quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Entrevista: Lindolfo Sales


NAVEGANDO PELAS ESQUINAS DA MEMÓRIA



A lição do poeta – de que navegar é sempre preciso – foi um dos principais ensinamentos que Lindolfo Neto de Oliveira Sales absorveu da vida. E ele navegou, navegou e navegou. De Pernambuco para o Rio Grande do Norte, de lá para o Rio de Janeiro, Texas, Missouri... A vida estudantil e profissional foi o vento que impulsionou Lindolfo por tantos portos mundo afora. Atualmente ele veleja dividido entre as águas de Natal e Brasília. Foi sobre a vida que Lindolfo conversou com o ZONA SUL. Uma vida de mares revoltos - que ele soube contornar com perícia - e calmarias, às quais coube aproveitar. Todos os leitores estão convidados a navegar ao sabor das palavras desse engenheiro civil, que hoje auxilia na construção de melhores dias para a previdência social brasileira. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – Lindolfo Neto de Oliveira Sales...
LINDOLFO – Sim. Nasci em Recife quando meu pai estudava Medicina lá, já que Natal não oferecia essa faculdade. Mas minha família é de Canguaretama, antiga Penha. É a última cidade do Rio Grande do Norte antes da Paraíba.
ZONA SUL – Como você se chama Lindolfo Neto, é quase obrigatório perguntar sobre o seu avô...
LINDOLFO – Não conheci o meu avô, Lindolpho de Oliveira Salles. Meu pai também praticamente não o conheceu. Ele morreu quando o meu pai tinha três anos e a minha avó estava grávida de um menino que foi batizado como Lindolfo Póstumo de Oliveira Sales.
ZONA SUL – É um nome inusitado: Lindolfo Póstumo.
LINDOLFO – Levou anos até ele conseguir, na justiça, modificar esse nome.
ZONA SUL – Mas, fale sobre o seu avô.
LINDOLFO – A família era de São José de Mipibu. Ele casou com Dona Candinha, que era viúva. Estabeleceu-se em Penha. Era dono do Engenho Murim e da Salina Pedra Fina.
ZONA SUL – Ainda se produz sal naquela região?
LINDOLFO – Não. Aquela região, de fato, nunca foi propícia para o sal. É uma região que chove muito. As salinas eram pequenininhas. Mesmo assim, papai – que foi arrimo de família – sustentou os irmãos com a produção da salina e do Engenho Murim, vendendo artesanalmente a cachaça e o sal.
ZONA SUL – O negócio da cachaça foi o seu avô quem colocou?
LNDOLFO – Sim, e a família herdou. Meu pai era, dos filhos homens, o mais velho. Ele assumiu a administração. Meu avô Abílio – com quem minha avó casou em segundas núpcias – era um homem excelente, um poeta, um escritor e tocava vários instrumentos de ouvido. Mas não tinha jeito para o comércio. Por isso papai assumiu logo cedo os negócios. Ele transferiu a família para Recife e educou todos os irmãos lá. Eram quatro irmãos do primeiro casamento de vovó e três do segundo casamento. Depois que todo mundo se formou, ele começou a estudar. Primeiro fez Direito e, depois, Medicina.
ZONA SUL – Até quando a cachaça Murim foi fabricada?
LINDOLFO – A Murim chegou até 1969, quando papai resolveu fechar e vender o engenho. Antes disso ele produziu um volume considerável de cachaças e armazenou. Até hoje tenho um pequeno estoque. Não se encontra mais a Murim que a gente fabricava. Depois que papai fechou o negócio, um tio dele, João Teixeira – irmão de minha avó – resolveu entrar para o negócio da cachaça. Ele instalou uns tubos e encheu de carvão ativado. Esse meu tio comprava várias cachaças da região – entre elas a Olho d’Água – filtrava e vendia. Aproveitando a marca, ele começou a vender a Murim Mirim, com rótulos estilizados. Com aquelas embalagens bonitinhas, a Murim Mirim teve boa repercussão, na época. Mas não era a Murim original. Essa só quem tem uma pequena reserva sou eu, desse estoque que papai fez.
ZONA SUL – Seu pai fechou o engenho para estudar?
