segunda-feira, 29 de dezembro de 2003

Entrevista: BABAL

O ARQUITETO DA MÚSICA POTIGUAR




No início da década de 1990 fui trabalhar na assessoria de imprensa da Fundação José Augusto. Foi lá que conheci Babal. Ele coordenava o núcleo de música da Fundação. Quando as atividades profissionais davam uma folga, sacava sua viola e tocava para nós, seus colegas de trabalho e fãs. Arrisquei até escrever algumas letras para o amigo. Elas viraram belas canções. Em outubro, Babal lançou seu segundo CD: Escritos. É sobre esse novo disco, a carreira, a música potiguar, o Flor de Cactus, e, enfim, sobre a vida que iremos tratar nessa entrevista que começa agora. (Roberto Homem)


ZONA SUL – Erivaldo do Nascimento Galvão é o nome que consta no seu registro de nascimento. Como Erivaldo Galvão transmutou-se em Babal? Aproveitando a pergunta, conte-nos um pouco sobre a sua infância. Na música Avenida 10, gravada no seu primeiro CD - Algumas Pra Dançar, Outras Pra Se Ouvir - você fala das brincadeiras e dos amigos daquele tempo. Era aquilo mesmo?
BABAL – Depois da adolescência foi onde tudo começou, em relação ao apelido. Eu só era chamado Babal em casa e na família. O contato com as pessoas fez com que passassem a me conhecer também na escola por Babal. Minha infância foi muito boa, divertida e sem muitos anseios. Morava num bairro pobre, o Alecrim (onde nasci), e meus divertimentos eram as brincadeiras de rua, o Dia das Crianças e a época do Natal (pelos presentes). Tudo o que eu citei na música Avenida 10 fez parte do meu mundo.

ZONA SUL – Quais suas principais influências musicais? E o primeiro contato com um instrumento? Como começou a compor e a cantar? E o desejo de ingressar no mundo artístico, como surgiu? Fale-nos sobre o seu processo de criação. Agora, com a informática, você recorre a algum software para auxiliá-lo a compor ou a fazer arranjos?
BABAL – Minhas influências foram muitas. Eu ouvia uma amplificadora no meu bairro que tocava Waldick Soriano, Carlos Alberto, Anísio Silva, Roberto Silva, Jackson do Pandeiro, Gonzagão, Trio Los Panchos, Núbia Lafaiete, Ademilde Fonseca, Trio Irakitan, Emilinha Borba... Enfim, era uma massa diversificada de gêneros musicais e isso muito me ajudou, e ajuda até hoje, a compor minhas canções. O contato com o violão começou quando meu irmão, Eri Galvão, estava aprendendo a tocar. Ele conseguiu um violão emprestado e passei a estudar. Daí eu via a maneira que ele armava os acordes e passei a imitá-lo. Quando ele voltava para casa eu perguntava se estava certo. O ingresso no mundo da música se deu de forma muito informal e sem nenhuma pretensão. Comecei a criar algumas melodias com parceiros letristas como Leonardo, Jaumir Andrade e Enoch Domingos. Não tenho nenhuma maneira específica para compor. Hoje faço letras e melodias, musico poemas e letras de outros parceiros, como também coloco letras em melodias que eu goste. Sobre a informática me ajudar a compor arranjos, não me considero com habilidade para trabalhar com música em programas de computador.

ZONA SUL – Segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira (http://www.dicionariompb.com.br/) você começou sua carreira artística em 1976 como integrante do grupo Bando de Natal. Depois disso participou do grupo Flor de Cactus, com o qual gravou dois elepês. Conte como o grupo foi criado, quanto tempo durou e os motivos para a dissolução. Quem integrava o Flor de Cactus e o que cada um faz hoje?
BABAL – O Bando de Natal teve na sua formação basicamente três músicos /compositores: Enoch Domingos, João Galvão e Babal. Até hoje trabalhamos juntos. O Flor de Cactus foi criado a partir de uma banda de baile chamada Impacto Cinco. Houve uma proposta de uma gravadora, a RCA, para que essa banda, através do produtor Gileno Wanderley (Leno), fosse até São Paulo gravar um elepê. O disco foi gravado e no ano seguinte a banda seguiu estrada e mudou-se para o Rio de Janeiro. Fui junto nessa viagem, já como instrumentista e compositor. No primeiro disco eu era compositor. Ao todo o Flor de Cactus gravou três elepês.

ZONA SUL – Como foi a experiência de trocar Natal pelo Rio de Janeiro? Quanto tempo você permaneceu por lá? E o retorno para Natal? Fale também das pessoas que conheceu, dos parceiros com quem passou a compor. Você foi amigo de Sérgio Sampaio? Faça um resumo daqueles tempos.
BABAL – Minha saída de Natal foi um pouco dolorida para meus pais, inclusive porque eu deixei o curso de arquitetura no sétimo período para trabalhar com música numa outra cidade. Minha mãe sempre fala que minha decisão foi sem eira nem beira, mas eu tinha a coragem e a certeza de que a música era um grande caminho a seguir. Passei quatro anos e oito meses no Rio, experiência que me rendeu conhecimentos mis, parcerias eternas e um aprendizado a toda prova. Henfil, um dia conversando com os artistas potiguares, falou que para qualquer pessoa dizer que sabe viver, primeiro ela tem que fazer uma pós-graduação de pelo menos dois anos no Rio ou em São Paulo. Isso ele falou na década de 1970. Tive muitos parceiros: Petrúcio Maia, Beto Fae, Stelio Vale, Geraldo Azevedo e Bráulio Tavares, entre outros. Sérgio Sampaio morava ao lado do apartamento de Jatobá, compositor da música Matança, mais conhecida na interpretação de Xangai. Eu tocava violão nas apresentações de Jatobá, já que até hoje ele não toca nenhum instrumento, apesar de compor muito bem. Certo dia, Sérgio Sampaio conversando comigo e Jatobá colocou a possibilidade de fazermos algumas apresentações juntos. Eu seria o músico que lhe acompanharia. Os contratempo e os desencontros impediram essa parceria de vingar.

