quarta-feira, 16 de maio de 2007

ENTREVISTA: ROOSEVELT PINHEIRO

UM ÍNDIO NO PALÁCIO DO PLANALTO


O índio velho... Ops, apaga tudo, esquece. Nesses tempos de politicamente correto, melhor não vacilar. Comecemos de novo. O silvícola da melhor idade parece ter lentes Carl Zeiss nos olhos. Pois somente dessa forma ele consegue fazer com que pareça ser fácil encontrar o melhor ângulo, medir a iluminação, calcular a velocidade e disparar no momento exato para capturar o instantâneo que será reproduzido nos principais jornais do país, em suas edições do dia seguinte. Roosevelt Pinheiro da Silva nasceu na velha Manaus de 1945. Enquanto a Segunda Guerra Mundial terminava, ele começava sua própria luta. E pode-se constatar que ele venceu. Hoje ele tem entre suas responsabilidades cobrir dois dos principais centros do poder do país: a Presidência da República e o Senado Federal. Nas manhãs, Luiz Inácio Lula da Silva é o principal alvo dos seus cliques. No período da tarde, como se estivesse portando uma metralhadora giratória, ele vai mirando sua câmera em gente como Mão Santa, Patrícia Saboya, José Agripino, Garibaldi Filho, Rosalba Ciarlini, Renan Calheiros, Aloízio Mercadante e Arthur Virgílio, entre outros, além de José Sarney, Fernando Collor de Mello. Aliás, Sarney e Collor, quando presidentes do Brasil, também estiveram sob a mira de Roosevelt . Mas, como diria o publicitário presidencial: deixa Roosevelt falar! (Roberto Homem)



ZONA SUL – Você estava me contando que nasceu no ano de 1945, em Manaus, capital amazonense...
ROOSEVELT – Sim, nasci em 1945. Mas, nos meus documentos, consta que o ano do meu nascimento é 1943. Isso aconteceu por causa de minha avó. Ela diminuiu dois anos na minha idade por causa de um irmão meu.

ZONA SUL – Por que sua avó modificou o ano do seu nascimento?
ROOSEVELT – Meu pai era ex-combatente. Eu tinha um irmão de criação. Quando meu pai morreu, minha avó diminuiu dois anos na idade de cada um de nós, os filhos legítimos, para que Lourival (esse é o nome desse meu irmão que não é meu irmão verdadeiro) pudesse ser filho do meu pai também. Hoje Lourival é da Marinha. É piloto de helicóptero.

ZONA SUL – Foi dessa avó que você herdou o sangue indígena?
ROOSEVELT – Não. Minha avó era cearense, soldado da borracha. (Nota do Zona Sul: no final de 1941, as reservas de borracha dos Estados Unidos estavam muito baixas e toda borracha existente era utilizada para alimentar a máquina da guerra. No Brasil, a seca de 1941/42 gerou flagelados em diversos estados nordestinos. Somente em Fortaleza, as vítimas da seca que estavam enfrentando dificuldades somavam 30 mil. Metade destas pessoas embarcou para a Amazônia afim de trabalhar nos seringais. A avó de Roosevelt foi uma delas).

ZONA SUL – Se sua avó era cearense, por que, então, lhe chamam de índio?
ROOSEVELT – Minha avó deixou o Ceará junto com o meu avô e uma porção de filhos. Foram morar em Altais Mirim, no interior do Amazonas. Trabalhavam nos seringais, como soldados da borracha. Altais Mirim ficava perto de uma aldeia dos índios ticunas. Meu pai acabou casando com uma ticuna. Então, todos nós, os filhos, somos ticunas. Minha mãe era uma ticuna legítima. Meu pai, meu avô e minha avó eram cearenses. Meus avôs tiveram onze filhos. Meu pai foi um deles: Marcos Pinheiro da Silva. A velha Maria Ceará era minha avó.

ZONA SUL – E seus pais tiveram quantos filhos?
ROOSEVELT – Eu tenho nove irmãos, sete ainda estão vivos.

