domingo, 20 de fevereiro de 2005

Entrevista: JOÃO LUIZ

JOÃO ALEGRIA ENSAIA SEU RETORNO AOS PALCOS




João Alegria é o nome que melhor define o paraibano de Itabaiana João Luiz de Araújo Almeida. Há dez anos morando em Pitangui, o hoje dono de restaurante quer recuperar seu espaço tocando na noite natalense.

Aquele início de tarde de janeiro estava quente na praia de Pitangui. Em compensação, a cerveja estava geladinha e o bate-papo agradabilíssimo. Na cozinha, postas de albacora sendo cozinhadas como prato principal do almoço - que tinha pirão, feijão verde e arroz como acompanhamento. Enquanto a bóia não era servida no restaurante Tenda, logo na entrada da praia de Pitangui, eu e o jornalista Costa Júnior nos deliciamos com um resumo da história do paraibano João Luiz de Araújo Almeida, 47 anos, o João Alegria tão conhecido nos veraneios do litoral norte, nas quebradas das Rocas, nos botecos da Praia dos Artistas e em tantas outras localidades de Natal e adjacências. Depois de ter se apresentado, neste veraneio, tocando e contando piadas em um bar praia de Pitangui, agora ele planeja cavar um espaço na noite de Natal. Os contatos podem ser mantidos pelo telefone (84) 226-2279.


ZONA SUL – Por onde começa a sua história?
JOÃO LUIZ - Nasci em Itabaiana, na Paraíba, a cidade de Sivuca. Meu pai, que já morreu, tocava violão. Ele tinha uma sapataria com onze empregados, Sivuca foi um deles. Meu pai terminou a vida passando jogo de bicho lá nas Rocas. Ele tocava muito violão, mas nunca se profissionalizou. Tocava só na farra mesmo. Meu pai teve seis filhos: três homens e três mulheres. Eu sou o quarto. Têm dois mais novos do que eu.


ZONA SUL – Sua mãe também tinha tendência para a música?
JOÃO LUIZ – Não. Mas minhas irmãs até hoje cantam muito bem. Ninguém se profissionalizou em música, na família. Nem eu. Toco vez por outra a convite de algum bar. Já toquei na noite de Natal. Lembro de algumas participações que fiz em shows de Expedito. Eu dava canjas nos intervalos. A senha para eu entrar era quando ele dizia: “agora vou tomar um leite”. Eu posso dizer que toco por influência do meu pai. Mas apesar de tê-lo visto sempre tocar, eu aprendi violão mais na rua mesmo, observando os outros. Quando eu passava num lugar e via alguém tocando, parava logo para ver. Toco violão desde menino, por volta dos dez anos, mas nunca estudei para aprender instrumento nenhum.

ZONA SUL – Como foi a troca da cidade de interior paraibana pela capital potiguar?
JOÃO LUIZ – Chegamos a Natal em 1961. Eu tinha quatro anos. Meu pai quis se mudar porque tinha um irmão morando em Natal. Meu pai sempre foi preguiçoso, eu sou igual a ele. Veio para Natal para se escorar nesse irmão. Quando chegou, mudou de profissão: passou a fabricar colchão de molas. A gente morava nas Rocas, na Rua Doutor Miranda. Passei uns 30 anos morando entre as Rocas e Santos Reis. A maioria dos meus familiares está na Paraíba. Em Santa Luzia, onde meu pai nasceu, e em Itabaiana, terra de minha mãe.


ZONA SUL – Seus pais se conheceram em Santa Luzia ou Itabaiana?
JOÃO LUIZ – Meu pai ia passando pela feira de Itabaiana, tocando violão. O irmão de Sivuca viu, e o convidou para ficar uns dias pela cidade. Ele topou. Minha mãe, que era noiva de outro rapaz, endoidou e acabou seu noivado quando viu meu pai tocar. Sivuca é primo legítimo de minha mãe. Ela foi quem fez a capa da sanfona que Sivuca usou quando foi se apresentar, pela primeira vez, na Rádio Clube de Pernambuco. Ainda hoje ele tem essa capa guardada. Mamãe está morando lá em Itabaiana, Sivuca também. Ele está com um problema na garganta. Há pouco tempo Sivuca esteve em Natal para participar do enterro de um irmão, no Morada da Paz. Ele disse à minha mãe que antes de morrer quer deixar pronta uma sinfonia de sanfona. Como Beethoven fez para piano, ele está escrevendo uma para sanfona.