ZONA SUL - Geraldo Azevedo o considera “uma grande referência na música brasileira” e “o mais importante compositor do Rio Grande do Norte”. Suas músicas foram, e continuam sendo, gravadas por dezenas de artistas potiguares. Artistas como o próprio Geraldo Azevedo e Joanna também interpretaram suas composições. Qual sua primeira música a ter projeção nacional? E depois dela, quais os outros principais sucessos?
BABAL – Minha primeira música a ter projeção nacional foi uma versão feita em parceria com o próprio Geraldo Azevedo da canção Tommorow Is A Long Time (O Amanhã É Distante), de Bob Dylan. Joanna gravou Renascer, parceria minha com João Galvão. Isso foi bem antes, mas como essa música não foi trabalhada, não aconteceu muita coisa. Infelizmente quando a gente está longe do eixo Rio-São Paulo a possibilidade de aparecer para o país é muito pequena. Todo o trabalho fica restrito aos seus eternos ouvintes.

ZONA SUL – O uso de drogas e bebidas alcoólicas é comum no meio artístico. Você é completamente abstêmio. Abusa apenas da coca-cola e de outras marcas de refrigerante. Como foi morar no Rio, conviver com situações onde colegas recorriam à química para suportar a vida e você permanecer “limpo”?
BABAL – Nunca fui de beber coisas alcoólicas, mas sempre convivi com pessoas que bebiam a noite inteira e iam para casa embriagados. A verdade é que nunca tive tesão por bebidas, fumo ou similares. Por outro lado, sempre soube entender o papo dos outros.

ZONA SUL – Entre outros, a Paraíba exportou Elba Ramalho, Zé Ramalho, Vital Farias, Chico César e Cátia de França. Pernambuco revelou Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Antonio Nóbrega, Nana Vasconcelos e Chico Science. Do Ceará despontaram Ednardo, Fagner, Amelinha, Marlui Miranda e Belchior. Por que o Rio Grande do Norte, apesar de ter artistas da mesma estatura que os citados, não conseguiu o mesmo sucesso desses outros estados nordestinos? Dos músicos, artistas e compositores potiguares, quem você apontaria como merecedores de uma maior atenção?
BABAL – O Rio Grande do Norte tem excelentes artistas como Pedro Mendes, Sueldo Soaress, Galvão Filho e Cida Lobo. Tem tanta gente boa que todos os nomes não caberiam em uma única página. Na verdade o que acontece aqui em Natal é que os órgãos que deveriam apoiar a produção cultural do nosso povo correm da raia. Nos deixam a ver navios e criam uma cidade de fora dentro da nossa, como se Ponta Negra não fosse aqui, como se a Redinha não fosse bonita... Sequer vêem beleza na Boca da Barra. É tudo muito louco, pois temos aos nossos pés as melhores coisas e sempre falamos das belezas de outros lugares. Imagine se a praia de Ponta Negra fosse situada em Nova York... Certamente ela seria considerada a praia mais bela do mundo! No entanto, nem falamos, nem citamos e nem fazemos uma festa quando nos referimos ao que é belo e que é nosso. Precisamos amar nosso chão enquanto estamos vivos.

ZONA SUL – O que costuma tocar no som de sua casa atualmente? Você espelhou sua carreira em alguém? A música brasileira está bem servida? O que você acha dos novos cantores e compositores que despontaram nos últimos anos, como Chico César, Zeca Baleiro, Ceumar, Maria Rita e Mônica Salmaso? Que outros você incluiria nesta lista?
BABAL – Depois da década de 1980 surgiam várias bandas de rock, principalmente de Brasília, que trouxeram uma nova postura musical com temas polêmicos nos seus conteúdos. Já a década de 1990 nos brindou com uma outra geração que estava guardada em banho-maria nos espaços culturais de Sampa. Como o Brasil é bem servido de música, esperamos a cada dia o surgimento de novos e mais novos para que a música de qualidade volte a ter espaço no cenário nacional.

ZONA SUL – A queda do poder aquisitivo da população e o alto preço cobrado pelos CDs provocou no Brasil uma explosão de venda de discos piratas. Além disso, a facilidades da informática permitem hoje a troca de músicas pela Internet. Natal está vivendo o fenômeno do fechamento das lojas discos. Empresas tradicionais como A Modinha já encerraram suas atividades há tempo. Como você analisa a atual situação do mercado fonográfico brasileiro?
BABAL – É muito complicado falar sobre a pirataria de CD’s e DVD’s. Veja bem, se você analisar o custo de um disco, vai perceber que para pagar sua produção é necessária a venda de um certo número de CDs. Mas, mesmo depois de obter o pagamento da produção as gravadoras continuam com a segunda, terceira e quarta tiragens, majorando o preço. Isso não deveria ocorrer. Se não fosse feito, os preços baixariam, o que motivaria mais pessoas a consumirem discos originais.

ZONA SUL – Seu primeiro CD, Algumas Pra Dançar, Outras Pra Se Ouvir, trás preciosidades como Dia Negro (Babal), Avenida 10 (Babal), Esse tem (Babal e Jaumir Andrade) e Cantar (Galvão Filho). Também conta com as participações especiais de Geraldo Azevedo, Cláudio Nucci, Alphorria, Chico Guedes e João Galvão. Como as pessoas receberam esse trabalho? As vendas corresponderam às expectativa?
BABAL – A tiragem dos meus CDs é pequena. Meu trabalho é mais de registro da minha música. Mesmo assim a receptividade foi das melhores. As pessoas cantam minhas músicas pela cidade. Hoje não tenho mais comigo exemplares desse disco.

