era massacrante. Fiquei pouco tempo. Seis meses só, nessa primeira vez. Saí do Correio e permaneci só na Bandeirantes. Aí apareceu uma campanha para prefeito de Sorocaba.

ZONA SUL – Então você arrumou as malas e foi novamente trabalhar em campanha política...
TIÃO – Sim. Eu estava sofrendo aquela síndrome de quem está há um ano e pouco em Brasília, de querer voltar desesperadamente para o lugar de onde veio. A Bandeirantes também tinha uma redação muito tensa. Eu queria sair da Bandeirantes porque aquela tensão toda me incomodava. Eu achava que não valia à pena, que não precisava daquilo. Achava que dava para fazer a mesma coisa sem aquela tensão toda. Era um estresse muito brasiliense. Na TV Câmara também tem esse estresse. Fico olhando de longe e achando engraçado, porque faço a mesma coisa sem precisar daquilo. Mas tem uma cultura, uma espécie de charme. Na época as chefias eram todas muito estressadas. De lá para cá, acho que mudou muito. As direções das empresas perceberam que determinado nível de estresse por parte da chefia é contraproducente.


ZONA SUL – Você conseguiu voltar para Natal?
TIÃO – O jeito que eu tinha para conseguir voltar era sair da Bandeirantes. Mas eu tinha que sobreviver. Ir com Antonio Melo fazer essa campanha para prefeito, em Sorocaba, foi a solução que encontrei para deixar a Bandeirantes. Eu já tinha saído do Correio. Minha intenção era, ao final da campanha, dar um jeito de voltar para Natal. Como sempre, acabou o primeiro turno e eu me desliguei da equipe. Só que minha mulher, Rejane Medeiros, estava trabalhando na produção da Record. Quando vim de Natal para Brasília, ela veio comigo e passou um tempão desempregada. Fez o sacrifício de vir, sem reclamar. Não dava para voltar para Natal assim. Então fui procurar emprego. Fiquei duas vezes desempregado na vida. Todas as duas foram muito dolorosas. Essa foi a primeira. Passei um mês desempregado, foi horrível. Mas a experiência é boa para você baixar a bola, perceber que essa profissão não tem glamour algum.

ZONA SUL – Você conseguiu primeiro um emprego ou voltar para Natal?
TIÃO - Estava sendo implantado o Canal Rural. Era o começo da TV a cabo, que hoje é uma coisa disseminada. A Globonews tinha acabado de entrar no ar. A TV Rural montou uma sucursal em Brasília, que, a princípio, tinha um projeto muito ambicioso. Patrícia Marins, que tinha sido repórter da Bandeirantes, estava trabalhando lá. Ela me indicou para uma vaga de editor. A diretora, Cíntia Sasse, era uma pessoa que nunca tinha feito televisão. Ela tinha dificuldade confessa, não escondia isso, de mexer com televisão. Quis se cercar de pessoas com experiência, eu fui. Só que fiquei uns três ou quatro meses. Descobri que implantar coisas não é minha praia. Não tenho muita paciência, sou imediatista. Gosto de fazer e ver no dia seguinte. Mas o Canal Rural tinha a proposta de fazer um jornalismo diferenciado, tinha preocupação com o próprio formato das matérias. Fizemos coisas que eu nunca tinha feito em lugar nenhum. Por ser TV a cabo, não tinha esse compromisso todo com audiência, naquele momento. O problema é que eram três jornais por dia, era muito pesado. A pauta era absurda e a estrutura era muito pequena para dar conta. Como é em todos os lugares, a nossa sina é trabalhar com estrutura pequena. Agüentei uns três meses. Eu tinha muita dor de cabeça, mas dor de cabeça mesmo, não estou falando metaforicamente. Chegava à noite em casa com uma dor de cabeça esquisita, que eu nunca tinha tido. Aquilo era estresse. Então saí. Na verdade, eu saí também porque tinha havido um corte de pessoal na Record e Rejane havia sido demitida. Com a grana da rescisão resolvemos tentar voltar para Natal.


ZONA SUL – Como foi retornar à cidade?
TIÃO - Ficamos quatro meses em Natal. Nesse período trabalhei novamente na Tribuna e Rejane no RN Econômico. Mas a diferença salarial era absurda e Natal já não era mais uma cidade barata como era antes. A gente tinha que investir um tempo para conseguir se fixar novamente em Natal. Acho que faltou esse tempo, não tínhamos essa disponibilidade. A queda salarial era muito grande, não dava para estruturar a vida da gente. Meu pai e minha mãe dependiam de mim. Rejane ajudava bastante a família dela. Por mais que a gente levasse uma vida com o mínimo de gastos, era muito incerto. No quarto mês, liguei para um amigo, Renato. Naquela época sempre se precisava de alguém em Brasília, hoje nem tanto. Tinha uma vaga para ser redator de novo no Correio. Rejane veio e foi trabalhar na TV Manchete, através de Patrícia Marins. O programa Frente a Frente precisava de um produtor. Ninguém queria a vaga, não sei por quê. A vaga era ótima, o trabalho era ótimo, o salário era bom e tudo. Rejane ficou até a Manchete fechar. Em um ano a gente recuperou finanças, perspectiva e a auto-estima, que estava lá embaixo.

ZONA SUL – Foi sua última tentativa de tentar se fixar em Natal?
TIÃO – Ainda voltei outra vez para Natal. Meu pai sofria de mal de Parkinson e começou a piorar, a ter esclerose. Não tenho irmãos. Minha mãe começou a se sentir em apuros, pois não tinha ninguém para ajudar. Pedi demissão do Correio e fui para Natal tentar um novo retorno. Rejane continuou trabalhando em Brasília. Emergencialmente fui ver o que era possível fazer para ajudar meu pai. A situação era crítica. Ele nunca tinha sido agressivo, mas a doença o estava deixando assim. Fiquei pouco tempo, menos de dois meses. Não consegui trabalho em lugar nenhum. Não tinha vaga ou as pessoas achavam que eu não ia ficar. Eu realmente queria ficar, pelo menos uns seis meses. Fiquei um tempo desempregado. Como meu pai não melhorava, eu tinha um problema familiar e um profissional. Eu nunca pude ficar desempregado muito tempo. Todo mês tenho que arrumar dinheiro para pagar as contas. Mas, quando a coisa estava ficando séria, desesperadora, e eu sem saber o que fazer, uma amiga chamada Cláudia Buono, que tinha trabalhado como produtora comigo na Bandeirantes, ligou para Rejane me procurando. Ela tinha virado diretora da sucursal em Brasília e estava atrás de um editor. A situação familiar eu resolvi: aluguei uma casa para meu pai em Parelhas, para minha mãe ficar com ele perto de pessoas conhecidas. Também contratei uma pessoa para ajudar a cuidar dele, para minha mãe ter alguém com quem contar. Eu precisava ganhar a vida e voltei para Brasília. Fiquei três anos na Bandeirantes. Organizei a vida de novo.


ZONA SUL – Nessa sua volta à Bandeirantes, você foi fazer o que?
TIÃO – Fui fazer a edição nacional. Era aquela coisa regrada: horário certinho, 6 horas por dia... Editava uma matéria por dia, duas era muito difícil. Eu não tinha muita satisfação, mas era uma maneira de ganhar o sustento. Nos horários vagos que eu tinha, que eram muitos, principalmente nos plantões, comecei a escrever para me distrair. Quando meu pai adoeceu, esse período de um mês e pouco que eu fiquei em Natal, fiz um texto de teatro depois de conversar muito com Titina, irmã de Rejane Na Bandeirantes, resolvi fazer para matar o tempo. A diferença é que na Bandeirantes tinha uma colega, que era editora, Márcia Reis, com experiência profissional em roteiro de cinema. Meio estimulado por ela, fui escrevendo. Ela conhecia todo o circuito de prêmios culturais e avisou de um concurso do Ministério da Cultura. Inscrevi e deu certo.

ZONA SUL – Como é o nome dessa primeira peça?
TIÃO – Valsa na varanda. Fiquei em terceiro lugar. No ano seguinte, resolvi tentar de novo participar do mesmo concurso, para ver se o resultado confirmava. Escrevi outro texto, mas já mais preocupado com aquilo. Escrever uma coisa em casa ou no trabalho, nas horas vagas, achando que ninguém vai ler aquilo, é uma coisa. Mas depois que você inscreve em um concurso, mesmo sem esperar nada, e é selecionado, muda completamente. O que você escreveu achando que ninguém ia ficar de olho, vai ser exposto para um monte de gente daquela maneira bruta que você escreveu. Houve leituras dramáticas em Brasília, São Paulo e no Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro eu fui. Arlete Sales leu interpretando um dos personagens era ela. Se eu tivesse noção de que aquilo ia ser classificado, eu teria reescrito 500 vezes.


ZONA SUL - E a segunda peça?
TIÃO - No segundo concurso, tentei caprichar um pouco mais. Ganhei novamente o terceiro lugar, dessa vez com A exclusão. Em Natal adaptaram, fizeram no Praia Shopping. Era exclusão nos dois sentidos. Exclusão social mesmo e os personagens literalmente se excluíam uns aos outros, iam se matando. De dez personagens, no final restavam dois. Havia um extermínio mútuo. O terceiro texto escrevi para um concurso em Natal. Só tinha um prêmio. Resolvi participar. Era da Prefeitura. Fiz o texto todo em verso. Fiquei tão obcecado com aquilo que comecei a raciocinar em verso. Era uma espécie de auto de Natal. Mas meu amigo que levou para inscrever, Carlos Magno, perdeu o prazo por um dia. Ele ficou todo preocupado, mas eu não liguei não.