ZONA SUL – Você chegou a conviver com os índios da sua tribo na época em que ainda morava em Manaus?
ROOSEVELT – Não. Já nasci em Manaus, na Santa Casa da Misericórdia, na rua Eduardo Ribeiro, em frente ao Teatro Amazonas. Não nasci na aldeia. Minha aparência indígena vem do sangue mesmo. Tenho o maior orgulho de ser descendente direto dos ticunas.

ZONA SUL – Você permaneceu quanto tempo em Manaus?
ROOSEVELT – Tenho 30 anos de Brasília, mas antes morei no Rio. Trabalhei na TV Cultura, inclusive com o Vladimir Herzog...

ZONA SUL – Vamos mais devagar... Você ficou quanto tempo em Manaus?
ROOSEVELT – Já saí de Manaus adulto, já casado. Não lembro a idade. Fui para São Paulo, trabalhei na TV Cultura...

ZONA SUL – Calma... Como era sua vida lá em Manaus?
ROOSEVELT – Naquela época, Manaus era uma cidade muito pequena. Ainda menino eu fui para a calçada, fui trabalhar como marreteiro. Eu vendia pasta de dentes, sabonete... Fiquei muito tempo na calçada. Depois vi no jornal A Crítica um anúncio. Eles precisavam de um fotógrafo. Eu já fotografava com a minha maquininha, mas sem pretensões. Fui lá e fiz uma partida de futebol: Nacional e Rio Negro.

ZONA SUL – Era o clássico da época...
ROOSEVELT – Sim, era o clássico. Hoje o São Raimundo é o time mais forte do Amazonas. Mas fui cobrir a partida. Lá, fiz belas fotos e terminei sendo contratado. Fui trabalhar n’A Crítica. Virei fotógrafo. Hoje eu já tenho não sei quantos anos de fotografia.

ZONA SUL – Por que você saiu de Manaus?
ROOSEVELT – Por questões profissionais. Manaus não tinha mais nada. Lá eu trabalhei na TV Educativa, n’A Notícia, n’O Jornal, no Diário da Tarde e n’A Crítica, que foi, como já disse, onde comecei. Na TV Educativa eu trabalhei como cinegrafista. Em determinada ocasião, a emissora me mandou a São Paulo, para fazer um curso de cinema no Cenafor (Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional). Acabei ficando por lá um tempo.

ZONA SUL – Foi fazer o curso e não voltou...
ROOSEVELT – Manaus não dava, naquela época, muita condição profissional. Só voltei pro Amazonas depois que o Vladimir Herzog foi assassinado. Eu trabalhava na TV Cultura, com ele. Quando cheguei em Manaus fiz alguns movimentos, fui preso...

ZONA SUL – Foi fácil arrumar emprego em São Paulo?
ROOSEVELT – Antes de eu terminar o curso, arranjei um estágio na TV Cultura. Algum tempo depois houve o assassinato de Herzog. Logo quando comecei a trabalhar em São Paulo, pedi demissão da TV Educativa de Manaus. Vladimir era o chefe e eu era ajudante de cinegrafista. Conversamos algumas vezes. Era uma pessoa legal. Eu não tinha muita intimidade, mas o admirava muito. Admirava tanto que me filiei ao Partido Comunista, devido à influência dele. Hoje tenho um neto chamado Lênin e um outro, Fidel. Também tenho uma neta chamada Pagu.

ZONA SUL – Os seus filhos também têm nome de personalidades da esquerda?
ROOSEVELT – Não. Ironicamente, tenho até um filho chamado Jefferson... Não sei por que não coloquei nomes de pessoas de esquerda nos meus filhos...

ZONA SUL – Talvez você não tenha querido se expor e tenha preferido deixar a encrenca para os seus filhos... Mas fale um pouco sobre a de Herzog.
ROOSEVELT – Quando Vladimir Herzog foi preso, e posteriormente assassinado no DOI-Codi, eu estava em Águas de São Pedro fazendo um trabalho em um seminário da Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais). Ao retornar para São Paulo, a bronca toda já estava armada. Pouco tempo depois caí fora e voltei para Manaus. Eu era filiado ao Partido Comunista. A ditadura estava braba. Tive medo. Troquei São Paulo pelo Amazonas.