ZONA SUL – Você teve alguma ligação ou algum contato com Sivuca?
JOÃO LUIZ – Meu pai foi quem deu a ele os primeiros acordes de música. Tenho algumas boas recordações dos tempos de infância, quando ele me levava nos braços para tomar banho no rio, e coisas assim. Hoje em dia, quando ele vai a Natal é para fazer shows e já chega com uma agenda definida. Como moro em Pitangui, dificilmente tenho oportunidade de encontrá-lo. Gosto de tocar algumas de suas músicas, como No tempo dos quintais, parceria com Paulinho Tapajós e que Fagner gravou. Infelizmente hoje não tenho mais muita aproximação com Sivuca.


ZONA SUL – Que influências musicais você recebeu?
JOÃO LUIZ – Principalmente de Fagner, Zé Ramalho, Luiz Gonzaga... Meu repertório é composto a partir destes três e mais Alceu Valença, Chico Buarque, Caetano, Geraldo Azevedo, Zeca Baleiro e Zé Geraldo, compositor de quem gosto muito. Também gosto muito de escutar e tocar Renato Teixeira e Almir Sater. Dá para perceber que minha viola não pode reclamar de que anda mal acompanhada.

ZONA SUL – E os estudos? Você abandonou antes de concluir o curso primário, como o presidente Lula?
JOÃO LUIZ – Eu disse que era preguiçoso, mas não exagere. Estudei no Café Filho, nas Rocas; na Escola Técnica de Comércio, na Junqueira Ayres; e terminei o segundo grau, especialização em Contabilidade, na Escola Técnica de Comércio Alberto Maranhão, nas Rocas. Além de estudar, eu já trabalhava. Meu primeiro trabalho foi em olaria, fabricando produtos de barro. Depois disso fui vendedor na feira. Em seguida fui empregado de Luis Damasceno, na Livraria Encontro, na Avenida Rio Branco. Eu era chefe de papelaria. Fiquei uns quatro anos por lá. Daí fui trabalhar com eletrônica. Trabalhei na Eletrônica Suzana, na Nova Eletrônica, na Gradivox e Gradiente Polyvox. Cheguei a botar uma oficina de eletrônica, mas deixei.


ZONA SUL – Em que época Pitangui passou a fazer parte de sua história?
JOÃO LUIZ – Foi no finalzinho dos anos 70 do século passado. Apaixonei-me pela praia e estou morando aqui há dez anos. Quando ainda morava e trabalhava em Natal, todos os anos - quando se aproximava a época do veraneio - eu pedia demissão de onde estivesse para poder curtir o verão na praia. Depois do carnaval é que eu voltava e ia novamente batalhar emprego. Uma vez mandei um pescador ir à empresa dar baixa na minha carteira profissional porque eu não queria sair da praia de jeito nenhum. Eu não tinha muita dificuldade de ser readmitido até porque era um bom profissional. O problema é que quando eu começava a curtir aqui na praia, não queria voltar mais. Um ano vim votar em Pitangui, cheguei no próprio dia 15 de novembro, e só voltei depois da Semana Santa. O pessoal lá de casa veio me buscar.

ZONA SUL – O que tem em Pitangui que virou a sua cabeça?
JOÃO LUIZ – O negócio é que eu sempre gostei de interior. Depois que mudei para Natal, fui passar umas férias em Itabaiana. Eu não queria mais voltar. Foi assim em todas as vezes. Dei muito trabalho à minha mãe. Certa ocasião, me escondi. O trem foi embora sem mim. Tiveram que comprar outra passagem para eu voltar. Em Pitangui encontrei essa tranqüilidade e essa irresponsabilidade, entre aspas... Na verdade passei a ser responsável agora que nasceram meus dois filhos. Mudei da água pro vinho. Mas foi naquele início, quando passei a vir nos finais de semana para encontrar a turma toda em Pitangui, que ganhei o apelido de João Alegria. Eu trabalhava durante a semana e vinha para cá. Tinha vez de eu vir mesmo durante a semana, á noite, após o horário de trabalho.