ZONA SUL – Esse texto continua inédito?
TIÃO – Não. No ano seguinte inscrevi em uma nova edição do concurso do Ministério. Além de já estar com o texto pronto, o prêmio era em dinheiro, me ajudava. Cada prêmio desse tem uma parte em dinheiro que me ajuda muito. Ajuda a comprar um carro ou pagar o sinal de um apartamento que eu comprei com o maior sacrifício. Eu estava precisando de dinheiro, tinha o texto pronto e mandei. Foi quando ganhei o primeiro lugar. Mas aí já era diferente. Já foi no governo Lula. O prêmio era o mesmo, mas era distribuído um por região. Ganhei pelo Centro-Oeste, na categoria infanto-juvenil e o dinheiro era ótimo, me ajudou bastante.


ZONA SUL – Você também é blogueiro...
TIÃO – Tive dois blogs. O primeiro eu criei na Bandeirantes, também nos plantões de sábado. Ele foi retirado do ar porque eu demorei a atualizar. Durou pouco e era ainda bem rudimentar. Nessa época fiquei sem computador em casa, por isso o primeiro blog não foi para frente. Era o Poticandango. Agora, já na TV Câmara, fui testar pra ver se conseguia fazer blog de novo. Fiz o Sopão do Tião. Pedi a Márcia Reis - que além de mexer com roteiro de cinema e com televisão, também mexe com design de computador - para ela refazer o template. Ficou com uma cara melhor, mas é um blog de brincadeira, de amigo, de família. Não tem nada de profissional, não é um blog de notícias. Às vezes fico 15 dias sem atualizar, por falta de disponibilidade de tempo, mental ou de espírito. Depois aparecem 50 páginas de uma vez.

ZONA SUL – Você já está há quanto tempo na TV Câmara?
TIÃO – Completo três anos agora em novembro, é o fim do estágio probatório. A Câmara não é o que eu pensava que seria. Em tese ela é uma TV institucional. Mas às vezes funciona como TV pública, legitimada pela proposta da direção de lá. Não tem nada legal estabelecido. Às vezes essa proposta de fazer uma TV pública se choca com a realidade legal de ser uma TV institucional. Mas a direção é muito hábil e consegue politicamente fugir dessa ambigüidade e até manter um pouco de TV pública no formato que eles pensam que seja TV pública. Na verdade, nem existe esse formato consagrado, está todo mundo procurando fazer. Também percebo muito uma necessidade grande de copiar o modelo consagrado da TV aberta. Vejo certo complexo de inferioridade, com relação à TV convencional aberta. Boa parte dos colegas, especialmente os que não tiveram um exercício profissional nessas redações convencionais, tem um desejo muito grande de fazer igual, de não ficar abaixo da TV aberta, de competir de igual para igual, de seguir aquele modelo. Eu acho que a TV Câmara é uma excelente oportunidade para não seguir esse modelo, para buscar outros formatos. Eu faço lá, às vezes, a mesma coisa que eu fazia na TV Bandeirantes. E isso me incomoda. A TV Bandeirantes não enxergava o Legislativo como acho que deva ser enxergado. Às vezes, na TV Câmara, se brincar, a gente cai nessa mesma esparrela. E a TV Câmara duplamente não devia ser isso, pois além do mais ela tem o lado institucional dela. Mas esse é um pensamento meu, não posso impor isso às pessoas. Elas sabem, eu já disse à direção de lá quando me perguntaram. Várias pessoas pensam assim, mas o pensamento hegemônico de quem tem a direção na mão é diferente do meu.


ZONA SUL – E você está planejando, anda escrevendo alguma coisa nova?
TIÃO – Não, estou preocupado com os meninos. Desde que eles nasceram eu não consigo fazer mais nada. Tenho que esperar eles crescerem.

ZONA SUL – Deixe uma mensagem final.
TIÃO – Vou falar uma coisa para quem estuda jornalismo. Acho que os estudantes de jornalismo precisavam recuperar um pouco do que foi a nossa época. Precisam ver o jornalismo não como uma profissão de mercado, de tratar a informação como produto. Isso é muito pouco. Eles precisam ter uma consciência de país, parar de ter vergonha do Brasil, do estado ou da cidade. Precisam enxergar as potencialidades que temos, ter uma postura mais construtiva. É muito fácil ser crítico e cínico, é quase moda hoje. Precisam fugir um pouco disso, nadar contra a corrente. Enxergar o país, enxergar a realidade que existe, conhecer a realidade, circular, andar, visitar, ver o diferente para ter uma formação que não seja só a que predomina hoje em dia.

domingo, 14 de outubro de 2007

Entrevista: JOÃO SALINAS

AS AVENTURAS DE JOÃO SALINAS



O jornalista Carlos Roberto Pereira e sua esposa Joelma foram os anfitriões. O advogado Ronaldo Siqueira, meu irmão, o compositor Wlad Carvalho e Tico da Costa, artista irmão do entrevistado, me ajudaram com as perguntas. Óbvio que Carlos Roberto também contribuiu para dissecar a vida da vítima do mês: o músico, compositor, cantor e, acima de tudo, americano, João Salinas. A conversa fluiu enquanto o churrasco funcionava como parede para doses de cachaça, whisky e cerveja. O leitor do Zona Sul acompanha o resultado da conversa a partir de agora. Pena que a tecnologia ainda não inventou um jornal com áudio, para que não apenas as palavras, mas também as gargalhadas, pudessem ser ouvidas durante a leitura... (Roberto Homem)



ZONA SUL – Seu nome é mesmo João Salinas?
JOÃO – Não. Escolhi esse nome quando ainda estava noivo com Cecília Galvão, que hoje é minha esposa. Meu nome artístico foi Joãozinho da Costa até que um dia, lá do Paraguai, meu irmão Tico da Costa descobriu um artista com esse mesmo nome. Tico sugeriu que eu mudasse, já que havia esse percussionista. Fiquei com Cecília bolando um nome. Bolamos várias opções.

ZONA SUL – Por exemplo...
JOÃO – João Viola... (risos). João América foi outro. Desse eu gostei, devido ao América Futebol Clube.

ZONA SUL – Correria o risco de abecedista não comprar o seu CD...
JOÃO – Pois é. Mas, então veio a lembrança de Areia Branca, das salinas. Eu perguntei a Cecília o que ela achava de João Salinas. Imediatamente ela disse: "é esse aí". Comecei a escrever em uma folha de papel o nome João Salinas, pra ver como ficava a estética da letra, visualmente. E gostei. Depois, perguntei a Tico, que também aprovou na hora. Meus irmãos também gostaram. Então, vingou mesmo.

ZONA SUL – Qual o nome que consta na sua certidão de nascimento?
JOÃO – João Maria da Costa. Fui o único dos 16 filhos que meus pais tiveram que nasceu em Natal. Fui gerado em Areia Branca, mas nasci em Natal. Aliás, sou o único que não sou matuto (risos). Vocês desculpem as brincadeiras, é que essa é a minha primeira entrevista e eu ainda não tenho muita habilidade e tal.

ZONA SUL – Não se preocupe, essa também é a nossa primeira entrevista... Pelo menos é a primeira com você. Qual sua idade?
JOÃO – Estou com 39 anos. Nasci em 1968, mas eu gostaria de ter nascido em 1940. Queria ter vivido a época de compositores como Pixinguinha e o início da carreira de Tom Jobim. Minha grande frustração foi não ter conhecido Tom, pessoalmente. Manoca Barreto, dono da escola de música Toque, onde ensinei violão, fala pra todo mundo que uma das músicas mais bonitas que eu fiz foi em homenagem a Tom Jobim. No dia em que ele morreu, eu compus "Um Tom".

ZONA SUL – Certamente, pelo fato de ter nascido na capital, você teve uma infância diferente da dos seus irmãos. Em que bairro você viveu seus primeiros anos em Natal?
JOÃO – Nasci na Policlínica. Morei no Alecrim até um ano de idade e de lá fui para Potilândia. Lá me criei, na casa onde mora minha mãe até hoje. Eu jogava bola o dia todinho. Eu fiz o primário na Escola Estadual Café Filho, que fica dentro do 7º Batalhão de Engenharia. Quando chegava da escola, jogava minha roupa por cima do muro e corria pra jogar bola. O muro era baixinho. Eu ia para a aula com um calção por baixo da farda. Na volta, nem entrava em casa. Tirava a calça e arremessava por cima do muro. Jogava futebol até meia-noite, direto.

ZONA SUL – Você pensou em jogar futebol profissionalmente?
JOÃO – Pensei. Joguei muito perto do Morro do Careca, em Ponta Negra. Um dia fui visto por um olheiro do Náutico. O cara me chamou para jogar no time Timbu, em Recife. Disse que eu jogava bem e me ofereceu a chance de fazer um teste no Náutico. Como ainda estava na escola, não pude ir. Também pesou o fato de eu estar estudando violão clássico na Escola de Música, com Eugênio Lima. Preferi abrir mão dessa possível carreira de jogador de futebol.

ZONA SUL – Como a música passou a competir com o futebol, na sua vida?
JOÃO – Antes mesmo de começar a tocar violão, eu já escutava muita música, através de Paula Neto, outro irmão. Na época ele comprou uma radiola daquelas bem pequenininhas, que tem o alto-falante na tampa. Por influência dele, ouvi muito Novos Baianos, Mutantes... Mesmo sem tocar violão ainda, eu já curtia. Paula Neto sempre me abasteceu com músicas boas. O disco de Tico, de 1976, “Samba e poesia” também me fez tomar gosto pela música e criar vontade de aprender a tocar violão. Minha maior alegria foi quando aprendi a fazer uma pestana. Até então eu só fazia acordes simples, sem pestana. Quando acertei uma pestana, fiz minha primeira música. Eu tinha nove anos de idade.