LINDOLFO – Não. Quando ele fechou o engenho, já era médico. Embora hoje tenha cachaça mais cara do que whisky, naquela época essa bebida não tinha valor comercial. Meu pai estava ocupado com seu laboratório de patologia, que havia crescido muito. Ele também era professor da Universidade e suas atividades na área da medicina demandavam muito tempo. Ficou sem condições de continuar no negócio. Como nenhum dos irmãos quis assumir – todos já com suas vidas fora do Rio Grande do Norte – meu pai teve que fechar e vender.
ZONA SUL – Fale da sua infância em Recife.
LINDOLFO – Morei lá até os nove de idade, no bairro de Casa Amarela. Daquele tempo lembro quando vínhamos no final do ano para o Rio Grande do Norte. A estrada Recife-Penha era toda de areia. Atravessávamos aqueles canaviais, às vezes com enchentes, em cima de carros de usina que andavam em cima de trilhos, os chamados “troller”. O povo empurrando e a gente em cima. Era um verdadeiro circo. Éramos seis filhos, além da empregada e da bagagem, num Decavê... Quando furava o pneu, tinha que tirar tudo, para poder remendar. Meu pai mesmo consertava, com o motorista que ia com a gente. Quando concluiu Medicina, em 1961, já com 31 anos de idade, ele foi convidado pelo doutor Onofre para vir montar a cadeira de Anatomia Patológica na UFRN. Papai já fazia tipo uma especialização em Patologia com o doutor Barros Coelho, que era professor catedrático da UFPE.
ZONA SUL – Em Natal você foi estudar onde?
LINDOLFO – Inicialmente no Instituto Brasil, que era de Dona Carmen, e tinha também a Dona Pina, que era irmã dela. De lá fui pro Marista. Naquela época, para entrar no ginásio a gente tinha que passar no exame de admissão. Era quase um vestibular. Papai, que também foi formado em Matemática e era um homem muito inteligente, ajudou na preparação. Até hoje me lembro dos problemas que resolvia e dele com a varinha na mão: se eu errasse, era chicote nas pernas.
ZONA SUL – Conte uma recordação dos tempos do Marista.
LINDOLFO – Eu fazia parte da equipe de natação. Os principais times eram o Atheneu e o Marista, o resto eram escolas coadjuvantes. Havia uma rixa muito acirrada entre as torcidas. A gente ia todo dia para a Praia do Forte fazer exercício e nadar. Eu integrava a equipe de quatro de revezamento do Marista. No segundo ano ginasial, depois de treinar o ano todo, quiseram botar o filho de alguém importante para participar da equipe de revezamento, no meu lugar. Ganharíamos a medalha de qualquer jeito, pois éramos muito fortes. Na hora H quiseram me substituir. Reagi fazendo alguma grosseria e o padre chamou meu pai e me expulsou.
ZONA SUL – Onde você foi estudar?
LINDOLFO – A opção era o Atheneu, que era perto lá de casa. Mas como eu tinha uma rixa muito grande, não quis ir. Outras possibilidades eram a Escola Técnica Federal, que estava se firmando como uma boa escola, e o Salesiano. Para minha sorte, fui para o Salesiano. Lá encontrei colegas com os quais me entrosei como  a qual me entrosei. como Fernando Suassuna, Luiz Jackson e Juarez Alves, entre outros. Quando terminei o
ginásio tive que mudar de escola novamente, já que, naquela época, o Salesiano não oferecia o científico. Devido ao meu espírito aventureiro, pedi a papai para ir estudar no Rio. Ele deixou. Eu tinha 14 anos de idade. Não havia ônibus direto de Natal para o Rio de Janeiro. Papai foi de carro me deixar em Recife. Lá peguei um semi-leito da Progresso para o Rio. A viagem durou 48 horas. Atravessamos o Rio São Francisco em cima de balsa, pois ainda não tinha a ponte. Metade das estradas era de barro.
ZONA SUL – Onde você ficou hospedado, no Rio?