ZONA SUL – Como foi o retorno para Manaus?
ROOSEVELT - Em São Paulo passei mais ou menos um ano e meio. Quando retornei a Manaus, reassumi o emprego de cinegrafista na TV Educativa. Mas não abandonei a movimentação política. Manaus tem dois feriados em setembro: o dia 5, em comemoração à elevação de Manaus à categoria de província, e o 7 de setembro, que é feriado em todo o país. No dia 5 de setembro ocorre o desfile das escolas. No dia 7, o desfile militar. Logo que voltei, no período desses festejos, houve uma partida de futebol entre o Rio Negro e o Ceará. Lembro que o Ceará tinha até um jogador chamado Marciano, um centroavante que marcava muitos gols. No meio da partida, Marciano chutou uma bola que bateu em um fotógrafo. O fotógrafo considerou que o atacante cearense tinha feito aquilo de propósito. Nós partimos para a cima e formou-se aquela confusão. A Polícia Militar baixou a porrada em quem estava pela frente. No dia 7 de setembro, quando a PM foi desfilar, todos nós, fotógrafos e cinegrafistas, arriamos as máquinas no chão e ficamos de costas para os soldados. Sobrou pra mim.

ZONA SUL – Você foi preso por isso?
ROOSEVELT – Fui preso, sim. Mas, na verdade, a Polícia Militar não assumiu a minha prisão. Disseram que eu estava esperando o tenente chegar para resolver minha situação. Só que fiquei quase uma noite inteira esperando esse tenente e ele nunca chegou.

ZONA SUL – Ficou atrás das grades?
ROOSEVELT – Não. Fiquei sentado em uma sala. E também não apanhei.

ZONA SUL – Você passou quanto tempo nesse retorno a Manaus?
ROOSEVELT – Passei pouco tempo, acho que uns oito meses. Fiquei fazendo frila, porque ninguém queria me empregar. Eu tinha fama de encrenqueiro. Depois de algum tempo, arrumei a família toda e vim embora pra Brasília.

ZONA SUL – Antes de Brasília você passou pelo Rio de Janeiro?
ROOSEVELT – Não. Eu passei um tempo no Rio na primeira ida a São Paulo. Trabalhei n’O Jornal, como fotógrafo. Naquele período eles estavam inaugurando a primeira off-set do país. Mas minha passagem foi vapt-vupt, não deu muito certo. Eu aceitei mais o convite porque tinha um irmão que morava no Rio. Aliás, ele mora até hoje.

ZONA SUL – Por que você escolheu Brasília pra morar, ao deixar Manaus pela segunda vez?
ROOSEVELT – Eu também tinha, e ainda tenho, um irmão na capital do país. Esse foi o motivo. Vim em 1976. Ao chegar, fui trabalhar no Ministério do Trabalho. Eu era fotógrafo do então ministro Arnaldo Prieto. Abandonei a cinegrafia, me fixei na fotografia. Antes, trabalhei no Diário de Brasília, no T-Guia (um jornal de shopping), no Correio do Planalto e em uma revista de esportes. Eu fazia mais frila, pra poder agüentar as contas no final do mês. Aí apareceu essa coisa de fotógrafo do Ministério do Trabalho. Trabalhei com Arnaldo Prieto e também com o ministro Murilo Macedo. Trabalhei ainda no Jornal de Brasília. Em 1982 fui contratado pela EBN (Empresa Brasileira de Notícias), que posteriormente foi incorporada pela Radiobras (Empresa Brasileira de Radiodifusão).

ZONA SUL – Como surgiu o convite para você ir trabalhar na Radiobras?
ROOSEVELT – O ministro Murilo Macedo gostava muito de mim. Ele me chamava de Washington, que, como Franklin Delano Roosevelt, também foi presidente dos Estados Unidos. Quando Murilo Macedo saiu, se encarregou de arrumar um emprego pra mim. Fui para a EBN e continuo até hoje.