ZONA SUL – Escritos, seu disco recém-lançado, parece seguir a linha do CD anterior. Junto com Zé Ramalho, Miguel Lula, Galvão Filho, Heraldo Palmeira, Iana Ribeiro, Mirabô, Renato Braz e Fernando Luiz você conseguiu produzir um trabalho consistente e de excelente qualidade. Na minha opinião, canções como In Technicolor (Babal e Jaumir Andrade), Pra Que Repensar, Tudo Bem (Bob Dylan – Versão: Babal), Escritos (Babal e Enoch Domingos), Entre Bandidos e Heróis (Babal), Janaína (Mirabô e Jaumir Andrade) e Alicerce da Terra (Babal e Bráulio Tavares), que já havia sido gravada pelo Flor de Cactus, são daquelas músicas que marcam desde a primeira audição. Ah, a capa e o encarte são de um extremo bom gosto. Como está sendo a repercussão desse CD? Como as pessoas podem adquiri-lo? E como agendar apresentações suas?
BABAL – Estou me articulando para fazer a distribuição do novo CD nas lojas de disco, as que restaram, nas bancas de revistas e nos espaços culturais da cidade. A repercussão está sendo excelente, até porque o show de lançamento ajudou bastante na divulgação.

ZONA SUL – Além de cantor e compositor, quase arquiteto, você atualmente dirige o Instituto de Música Waldemar de Almeida, da Fundação José Augusto. É fácil conciliar tantas atividades? Com tantas tarefas para hoje, você está traçando planos para o futuro?
BABAL – Depois que você organiza e disciplina seu tempo, consegue qualquer coisa. As atividades com as quais venho trabalhando são todas correlatas, isso faz com que, quando necessário, eu dê mais ênfase a uma ou a outra, dependendo do momento. Não vejo como poderia ser diferente. Sobre a arquitetura, eu gosto muito de olhar os prédios...

sábado, 29 de novembro de 2003

Entrevista: Clodo Ferreira

REVELAÇÃO NA PONTA DO LÁPIS


O cantor, compositor, professor e publicitário Clodo Ferreira ocupa um espaço importante na

música brasileira desde meados da década de 1970. Tanto integrando o lendário trio Clodo, Climério e Clésio quanto em carreira solo, ele é responsável pela autoria de várias canções que estão gravadas na memória de sucessivas gerações, como Cebola Cortada (Petrúcio Maia e Clodo), Corda de Aço (Fagner e Clodo), Ave Coração (Clodo e Zeca Bahia), Revelação (Clodo e Clésio Ferreira) e Ponta do Lápis (Rodger Rogério e Clodo). Apesar de tanto tempo na estrada, Clodo nunca esteve em Natal. Ele chega agora pela primeira vez nas páginas do Zona Sul. A nossa torcida é que, em breve, ele também possa estar fisicamente para mostrar seu trabalho aos potiguares e conhecer o que o Rio Grande do Norte tem de melhor (Roberto Homem)