ZONA SUL – Essa primeira música foi inspirada em que?
JOÃO – Eu me inspirei em uma ventania batendo em uma casa bem velha. (risos) A música chamava-se "Construção". Em 1977, quando Tico veio de Roma, eu mostrei pra ele esse samba. Ele gostou e disse que eu tinha que tocá-la no teatro. Toquei, nesse mesmo ano, no Teatro Alberto Maranhão. Com nove anos eu estreei com uma participação em um show que Tico fez. Além de “Construção”, toquei também “Asa Branca”, no cavaquinho.

ZONA SUL – Você começou a estudar violão com qual idade?
JOÃO – Depois dessa apresentação, eu comecei a desenvolver, intuitivamente e por conta própria, a parte harmônica. Aos 11 anos compus uma música usando uns acordes que eu nem conhecia, mas achava bonito. "Vejo todo dia, pela praia, vento a vento / Com a brisa o sol nascendo". Naquela época eu tinha uma voz bemfininha... (João Salinas canta imitando a voz fininha da época, enquanto os entrevistadores riem). Eu achava esses acordes legais, mas não sabia os seus nomes. Comecei a me interessar pela harmonia. Aos 13 anos, quando eu estudava no Augusto Severo, uma escola estadual, me apaixonei pela professora de português. O nome dela era Iaçonara. Foi uma paixão longe, aquela coisa de adolescente. Certo dia fiz uma música para ela: "Iara do Mar". Não tive coragem de mostrar. Levei até o violão para o colégio, os colegas fizeram aquele coro - "mostra, mostra" – mas eu, com uma vergonhadanada, não mostrei a ela. Toquei para os meus amigos. Era assim: "Seria como quem olhasse a sorte / Foi bom te conhecer / A poesia se fez com a canção / Fazendo clarear / A tua imagem / Imagem bonita / Num passe de mágica / Eu vejo você / Garota dos cabelos loiros / Que a natureza fez / Eu vou te procurar no mar / Em dias de verão /Iaçonara, iara do mar". A música tinha até um arranjo vocal. Depois de alguns anos, mostrei essa música a Manoca. Ele tinha sido aluno de Iaçonara na ETFRN. Manoca disse que eu precisava mostrar a ela. Isso uns 10 ou 15 anos depois. Ele disse que ia ligar para ela. Pouco tempo depois, eu estava em casa com o violão, eIaçonara telefonou. Perguntei quem era, ela respondeu: "Iaçonara, a sua musa". Ela soube da composição ainda na época do Augusto Severo, mas não conhecia a música. Nesse dia, toquei a música pelo telefone. Ela chorou, de emoção.

ZONA SUL – Pelo que entendi, você aprendeu a tocar sozinho. Depois, quando quis aperfeiçoar seus conhecimentos, entrou em uma escola. Foi assim mesmo?
JOÃO – Não. Antes de entrar na escola de música eu já tocava bem e já tinha umas 30 composições. Foi através de Tico, em uma de suas vindas da Europa para passar férias em Natal, que fui apresentado a Eugênio Lima. Ele tinha me visto tocando e falou que eu tinha que estudar violão clássico. Entrei na Escola de Música. Mas as aulas com Eugênio, na Escola de Música, eram meio diferentes. Muitas vezes, antes de começar uma aula, eu comentava: "Eugênio, fiz uma música tão bonita ontem..." Essa era a senha. A partir daí eu começava a tocar minhas músicas e Eugênio terminava nem dando aula de violão clássico. Ficava só ouvindo. A aula era todinha eu tocando MPB.Na época havia uma determinação proibindo esse tipo de música. Até para tocar MPB no corredor, tinha que ser bem baixinho. Por fim, Eugênio mandou eu seguir a carreira de popular. Mas ainda aprendi uns clássicos. Passei dois anos com Eugênio. Até me apresentei em recital. Estudei o método de Henrique Pinto, todinho. Com isso eu ganhei na parte técnica. Aprendi a usar o indicador, o médio e a não solar só com um dedo. Também estudei flauta transversal, com a irmã de Eugênio, a Regina Lima.

ZONA SUL – Você hoje também domina a flauta?
JOÃO – Não. Abandonei. Atualmente meu instrumento é mesmo o violão.

ZONA SUL – O que você foi fazer quando saiu da Escola de Música?
JOÃO – Fui dar aula na escola Toque, quando Manoca Barreto a abriu. Nessa época músicos como Jubileu, Júnior Primata e Joca Costa, entre outros, passaram a conhecer a minha música. Manoca mostrava a eles e todos gostavam e me apoiavam. Diziam que eu tinha que fazer um show. Agradeço muito a Manoca, por ele ter me dado a mão, me aberto portas. Foi Manoca, por exemplo, quem me inscreveu no Projeto Seis e Meia. Na época a seleção era feita através de concurso. Zé Dias organizava. No primeiro ano que participei, tirei o segundo lugar. Wigder foi o primeiro. Foi depois desse primeiro Seis e Meia que passei a ser conhecido.

ZONA SUL – Esse Seis e Meia foi seu primeiro show?
JOÃO – Não. Além daquela participação especial, em 1977, no show de Tico no Teatro Alberto Maranhão, eu tinha me apresentado em 1992 no Bar do Buraco, também com Tico. O Seis e Meia foi em 1997. Até então eu tocava só para amigos. Nessa época eu já tinha mais de 100 músicas.

ZONA SUL – Você ficou nervoso nessa sua primeira apresentação no Bar do Buraco?
JOÃO – Rapaz, eu até vomitei antes! Tinha tomado umas cervejas e vomitei que só. Fiz o show pálido. Não sei se foi uma comida ou se foi a bebida mesmo. Vomitei demais, um dia antes. Toquei o show sem beber nada. Chega a boca secou. (risos)

ZONA SUL – Como é o seu processo de criação? Mudou alguma coisa do início pra cá?
JOÃO – Continua o mesmo. Por exemplo, eu adoro compor com barulho. Já fiz muita música dentro de ônibus. Uma delas, “Natal em mim” - que foi gravada em um disco lançado por Zé Dias, com arranjos de Joca Costa - eu compus em um sábado, dentro do ônibus. Peguei o ônibus no Alecrim. Todo aquele pessoal da feira estava dentro do ônibus, fazendo um barulho danado. Ao contrário de muitos compositores, gosto de barulho para compor. Quanto mais gente e mais barulho, mais eu me inspiro.

ZONA SUL – Há alguma explicação para isso? Você se inspira na conversa que as pessoas vão travando?
JOÃO – Não, eu não capto nada não. O barulho, em si, é que me inspira. Eu entro em outro processo.

ZONA SUL – Nunca pensou em comprar uma britadeira para lhe auxiliar nesse processo de criação? (risos) Até o primeiro show você já pensava em seguir carreira na música? Quando você tomou essa decisão?
JOÃO – Tomei essa decisão quando fiz meu primeiro Projeto Seis e Meia. Nessa ocasião eu abri o show de Joyce. A princípio eu pensava em ser jogador de futebol. O problema é que quando recebi o convite para fazer o teste no Náutico, estava terminando o segundo grau, já estava na Escola de Música e visualizava uma carreira de músico. Assim desisti dos gramados. Em 1997 sacramentei a decisão de seguir a carreira de compositor.

ZONA SUL – Você disse que após o Seis e Meia tornou-se conhecido...
JOÃO – Aconteceu um lance engraçado nesse Seis e Meia. Quando acabou o show fui para o camarim, me preparar para ir embora. Eu lá dentro e a platéia, que não me conhecia, começou a pedir bis. Lembro que Zé Dias foi lá e saiu me empurrando de volta para o palco: “hômi, tão pedindo bis, vai!”. Fui. Entrei no palco meio alvoroçado. Eu pensava que era pra tocar as músicas tudinho de novo. Eu pensei, “tô lascado”. Já estava com a boca seca e doido pra fazer xixi. Fiquei tão nervoso, antes do show, que tomei muita água. A vontade era grande de fazer xixi. Fiquei me perguntando, inocente: “será que é o show de novo, todinho?”. (risos)

ZONA SUL – Você chegou a ter contato com Joyce?
JOÃO – Bati um papo rápido. Não deu para mostrar nada, nem trocar contato. Depois abri shows, no Seis e Meia, para Paulinho Moska. Com ele também mantive apenas um contato muito rápido. Esse foi em 1998. Um ano depois.

ZONA SUL – Voltando a pergunta que eu estava fazendo. Você disse que após o Seis e Meia tornou-se conhecido em Natal. O que significa isso? As oportunidades aumentaram?
JOÃO – Eu me referi à repercussão, depois do show, na Escola de Música e na Fundação José Augusto. Também pintou oportunidade para fazer algumas apresentações, como em Nalva Melo, que era uma cabeleireira que tinha um espaço lá na Ribeira. Também apareceram muitos parceiros, como Babal, Cleudo Freire e Sérgio Farias...

ZONA SUL – Nessa época você já dava aulas de violão?
JOÃO – Comecei a ensinar violão com 16 anos. O processo era mais intuitivo. Eu passava o básico, a harmonia... O simples mesmo. Fui dar aula de violão pela própria necessidade. Não havia emprego. Eu precisava ter um dinheirinho extra. Comecei a divulgar. A história começou a espalhar. Os alunos gostavam da minha metodologia. Eu me moldo de acordo com a necessidade do aluno. Aconteceu cada episódio bom...