LINDOLFO – Nice - uma irmã de papai, médica - morava entre o Flamengo e Botafogo em uma rua chamada Marquês de Paraná. Antes de eu ir, ela alugou um quartinho, em uma pensão, para mim. Ficava na Marquês de Abrantes, também entre Flamengo e Botafogo. Na rodoviária do Rio, peguei um táxi, um fusca. Desci perto de onde morava a minha tia, para procurar o endereço da pensão. Na hora de pagar a corrida, tirei uma nota de dez cruzeiros novos da carteira. Era o Santos Dumont carimbado dez cruzeiros novos. Entreguei ao motorista, mas ele não tinha troco. Lá perto tinha uma padaria. Fui trocar o dinheiro. Quando voltei, cadê o táxi? Pensei que o cara tinha levado minha mala, mas ele havia se apiedado de mim e tinha deixado a mala no pé de um poste. Não cobrou a corrida e foi embora. Na pensão, fiquei em um quartinho de empregada, com um beliche. Mas com ajuda da minha tia fiz exames e fui aceito no São Clemente, que até hoje é um colégio excelente no Rio, e no Bennet, colégio presbiteriano originário de um grupo da Inglaterra. Fiquei no Bennet, uma escola maravilhosa.
ZONA SUL – Sua família pertencia à igreja presbiteriana?
LINDOLFO – Não, minha família é católica. Foi a conveniência de ser próximo, em Botafogo, e também porque fui aceito. Foi o primeiro ano que a escola abriu para aluno homem. Minha turma era pequena, vinte alunos, com apenas cinco homens.
ZONA SUL – Você já conhecia o Rio de Janeiro? Em qual ano foi isso?
LINDOLFO – Não conhecia. Terminei o quarto ano ginasial no Salesiano e me mudei para o Rio em 1969. Fiz o primeiro e o segundo científico e passei naquele exame do American Field Service (AFS). Fui estudar nos Estados Unidos.
ZONA SUL – Vivendo no auge da ditadura militar, no Rio, você notou alguma movimentação política?
LINDOLFO – Eu lia muito, mas tinha ido com a recomendação de papai para não me envolver. Assim mesmo, presenciei e participei de algumas passeatas, como aquela do estudante Edson Luis, morto lá no Calabouço.
ZONA SUL – Fale sobre sua ida para os Estados Unidos.
LINDOLFO - Passei na bolsa para fazer intercâmbio de um ano. Fomos quatro selecionados no Rio Grande do Norte: eu e três meninas. Elas depois se formaram em Medicina. Eu concluí Engenharia. Fui para Dallas, no Texas. Fiquei com uma família maravilhosa. O local, Highland Park, era como se fosse um distrito, uma cidade independente e muito exclusiva, dentro de Dallas. Fui para uma escola muito boa, que era a Highland Park High School. Fiz o terceiro científico lá. Fiquei de agosto de 1971 a agosto de 1972.
ZONA SUL – Você foi para os Estados Unidos já dominando o inglês?
LINDOLFO – Eu tinha uma noção básica. Diferentemente de papai, que falava algumas línguas sem nunca ter morado no exterior, eu nunca tive essa tendência. Meu vocabulário era bom, pois eu lia sempre a revista “Time” que papai assinava. Também tinha estudado inglês no SCBEU e com uma professora particular, em Natal. Mas não era fluente, enfrentei dificuldade. A sorte é que a minha mãe americana me ensinou muito. Também cursei uma disciplina chamada “Speech”, que ensinava toda a técnica de falar em público. Isso me ajudou muito no aprendizado da língua.
ZONA SUL – Como era essa sua família americana?
LINDOLFO – Meus pais americanos tinham três filhos: Ralph Cole Jones, o mais velho, fazia faculdade de advocacia. Ele estudava fora. Era o texano típico: alto e vermelhão. Seu apelido era “Red Dog”, “Cachorro Vermelho”. Joanne Jones estudava na França. Phillipe Jones era o da minha idade. Jogava no time de futebol americano da escola. Lá eles levam isso muito a sério. Ele era muito popular com as meninas, e até sobrava umas pra mim. (risos). Meu pai era um camarada que, apesar de ser americano nato, tinha espírito meio latino. Era um advogado bem sucedido em Dallas. Foi com quem aprendi a gostar de velejar: Joe Hill Jones. Antes disso esteve em Natal e nós velejamos com um “Day Sailer” no Rio Potengi, e de canoa lá em Pernambuco, em um resort. Tanto ele como minha mãe americana, Margareth, morreram. Tenho lembranças maravilhosas daquela época e mil histórias para contar.
ZONA SUL – Dessas mil, compartilhe pelo menos uma das que você gostaria de contar.