ZONA SUL - Muitas pessoas, até hoje, pensam que você é cearense da turma de Fagner, Ednardo, Manassés, Teti, Rodger Rogério e Petrúcio Maia. Por que essa confusão toda, já que você é piauiense?
CLODO - Acredito que essa confusão se dê porque, na década de 1970, eu, Climério e Clésio tivemos uma proximidade muito grande com alguns compositores cearenses. Eu, por exemplo, cheguei a morar durante um ano na casa de Rodger Rogério e de Teti, em São Paulo. Durante esse tempo fizemos muitas parcerias. Talvez uma outra razão seja o fato de Fagner ter gravado algumas músicas nossas que ficaram bastante conhecidas. Também podem ter contribuído as composições que Climério fez com Ednardo. Tudo isso fez com que algumas pessoas imaginassem que fôssemos cearenses. Na verdade eu sou de Teresina. Inclusive o primeiro disco de Clodo, Climério e Clésio recebeu o título de São Piauí. Enfim, acho que a confusão se dá mesmo por causa as músicas conhecidas feitas em parceria com os cearenses. Petrúcio Maia, por exemplo, é meu parceiro na música Cebola Cortada, para a qual fiz a letra e ele a música. Ednardo é parceiro de Climério na música Enquanto Engoma a Calça e em outras também conhecidas. Manassés participou dos meus dois CDs solo. Essa proximidade toda pode ter levado algumas pessoas a considerarem que somos cearenses.
ZONA SUL - Clodo, Climério e Clésio transformaram-se em sinônimo de música de qualidade a partir de meados dos anos 1970. De quem os irmãos Cli-Clê-Clô (título de composição de Nara Leão, Fagner e Fausto Nilo em homenagem aos três) herdaram o talento musical? Muitos músicos na família? Como foi que tudo começou?
CLODO - No meu caso, essa ifluência musical veio dos irmãos. Sou o mais novo dos três e eles começaram a tocar e a compor antes de mim. Fora disso, embora eu não considere uma influência, eu soube que meu pai tocava violão, embora eu nunca tivesse visto. A história é que, quando casou, parou de tocar. Nunca o vi tocando, só ouvi dizer. Uma vez eu estava tocando violão em casa e ele me disse que uma das cordas estava desafinada. Esse episódio foi uma comprovação, para mim, da teoria de que ele tocava. Em Teresina, naquela época, também se ouvia muita música. Era comum estar próximo de música, ou de manifestações populares, como bumba-meu-boi. Também tinha aqueles alto falantes tocando música nas ruas. Isso tudo era muito presente em Teresina, naquela época.
ZONA SUL - De que fontes você bebeu para moldar sua personalidade musical? O que costuma ouvir? O rádio foi importante na sua formação como compositor e artista? Quando começou a pensar em ingressar no meio artístico?
CLODO - Quando olho para trás, hoje, percebo que tive algumas influências básicas. A primeira delas é a memória do som que ouvia na infância e no início da adolescência, ainda lá no Piauí. O rádio era muito importante naquela época. Minha irmã mais velha, que infelizmente perdi há pouco tempo, tinha um caderninho com suas músicas preferidas anotadas. Muitos sambas-canções e boleros. A década de 1950 tinha uma carga emotiva, aquelas valsas e serestas. A própria bossa nova demorou a chegar no Piauí. Conseguir um disco de João Gilberto era uma façanha. A música nordestina também fazia parte desse ambiente, é claro. Depois, sinto que recebi um toque dos Beatles. Sou uma pessoa urbana, não sou uma pessoa rural. Minha formação emocional tem a lembrança infantil de Teresina, mas a cidade já era a capital do Piauí. Dessa forma, reconheço a influência que recebi dos Beatles, principalmente no gosto que tenho até hoje pelas baladas. Mais tarde, reconheço uma importância grande, na minha formação, recebida de Caetano Veloso e da Tropicália. Foi a partir daquele momento que imaginei que eu poderia ser artista também. Passei a me sentir liberado de alguns padrões da época. Antes, talvez eu não me achasse habilitado. Além da questão da voz, a Tropicália trouxe nas letras das composições uma temática mais próxima da nossa realidade. A música deixou de ser aquela coisa rebuscada. Falar do cotidiano passou a ser considerado arte. Diante disso tudo, senti vontade de também fazer minhas composições. Aquele era o jeito que eu queria. Posteriormente, já adulto, passei a observar com mais carinho e maior atenção a grandes compositores brasileiros, como Cartola. Na verdade, eles foram mesmo redescobertos pelo mundo musical brasileiro muito mais tarde. Esse pessoal da velha guarda também aprimorou meu desejo de compor.
ZONA SUL - Como foi a troca do Piauí por Brasília? Ainda sente saudades de sua terra?
CLODO - Naquela época nossa vinda para Brasília teve uma carga de esperança, de buscar um novo caminho. Clésio e Climério vieram antes para estudar. A intenção era buscar uma melhor qualidade na educação. Meu pai tinha um grande desejo que a gente se desenvolvesse nessa área. E ele conseguiu com que todos os seus filhos se formassem em algum curso de nível superior. Eu vim trazido, não participei da decisão. Na época tinha 13 anos de idade. Antes de trocar o Piauí por Brasília, passei dois anos no seminário de Teresina. É uma lembrança boa, não tenho recordações tristes de lá. Em 1975 concluí jornalismo e publicidade na Universidade de Brasília (UnB). Fiz essas duas habilitações. Em seguida resolvi passar um ano em São Paulo para experimentar a vida artística. Foi nessa época que morei na casa de Rodger e Téti. No mesmo período, Climério morava em São José dos Campos, cidade próxima a São Paulo.
ZONA SUL - Em Brasília você morou em uma quadra da Asa Norte, a 312, reconhecida até hoje como um centro difusor de cultura. Atualmente uma das principais atrações culturais da cidade é o evento promovido pelo açougue localizado naquela quadra, o T-Bone, que reúne música, literatura, dança e artes plásticas. Como eram os encontros culturais daquele tempo? Quem participava?
CLODO - Morei primeiro, durante três ou quatro anos, em Taguatinga, uma cidade satélite. Foi naquela época que comecei a ter um contato mais direto com a música. Comecei a compor aos 15 anos de idade. Participei de inúmeras atividades musicais lá. Tocava contrabaixo em um conjunto chamado Os Geniais. Na fase adolescente, fiz dupla com uma amiga chamada Ana. Imitávamos Leno e Lílian. Decorávamos aqueles vocais, era época da jovem guarda. Foi também em Taguatinga que comecei a compor em parceria com meus irmãos. Com Clésio eu fazia a letra, e com Climério, a música. Eu era como um coringa, já que um era bom letrista e, o outro, bom melodista. De Taguatinga fui para a quadra 312. A 312 era considerada uma quadra muito cultural. Como foi construída antes de todas as outras quadras da Asa Norte, ela ficou, durante muitos anos, meio isolada. Não sei se isso contribuiu, mas a 312 era extremamente produtiva, tinha muita gente ligada à arte. Foi lá que conheci meu parceiro Zeca Bahia. Fizemos muitas músicas em parceria, embaixo dos blocos e quadras. Mesmo depois que casei, permaneci morando lá durante muito tempo. Acho que entre 15 a 20 anos. Lembro de uma atividade que teve por lá chamada Panelão da Arte, que reunia shows coletivos ao ar livre, gratuitos. Foi um evento importante. Dizem que Fagner também morou por lá, mas não o conheci na quadra, nunca o vi por lá.