ZONA SUL – Então conte alguns...
JOÃO – Tudo bem, mas, antes, eu queria fazer xixi...
(pausa para João Salinas ir ao banheiro)

ZONA SUL – Antes desse pit stop, você estava começando a falar sobre alguns “causos” que aconteceram em suas aulas de violão...
JOÃO – É, rapaz. Alguns dos meus alunos não tinham a mínima vocação. Por exemplo: tinha uma aluna a quem eu dava aula uma hora da tarde. Depois do almoço, com aquele sono danado. Ela passou um mês repetindo a mesma música: “Aquarela”, de Toquinho. Um dia, a aluna abriu a janela do apartamento, era o nono andar do prédio. Veio aquele vento, bateu um sono... Tentei segurar, enquanto ela, com a cabeça baixa, repetia a mesma música. Eram duas horas de aula. Teve um momento que eu desabei. Dormi mesmo. Quando eu menos esperava, ela bateu no meu pescoço: “João, tá dormindo?”. O toque dela bateu como uma machadada. Abri os olhos vermelhos de sono e respondi: “não, estou apenas concentrado, ouvindo você tocar”. (risos). Mas o fundamental nessa relação aluno-professor, para mim, é o lado afetivo. É a troca de sentimentos. Ali está uma pessoa querendo aprender. Na realidade, dou aulas de violão por amor. Não é nem pela questão da grana. Acabo me apegando tanto ao aluno quanto à aluna. Fico preocupado em passar os meus conhecimentos. É gratificante ver um aluno progredindo. Me dá o maior prazer. Também dou aulas a pessoas com necessidades especiais. Os pais contratam como terapia. A música é uma terapia. Eu toco umas músicas engraçadas e vou interagindo com esse aluno especial.

ZONA SUL – Você também chegou a dar aula de canto, como foi a experiência?
JOÃO – Dei aula de canto por necessidade financeira mesmo. Eu estava com poucos alunos de violão. Depois de um dos meus shows no Seis e Meia, uma menina, ao final, me procurou: “além de ensinar violão você também dá aula de canto?”. Como eu estava com pouco aluno e precisando de dinheiro, respondi que dava. Na verdade eu nunca tinha dado aula de canto. Não sabia nem como funcionava a metodologia. Ela morava no 10º andar de um prédio em Ponta Negra. A vista dava para o Morro do Careca. Quando ela sentou na minha frente, ansiosa pela primeira aula, pensei: “e agora, o que vou ensinar?”. E olha que eu tinha cobrado caro pela aula de canto. A garota estava com uma expectativa grande de evoluir a voz. Tentei encontrar alguma coisa para ensinar. Tive a idéia de compor uma melodia, na hora. Lembro até o acorde: Mi com nona. Eu falei: “tem um exercício muito bom pra canto: eu vou solfejar uma melodia e você vai repetir”. E comecei: “lara laralarilarara”. Ela repetiu. Eu disse: “ta muito bom, não desafinou uma nota”. E prossegui. Fui inventando aquela música na hora. Enquanto eu tocava, solfejava e pedia para ela repetir, foi despertando o gosto por aquela melodia. Comecei a achar que aquela melodia estava mesmo muito boa. E o Morro do Careca de frente pra mim. Viajei na música. Fiz várias partes melódicas e tive a certeza que a melodia estava boa mesmo. Pedi a ela para pegar uma caneta e um papel, para colocarmos uma letra na música. Nessa hora já não tinha mais nada a ver com a aula de canto. A sorte é que ela também tinha gostado da música e foi correndo pegar a caneta. E começamos a fazer a letra: “Canta, canta o mundo voa / Voa comigo longe / Longe de tudo venha / O amor tem pressa / E o meu cantar / Canta pra você / Onde irei, onde vai / Vou só com você / Onde irei, onde vai / Vou só com você”. (aplausos).

ZONA SUL – A aluna tem participação nessa letra...
JOÃO – Ela fez um trechinho, ficou um pouco tímida. Mas ela teve participação. Vez por outra eu dizia: “agora faça um versinho aí”. A música fluiu. Ainda passei um mês dando aula de canto. Deu tempo de fazer outra melodia (risos). A aula era eu compor para ela solfejar. Eu também tocava, no violão, a escala de Dó para ela repetir com a voz. Só topei essas aulas porque eu estava passando necessidade financeira. Só tinha dois alunos, na época.

ZONA SUL – Depois disso também pintou a oportunidade para você tocar em velório...
JOÃO – Maria Vênus Pinheiro, que tem uma voz lindíssima e é superafinada, me convidou. Nessa época eu já tinha bastante aluno. Maria Vênus se encontrou com Cecília, a minha esposa, e perguntou se eu estava disponível para tocar em algumas missas. Cecília deu o meu telefone. Maria Vênus perguntou se eu podia tocar uma missa dois dias depois. Fazia um bocado de tempo que eu não ia a uma missa, mas topei. Também perguntei se tinha um cachezinho. Ela disse que sim. Fui tocar na missa e peguei tudo de ouvido, na hora. Nesse mesmo dia ela disse que também tocava em velório e me convidou para acompanhá-la. Fiquei meio surpreso, mas topei.

ZONA SUL – Esse é um campo pouco explorado...
JOÃO – É. Minha primeira experiência em velório foi estranha. Maria Vênus estava se preparando para cantar. Quando fui pegar o violão, deu uma vontade de rir... Não por causa do velório ou por eu estar desrespeitando aquele momento, mas senti vontade de rir de mim mesmo, pelo inusitado da coisa. Mas comecei a tocar. Quanto mais eu tocava, mais uma parente da falecida olhava para mim, emocionada, em prantos. De tanto ela olhar, fiquei encabulado. Quando o caixão foi fechado, que começaram a levar o corpo para o enterro, ela se aproximou de mim e disse: “você toca tão lindo!”. E emendou: “quando eu morrer quero que você toque pra mim”. Sem querer, de tão nervoso que eu estava, pela situação, respondi: “é pra quando?”. (risos) “Tenho que botar na agenda...”. Ela estava tão emocionada, que não percebeu minha gafe. Mas não foi com má intenção. Eu disse aquilo porque estava realmente muito nervoso pela situação.

ZONA SUL – Você consegue pagar suas despesas só como músico ou tem algum outro emprego?
JOÃO – Na realidade eu sou um operário da música. Eu vivo exclusivamente da música. Dou aulas de violão e, graças a Deus, apareceu através de Maria Vênus Pinheiro essa oportunidade de estar tocando com ela. Para mim é o maior prazer conviver com o pessoal do Morada da Paz.

ZONA SUL – Você é contratado para tocar em todos os velórios do Morada da Paz?
JOÃO – Não. Só somos contratados quando a família conhece o nosso trabalho. Têm famílias que ainda mantém aquele tabu de velório ser apenas choro. Maria Vênus foi a pioneira. Só nós fazemos esse tipo de trabalho aqui em Natal. Maria Vênus também é compositora e faz poemas. Ela chegou a gravar um disco, “A estrela é Jesus”. Teve participação de Eduardo Taufick, nos arranjos. É um disco de músicas sacras.

ZONA SUL – E o seu CD, quando sai? Já tem nome? São apenas composições próprias?
JOÃO – Têm músicas minhas e parcerias. Já está gravado, falta a prensagem. O disco é voz e violão e está bem verdadeiro. São 12 composições. Ele se chama “Xanana”, que é a flor de Natal. Ela dá em tudo que é canteiro e terreno baldio. A autora da letra da música “Xanana” é tia da minha esposa, Leda Melo. Leda é excelente letrista. Eu musiquei dois poemas dela, “Xanana” e “Dama da Noite”, que também está inserida no disco. Também tem parcerias com compositores como Cleudo Freire e Carlos Newton Júnior, que é professor de literatura e muito amigo de Ariano Suassuna. Ele fez parte do Movimento Armorial. Carlos Newton me deu umas letras, e eu musiquei. Recentemente Ariano escutou as músicas, por intermédio de Carlos Newton, e adorou. Há um projeto patrocinado pelo governo de Pernambuco para o lançamento de um disco meu em parceria com Carlos Newton Júnior.

ZONA SUL – Você acha que o lançamento do disco “Xanana” pode dar um impulso na sua carreira?
JOÃO – Esse disco não será apenas um registro do meu trabalho. Amigos músicos sugeriram que eu enviasse o disco para intérpretes do país. Aliás, depois de um show do Projeto Nação Potiguar, de Candinha Bezerra, conheci Guinga. Improvisadamente nos encontramos e Tico pediu para eu tocar umas músicas minhas pra Guinga. Toquei e ele adorou. Quanto eu estava tocando uma das músicas, ao chegar em determinada parte melódica, Guinga mandou eu parar e perguntou: “você já estudou Villa-Lobos?”. Respondi que não. Achei esse comentário muito legal. Ele tirou o violão dele e começou a tocar junto comigo essa música, chamada “Meu lugar”. Ele terminou aprendendo a música e tocando comigo.

ZONA SUL – Quem já gravou João Salinas?
JOÃO – Di Stéffano gravou, em um disco instrumental, “Meu lugar” e “Boa de endoidar”, com participações de Arthur Maia e Marcelo Martins. Glorinha Oliveira gravou uma parceria que fiz com Heraldo Palmeira. Essa composição surgiu de madrugada. Heraldo me ligou, eu nem o conhecia. Glorinha ia viajar no dia seguinte. Ele disse que estava faltando uma música para fechar o repertório do disco dela, e que tinha escrito uma letra. Passou por telefone. Copiei e, com quinze minutos, retornei a ligação já com a música pronta. Gravei e, no dia seguinte, fui encontrar com Glorinha Oliveira. Ela viajou ouvindo a música, no avião. O nome é “Tema”. Lane Cardoso gravou também, num CD do Festival do Sesi, a música “Verdejar”. Valéria Oliveira gravou a música “Quem dera”.

ZONA SUL – Você pretende investir mais na sua carreira de compositor, de músico ou na de intérprete?
JOÃO – A princípio, na de compositor. Estou compondo muito, agora. Na realidade, eu não gosto de fazer show. Eu prefiro tocar para amigos um violão acústico. Inicialmente pretendo divulgar meu trabalho como compositor.