ZONA SUL – Como era seu veraneio de três meses? Você não tinha casa em Pitangui...
JOÃO LUIZ – Não, não tinha casa. Na verdade a gente não veraneava, mas “varandeava”. Chegava na varanda de uma casa desocupada, armava uma rede e ficava por ali... Mas tinha os pontos de apoio, as casas de algumas pessoas, como Lula, onde a gente almoçava, bebia e se divertia. Logo no início a gente almoçava no barraco de Dona Jovenita, que funcionava na beira da praia. Não tinha nem energia elétrica nessa época. Era um negócio bem primitivo, do jeito que a gente gostava. Noite de lua era uma beleza. Além disso tudo, os pescadores também me cativaram. Gostei muito da simplicidade de todos eles. Hoje, toda a minha família que mora em Natal tem casa aqui.

ZONA SUL – Foi fácil decidir morar em Pitangui?
JOÃO LUIZ – Resolvi morar na praia depois que arrumei uma namorada daqui. Eu já tinha um terreno, acertamos de juntar nossos troços. Fiz um biombozinho e botei ela aqui dentro de casa. Logo em seguida, comecei a trabalhar em Parnamirim, na revendedora da Brahma. Todo dia eu ia trabalhar em Parnamirim e voltava. De moto. Chegava lá, participava de uma reunião, sentava na moto e passava o dia pra cima e pra baixo vendendo. No final do dia retornava, na moto, para Pitangui. Mas a revenda fechou - e eu também ainda estava com raiva de trabalhar com eletrônica – então terminei botando um barzinho aqui na minha própria casa, em Pitangui. É onde recebo os amigos, e também tiro o sustento da família. Minha mulher também vende roupas e a gente vai vivendo. Além de bebidas, vendemos também tira-gostos e refeições. Servimos pratos como galinha caipira, guiné, peixe... Vez por outra rola uma violazinha. Às vezes toco em outros bares ou em festas particulares. E a gente vai vivendo. Sempre entra um extra.


ZONA SUL – Você chegou a acalentar o sonho de gravar CD ou viver de música?
JOÃO LUIZ – Agora é que estou começando a pensar nessas possibilidades, já que tenho dois meninos para dar de comer. Estou pensando em voltar para Natal. Tenho um parceiro, que está se apresentando comigo em shows nesse veraneio. É com ele que pretendo cavar um espaço em Natal. Tenho muitos amigos que cobram isso. Meu estilo é tocar uma, duas músicas, parar e contar algumas piadas. Tipo uma sacanagenzinha legal.

ZONA SUL – Que tipo de piada você costuma contar durante esses shows?
JOÃO LUIZ – Mais ou menos assim... Iam passando um delegado e um soldado em uma cidade de interior, como Pitangui. Viram um cara fazendo bastante zoada num bar. O delegado mandou o soldado prender o desordeiro. O soldado entrou no boteco, olhou para o cara e disse: “ei, teje preso!”. O cara olhou pro soldado e respondeu: “vai tomar banho, imundo”. O soldado voltou para o delegado e contou o que tinha acontecido: “eu dei voz de prisão ao homem, mas ele me mandou tomar banho, dizendo que eu estava imundo”. O delegado retrucou: “nem para soldado você presta, vou lhe mostrar agora como se prende um cabra safado”. Logo ao entrar no boteco, o delegado gritou: “ei!”. Quando o desordeiro olhou, levou logo uma tapa na tábua dos queixos. Ele caiu só a merda no chão. Seus documentos caíram também. O delegado apanhou os documentos. Quando olhou, viu que o cara era coronel do Exército. Virou-se para o companheiro e disse: “soldado, pelo amor de Deus, que diabos vamos fazer? O homem é coronel do Exército...”. Imediatamente o PM respondeu: “você eu não sei não, mas eu vou logo tomar o banho que ele mandou”.