ZONA SUL - Além de artista você é professor da UnB e - segundo meu amigo jornalista e baiano João Carlos Teixeira - excelente publicitário. Como conciliar estas facetas todas?
CLODO - Fui publicitário profissionalmente durante cerca de 15 anos. Trabalhei nas agências como redator, em Brasília. Quando entrei na UnB acumulei as funções de professor e publicitário. Mas, em seguida, resolvi optar por ficar apenas na UnB, onde já estou há 20 anos. Sou professor de Criatividade na Comunicação. Recentemente criei uma disciplina nova chamada Comunicação e Música, que tem como finalidade estudar a relação da música dentro da comunicação, desde a década de 1920 pra cá. O programa do curso inclui informações sobre como era a relação da música no rádio, no cinema e na publicidade. Sou lotado no Departamento de Audiovisuis e Publicidade. Na verdade, eu nunca parei de manter uma outra atividade profissional regular só para me dedicar à música. Sempre fiz música e tive uma outra profissão de onde tirar meu sustento, digamos assim. Não dependo da música pra comer. Eu sempre quis preservar minha capacidade de fazer música sem ter que me submeter a outras imposições por uma questão de sobrevivência. Me sustento para poder fazer a música como eu quero. Isso tem vantagens e desvantagens, mas não me arrependo de ter feito essa opção. Até porque depois de 30 anos não dá pra dizer que não deu certo. Nada dá errado durante tanto tempo. Não posso dizer que não fiz uma boa escolha.
ZONA SUL - A formação do trio Clodo, Climério e Clésio ocorreu naturalmente? Por quanto tempo integraram esse grupo e por que não continuam mais? O que seus irmãos estão fazendo atualmente?
CLODO - Começamos a tocar em grupo depois de um prorama do qual participamos em 1976. Nós nos apresentamos individualmente, mas o produtor do programe entendeu que formávamos um grupo. Como cada umse apresentou após o outro e ficamos juntos no palco, ele teve essa impressão. Isso aconteceu em São Paulo, em um programa chamado Mambembe, a Vez dos Novos, da TV Bandeirantes. Depois desse programa, a gravadora RCA nos convidou para a gravação de um disco como Clodo, Climério e Clésio. Foi aí que percebemos, pois nunca tinha nos ocorrido, que poderia dar certo. Nosso último elepê lançado juntos foi o Afinidades, em 1992. Foi o sexto Clodo, Climério e Clésio. Desses seis, três saíram por gravadoras e três de forma independente. Depois saiu ainda uma coletânea, o único registro em CD do trio, lançado pelo T-Bone. Nessa época o grupo já tinha acabado, depois de ficarmos juntos 17, 18 anos. Como a gente fez o grupo meio por acaso, chegou um momento em que cada um foi construindo sua vida, sua família, seus compromissos. Eu fui o último a admitir o fim do grupo, segurei até onde pude. Mas chegou um momento em que vi que estava na hora de fazermos as nossas coisas individualmente. Depois disso, Climério gravou um CD sozinho, chamado Canção do Amor Tranquilo. Cada um de nós foi fazer suas coisas da forma como queria, preservando as individualidades, que nunca deixaram de existir. Em 1998 resolvi desenvolver um trabalho solo, fazer shows e gravar discos. De lá para cá já lancei dois CDs e tenho realizado bastante shows.
ZONA SUL - Qual o primeiro sucesso de Clodo, Climério e Clésio? E qual o seu sem a parceria dos irmãos? Quando alguém ouvir falar no seu nome, você gostaria que essa pessoa lembrasse de qual das suas músicas?
CLODO - Acho que a música de autoria de Clodo, Climério e Clésio que alcançou maior repercussão foi Por Um Triz, gravada por Nara Leão. Agora, Revelação, música de Clésio e letra minha, foi a de maior sucesso. Foi gravada por Fagner e regravada várias vezes por artistas como Simone, Engenheiros do Hawai, Wando, Razão Brasileira... Eu mesmo gravei no primeiro CD solo, o Corda de Aço, que está esgotado. Outra bastante conhecida é Cebola Cortada, letra minha e música de Petrúcio Maia. Outra que Fagner gravou, junto com Ney Matogrosso, foi Ponta do Lápis, uma parceria minha com Rodger Rogério. Com Zeca Bahia compus Velho Demais, que entrou na trilha sonora da novela Sem Lenço Sem Documento, da Rede Globo. No total, tenho mais de 100 músicas gravadas. Acho que, de todas elas, a que gostaria que lembrassem quando alguém falar no meu nome seria Ave Coração, parceria minha com Zeca Bahia.
ZONA SUL - Algumas de suas músicas são dedicadas a alguém especificamente? Conte também para os leitores do Zona Sul sobre suas parcerias mais importantes, além da realizada com seus irmãos.
CLODO -Como faço música em grande quantidade, não costumo pensar em dedicar ou compor para alguém especificamente. Dificilmente uma música minha tem um tema biográfico. Não funciona assim, por exemplo, se estou triste vou fazer uma música triste, ou se estou alegre vou fazer uma música alegre. Não faço música por um impulso do momento ou como se fosse um diário. Não é assim que funciona, pelo menos para mim. Às vezes alguém fala: "puxa, você quando escreveu a letra de Cebola Cortada devia estar em contato com a natureza, curtindo os pássaros...". Não é assim, até porque, quando estou na praia, estou curtindo a praia; na natureza, curtindo a natureza, e assim por diante. Evidentemente, imagino que meus sentimentos apareçam nas músicas. Isso é inevitável, mas não é uma coisa intencional. Como parceiro eu destacaria o Zeca Bahia, que era amigo da adolescência, quase irmão. Na juventude éramos do mesmo grupo. Com ele fiz Ave Coração, Beijo Insosso, Placa Luminosa... Destacaria também Dominguinhos, com quem fiz, entre outras, Carece de Explicação, gravada por Fafá de Belém, e Coberto de Razão, que Ângela Maria gravou. Também tive uma parceria com ele, Querubim, lançada no exterior em um disco de forró de David Byrne. Esse CD é uma seleção de músicas do Brasil e a nossa está incluída. Com Petrúcio Maia, com quem fiz Cebola Cortada, tenho algumas outras parcerias inéditas para serem lançadas. Embora em menor quantidade, também compus com Fagner. Fizemos, por exemplo, Corda de Aço, que ele gravou, e, Meio-Dia, gravada por Zizi Possi. Também tenho parcerias com Rodger Rogério, Fausto Nilo... Esses fora os mais constantes.
ZONA SUL - Na década de 1970 um selo ligado a CBS, o Epic, reuniu vários artistas que estavam despontando na época, entre eles Clodo, Climério e Clério. Como foi essa experiência?
CLODO - Foi uma experiência bastante relevante porque reuniu nomes que depois tiveram grande repercussão. Se não me engano, eram 35 contratados. O selo era dirigido pelo Fagner. Ele tinha uma influência muito forte. Foi nesse contexto que gravamos o nosso segundo disco, Chapada do Corisco. O selo reunia, entre outros, Elba Ramalho, Zé Ramalho, Amelinha, Geraldo Azevedo, Robertinho de Recife, Cátia de França e Terezinha de Jesus. Sinto saudades não só pelo Epic, mas daquele momento da MPB, quando eu me identificava com a música que era feita. Eu me sentia muito à vontade. Sinto saudades da relação que o público tinha com a música daquela época. Se não estou enganado, as pessoas daquele tempo têm uma lembrança forte de como aquela música era substancial. Mesmo hoje, quando a gente canta algumas daquelas músicas, o público lembra como uma força. Tenho saudades daquele clima.