ZONA SUL – Você deve ter hoje quantas composições?
JOÃO – Quase 200 músicas. Depois que entrei na Escola de Música, e estudei violão clássico, aprendi a escrever partituras. Eu mesmo escrevo minhas músicas e registro. Muitas delas estão gravadas na memória.

ZONA SUL – A tecnologia ajuda o seu trabalho de alguma forma? Você tem site na Internet?
JOÃO – Não, eu sou leigo em computador, apesar de saber que a Internet é um canal de comunicação poderosíssimo. Minha esposa fez meu e-mail, mas eu nem sei de cor. Nunca usei. Tenho e-mail, mas nunca usei e também ninguém nunca me mandou nada. Se mandou, eu não recebi. Mas sei que a tecnologia é importante.

ZONA SUL – O que você anda escutando ultimamente?
JOÃO – Deixa eu só voltar um pouco para contar algo que esqueci. Em 1997 participei de um Festival do SESI. Lá eu conheci o Sérgio Farias. Concorremos nesse festival. Tirei o segundo lugar com a música “Grandeza”. Ele ficou em primeiro lugar, com “Nuvem cheia”. Foi lá que trocamos figurinhas e quando despertou um projeto que estamos ensaiando. Vamos fazer um show com músicas em parceria e músicas da gente mesmo. Ele é um grande compositor. O show ainda não tem previsão de data, estamos ensaiando.

ZONA SUL – Mas você não disse o que tem ouvido ultimamente...
JOÃO – Eu comprei uma coleção de Luiz Gonzaga. Escuto quase todos os dias. João Gilberto nunca deixei de escutar. Mas o principal continua sendo e Tom Jobim. Na infância eu também ouvia Moraes Moreira, Novos Baianos e Mutantes, por influência do meu irmão Paula Neto.

ZONA SUL – Você acha que sua música sofre influência de algum desses artistas?
JOÃO – Eu sei lá. (risos). Acho que sou influenciado por músicas antigas, tipo “Aurora”, e melodias daquela época. Também escutei muito... Ih, esqueci o nome dele agora, como é que pode? Comer galinha e arrotar carne de bode. Ah, lembrei, Beto Guedes! Manoca e outras pessoas achavam meu estilo parecido com o daquele pessoal do Clube da Esquina.

ZONA SUL – Como é o momento quando vem uma música em você? Você tem uma idéia do todo, quando está compondo, ou vai desenvolvendo na hora, a harmonia, acorde por acorde? O que mais impressiona em você, quando a gente escuta, são esses 300 mil acordes que você faz de meio em meio segundo. Como é esse lance?
JOÃO – Vários músicos já me fizeram essa pergunta. O processo é que a criação já vem junto com a harmonia. Faço a harmonia e já vou criando uma melodia em cima. Depois, não preciso mais mexer na harmonia. Não refaço as harmonias das minhas composições. Na minha mente os acordes não são visuais, são sonoros. Eu não visualizo nada, vou na sonoridade. Vou armando a harmonia e criando a melodia em cima. Através de um acorde simples, podemos criar mil melodias, das mais variadas possíveis. Quando surge outra harmonia, já abre um leque melódico, e a gente já começa a viajar.

ZONA SUL – O que vem primeiro, a melodia ou a letra?
JOÃO – Quando a música é só minha, a melodia vem primeiro. Raramente faço uma música e letra com a letra já valendo. Tenho mania de criar melodia e colocar uma letra que não tem nada a ver. Essa letra serve apenas como subsídio para preparar aquela melodia para quando eu for letrar. Para mim a música está em primeiro lugar. Já musiquei muita letra, mas prefiro o processo inverso. Se for uma parceria, acho melhor mandar a melodia pronta, com a harmonia. Flui melhor.

ZONA SUL – O que faltou ser perguntado que você gostaria de ter respondido?
JOÃO – Faltou falar sobre o meu América. Não sei se eu gosto mais do América ou da música. Às vezes eu paro de compor para assistir jogo do América. A minha paixão pelo América surgiu através do meu pai, que é americano roxo. Já em 1977, eu pequenininho, ele me levava aos jogos. Foi aí que começou a despertar a paixão. Nunca perco um jogo do América.

ZONA SUL – Se despeça do leitor do Zona Sul...
JOÃO – Agradeço a oportunidade de poder falar sobre a minha história, a minha vida e também poder divulgar o meu trabalho, as minhas aulas violão. Aliás, quem quiser entrar em contato é só ligar para o (84) 8802-9181. Estou disponível para passar meus conhecimentos musicais.

sábado, 22 de setembro de 2007

ENTREVISTA: MEIRINHOS DO FORRÓ

OS OFICIAIS DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA



Francisco Carlos Freire é o pai biológico de Cláudio Freire, Clauberto Freire e de Ana Cláudia Freire e também pai adotivo de Anderson Bezerra da Silva. Esta turminha integra os Meirinhos do Forró, que já traz no currículo dois CDs gravados e cinco idas a Portugal, com uma série de apresentações no Porto e em Lisboa. Mas, para chegar ao patamar no qual estão, não foi fácil. Os versos iniciais feitos por Luiz Gonzaga para a canção Pau-de-Arara dão uma idéia do que eles enfrentaram. “Quando eu vim do sertão, seu moço / Do meu Bodocó / Meu malote era um saco / E o cadeado era o nó / Só trazia coragem e a cara / Viajando num pau-de-arara / Eu penei, mas aqui cheguei”. O Zona Sul entrevistou todos eles, em um começo de noite de julho, no Churrasquinho do Pedrão. Como a tropa dos Meirinhos era grande, a do Zona Sul não poderia fazer feio. E não fez. Muito pelo contrário. Além de mim, estiveram presentes no bate-papo os jornalistas Costa Júnior, Paulo Wagner e Carlos Roberto Pereira e os músicos Tico da Costa, Mirabô Dantas e Dudé Viana. O resultado você confere a partir de agora. (Roberto Homem)




CARLOS FREIRE

ZONA SUL – Você é o técnico do time Meirinhos do Forró. Qual a escalação dessa equipe?
CARLOS – Cláudio é vocalista e também toca pandeiro. Clauberto é sanfoneiro e também arranjador das músicas. Aliás, tudo começou com ele. Cláudio foi quem tomou a iniciativa de tudo. Ana Cláudia toca triângulo e hoje já está fazendo vocal também. Anderson é o zabumbeiro. Atualmente a família Meirinhos do Forró tem quatro integrantes, mas teve cinco. Um outro filho adotivo, José Roberto do Nascimento, saiu. Eu criei ele enquanto meu irmão estava em uma situação difícil.


ZONA SUL – Como tudo começou?
CARLOS – Sempre gostei da música nordestina, daquele estilo de Luiz Gonzaga. Fui criado ouvindo violeiros, emboladores de coco e forró, todo fim de tarde na rádio Rural de Mossoró. Essa rotina me educou e também me levou a ter interesse pela música. Depois que me casei e que meu primeiro filho, Cláudio, completou um ano de idade, fui morar na cidade. Saí de Baraúnas para Bom Jesus, que fica a 65 quilômetros de Natal. Eu tinha que botar o filho para estudar. Depois nasceram Clauberto e os outros. Os meninos foram crescendo ouvindo música também. Todos os dias quando voltava do trabalho, eu gostava de brincar com um violãozinho. Apesar disso, não toco, nem canto. Mas em casa, eu toco e canto. Meus filhos foram ouvindo e se interessando pela música. Pequenos ainda, já faziam seus próprios instrumentos, para brincar. Tudo o que pegavam era para fabricar instrumentos. Cresceram assim. Mas eu sempre pensei que eles eram quietos demais para um dia se interessarem pela música como profissão. Eu estava enganado, pois na hora em que eu mais precisei, na hora em que eu não tive outro meio de vida, que fiquei em uma situação difícil, eles estava tocando.


ZONA SUL – Qual era a sua profissão?
CARLOS – Eu trabalhava de motorista. Antes, fui agricultor. Quando cheguei na cidade aprendi a dirigir. Era motorista de caminhão. Fazia entregas, carregava material e coisas desse tipo. Quando eles começaram a tocar, eu não estava trabalhando. A quem Deus promete, não falta. Quando me vi sem ter outro jeito, quando percebi que a coisa não estava boa, eu pensei que não, mas eles estavam tocando. A caminhada foi longa para chegar até esses instrumentos que você está vendo aqui hoje.


ZONA SUL – Os Meirinhos começaram a tocar lá em Bom Jesus? Como surgiu o convite para se apresentar em Natal?
CARLOS – Não, os meninos nunca tinham se apresentado em Bom Jesus. A história do convite, foi assim. Uma pessoa que trabalhava no restaurante Mangai ouviu os meninos na minha casa, em uma brincadeira. Como ele gostou, falou para a proprietária do restaurante. Ela, que é paraibana e gosta muito de forró, resolveu convidá-los para uma apresentação. O Mangai é um restaurante típico nordestino. Ela ligou em um sábado à noite para um orelhão que tinha vizinho à minha casa. Na época eu não tinha telefone. Quando ela telefonou, eu estava na missa com a família toda. Ao chegar da missa, fui dormir. No outro dia, me deram o recado. Pouco depois, ainda estávamos tomando o café da manhã, ela ligou novamente. Explicou que tinha ouvido falar nos meninos e que queria que eles tocassem no Mangai. Corri atrás de um carro para fretar. No dia marcado, arrumei os meninos e os levei para Natal. Foi o dia 11 de maio de 2002. A partir dessa data, nunca mais trabalhei em outra coisa que não fosse em função deles. Também nunca mais passei por dificuldades. Aliás, dificuldade todo mundo tem, mas, trabalhando, a gente consegue sobreviver. Graças a Deus a gente vem sobrevivendo até hoje desde esse primeiro convite. Através da música eu consegui colégio para eles em Natal, no Objetivo. Os dois mais velhos terminaram o segundo grau no final do ano passado. Através da música fiz boas amizades em Natal. Quando se fala em Meirinhos do Forró, em Natal, a pessoa diz logo que conhece.