LINDOLFO – Tinha um lago artificial, um dos primeiros feitos para abastecer a cidade, que - depois que cumpriu sua finalidade e foi desativado - passou a ser utilizado para a prática de esporte. Era o “White Rock Lake”. Havia um clube de velejadores chamado “Corinthian Sailing Club”. Meu pai era sócio e a gente ia para lá velejar. Nessas ocasiões eu levava um saquinho de amendoins e seis latinhas de cerveja que vinham engatadas com um negócio de plástico. Geralmente era da marca Budweiser. No sábado e domingo a gente ia participar dos campeonatos. Minha mãe ficava doente! Phillipe não gostava de velejar. O companheiro de meu pai era eu. Quando chegou a época de voltar para o Brasil, ele ainda insistiu para eu ficar lá, estudando. Mas, como todo nordestino, sou muito apegado à família e, por isso, voltei. Quando meu pai americano estava morrendo, Ralph me ligou. Meu pai morreu consciente, com insuficiência cardíaca, falando comigo ao telefone. Foi uma emoção muito grande.
ZONA SUL – No retorno ao Brasil você foi para Natal?
LINDOLFO – Sim. Passei de setembro a dezembro literalmente brincando, na praia, tomando cerveja com os amigos, sem estudar, sem me preparar para o vestibular. Pensei que não fosse passar. Mas dei muita sorte. Fiz pra Engenharia.
ZONA SUL – Por que Engenharia?
LINDOLFO – Eu pensava em fazer Medicina. Tanto é que quando estudei no Rio, primeiro e segundo ano, orientei minha formação para fazer Medicina. Estudei muito Biologia. Mas Engenharia, naquela ocasião, tinha uma demanda grande. Meu pai, que tinha um tino empresarial muito grande, estava indo bem financeiramente como médico. Conversando comigo ele disse que se eu fosse Engenheiro, a gente poderia construir. Só que quando terminei Engenharia, a profissão estava em baixa. Mas eu não quis mais voltar para fazer Medicina.
ZONA SUL –Você começou a trabalhar antes de concluir o curso de Engenharia?
LINDOLFO – Estagiei durante pouco tempo na Ecocil (Empresa de Construções Civis Ltda) e depois em uma empresa de fora, a Procalco (Projetos Cálculos Construções Civis). No penúltimo ano, a Guararapes partiu para um programa inusitado na época, pelo menos para o Nordeste, que era um programa de trainees. Fomos selecionados três ou quatro pessoas. Foi um aprendizado muito grande porque era chão de fábrica mesmo: engenharia de produção. Nessa ocasião eu tinha uma namorada americana, irmã de uma moça que veio fazer intercâmbio lá em casa. Minha família recebeu muitos americanos. Quando o namoro foi ficando mais ou menos sério, pensei em juntar o útil ao agradável e ir estudar engenharia de produção - que eu estava concluindo - na universidade de Minneapolis, de onde ela era, uma das melhores do mundo. Com aquiescência da direção da Guararapes, fiz a seleção e fui aceito. A Guararapes pagaria o curso. Quando eu estava para ir, Nevaldo Rocha descobriu que tinha um curso similar mais barato na universidade de Santa Catarina. Não concordei com essa alternativa e saí da Guararapes. Imediatamente fui contratado pela Contral (Trairi), onde trabalhei um ano e meio. Depois de oito meses sob o comando do engenheiro civil Horácio Dantas - um dos melhores que conheci na vida – me entregaram umas construções. Depois disso surgiu outra oportunidade na minha vida, que foi a UFRN. 
ZONA SUL - Como foi?
LINDOLFO - Na época o reitor era Domingos Gomes de Lima, e o diretor do programa internacional da universidade era Solon Galvão. Estava vindo a Natal uma missão da universidade de Missouri. Doutor Wisxon era o diretor do programa internacional de lá. Ia dar uma palestra para a escola de engenharia, e doutor Solon me convidou para ser o tradutor para professores e alguns alunos. Quando terminou, doutor Solon me pediu para continuar como intérprete durante o almoço na carne assada do Marinho, onde Domingos ia almoçar com doutor Wisxon. Durante a refeição, eles estavam acertando um convênio de treinamento de professores na universidade de Missouri.  Quando Wisxon estava enumerando as áreas que poderia cooperar, entre elas a de engenharia de água, sanitária, o reitor perguntou se eu tinha interesse de ir. Disse que sim. Isso foi em 1977, por aí. Fiz seleção, mandei currículo e fui pra lá em 1978. A prova foi terrível, de tão longa. Tudo que aprendi em engenharia caiu nesse teste. Já fui como contratado pela universidade - professor pela CLT, 40 horas - para fazer mestrado em engenharia civil com especificidade em engenharia ambiental e engenharia sanitária. Fiquei dois anos e meio.