ZONA SUL - Você guarda alguma mágoa ou má recordação dessa sua vida de artista?
CLODO - Eu diria que não. As coisas podem não ter acontecido como eu imaginei, quando tentei fazer carreira artística em São Paulo. Mas elas encontraram uma outra forma de contecer que talvez tenha sido melhor. Terminei continuando a fazer músicas e a lançar discos. Para uma pessoa com 30 anos de carreira, com tantas músicas gravadas e vários discos feitos, só me faltou, talvez, uma consagração explícita. Acho que seria bom para a minha vaidade e também para a divulgação do meu trabalho. Mas não acho que tenha porque ficar com más recordações.
ZONA SUL - Como é seu processo de composição de uma música? O que mudou com a chegada do computador?
CLODO - Meu processo de composição tem uma certa constância. Componho constantemente. Sempre estou pensando na possibilidade de compor uma nova música. De vez em quando concretizo. Com o afastamento natural dos parceiros do dia-a-dia, o que mudou mais recentemente foi que me vi em uma situação de compor sozinho tanto letra quanto música. E isso tem me agradado. De repente, estou gostando da experiência. Não que eu esteja fechado aos parceiros, mas estou gostando de fazer letra e música. Tem sido estimulante. Quanto ao computador, o que tem me facilitado - como tenho algum rudimento de Encore (software editor de partituras) - é na hora de registrar algumas melodias ou construir arranjos e linhas melódicas de instrumentos. Esse programa torna muito mais prático. Por outro lado, o computador não tem sido influente no processo de compor. Prefiro o violão.
ZONA SUL - Seus dois filhos, João Ferreira e Pedro Ferreira, estão começando a acompanhá-lo em shows e também participaram da gravação do seu último CD, o Gravura, lançado pelo selo da UnB Discos. Esses legítimos herdeiros são mesmo seus sucessores na música?
CLODO - Eles são músicos. João estuda música na Escola de Música de Brasília. Pedro também já estudou lá. Os dois têm seus próprios grupos e já estão começando a compor também. Eu diria que talvez eles sejam meus herdeiros no gosto pela música. Não sei se são em estilo, até porque eles têm uma outra vivência e perspectiva da música. João toca violão e Pedro percussão. Agora, pela idade deles - Pedro tem 24 e João 22 - acredito que, mais do que herdeiros, vão me superar em termos de música, já que estão se desenvolvendo muito bem. Penso que eles terão caminhos próprios. Agora, como músicos, a presença dos dois foi muito importante no meu último disco. Não como herdeiros, mas como parceiros na construção do trabalho. E essa experiência tem me deixado muito feliz.
ZONA SUL - O que você costuma ouvir atualmente? Que compositores, cantores e cantoras mais lhe agradaram nessas últimas gerações?
CLODO - Recentemente me impressionei com a Simone Guimarães. Não só pela sua voz, mas também pela personalidade. Acho que é uma cantora que terá um papel de destaque dentro dessa nova geração. Também gostei muito de Ceumar, outra que tem muita personalidade. Até por influência dos meus filhos, tenho ouvido alguns grupos do Nordeste e tenho gostado muito, como Mestre Ambrósio e Cordel do Fogo Encantado. Ouço meio que de carona, já que eles colocam pra ouvir e eu termino escutando também. Agora, dos consagrados, está me dando enorme satisfação ouvir os discos de Edu Lobo e os de Nana Caymmi. Dos novos compositores, me senti atraído pelo trabalho de Zeca Baleiro. Acho que ele conserva, de alguma forma, o vigor que facilmente se encontrava nas músicas da década de 1970. Ele tem uma poética que lembra a definição estética daquela época. E isso me agrada.
ZONA SUL - Você vem lotando as casas de espetáculo de Brasília com um show montado só com músicas do sambista Sinhô. E para o futuro, o que você está planejando?
CLODO - O show de Sinhô para mim foi uma abertura. Eu costumava cantar apenas as músicas de minha autoria. De repente me deu vontade de fazer um show com músicas de Sinhô, que, na verdade, é anterior ao samba. Pareceu que seria importante apresentar ao público atual algumas músicas que fizeram sucesso naquelas décadas e depois sumiram, não ficaram na memória. O show reúne músicas com arranjos deliciosos. Superei meu cuidado de não me apresentar como cantor. Na verdade, não me considero um cantor, sou mais compositor. Mas agora estou admitindo a hipótese de também ser intérprete. Percebi que posso, além de cantar as minhas músicas, interpretar algum repertório nem tão disponível. Isso abre uma perspectiva boa de ampliar minha capacidade de expressão. Confesso que jamais imaginei que fosse me aventurar por esse caminho. Mas, pela receptividade que tenho tido, pode ser uma coisa a ser trabalhada. O show com as canções de Sinhô reúne 10 músicas desconhecidas do público atual, com arranjos de época. Além da interpretação dessas músicas, acrescento informações de pesquisa. Não é só um show de cantar música, mas também de informar, de sensibilizar e de contextualizar a vida do artista. Para o futuro estou pensando em investir mais nessa linha de resgatar algum repertório específico. Também pretendo continuar produzindo e gravando coisas novas. Estou querendo encontrar uma forma de ampliar minha área de atuação além de Brasília. Tenho trabalhado muito aqui, também em Teresina, e, eventualmente, em Fortaleza. Gostaria de ampliar a possibilidade de fazer shows em outros lugares.
ZONA SUL - Como o poeta, que nunca esteve em Natal, imagina que seja a cidade? Exise algum desejo especial de nos visitar?
CLODO - Imagino que Natal seja uma cidade bastante acolhedora. A fantasia que tenho sobre a cidade é que ela seja acolhedora no sentido de que podemos encontrar pessoas que gostem de conversar, de trocar idéias de uma maneira mais calma, de uma maneira não muito intelectualizada, não muito competitiva. Não sei porque imagino isso, mas penso que é uma cidade no sentido mais prazeroso. Tenho desejo, muita vontade mesmo, de conhecer Natal. E se possível, até fazer shows por lá. Uma coisa que eu não sabia, e que achei interessante, é que Leno é de lá. Ele faz parte da minha formação musical na adolescência. Era a voz que eu fazia cover. Cheguei a conhecer um pouco do trabalho dele após o fim da dupla com Lílian. Tenho até curiosidade de saber o que ele anda fazendo hoje. Também conheci a Lílian, que era irmã de um amigo meu de Brasília. Victor Knupp. Imagino que em Natal, como em outras cidades do Nordste, deva ter uma produção cultural muito viva e relevante.
ZONA SUL - Para encerrar, o que você gostara de responder que não lhe foi perguntado?
CLODO - Gostaria, não por vaidade, mas por praticidade, que eu fosse tão conhecido como algumas de minhas músicas. Dessa forma eu teria maior possibilidade de viajar, de fazer shows e também condições de divulgar o trabalho que continuo fazendo. Se as pessoas me conhecessem como conhecem muitas dessas músicas, seria muito mais fácil continuar a me realimentar para produzir cada vez mais.