ZONA SUL – Esse primeiro convite foi para apenas uma apresentação ou os meninos já vieram trabalhar contratados pelo restaurante?
CARLOS – Foi para uma apresentação. Continuamos morando em Bom Jesus. Na época, estava sendo disputada a Copa do Mundo. No domingo seguinte à primeira apresentação, o Mangai nos convidou novamente. A repercussão foi grande. Apareceu muito repórter de televisão e de jornal. O fato de os meninos serem todos pequenininhos e estarem tocando, chamou atenção do pessoal. A imprensa apareceu por lá a partir dos comentários. Tanto os clientes do Mangai quanto a imprensa, ajudaram para o sucesso dos Meirinhos. Terminado o mês de maio, vieram as festas juninas. Vários colégios telefonaram, querendo os meninos. Passamos o mês de São João todo em Natal. Quando mês terminou, as coisas foram ficando difíceis. Os cachês eram pequenos e a gente tinha que pagar o transporte. Todas as vezes, quando voltávamos para casa, eu ficava pensando que se nós morássemos em Natal o lucro poderia ser maior. Haveria uma redução dos gastos. Algumas pessoas já tinham sugerido pra gente morar em Natal. Eu sempre perguntava como. Eu precisava no mínimo de uma casa para botar os meninos. Fui me agüentando por Bom Jesus.


ZONA SUL – Com o fim da Copa do Mundo e das festas juninas, qual seria o mote para os Meirinhos voltarem a Natal?
CARLOS - Um dia o Sebrae nos convidou para fazer uma apresentação na praia de Búzios. Fomos. Na volta, já de tardezinha, quando estávamos passando pelo Cajueiro de Pirangi, pedi ao motorista para dar uma parada. Queria tirar umas fotos, já que nem eu nem os meninos conhecíamos o Cajueiro. Ele encostou o carro. Na entrada, falei com uma moça. Expliquei a ela que queria entrar com os meninos, para eles conhecerem. Ela cobrou um real por pessoa. Insisti que queria apenas tirar uma foto. Ela pediu que eu falasse com uma senhora da recepção. Falei. Repeti que era pai daqueles meninos e queria tirar uma foto. Ela permitiu, mas advertiu que não poderíamos tocar. Quando estávamos lá dentro, os turistas começaram a pedir para a gente tocar. Queriam também tirar fotografias com os meninos. Expliquei que lá dentro a gente não poderia tocar, mas que na saída os meninos tocariam. Eles tocaram uns 15 minutos. Arrodeou de turista tirando foto e filmando.


ZONA SUL – Os meninos tocaram de graça?
CARLOS – Sim. Mas um cara começou a gritar: “ei, rapaz, eles dão gorjeta, pede gorjeta, eles ajudam” Respondi que estávamos de passagem ali, que o melhor era deixar as coisas acontecerem. Os meninos tocaram e fomos embora. Mas fiquei com aquele negócio na cabeça. Pensei que era capaz de dar certo se voltássemos para tocar lá em troca das gorjetas dos turistas. Perguntei ao motorista quanto ele cobraria para voltar no sábado seguinte para passar o dia no Cajueiro. Acertamos o preço. No dia combinado, a mulher preparou nossa comida, ajeitou tudo e pegamos a estrada. Topamos aquela aposta. Ficamos até duas da tarde. Os turistas gratificaram. O apurado deu para pagar o carro e ainda sobrou uma coisinha. Fiquei pensando que se morasse em Natal, daria certo. Convidei o motorista para voltar outro dia. Ele topou. Na terceira vez que vim, aluguei uma casa e consegui colégio para os meninos.


ZONA SUL – Em qual ano foi isso?
CARLOS - Isso em 2003. Tomei emprestado o dinheiro para pagar o primeiro aluguel. Duzentos reais. Se eu não tinha o dinheiro do aluguel, também não tinha dinheiro pra nada, né? Tocamos dois dias no Cajueiro pra poder fazer a feira pra eles. Durante quatro meses, tocamos todos os dias pela manhã no Cajueiro. Começou a aparecer jornal, televisão e foram divulgando. Depois de quatro meses, fomos convidados para ir a Portugal pelo secretário de Turismo, que era Haroldo Azevedo.


ZONA SUL – O convite surgiu lá no próprio Cajueiro?
CARLOS – Não. Foi em uma feira, no Centro de Convenções. Ele gostou do trabalho dos meninos, viu que eles mereciam uma oportunidade. Identificou-se como secretário de Turismo e prometeu que me telefonaria depois. Eu pensei que ele arranjaria pra gente tocar em Macaíba ou até mesmo em Mossoró. Depois de 15 dias me ligou pedindo para eu ir à Secretaria. Fui. Ele me recebeu e disse que haveria uma feira de turismo em Portugal. “Quero ver aquela menina tocando triângulo em Portugal”, ele falou. Explicou que já tinha conseguido as passagens e a hospedagem para a gente. E também que a Secretaria tinha um cachê para nos pagar. Perguntou se eu tinha coragem para topar. Eu respondi que nem adiantava ele perguntar se eu tinha coragem, pois tendo ou não, a gente ia. Passamos oito dias em Portugal. Tocamos em Lisboa, no Parque das Nações, onde foi realizado o evento. O público chegava a 70 mil pessoas por dia. Dezessete países mostraram sua cultura no evento. Só os Meirinhos tocando forró pelo Brasil. Dos 17, cinco foram escolhidos pela RTP (Rádio Televisão Portuguesa) para dar entrevista ao vivo. Os Meirinhos estavam entre os cinco.


ZONA SUL – Como os portugueses receberam o forró dos Meirinhos?
CARLOS – Receberam muito bem. O português gosta muito de forró. Um dos lugares onde tocamos foi a casa chamada Casa Postal do Brasil. Lá tem até professor de dança. Em Portugal conheci um senhor dono de um restaurante onde fazíamos as refeições. Ele gostou tanto dos meninos que não queria mais nem cobrar a nossa refeição. Uma noite nos convidou para percorremos as casas noturnas de Lisboa. Onde tinha uma casa funcionando, ele conversava com os proprietários e botava os Meirinhos pra tocar. Teve gente do Brasil chorando quando ouvia os meninos tocarem. Quando voltamos desta primeira viagem, doutor Haroldo me chamou e disse que tinha conseguido bolsa-escola pra todos os meus filhos estudarem no Objetivo. Foi o homem que nos deu força, graças a Deus. Por causa dessa primeira viagem, todo ano recebemos convite para participar da feira de turismo de Portugal. Dos que se apresentaram no primeiro ano, nunca mais me encontramos ninguém.O evento completou cinco anos agora. Eu nunca tinha trazido a data do evento para o próximo ano. Agora em abril eu trouxe. Vamos estar em Lisboa nos dias 19 e 20 de abril de 2008.


ZONA SUL – Essa primeira viagem a Portugal abriu muitas portas para vocês aqui no Rio Grande do Norte?
CARLOS – Deu uma força. Quando chegamos da viagem, tinha Tribuna do Norte e Diário de Natal esperando para nos entrevistar. Também fizeram matéria para aquele São João do Nordeste, da Globo. Essa divulgação fez a gente ficar conhecido e, graças a Deus, não faltar mais trabalho. Alguns jornalistas de Natal perguntam como conseguimos ir a Portugal. Não é fácil conseguir passagens para a viagem. Eu respondo que não sei. Só Deus é quem sabe. Se eu for correr atrás, acho que não consigo.


ZONA SUL – Os Meirinhos receberam convites para se apresentar em outros países, além de Portugal?
CARLOS – Ainda não. Pessoas de outros países já perguntaram se a gente ia para lá. Sempre respondo que se a gente conversar bem direitinho, pode ser que aconteça. Essas viagens para Portugal são sempre seguras. Temos uma parceria com a Secretaria de Turismo, já existe uma confiança.


ZONA SUL – Como é, para um pai, conduzir, como empresário, a vida de quatro filhos?
CARLOS – É uma coisa que eu nunca pensei. Mas, como diz o ditado, a dor ensina a gemer. Eu não sabia nem pra onde ir. Estou aprendendo, pouco a pouco, com o tempo. Para vir para Natal, sem conhecer ninguém, eu morando em uma cidade pequena no interior, foi difícil. Tudo o quanto eu tinha eram cinco filhos e uma mulher. Não tinha contrato com ninguém. Viemos tocar só com a coragem. Eu bolei uma caixinha. Botava à vista e as pessoas tiravam foto com os meninos e contribuíam. No final do mês tinha o dinheiro para o aluguel, o colégio deles e para fazer a feira. Depois da viagem de Portugal começou a aparecer convite. Alguns colégios, o secretário nos contratou para tocar no aeroporto. Os Meirinhos passaram a receber todos os vôos internacionais que chegavam a Natal. Ficaram um ano. Deu para comprar um carrinho para andar com eles. Até então andávamos a pé ou fretávamos um carro. Só não conseguimos ainda uma casa, mas estamos trabalhando para conseguir.


ZONA SUL – Vocês tocam fixo em algum lugar?
CARLOS – Nunca tivemos um lugar fixo para apresentação. Vivemos, de 2002 para cá, com o que o celular toca. A pessoa telefona, eu atendo. Não temos um contrato assinado com ninguém até hoje, e vivemos só da música.