ZONA SUL – Ao chegar na EBN você foi logo escalado para cobrir a Presidência da República?
ROOSEVELT – Não. Entrei como laboratorista. Fiquei um tempo. Depois, quando saiu um fotógrafo, fui promovido. Eu trabalhava na EBN como laboratorista e, ao mesmo tempo, como fotógrafo no Jornal de Brasília.

ZONA SUL – Quando você começou a cobrir a Presidência?
ROOSEVELT – Fui cobrir a Presidência pela EBN, no governo do presidente Ernesto Geisel. No Jornal de Brasília eu já fazia a cobertura fotográfica do Congresso.

ZONA SUL – Como era a relação dos fotógrafos com Geisel?
ROOSEVELT – Era tranqüila. Ninguém fazia muita foto, não tinha esse negócio de abrir para imagem. Quando eles precisavam é que nos chamavam.

ZONA SUL – Geisel tinha algum tipo de relacionamento ou intimidade com os fotógrafos?
ROOSEVELT – Nenhum. Ele entrava e saía e a gente só o via quando era chamado pra cobrir algum evento.

ZONA SUL – Ao começar a cobrir a Presidência você enfrentou alguma dificuldade pelo seu passado de militante comunista?
ROOSEVELT – Para fazer a credencial eu tive que levar um atestado de bons antecedentes. Passei algum tempo sem ser credenciado por causa disso. Além de ter sido filiado ao Partido Comunista, eu tinha outros antecedentes.

ZONA SUL – Conte pelo menos um desses seus antecedentes...
ROOSEVELT – Um dia, em uma partida de futebol, briguei com um cara. Ele era faixa roxa. Em desvantagem, dei três tiros nele. Mas o cara não morreu, não aconteceu nada de mais grave. Eu era ruim de pontaria. Acertei só uma bala, mas no ombro. Eu tinha esse antecedente: tentativa de homicídio sem agravante.

ZONA SUL – Contam também que você teria morado em um cabaré, é verdade?
ROOSEVELT – Fui cantor de cabaré quando era adolescente em Manaus. Eu tinha um amigo apelidado de Cheiro Verde. Ele tinha uma banda com o mesmo nome, que tocava nesse cabaré. Os integrantes da banda moravam na minha rua. Como eu gostava de cantar as músicas de Waldick Soriano, passei a integrar a banda. Passei uns dois ou três anos cantando nesse cabaré.

ZONA SUL – Você recebia cachê ou cantava em troca de permuta?
ROOSEVELT - Os caras me davam uns trocados. Mas só pelo fato de eu cantar, era muito bem cotado pela mulherada.

ZONA SUL – A sua credencial na Presidência da República foi uma das primeiras a ser emitida...
ROOSEVELT – Minha credencial, hoje, é a de número oito, mas ela já foi a quatro. Como eu passei um ano sem cobrir a Presidência, quando voltei passei, de quatro, para oito. De todos os fotógrafos sou o número oito.

ZONA SUL – Como foi na época do presidente João Baptista Figueiredo? Melhorou alguma coisa comparando com Geisel?
ROOSEVELT – Melhorou, mas pouca coisa. No período Figueiredo, você chegava ao Planalto e não tinha muito o que fazer. Só era chamado quando tinha alguma coisa. A regalia era a de você não ser importunado. Falavam que estávamos sendo constantemente vigiados, que os telefones estavam grampeados. Mas nunca se comprovou nada disso ou ocorreu qualquer problema. No Palácio do Planalto nós só entrávamos de paletó e gravata. O paletó não podia ser diferente da calça. Tinha que ser o terno completo. Somente no governo Fernando Henrique foi que abriu. Hoje, nós fotógrafos, já podemos até trabalhar com colete de fotografia.

ZONA SUL – Durante o governo militar existiu algum tipo de pressão no sentido de você evitar de fazer determinada fotografia?
ROOSEVELT – Não. Mas, de qualquer forma, os próprios fotógrafos da cobertura oficial evitavam fotografar o presidente em uma pose inconveniente. Isso acontece até hoje.