sábado, 25 de outubro de 2003

Entrevista: Terezinha de Jesus

O SOTAQUE DE TEREZINHA DE JESUS

Encontrei Terezinha de Jesus por acaso na Bienal do Livro de Natal. Ela estava com seu companheiro Falves Silva, que imediatamente se responsabilizou pelas apresentações. Depois dei uma carona a ela e a Falves até o Conjunto Ponta Negra. Eu estava participando da Bienal e deixava o Centro de Convenções acompanhado pelo meu amigo Costa Júnior (um dos sócios do jornal Zona Sul, o outro é Édson Benigno). No percurso surgiu a ideia: tentar resgatar um pouco da história de Terezinha, que é uma das mais importantes intérpretes nascidas no Rio Grande do Norte. A conversa se deu no dia seguinte, no estande do Senado, na Bienal. O resultado pode ser conferido a partir de agora. (robertohomem@gmail.com)

Quem é: Terezinha de Meneses Cruz nasceu em Florânia, no Rio Grande do Norte, a 3 de julho de 1951. "Tenho 52 anos bem vividos", disse Terezinha sem titubear, logo no início da entrevista, ao ser perguntada se teria algum problema em divulgar sua idade. A discografia da seridoense inclui os elepês Vento Nordeste (1979), Caso de Amor (1980), Pra Incendiar Seu Coração (1981), Sotaque (1982) e Frágil Força (1983). A estréia no vinil se deu em um compacto lançado pela Funarte, em 1978, pelo projeto Vitrine. Esse registro está disponível em CD da gravadora Atração, junto com as primeiras gravações de Zizi Possi, Oswaldo Montenegro, Cláudia Savaget e Mongol, com participação de Grande Otelo. Os CDs lançados por Terezinha foram 20 Sucessos de Terezinha de Jesus (1997), pela Sony, e Mares Potiguares, uma produção independente datada do ano passado.

Início:
ZONA SUL: Como Terezinha de Meneses Cruz transformou-se em Terezinha de Jesus?
TEREZINHA: Sou batizada como Terezinha mesmo, o diminutivo de Tereza. Quando comecei a cantar, eu tinha um apelido: Tiazinha. O grande poeta e compositor Abel Silva achava que esse era um nome muito familiar para ser o de uma artista. Lógico que essa Tiazinha de hoje ainda não tinha aparecido. Então Abel Silva decidiu sugerir um nome artístico pra mim. Uma certa ocasião ele perguntou o que eu achava de Terezinha de Jesus. Eu achei ótimo, lindo. Um nome bem brasileiro, que vem do folclore de Portugal. Tem até aquela musiquinha... Capinam e Paulinho da Viola, que estavam conosco, também gostaram. Com o aval de tantos poetas, resolvi, ali, passar a utilizar Terezinha de Jesus.
ZONA SUL: Como começou a cantar?
TEREZINHA: Minha família é toda musical. Em Currais Novos, quando criança, eu cantava em coral de colégio. Mas era com aquele monte de gente, eu não era solista. Quando vim do interior para Natal, minha irmã, Odaíres, já era cantora. O marido dela, Mirabô, também cantava, tocava e compunha. Fui convidada por eles para fazer uma participação especial em um show chamado Explo 70, no Sesc da Cidade Alta. Minha primeira aparição pra valer foi essa, em 1970. Depois da apresentação - que englobava artes plásticas, mostra audiovisual e um monte de coisas - disseram que eu não podia parar.
ZONA SUL - Quando você extrapolou as fronteiras do estado? Tentou seguir carreira em qual lugar?
TEREZINHA - Fiquei cantando aqui em Natal. Uma das boas lembranças que tenho é a participação em um festival de música popular nordestina. Eu cantei uma música de dois compositores potiguares: Ivanildo Cortez e Napoleão Veras. Quero Talvez Uma Nega era o título. Vencemos em Natal e Recife e perdemos em Salvador. Continuei em Natal por mais dois anos, integrando uma turma que tinha, além de mim, Mirabô, Márcio Tarcino, Expedito e outros. Era o Grupo Opção. Fomos todos para o Rio de Janeiro.