ZONA SUL – Como surgiu a oportunidade para registrar em CD o trabalho dos Meirinhos?
CARLOS – O primeiro CD foi difícil. Não sabia por onde começar, até conhecer Dudé Viana. Nosso primeiro encontro foi organizado por um primo meu. Nesse dia, as primeiras palavras de Dudé foram no sentido de nos ensinar. Ele disse que já tinha visto os meninos pela televisão e tinha gostado muito. Dudé foi para o Rio de Janeiro e eu esperei que ele voltasse para nos orientar. O que mais dificultou foi correr atrás de patrocínio. Fizemos um CD direitinho, um disco original, bem trabalhado, com responsabilidade. Hoje está mais fácil fazer um CD. Já temos um segundo disco gravado ao vivo.


ZONA SUL – Qual a maior dificuldade que vocês enfrentaram até agora?
CARLOS – A maior dificuldade foi com os produtores de casas de show. Não tenho medo, hoje, de os meninos se apresentarem mesmo se o Rei do Baião ressuscitar. Tenho certeza que ele iria apoiar. Sei o trabalho que a gente tem. O problema são os produtores. Eles trazem a banda ou o grupo ou o sanfoneiro da Paraíba, de Pernambuco ou do Ceará. Pagam bem o cara, mas o artista nosso não tem valor. Fizemos agora nesse mês junino um trabalho bem direitinho. Acho que vai deixar um bom retorno.


ZONA SUL – Que trabalho foi esse?
CARLOS – Investimos na qualidade do show. Fizemos apresentações bem trabalhadas, mostrando muita força de vontade. Recentemente os Meirinhos estiveram na Paraíba se apresentando com Luizinho de Iraçuba e com Pinto do Acordeon. Antes dos meninos subirem no palco, o cara que contratou ficou com medo e pensou em desistir, porque não conhecia o trabalho. Temia não agradar. Combinamos que a apresentação dos Meirinhos seria às 3 da manhã. Mas, quando chegamos, à noite, ele resolveu que ao invés de tocar na madrugada, os Meirinhos tocariam às 10 da noite, abrindo a série de shows. No outro dia, ele ligou e disse: “olha, dos três, o show dos meninos foi o melhor”. Era um show da prefeitura e o negócio foi tão bom que a prefeita já nos contratou antecipadamente para tocar na festa do próximo ano. Também estivemos em Macaíba, pelo terceiro ano seguido, animando o São João da cidade. É uma festa no meio da rua que reúne cerca de 30 mil pessoas.


ZONA SUL – Além de Rio Grande do Norte e Paraíba, em quais outros estados vocês já se apresentaram?
CARLOS – Em São Paulo fizemos um show no Expo Center Norte, em uma feira de turismo chamada Roteiros do Brasil. Os meninos tocaram um forró pé-de-serra que balançou os paulistas. Paulista gosta de forró. O forró dos Meirinhos é música pura, que corre na veia. Sempre que eles estão tocando, eu fico lá na frente ouvindo o som e também prestando atenção nos comentários das pessoas. Já vi até soldado de Polícia olhar para o braço e comentar: “rapaz, tou todo arrepiado”. Também já vi gente chorar dizendo que aquela música era a cara do seu pai ou então do seu avô. “Vixe, meu pai gostava demais, que música boa, isso aí é que é forró”. Hoje já posso dizer que os Meirinhos está testados no chão, no pequeno palco e também no grande palco. Em Portugal, por exemplo, os meninos dividiram o palco com outros 17 grupos. Eles bem pequenininhos e eu pensando se aquilo daria certo. Quando chegou a hora deles, todos aplaudiram e pediram bis. Onde for, a gente faz o show. Pode até ser dentro d’água.



ZONA SUL – Como o repertório é definido?
CARLOS – Todos nós trabalhamos com o repertório. Os Meirinhos cantam o forró no estilo de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Jackson do Pandeiro, Marinês... Os meninos não cantam música de banda, já tem muita gente fazendo isso. Algumas pessoa já pediram, mas não sai. Tocamos música sem duplo sentido.


ZONA SUL – Quais os planos para o futuro?
CARLOS – Meu amigo, eu planejo para o futuro ver os meninos conhecidos no mundo como bons artistas. Mas eu também quero que eles estudem. Os dois maiores terminaram o segundo grau, mas eu quero que eles façam uma faculdade. Só não começaram porque o cachê ainda está pequeno, não é o suficiente. Eu quero que eles façam carreira na música, mas sem deixar de estudar. Acho que as coisas poderiam ser mais fáceis se os Meirinhos tivessem um padrinho. Dominguinhos, por exemplo, teve Luiz Gonzaga. Elino Julião saiu de Natal e encontrou Jackson do Pandeiro. Mas mesmo assim vamos desistir ou perder a fé e a esperança.


ZONA SUL – A Internet já está sendo utilizada pelos Meirinhos para divulgação?
CARLOS – Sim, um pouco. Temos um site (http://www.meirinhosdoforro.com.br/). há um ano. Está um pouco desatualizado, mas vamos chegar lá, se Deus quiser.


ZONA SUL – Como alguém pode entrar em contato para contratar shows ou adquirir os CDs dos Meirinhos do Forró?
CARLOS – Já recebi ligações até de Minas Gerais, Ceará, Espírito Santo e de São Paulo, pedindo o CD. Nós sempre levamos os CDs para vender nos shows. A divulgação é grande, inclusive fazemos até promoções. Cheguei a deixar o CD em algumas lojas de Natal, mas é difícil receber, mesmo depois que eles vendem. Fiquei triste com isso e resolvi não botar mais. Se a pessoa for de Natal e quiser comprar o disco, pode ligar para mim que a gente marca um lugar para eu ir deixar. Se a pessoa estiver em qualquer outra parte do país pode manter contato que eu mando pelos Correios como carta, pois sai mais barato o frete. Não tem dificuldade não. Contato para disco ou show é só ligar para (84) 9413-3861 ou (84) 3272-4756.


ZONA SUL – Para finalizar, explique o motivo de o grupo se chamar Meirinhos do Forró.
CARLOS – Quando os meninos começaram, eram Mirins do Forró. Esse nome foi escolhido pelas próprias pessoas que viram eles tocando bem novinhos. Depois, o próprio público passou a cobrar um novo nome, já que os meninos estavam crescendo. Eu não queria mudar. Recebemos várias sugestões, como por exemplo, Chapéu de Couro. Um dia eu estava com Dudé na casa de um primo dele, Tião. No meio da conversa, Dudé falou para seu primo: “Tião, rapaz, a gente está procurando um outro nome para o grupo dos meninos”. E Tião, que é um cara muito inteligente e meio avexado, andando mesmo sugeriu: “bota Meirinhos”. Ele explicou que o antigo oficial de justiça era conhecido por meirinho. Era o responsável por cumprir as determinações do juiz. Hoje, os Meirinhos do Forró são os oficiais da música popular brasileira.


ANA CLÁUDIA
13 anos, voz e triângulo.

ZONA SUL – Por que o triângulo? Foi opção sua ou sobrou esse instrumento para você?
ANA – Foi opção, cada um de nós se interessou por um instrumento. Cada qual procurou o seu, e eu gostei do triângulo. Escolhi por intuição mesmo. Olhei e percebi que ele era legal. Gostei. Eu era pequeninha, ficou o pequenininho mesmo pra mim.


ZONA SUL – Você começou com qual idade? Como foi para aprender a tocar?
ANA – Comecei com sete anos. O Clauberto foi quem ensinou a todos nós. Ele passou as dicas para cada um. Depois fomos aperfeiçoando.


ZONA SUL – Desde quando você percebeu que o que você queria mesmo era essa vida voltada para a música?
ANA – Desde o começo. Não tem outro jeito, isso aqui é que é a minha vida mesmo. Não tem outra.


ZONA SUL – Quando você não está tocando ou ensaiando, o que costuma escutar? O que você gosta de ouvir?
ANA – Gosto dessas coisas aqui que a gente toca mesmo, como Dominguinhos, Jackson do Pandeiro, Marinês, Elino Julião e Luiz Gonzaga. É sempre esse repertório que escuto. É o meu gosto particular mesmo.


ZONA SUL – E como você está nos estudos?
ANA – Estou bem, graças a Deus. Tenho 13 anos e estou fazendo o nono ano.


ZONA SUL – Você pensa na Universidade? Alguma faculdade lhe interessa?
ANA – Não penso apenas em uma. Quero fazer música e artes cênicas. Tudo na área de artes.


ZONA SUL – Nesse tempo todo de estrada, qual a maior emoção que você teve?
ANA – Quando me encontrei pela primeira vez com Marinês. Isso faz uns dois anos. Foi em uma Caminhada da Paz que houve aqui em Natal. Marina Elali nos apresentou e começamos a conversar. Pedi permissão para cantar as músicas dela. Ela autorizou e me aconselhou a não cantar aquele tipo de música que não tem nada pra ensinar. Disse que já estava ficando velha e que tinha que ter alguém para ficar no seu lugar.


ZONA SUL – Quais suas pretensões dentro da música?
ANA – Quero ser conhecida no meio artístico mundial e cursar uma faculdade.


ZONA SUL – O triângulo é um instrumento que exige muito aperfeiçoamento? Depois que você aprendeu o básico procurou se aperfeiçoar de alguma forma?
ANA – Procurei. Olho todos, observo o jeito de cada um tocar.


ZONA SUL – Mande um recado para quem pensa em ingressar no mundo da música.
ANA – Tem que batalhar. A vida de músico é difícil, mas quem trabalha Deus ajuda. O resultado compensa muito.


CLAUDIO FREIRE
19 anos, Vocalista e pandeirista.