ZONA SUL – Você farreou muito... Natal, Pitangui...
JOÃO LUIZ – Natal, Pitangui, Recife... Fiz uma farra há pouco tempo, uns dois anos, com o arquiteto Fabiano Pereira. Ele me chamou pra gente ir buscar um burro de barro lá em Tracunhaém, em Pernambuco, a terra do barro. Como já contei, trabalhei em olaria. Fabiano tinha mandado fazer um burro de madeira. O cara tinha cobrado 3.500 reais. Eu sugeri que ele comprasse um de barro, em Tracunhaém. Saímos numa cabine dupla, ar-condicionado. Eu, ele e outro cara. A gente biritando e parando para tocar violão a viagem toda. Quando parava em uma federal, botavam logo bafômetro. E a gente alegava que o outro estava dirigindo. Foi uma farra boa, durou três dias. Carpina, Tracunhaém, Recife, João Pessoa, Caruaru...

ZONA SUL – Diz a lenda que, em uma dessas farras, você chegou a ser expulso de uma cidade... JOÃO LUIZ – Aconteceu em Currais Novos. Foi o seguinte. A gente estava acampado lá, para curtir uma vaquejada. Acampamos em uma praça que tinha a estátua de Tomás Salustino. Tinha outra turma na praça também, mas eles não estavam com a gente. Por sacanagem, defecaram em uma quenga de coco e botaram a merda em cima da estátua. Algumas senhoras viram a presepada. No dia seguinte, um domingo, fomos acordados logo cedo com aqueles coturnos chutando as nossas barracas e uma voz anunciando, num carro de som, a lavagem da estátua de Tomás Salustino que os vândalos, os marginais de Natal, tinham sujado. Até a vaquejada parou para o povo ver a gente lavar aquela estátua. Em seguida fomos escoltados até a saída da cidade. Depois foi que vim saber quem tinha feito aquela presepada...


ZONA SUL – E o seu desencontro com Geraldinho Azevedo?
JOÃO LUIZ – Uma colega nossa que tem uma loja de discos, sabendo que eu era fanático por Fagner, disse que o traria para passar uns dias em Pitangui. Só que ao invés de trazer Fagner, ela trouxe Geraldo Azevedo. Eu já tinha decorado a casa toda com capas de elepês de Fagner... Quando Geraldo chegou, ficou meio desconfiado. Imediatamente eu repeti o ditado popular: “quem não tem cão, caça com gato”. Ele já pegou ar comigo por causa disso. Mas passou quatro dias com a gente aqui, tocou muito violão e tudo o mais. Eu até soube por intermédio de Babal que Geraldo Azevedo fez uma música aqui nessa estadia, e que nem queria gravar. Babal foi quem insistiu. A música é aquela... “Mel / Eu quero mel / Eu quero mel de toca cor...”. Foi um sucesso! Ele passou quatro dias com a gente aqui, em uma Semana Santa, só não lembro qual foi o ano.

ZONA SUL – Você teve contato com outros artistas?
JOÃO LUIZ – Tive contato com Antonio Marcos lá na Tenda do Cigano, um lugar de boêmia na Praia do Meio. Vendia um caldo a cavala, aquele caldo com ovo dentro, que era uma maravilha. Eu vendo aqui também. Aliás, o nome do meu bar é Tenda, em homenagem à Tenda do Cigano. Também conheci Belchior, Cauby Peixoto, Fagner... Mas todos esses foram conhecimentos de farra. A impressão que tenho de todos eles é a melhor possível. São meus ídolos - Fagner, principalmente. Sobre Geraldo Azevedo, ele é excelente compositor, é um violão fora de série, mas não gosto da sua voz.