No Rio de Janeiro:
ZONA SUL - O sucesso chegou rápido? Foi fácil?
TEREZINHA - No Rio, antes de gravar, até 1978, 1979, eu trabalhei muito. Fui vocalista de Tim Maia, fiz vários jingles, gravei com o Trio Esperança, com os Golden Boys, o Quarteto em Cy... Sempre fazendo vocal. Depois, a convite de Fagner, que estava na CBS, gravei meu primeiro elepê. Eu já tinha repertório e muita gente me conhecia. Os shows que eu fazia estavam sempre lotados. Ía muita gente do meio artístico e jornalistas. Fagner perguntou se eu queria gravar. Claro que respondi que sim. Como tinha o aval de Fagner, entrei direto no estúdio, sem precisar de testes nem nada.
ZONA SUL - E o disco? Fez sucesso?
TEREZINHA - A repercussão de Vento Nordeste foi muito boa. A CBS nem pensava em trabalhar o elepê, em investir na divulgação. Só que, de cara, o disco vendeu três mil cópias. Aí eles resolveram me botar em campo, promover viagens para shows em São Paulo. Na verdade, a princípio eles não acreditavam. Gravaram o elepê para atender a um pedido de Fagner. Mas até hoje músicas como Curare, Vento Nordeste e Na Direção do Dia (também conhecida como Toada, música que depois foi gravada pelo Boca Livre) ainda são lembradas.
ZONA SUL - Como era a vida naqueles tempos do Rio?
TEREZINHA - Eu fiz muito programa de televisão. Participei do Chacrinha, do Fantástico... Estive em todos os musicais da TVE. Quando fui ao Chacrinha pela primeira vez, estava com medo de que fizessem comigo aquela onda de jogar pó de café. Mas, antes de eu entrar no palco, prometeram não jogar nada em mim. Fiz Chacrinha tanto na TV Bandeirantes quanto na Globo. Nessa emissora também participei de um programa chamado Geração 80, que passava nas tardes dos sábados. Fiz muitas vezes Almoço Com As Estrelas. Aliás, esse foi o primeiro programa em rede comercial do qual participei. Até então eu tinha feito vários especiais na TVE do Rio e na TV Cultura de São Paulo. O primeiro foi ao lado de Joanna, que também estava começando.
ZONA SUL - Além dessa história do temor de ser atingida por pó de café no programa do Chacrinha, você lembra algum outro fato inusitado na sua carreira?
TEREZINHA - Sim. Depois do primeiro disco, todas as vezes que eu lançava um novo a CBS fazia um clip para distribuir junto às emissoras de televisão. Eu estava gravando em umas dunas na Barra da Tijuca. Tinha dez crianças comigo. A música era Odalisca Em Flor, gravada no meu último elepê. Falava em elefante. Mas como alugar um elefante saía muito caro, eles optaram por uma leoa filhote. De repente, a leoa avançou em mim. Senti aquele peso na bunda. Mas a sorte é que não me feriu. Ficou só o vermelho da marca das unhas ou dos dentes do bicho, não tenho certeza. Também não inflamou, nem precisei tomar vacina. Mas o susto foi grande.
ZONA SUL - Qual o maior sucesso de sua carreira?
TEREZINHA - A música de maior sucesso foi Pra Incendiar Seu Coração, de Moraes Moreira e Patinhas. Aliás, Moraes Moreira é um dos meus compositores favoritos. Mirabô também. Gosto muito de Paulinho da Viola e de Fagner. Gravei uma de Fagner, depois de vê-lo cantando, que ele sequer pensava em gravar. Foi a música Cigano, que se destacou muito no meu elepê Vento Nordeste e posteriormente foi sucesso com ele também. Fagner, Paulinho da Viola e Abel Silva ajudaram muito na minha carreira artística.

De volta a Natal
ZONA SUL: Por que você não continua até hoje tocando sua carreira no eixo Rio-São Paulo?
TEREZINHA - Fiquei muitos anos no Rio de Janeiro. A gente sempre volta para a terra da gente quando as coisas começam a ficar difíceis... Saí da CBS porque quis. Já estava no terceiro contrato e aquilo começava a parecer um casamento. Eu achava que minha carreira não estava evoluindo, que eles poderiam investir mais em mim, que faltava vontade pra isso. Logo após gravar Frágil Força, em 1983, botei na cabeça que se o disco não emplacasse, não fizesse um grande sucesso, eu sairia da CBS. Eu pensava que seria mais ou menos fácil, com tanto tempo de carreira e tantos trabalhos bem feitos, conseguir uma outra gravadora. É um mistério até hoje. Não sei o que aconteceu, mas cansei de procurar. Então resolvi: se não querem que eu cante, então não vou mais cantar. Voltei para Natal em 1994.

Hoje em dia
ZONA SUL - As amizades daquele tempo não dão uma força para que você possa tentar voltar a impulsionar sua carreira?
TEREZINHA - Meu relacionamento com os cantores, compositores, os amigos daquele tempo, continua ótimo. Eu até precisaria, mas não sou de pedir nada. Eu sou persistente, mas somente até certo ponto. Pelo menos resta o reconhecimento do povo. As pessoas que me cnohecem sabem que fiz um trabalho legal, que ficou marcado. Quando faço shows, cantam comigo. Pra Incendiar Seu Coração, cantam todinha. Esse ano, pela primeira vez, recebi uma homenagem no Rio Grande do Norte. Foi o Prêmio Hangar, pelo conjunto da obra. A premiação teve o patrocínio do Banco do Brasil.
ZONA SUL - O que toca atualmente no seu aparelho de som?
TEREZINHA - Não ando ouvindo muito essa geração mais nova. Ainda dou preferência aos mais antigos, como Milton Nascimento, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Gal Costa... Também gosto de Marisa Monte. De Natal, gosto de muita gente: Pedrinho Mendes, Geraldinho Carvalho, Cleudo... Mirabô gravou, no disco que Babal vai lançar, uma música muito boa. Quem ouviu diz que ficou linda. Pra citar as mulheres também, porque se não fica muito machista, tem Odaíres, minha irmã, que também canta muito bem, tem Lane Cardoso, Lucinha Lira, Cida Oliveira e Glorinha Oliveira. Certamente esqueci alguém, já que Natal tem muita gente boa.
ZONA SUL - E os planos para o futuro?
TEREZINHA - Agora em outubro, no dia 21, vou me apresentar no Teatro Alberto Maranhão pelo Projeto Seis e Meia. Será o terceiro do qual participo. Naqueles tempos, fiz Projeto Pixinguinha em Recife, no Rio e em vários outros lugares. Eu pretendo ainda gravar muitas músicas. Minha voz está perfeita. Meu plano é ter a oportunidade de gravar um CD só com músicas inéditas.
ZONA SUL - Você teria algum recado para as pessoas que estão lendo essa entrevista?
TEREZINHA - Queria dar um recado a todo o Rio Grande do Norte. Que o estado dê mais valor aos artistas que nascem nessa terra. Que as pessoas tenham mais orgulho de ser norte-rio-grandenses.

quarta-feira, 1 de outubro de 2003

Jornal Zona Sul

Esse blog foi criado para reunir as entrevistas feitas pelo jornalista Roberto Homem para o jornal Zona Sul, de Natal, a partir de outubro de 2003. Fiquem à vontade para comentar, criticar, sugerir...