ZONA SUL - E a namorada americana?
LINDOLFO - Eu não tinha mais nada com ela. Ao contrário, eu tinha começado um namoro com uma menina de Natal, que até hoje é minha namorada: Angelina. Ela também era engenheira, havia estagiado comigo na Trairi. Depois de um ano e pouco, eu já entrosado com a universidade, Angelina também conseguiu ser contratada e foi fazer mestrado em Missouri. Em 1979 viemos a Natal, casamos e voltamos pra lá. Terminamos o curso em dezembro de 1980. Em 1981 ingressamos nos quadros definitivos da universidade como professores. 
ZONA SUL – Até hoje você pertence aos quadros da UFRN?
LINDOLFO – Sim, mas a vida fez com que eu me afastasse um pouco. Em 1987, Geraldo Melo eleito, fui ser coordenador geral do meio ambiente no estado. Substituí Cícero Onofre, que até hoje está na universidade e é um excelente profissional. Ele não se adaptou àquela vida de executivo. Cícero sempre foi, e até hoje é, um pesquisador nato. Com três meses que estava lá, saiu e indicou meu nome. Terminei ficando até o final do governo Geraldo Melo como coordenador do meio ambiente. 
ZONA SUL – Qual a principal contribuição que você deu nessa área?
LINDOLFO – Como isso foi antes da Constituição de 1988, pude contratar pessoas. O órgão era bastante pequeno, então contratamos 15 técnicos, entre biólogos e engenheiros. Fizemos seleção própria e o critério foi estritamente técnico. Tanto que até hoje é esse pessoal que sustenta o Idema, que é o órgão do meio ambiente. Acho que formar essa equipe foi uma das principais contribuições, junto com o trabalho de conscientização da população. Lembro que nós fomos os primeiros a fechar o Morro do Careca para recuperação das dunas. Fizemos muitas campanhas educativas. Foi o início da conscientização sobre a importância do meio ambiente no seu sentido mais amplo: não só de preservação, mas também na conscientização do cuidado com o lixo. Isso marcou muito.
ZONA SUL – Terminado esse período?
LINDOLFO – Voltei para a Universidade e aos poucos retomei meu trabalho de professor e consultor. Em 1994 Garibaldi foi eleito governador. Apesar de naquela época eu não ter grande aproximação com ele, existia a possibilidade de eu ocupar uma diretoria na CAERN, em virtude de há anos eu ter participado de um grupo de trabalho na companhia. Não deu certo, mas fui convidado para dirigir o Detran, em substituição ao doutor Quixadá – técnico que havia passado pelo Denatran, em Brasília, e que havia sido convocado pelo governador Garibaldi para reestruturar o Detran. O órgão era realmente um problema muito sério. Era um caso quase que de policia: muito desorganizado, muito precário, muito complicado. Garibaldi levou pra lá o que podia encontrar de melhor, só que Quixadá não se adaptou à realidade local e, com três ou quatro meses de governo, saiu. Antes de aceitar o convite, consultei meu pai, que ainda era vivo. Era uma área que eu não entendia. O fato é que terminei aceitando. Fui e fiquei até o final do governo.
ZONA SUL – No Detran, Quixadá entrou para moralizar o negócio. Não se adaptou. Você enfrentou muita dificuldade para cumprir essa determinação do governador?
LINDOLFO – Encontrei, mas eu sempre gostei de desafios. Acredito que tenho tino de executivo, gosto de fazer acontecer. Tinha autorização do governador do estado para ajeitar as coisas. Eu digo sempre: quando você vai para um lugar que está muito desorganizado, o menos que você faz é muito e aparece. Quando você vai para uma empresa muito organizada, por mais que você faça, aparece muito pouco, porque as coisas já estão encaixadas. Mas realmente a minha equipe fez muito. O governo Garibaldi fez muito pelo Detran e pelo trânsito de Natal e do estado.
ZONA SUL – Antes o órgão era usado como moeda eleitoral.
LINDOLFO – Era. Tem episódios interessantes nesse sentido, inclusive a farta distribuição de carteiras de habilitação, mas não vou citar o nome de ninguém. Apareceu gente dizendo: “Lindolfo, mesmo na época em que éramos oposição a gente vinha aqui e tinha direito a uma cota de carteiras para distribuir no período eleitoral. Agora que somos governo não temos?”. Eu respondia tranquilamente que o governador tinha sido eleito justamente para acabar com aquela esculhambação. Só pude moralizar porque tive o apoio irrestrito do governador Garibaldi.