ZONA SUL – Qual o esquema do seu bar?
JOÃO LUIZ – Ele é um bar para amigos. Como estou morando em Pitangui, os amigos vêm me visitar aqui. Comem uma galinha, tomam uma cerveja, a gente bate aquele papo, rola uma viola... Viola nunca falta. Quase todos os clientes são meus amigos e quase todos eles tocam. Para chegar no meu bar tem que ir a Pitangui e entrar á esquerda logo depois do cemitério. Tem uma placa: Tenda – Bar e Restaurante. Está aberto todos os dias, já que eu moro aqui.

ZONA SUL – O que mais conta a lenda sobre João Luiz?
JOÃO LUIZ – Tem uma história de quando eu trabalhava na olaria, lá na Rua São José. A tradição era de que quem entrasse por último, fechava o portão. Era um galpão grande, cheio de quartinha, louça, tudo que é objeto de barro. Louça crua. Cada um tinha um alojamento, mas quando fazia calor, eu dormia em cima de uma ruma de barro molhado, ou então em uma rede armada por cima. Só que, nessa noite, Zezinho, que era da Paraíba, esqueceu de fechar o portão. Entrou um burro mulo. Eu não sabia que o burro dormia em pé. Ele veio dormir em cima de minha rede, que estava armada por cima do barro molhado, com a cara em cima do meu rosto. O galpão tinha um bico de luz que iluminava pouco. Rapaz, quando abri os olhos, sentindo aquele bafo, diga aí o medo que tive na minha vida... Aquela cara em cima de mim. Mas o burro teve um medo grande também. Dei um grito que acordou todo mundo, a vizinhança toda. O burro saiu quebrando louça e tudo o que encontrou pela frente. Eu tinha passado a noite toda fazendo serão e o burro quebrou tudo.


ZONA SUL – Tem alguma mais recente?
JOÃO LUIZ – Têm muitas. Essa não foi comigo, mas aconteceu aqui em Pitangui. Um cara estava transando com a vaca de Dona Dulce. O delegado Paiva, que morreu há pouco tempo, era um magro arretado. Ela foi dar parte do cara que tava fazendo sem-vergonhice com a vaca. Quando vi, lá vinha, na beira da praia, o delegado, dona Dulce, um soldado e o cara puxando a vaca. Vez por outra, o delegado mandava e o cara dizia: “mooommmmm”. Foi encostando muita gente para ver aquela presepada. A cada um que chegava, o delegado explicava: “esse aqui estava querendo ser touro, marido daquela vaca, tava fazendo sem-vergonhice com ela”.

ZONA SUL – Conte uma com você participando...
JOÃO LUIZ - Eu trabalhava em uma eletrônica que o patrão costumava, no sábado, que o movimento era grande, dar apenas uma hora para a gente almoçar e pagar pela outra hora. Em certo sábado de carnaval, ele me liberou para o almoço e pediu que eu levasse um rapaz que tinha acabado de ser admitido na empresa. Antes de sairmos, ele ainda lembrou que tínhamos que estar de volta ao meio-dia, já que estávamos saindo às 11. O rapaz subiu na garupa da moto, fomos até um carrinho de lanches e cada qual comeu um sanduíche. Depois disso, levei o cara para um bar na Praia dos Artistas, onde hoje funciona um centro de artesanato. E pegue cerveja e o novato preocupado, pedindo para ir embora. “Homem deixe de conversa, você está comigo, eu sou gerente”, respondia eu, mentindo. Quando olhei para o relógio, duas da tarde. O menino novato já estava branco, com medo de perder o emprego. Subimos na moto e voltamos. Antes de ir para a loja, passei em uma farmácia, comprei um talco e despejei na minha cabeça e na do novato. Quando chegamos na loja, o dono estava na porta. Antes que ele reclamasse ou dissesse qualquer coisa, fui logo gritando: “é carnaval”. E saí despejando talco nele, nas gavetas com componentes, em todo mundo. Imediatamente ele ordenou: “fechem logo a loja que o homem endoidou!”