ZONA SUL – Em alguma ocasião vocês tentaram fazer algum tipo de mobilização para melhorar as condições de trabalho?
ROOSEVELT – Na época de Figueiredo, como falei, a gente trabalhava pouco. A Secom (Secretaria de Comunicação Social) produzia e distribuía a maior parte das fotos. Em determinado dia, na descida da rampa, fizemos um movimento. Colocamos as máquinas no chão e no instante em que o presidente Figueiredo desceu a rampa, viramos de costas. Ele ficou zangado algum tempo. Depois disso aí o presidente diminuiu ainda mais o número de eventos aos quais éramos chamados para fotografar. Aconteceu o contrário do que a gente queria.

ZONA SUL – Alguma foto da época da ditadura militar lhe orgulha até hoje?
ROOSEVELT – Hoje em dia temos mais liberdade para desenvolver nosso trabalho. No Palácio do Planalto é difícil você fazer uma foto diferente. E na época da ditadura a gente tinha pouco tempo. Mandavam os fotógrafos entrarem e, rapidamente, saírem. A maioria das fotos era de um cumprimento, um abraço, ou das autoridades sentadas nas cadeiras.

ZONA SUL – Com a ditadura agonizando, vieram as manifestações da população pedindo eleições diretas. Você chegou a fotografá-las?
ROOSEVELT – Fotografei praticamente todas as manifestações, apesar de a Radiobras não publicar aqueles eventos. Mas até hoje tenho o costume de guardar as fotos que tiro e que acho as mais significativas. Tenho um arquivo muito grande. Só para você ter uma idéia, tenho umas 450 fotos só da ex-senadora Heloísa Helena.

ZONA SUL – Como foi aquele período de transição, Tancredo Neves eleito pelo Colégio Eleitoral, mas agonizando no hospital?
ROOSEVELT – Tenho uma foto muito boa daquela época. Quando Tancredo foi para a igreja à noite, sentindo dores e tal, o fotografei levantando da cadeira, fazendo uma careta de dor. Eu fiz essa foto. Depois dali, Tancredo foi levado para o hospital Ficamos de plantão muito tempo. Quando ele morreu, fui a São João Del Rey fazer a cobertura do enterro.

ZONA SUL – Com a morte de Tancredo Neves, assumiu o seu vice, José Sarney...
ROOSEVELT – Com Sarney abriu geral. Viajei muito acompanhando ele. Fui a Portugal, a um monte de lugares. Foi muito legal. Ele era muito liberal com os fotógrafos. Nosso acesso ao gabinete do presidente ficou mais fácil. Até abusamos um pouco. Foi colocado um sofá no terceiro andar do Palácio do Planalto, para os fotógrafos ficarem. Só que ficava encostado no gabinete. Como todos sambem, fotógrafo é bicho meio zoneador. Fazíamos zoada, contávamos piada, ríamos... O presidente Sarney tinha nos colocado ali para ficarmos mais perto dele. Depois das algazarras que aprontamos, ele terminou nos mandando de volta lá para baixo. Mas foi um período muito bom. Acabou aquela rigidez que existia até então, com os militares na Presidência.

ZONA SUL – Você fotografou muitas autoridades importantes?
ROOSEVELT– Fidel Castro, o Papa João Paulo II, Clinton... Fotografei autoridades de todo o mundo.

ZONA SUL – Quando Fernando Collor de Mello assumiu a Presidência deve ter sido uma festa para vocês fotógrafos, já que ele era, e continua sendo, um político que explora muito sua imagem na mídia.
ROOSEVELT – É verdade. O presidente Collor dava muita coisa pra gente fazer. Foi o presidente que mais proporcionou fotos diferentes. Ele era ótimo para quem gosta de fotografar detalhes. Collor chegava, olhava uma rosa, observava a bandeira do Brasil... Tudo rendia foto. Às vezes aparecia com um livro e o posicionava de uma maneira que nós, fotógrafos, víssemos. Também tinha o costume de usar camisetas para transmitir suas mensagens para a população. Com Collor conheci a Antártica, a Alemanha... Praticamente dei a volta ao mundo, pela Radiobras, acompanhando o presidente Collor.