ZONA SUL – Você sofreu algum tipo de pressão ou de ameaça tendo que contrariar tantos interesses?
LINDOLFO – Em uma situação dessas se contraria muita gente. Mas ameaça física de pessoas da comunidade que se locupletavam com aquilo, não recebi. Sofri ameaças de quem estava contrariado por ter mantido outros esquemas mais espúrios. Mas era bandido mesmo, não me atingia. A cultura nossa era aquela do “pode multar que a gente tira no final”. Estacionamento proibido era faz-de-conta. Brequei, e não tem como brecar pela metade. Tem que frear de vez e mudar a cultura. Isso criou muita polêmica.
ZONA SUL – Do Detran você foi pra onde?
LINDOLFO – Em janeiro de 1999 fui ser secretário de Planejamento e Finanças no segundo governo Garibaldi. Jaime Mariz assumiu a Secretaria de Administração. Vicente Freire continuou na Infraestrutura e José Jacaúna foi para a Tributação. Formamos assim o núcleo do governo, junto com Paulo Roberto - que era o chefe da Casa Civil e depois que foi para o Tribunal de Contas foi substituído pelo professor Luis Eduardo.
ZONA SUL – Você ficou até o final do governo?
LINDOLFO –Em 2002, Garibaldi saiu para concorrer ao Senado e eu continue com o vice-governador Fernando Freire até o final. Nos últimos dois meses de governo, como eu não havia tirado férias em momento nenhum nos dois anos anteriores, fui encontrar minha filha, que já fazia faculdade em Nova York, e meu filho, que fazia intercâmbio na Nova Zelândia. Voltei para Natal já nos finalmentes do governo. A eleição já havia passado e Wilma tinha sido eleita. Voltei à Universidade, e quando já estava pensando que ficaria por lá, recebi convite de Carlos Newton Pinto, que era o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª região - para ser o coordenador de orçamento e finanças. Passei dois anos e retornei para a UFRN. Em 2006 participei da campanha na qual o então senador Garibaldi não foi eleito governador. Em 2008, quando ele assumiu a Presidência do Senado, fiquei vindo muito a Brasília, como seu auxiliar. Terminado esse período, novamente voltei para a Universidade, e, em 2010, quando estava fazendo doutorado, Garibaldi foi convidado pela presidenta Dilma para ser ministro da Previdência Social e me chamou para ser o seu chefe de gabinete. Estou lá desde janeiro de 2011.
ZONA SUL – Esse doutorado...
LINDOLFO – É um “gap” na minha formação. Terminei engenharia em dezembro de 1976 e em junho de 1978 saí para fazer mestrado. Em 1981 nós já tínhamos Ana Paula e em 1984 nasceu João Henrique. O salário da universidade não era lá essas coisas, como ainda não é, até hoje. Então a gente tinha que trabalhar. A diferença de mestre para doutor, naquela ocasião, era algo quase que irrisório. E não havia estímulo nenhum para encaminhar a vida por aí. A vida foi me levando para oportunidades fora da universidade. Mas eu sempre tive a vontade de fazer doutorado, e agora com os filhos já criados, surgiu essa oportunidade. É uma área muito interessante e conexa com a que eu fiz: doutorado em desenvolvimento econômico e meio ambiente. Iniciei em julho de 2010, já vou no segundo ano. Já concluí minhas disciplinas todas, agora teria que fazer o trabalho de campo, de pesquisa. Mas em função do cargo que ocupo, estou impossibilitado. Teria que optar entre me afastar do Ministério, da chefia de gabinete, ou adiar do doutorado. Optei pelo adiamento e estou afastado até janeiro de 2013, quando eu retomo meus trabalhos por lá.
ZONA SUL – Nos Estados Unidos você descobriu a paixão pela vela...