ZONA SUL – Essa “maluquice” lhe rendeu demissão?
JOÃO LUIZ – Não, porque foi um negócio tão espontâneo que ele perdoou. Eu também tinha um testa de ferro lá, um padrinho, que era o filho dele, doido por mim. Outra situação perigosa foi quando eu trabalhava na revenda da Brahma. Eles tinham um programa de excelência. De dois em dois dias um empregado era escolhido para fazer simulação de vendas na frente dos colegas. Em algumas ocasiões inspetores da Brahma vinham para fazer a pontuação da empresa. Também participavam da demonstração o dono, o gerente, o supervisor... Num determinado dia, o dono da Brahma tinha morrido e seu filho, um rapaz de pouco mais de 30 anos, tinha assumido seu lugar como sócio-majoritário da empresa. Nesse dia, cheguei atrasado, quando tava a turma toda lá. Quando cheguei, o vigilante me avisou logo: “a cúpula tá toda reunida e você chegando atrasado...”. Fiquei imaginando o que dizer. Lembrei de uma piada que se encaixava com a situação. Quando entrei na sala, tinha cerca de 100 pessoas. Todo mundo olhou para mim. Eu ia receber uma bronca do gerente e dos outros superiores. Olhando para o gerente, falei: “antes de você dizer qualquer coisa, eu quero me explicar”. Subi no palco e comecei. “Todo dia chego na hora exata”, essa foi a primeira mentira que eu disse, já que costumava chegar atrasado. “Mas aconteceu um negócio muito sério comigo. Ontem saí daqui às 8 horas da noite, embora meu horário seja até às 6”. Essa parte foi verdade, pois no dia anterior eu tinha vendido muita cerveja e ainda ajudei a preparar a carga do caminhão. E prossegui: “eu moro em Pitangui, sou bem casado, tenho três filhos...” Nem filho eu tinha nessa época. A equipe que trabalhava comigo, já sabia que eu era muito desmantelado, e todos estavam calados, esperando para saber onde eu ia chegar. “Tenho um guarda-roupa no meu quarto com seis espelhos nas portas. Toda vez que me levanto olho no espelho, para ver como estou. Mas ontem à noite, apareceu um rato no quarto, e minha mulher, ajudada pelos nossos filhos, tentou pegar o rato. Eles reviraram o guarda-roupa todo e terminaram botando as portas viradas para a parede. Eu não acordei na hora porque estava morto de cansado. Quando me levantei hoje, às 5 da manhã, que olhei para o espelho e não me vi, pensei logo. Já fui. Me deitei de novo e voltei a dormir”. Depois disso, todos caíram na risada. Para surpresa geral, o dono da Brahma gostou. Disse que o espírito de vendedor devia ser aquele, de alegria, e não o baixo astral que vinha tomando conta da reunião até então. Todos me abraçaram. Tempos depois o dono da revendedora me confessou: “mas, João, quando você entrou na sala, eu gelei”.

ZONA SUL – Por que você costuma dizer que se fosse artista seria humorista?
JOÃO LUIZ – Porque sempre fui de fazer palhaçada, até quando estou tocando violão. Meu apelido de João Alegria é realmente porque eu faço a alegria de todo mundo com as minhas brincadeiras. Já fiz presepada demais. No humor, admiro Tom Cavalcanti, Chico Anysio, Juca Chaves, Ary Toledo... Tinha aquele Barnabé, que eu gostava também. Mais antigo ainda, no rádio, tinha Vitório e Marieta. Além de MPB, em meus shows e também nas farras costumo interpretar algumas canções internacionais, do Pink Floyd, por exemplo, cantando com o meu inglês da Inglésia.


ZONA SUL – Mande um recado para o leitor do Zona Sul.
JOÃO LUIZ – Tenho muitos colegas que moram na zona sul de Natal e que certamente manterão contato depois que ler esta reportagem. Por isso quero deixar o meu telefone, para que esses contatos possam ser mantidos. É o 226-2279. A todos eu quero avisar que estou querendo voltar às paradas da noite. Ando fazendo uns showzinhos em Pitangui, mas quero voltar a tocar em Natal. Penso que vou engrenar agora na música. Estou com responsabilidade, tem até menino na jogada. Cheguei à conclusão de que só esse bar, não dá. Tenho que partir para outra.