ZONA SUL – E a Antarctica? Como ela é?
ROOSEVELT– É fria pra cacete! (risos). Desculpe, eu não pude evitar a brincadeira. Mas, falando sério, estive na Antártica durante o verão. Mesmo assim, a temperatura chegava a 50 graus abaixo de zero. Collor demorou quase uma semana pra chegar lá. Quando chegou, fomos para a estação Comandante Ferraz. Collor é um sujeito bem educado.

ZONA SUL – Durante o movimento do impeachment Collor comentava com vocês alguma coisa? Ele se referia aos protestos que a população fazia? Alguma vez ele desabafou?
ROOSEVELT– Não. Antes daquela confusão toda, ele corria aos domingos. Vestia uma camiseta e a gente corria atrás para fotografar. Depois da corrida, ele mandava servir um suco de caju e uns biscoitinhos pra todos nós. Era mesmo muito simpático. Depois, quando começou o movimento do impeachment, ele se fechou. Parou de correr e de fazer uma série de coisas que fazia. De Collor fiz várias fotos, inclusive dele andando de moto e pilotando um jato da Força Aérea. No jato, foi colocada uma máquina fotográfica e um dispositivo para o próprio Collor também se fotografar. Eu estava em um avião tucano, de um lado, e, do outro lado, em outro avião, tinha um cinegrafista.

ZONA SUL – Com a queda de Collor, Itamar Franco assumiu o poder.
ROOSEVELT– Sim, depois do movimento dos cara-pintadas e do impeachment, veio o Itamar. A foto mais controversa de Itamar, sem dúvida, foi tirada no Sambódromo, durante um carnaval no Rio de Janeiro. Eu também estava presente e fiz a foto de Itamar com a modelo sem calcinha ao lado dele. Tenho guardada essa foto. Logo que acabei de fotografar a cena, um militar me abordou e tentou tomar o filme. Eu disse que ele podia ficar tranqüilo, que eu não publicaria. Ele confiou. Eu cumpri e realmente nunca publiquei. Está guardada. Mas os outros fotógrafos publicaram. O Itamar também era um cara bacana. Às vezes ele nos convidava pra tomar café e comer pão de queijo.

ZONA SUL – E o sucessor de Itamar, o Fernando Henrique Cardoso?
ROOSEVELT – Era um gentleman, era um cara sensacional. Posso dizer que fiquei até um pouco fernandista depois que convivi com ele. Era um cara muito educado, conversava conosco, contava piadas, tirava sarro, brincava com a gente... Era um cara de um tratamento excepcional.

ZONA SUL – Mas o Lula também é um presidente bem popular...
ROOSEVELT – É bem popular. Mas o trato é diferente. Lula é mais sisudo.

ZONA SUL – Na época de Fernando Henrique houve uma mudança importante para vocês, fotógrafos, quando a fotografia passou a ser digital. Houve alguma dificuldade para adaptação nesse novo formato? Quais os pontos positivos que a foto digital tem?
ROOSEVELT – O mais positivo da foto digital é que você faz a fotografia e vê na hora. Se não tiver a contento, ou houver algum problema, você deleta e bate outra. Também não tem mais aquele negócio de ser obrigado a carregar um laboratório, nas viagens, para revelar as fotos. Antigamente tinha que levar o laboratório, montar, revelar o filme, copiar as fotos, enviar por radiofoto... O laboratório era montado nos banheiros dos hotéis. Agora também podemos fotografar à vontade, sem precisar economizar filme. Tem nego que filma, escolhe a foto que quer e joga o resto fora. Hoje, nas viagens, basta levar a máquina e um laptop. Você descarrega as fotos e envia todo o material por e-mail. A digital é 100%.

ZONA SUL – Os equipamentos digitais têm alguma limitação com relação aos convencionais?
ROOSEVELT – Hoje qualquer pessoa faz uma foto digital. As maquininhas amadoras têm automático, tem os programas. Facilitou demais. Mas o profissional de verdade ainda trabalha no manual. As câmeras têm programas que fazem todos os ajustes. Mas o profissional não acredita neles. Prefere fazer no manual, abrindo e fechando o diafragma, conferindo a velocidade.