LINDOLFO – Sim, porque pelo mar eu já era apaixonado. Meu pai sempre foi um aficcionado dos esportes marítimos. Papai era muito habilidoso. Na época não existia fibra de vidro, e as coisas eram muito caras. A praia da gente era Barra de Cunhaú, que fica a 13 quilômetros de Canguaretama. Lá ele fazia as lanchas da gente com compensado. Tinha um mestre carpinteiro chamado Abel, que tirava aqueles modelos de revistas náuticas americanas e os construía. Papai comprava um motor de popa usado, consertava e a gente brincava. Papai fez várias dessas lanchas. Lembro que aos 12 anos fiz um pequeno sucesso lá na Barra - que era uma praia muito fechada e  pouco frequentada - praticando esqui aquático. Não existia aquilo. Papai tinha comprado o par de esquis na Mesbla, em Recife. Hoje todo mundo esquia, mas naquela época era algo que chamava atenção. O pessoal ia para a beira da praia ver. Quando papai dava uma curva na lancha, eu passava quase que tocando na areia, batendo na mão do pessoal que ficava Assistindo.
ZONA SUL – Até hoje você ocupa cargos na diretoria do Iate Clube do Natal?
LINDOLFO –Sou conselheiro nato do Iate Clube do Natal porque fui comodoro durante três anos: de 1994 a 1997. Sou muito ligado ao Iate Clube em virtude dessa paixão pelas coisas da vela. Participei de inúmeras regatas para Fernando de Noronha, a Refeno (Regata Internacional Recife - Fernando de Noronha) e de Fernando de Noronha para Natal.
ZONA SUL – Quais seus planos para o futuro?
LINDOLFO – Uma coisa que aprendi na vida é que você tem que planejar sempre.
ZONA SUL – Então fiz a pergunta certa.
LINDOLFO – Fez, mas tenho outra resposta: dificilmente as coisas acontecem conforme o planejado. Você planeja para ter um rumo,  mas a vida é tão cheia de surpresas, de atalhos e encruzilhadas que dificilmente você vai para onde havia planejado. Há alguns anos eu planejava me aposentar, com meus filhos já criados, e ir me dedicar a velejar. Mas aí minha filha foi estudar nos Estados Unidos, foi ficando, ficando e já está há onze anos lá. Ana Paula casou com Todd Wasson, um colega de faculdade americano, e hoje está fixada na Califórnia, perto de São Francisco. Meu filho ainda está cumprindo a formação dele. Terminou Direito e está fazendo Fundação Getúlio Vargas. João Henrique Sales é noivo de uma menina lá de Natal, Larissa Lopes. Ela tem um restaurante, o Basílicos. Larissa e Todd são pessoas maravilhosas.  Minha ideia era passar um ano na Baía de Todos os Santos, depois ir para Angra dos Reis, subir para o Caribe, e quando estivesse já velho, sem condições de velejar, encostar o barco  e ir morar em Natal, Barra de Cunhaú ou Pirangi, onde a gente tem um chalé. Como parece que essa velejada está ficando complicada, respondo da seguinte forma a sua pergunta sobre meus planos futuros: estou refazendo meu planejamento. Estou numa daquelas fases de encruzilhada da vida, tendo que repensar e  recalcular o planejamento.
ZONA SUL – O que você gostaria de acrescentar a essa entrevista?
LINDOLFO – Quero  falar que papai sempre foi um patriarca e reuniu muito a família. Tanto é que construiu um prédio onde todos nós moramos. Em 1987 ele começou a pensar em usar um terreno que tinha lá no Tirol, no loteamento Oswaldo Cruz. Depois de muitas idas e vindas, a gente começando a poupar, fizemos o projeto e construímos. É um prédio de sete andares e tem o nome de Edifício Ivonete, em homenagem a mamãe.  Ela continua sendo uma pessoa maravilhosa e uma grande mãe. No sétimo andar desse prédio é onde a gente reúne a família para o lazer.  Em cada um dos demais seis andares cada um mora com sua família. Lá moram minhas irmãs todas, com exceção de Luci, que mora em Recife e Ana Tereza, que faleceu há oito anos e era casada com Porpino, o Marechal Porpa. Ana Cristina é casada com Adilson Gurgel, advogado. Maria Helena, divorciada, tem duas filhas: uma mora em Brasília e a outra é formada em Psicologia. Meu irmão Alexandre é mais do que irmão, é um grande amigo. Ele é médico patologista e herdou a carreira do meu pai. É dono do Laboratório Médico Professor Doutor Getúlio de Oliveira Sales, em homenagem ao nosso pai. Allexandre hoje é um médico extremamente respeitado e recentemente aderiu ao esporte da vela. É companheiro e confidente de várias horas.