ZONA SUL – Esse seu pandeiro com a bandeira do Brasil significa que você é nacionalista ou que é torcedor da Seleção de Dunga?
CLÁUDIO – Eu sou nacionalista, amo o meu país. Antigamente eu tocava em um pandeiro de coro, isso no início. Mas, como suo muito nos shows, o pandeiro de couro desafinava na metade da apresentação. Batia água em cima, ele afrouxava. Então escolhi um de nylon.


ZONA SUL – Tem alguma diferença no som?
CLÁUDIO – Tem, eu gosto mais desse daqui. Tem um som bom todo. Com esse aqui eu posso suar tranqüilo, que do jeito que começa termina. Outra diferença é que ele é um pouco mais pesado.


ZONA SUL – Como o pandeiro terminou nas suas mãos, dentro dos Meirinhos?
CLÁUDIO – Eu comecei apenas cantando. Mas um dia meu pai disse que eu tinha que tocar pandeiro também. Eu perguntei como é que eu ia tocar, já que não sabia. Ele me mandou dar o meu jeito. Segui o conselho e fui dando meus pulos. Hoje toco um pouquinho de alguma coisa e a cada dia que passa vou aprendendo cada vez mais. O bom da música é isso: cada dia que passa é cheio de descobertas.


ZONA SUL – Você está há quanto tempo com esse pandeiro? CLÁUDIO – Há cinco anos. Clauberto foi quem primeiro me passou umas dicas. Ele toca tudo. O que você botar na mão dele, ele toca.


ZONA SUL – Qual pandeirista você mais admira?
CLÁUDIO – Primeiramente, o Jackson do Pandeiro. Aquele homem tocava, cantava e dançava que era uma coisa de louco. Meu Deus! Admiro também um amigo daqui, Doutor Feijão. Ele também é um pandeirista de primeira.


ZONA SUL – Você também compõe?
CLÁUDIO – Sim. Eu, papai e o Clauberto também. Faço música. A música-título do nosso primeiro CD, Sertão do Cabugi, é minha em parceria com um amigo de Baraúnas, o José Cícero. Eu nasci em Angicos. Queria homenagear aquela minha terra. A melhor forma que encontrei foi fazer essa música e cantá-la. Em Angicos só fiz nascer. Fui para Bom Jesus com um ano de idade. Vim para Natal com 16 anos.


ZONA SUL – Você teve alguma dificuldade de adaptação pelo fato de trocar uma cidade pequena por uma maior? Quais são seus planos para o futuro?
CLÁUDIO – Tive. Mas com o tempo me acostumei. Meu sonho é a música, quero viver dela e também quero ajudar minha família. Esse é o meu maior sonho. Ao meu pai e à minha mãe devo a vida. E meu sonho é ajudá-los. Viemos em busca de dias melhores. e vamos chegar lá, você vai ver.


ZONA SUL – Se despeça do leitor do jornal.

CLÁUDIO – Quero dizer para todos os jovens do país que a melhor coisa do mundo é a família. É a coisa mais importante que existe na face da terra. Aconselho que os filhos obedeçam e escutem seus pais. Infelizmente, a juventude hoje está se destruindo com essa coisa de drogas e prostituição. Música de má qualidade influencia muito os jovens. É uma pena que seja moda no Brasil as emissoras de rádio e televisão tocarem música ruim. Mas como toda moda, essa música que toca hoje será esquecida amanhã. É o contrário do repertório dos Meirinhos. A música que a gente toca, fica. E devargazinho a gente vai conseguir chegar onde pretendemos.



FRANCISCO CLAUBERTO
18 anos, sanfoneiro.

ZONA SUL – Seu pai e seus irmãos, todos eles, falaram muito do seu talento com todos os instrumentos. Como você aprendeu a tocar tanta coisa?
CLAUBERTO – Eu sempre gostei de instrumentos musicais, de mexer neles. Eu aprendo mais sozinho. Mas também gosto de ir buscar as técnicas, de saber informações sobre cada instrumento. O primeiro que aprendi a tocar foi uma flauta doce que ganhei do meu pai. Eu tinha dois anos. Pai sempre gostou de instrumento. Ele sempre trazia uma flautinha, um pandeirinho ou um violãozinho, comprados na feira. Dava pra gente. Lá em casa sempre teve um violão. Só que ninguém sabia tocar. Meu pai tirava um som, sinal que sempre gostou. Mas não tinha nenhum instrumentista em casa, só o violão.


ZONA SUL – Você aprendeu a tocar flauta, pandeiro e violão apenas experimentando?
CLAUBERTO – Sim. Mas o instrumento que eu sempre admirei foi a sanfona. Acho ela muito especial, com aqueles dois lados e o fole no meio. Eu sempre gostava quando via na televisão. Meu sonho era ter uma sanfona de brinquedo. Acho que o destino ajudou, pois um certo dia um vizinho nosso comprou uma sanfona de verdade. É justamente essa que estou com ela aqui. Tenho outra em casa. No dia que o vizinho comprou, meu pai me levou para ver o instrumento. O vizinho entregou a sanfona para meu pai, mas ele disse que não sabia tirar som nenhum. Passou a sanfona pra mim. Sentei em uma cadeira e ele botou a sanfona nas minhas pernas. Comecei a tirar um som, no teclado. Eu olhava aqueles botões e achava aquilo tudo muito bonito. Comecei a puxar o solo de Asa Branca, já na primeira vez que peguei. O vizinho não deixou eu tocar muito.


ZONA SUL – Como essa sanfona do vizinho passou a ser sua?
CLAUBERTO – Demorou um pouco. Depois desse dia, meu pai falou que conhecia um cara que tinha uma sanfoninha velhinha, e que pedir para ele deixar eu tocar um pouco. Fomos várias vezes à casa desse amigo, seu Chico. Eu decorava as músicas, em casa, ouvindo nos elepês, e quando voltava na casa de seu Chico eu desenvolvia a música na hora. Essa sanfona de seu Chico passou um mês lá em casa. Meu avô, vendo esse esforço todo, se admirou, e, vendo que eu estava aprendendo, disse que ia tentar conseguir uma sanfona pra mim. Meu avô tinhas umas terras lá em Baraúnas e criava um gadinho. Ele ofereceu trocar um garrote pela sanfona do meu vizinho. O vizinho disse que tinha comprado a sanfona pra aprender, e que já estava velho e não aprenderia mais. Topou. Eu sou muito zeloso, a sanfona ainda está bonitinha. Com essa sanfona em casa, desenvolvi mais rápido ainda. Comecei a trabalhar o lado dos baixos. Eu era mais solo no teclado. Comecei a aprender as cifras, os acordes.


ZONA SUL – E quando seu pai chegou com essa história de ir para Natal tocar? O que você achou?
CLAUBERTO – Eu ainda não sabia nem puxar muito a sanfona. Ainda era lento. Mas eu entreguei a Deus. Felizmente as pessoas gostaram muito. Eu não sinto medo de tocar. Sei que Deus sempre ajuda a gente. Mas tem canto que a gente sobe e treme um pouco. Fica imaginando como é que vai ser o som, essa coisa toda.


ZONA SUL – De onde você tira inspiração para compor?
CLAUBERTO – Esse dom meu pai também tem, apesar de não tocar nenhum instrumento. Acho que se ele tivesse tido oportunidade, no tempo da infância, de ter um instrumento nas mãos, seria um bom instrumentista. Infelizmente o instrumento que ele teve foi a enxada. Mas a inspiração eu busco nas músicas nordestinas que escuto, como Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Marinês, Jackson do Pandeiro, Trio Nordestino e Os 3 do Nordeste


ZONA SUL – Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
CLAUBERTO – Não. Só isso. Eu sou um cara que falo pouco.


ZONA SUL – Fala pouco, mas toca muito.
CLAUBERTO – Obrigado.


ANDERSON
14 anos, zabumba.

ZONA SUL – Escolheram logo um instrumento pesado pra você?
ANDERSON – É. Mas eu gosto. Adaptei-me muito bem ao instrumento. Comecei a aprender o Clauberto me ensinando com um baldezinho. Também treinei em uma bacia. Isso até que um sanfoneiro emprestou seu instrumento para Clauberto, que começou a puxar algumas músicas. Esse homem da sanfona tinha todos os instrumentos: zabumba, triângulo... Deixou lá em casa um bocado de tempo. Antes a gente brincava com instrumentos de lata. Montava um baldezinho e começava a tocar. Passou uns três meses e comecei a tocar num instrumento de verdade.


ZONA SUL – Como foi deixar de tocar um balde para tocar uma zabumba de verdade?
ANDERSON – Foi um pouco diferente. Eu não conhecia o que era uma zabumba. A passada foi muito diferente. Mas eu gostei do que eu peguei. Pegar no instrumento de verdade até aumentou a motivação.


ZONA SUL – O que você sentiu quando soube que iria se apresentar em Natal?
ANDERSON – Me senti muito alegre. Me assustei um pouco também. Mas eu gostei. A gente foi fazer um trabalho que a gente gosta, e nossa apresentação agradou. No começo ficamos nesse vai-e-vem de vir tocar e voltar para Bom Jesus. Mas agora está melhor, recebemos muitos convites para tocar em festas e em eventos. São muitos shows que estamos fazendo.


ZONA SUL – Qual foi a maior dificuldade que você experimentou em trocar o interior pela capital?
ANDERSON – Foi no colégio. Já existiam as turmas, eu não conhecia ninguém. Mas agora está diferente. Hoje todos me tratam bem.


ZONA SUL – Você faz mais sucesso com as meninas do que faria se não fosse artista?
ANDERSON – (risos) Acho que sim.


ZONA SUL – Você planeja para o futuro seguir nessa vida de músico?
ANDERSON – Sim. Gosto muito. É isso que eu quero. Até a música que eu prefiro ouvir é forró pé-de-serra. Luiz Gonzaga está na frente de todos. É o meu preferido.