ZONA SUL – Fale um pouco sobre Lula.
ROOSEVELT – Lula é um presidente popular. Por ele ter essa característica, fica difícil pra gente trabalhar. Por exemplo, quando ele vai para o povo, que a gente chama de ir pro pau, fotógrafo às vezes toma porrada até de segurança. Já houve muitos casos de agressão desse tipo. Mas o cara é profissional, tem que fazer. Tem que encarar. Segurança de vez em quando agride. Não é nem com intenção, mas, naquele tumulto todo que se forma, ele tem que fazer o máximo para evitar expor o presidente a um problema maior.

ZONA SUL – Nessas suas andanças você conheceu Natal?
ROOSEVELT – Fui a Natal, mas não tenho muitas recordações. Fui lá cobrir algum evento perto do cais do porto. Acho que estive em Natal acompanhando Fernando Henrique. Em grande parte das viagens que fiz, eu ia um dia antes, fazia umas pré-matérias, no outro dia cobria o evento e voltava. Só à noite dava pra sair. Comi uma excelente carne de sol em Natal. Mas não lembro o nome do local. Sei que ficava perto do hotel onde me hospedei.

ZONA SUL – Você se arrepende de ter desenvolvido sua carreira toda no jornalismo oficial e não na imprensa privada?
ROOSEVELT – Fiz muita cidade no Jornal de Brasília e no Diário de Brasília. Fiz o enterro de Juscelino Kubitschek, por exemplo. Lembro que até subi no carro do bombeiro, naquela grua. Quase todo mundo indo embora e eu só pude descer quando acabou. Não me arrependo de ter enveredado pelo jornalismo oficial. Política é muito bom. Mas cobrir cidade também foi muito legal.

ZONA SUL – Você foi testemunha ocular da história do Brasil.
ROOSEVELT – Exatamente. Tenho um arquivo, um baú lá em casa, com a história do país toda documentada por mim mesmo. Tudo o que acho interessante, eu arquivo.

ZONA SUL – Você chegou a fazer exposições?
ROOSEVELT– Eu fiz uma exposição na rodoviária de Brasília. Minha exposição foi queimada quando houve o badernaço, no governo Sarney, depois que o Plano Cruzado naufragou. Fiz também exposições coletivas com colegas e tal. Mas a minha grande exposição ainda será feita. Estou aguardando. Talvez eu me aposente daqui a três anos. Quando isso acontecer, vou fazer uma exposição grande. Vai ter até uma pessoa retratando a história através de minhas fotos. Já até me comprometi com uma editora do Paraná. Eles têm a preferência. Um livro acompanhado de uma exposição. Isso vai acontecer uma hora.

ZONA SUL – Qual sua foto preferida?
ROOSEVELT – É difícil, eu tenho tanta cria... Lembrei, por acaso, de uma. A cobertura do incêndio do INPS (hoje INSS) em Brasília. Um bombeiro entrou no prédio com o auxílio de uma grua. Ele se sufocou com a fumaça. Fotografei ele saindo. Também fiz fotos boas de política. Teve uma legal que tirei do Lula cochichando com o Fidel. Os dois falando baixinho. Mas as fotos mais interessantes que fiz foram tiradas fora do país, no exterior. Por exemplo, uma do Collor desfilando, de mãos dadas, com o presidente do Zimbabwe. Andar de mãos dadas é um costume deles lá.

ZONA SUL – E do presidente George Bush? Você fez alguma foto?
ROOSEVELT - Nunca fotografei o Bush, mas estive na Casa Branca na época de Bill Clinton. Tenho o prazer de ter jantado lá. Fernando Henrique e Dona Ruth foram participar de um banquete. Nós, fotógrafos, jornalistas e equipe de apoio, jantamos em uma sala ao lado salão principal. Acho que o prato principal era carne, carne do Brasil.

ZONA SUL – Qual o lugar que você mais gostou de conhecer?
ROOSEVELT – Apesar de ser muito calmo, parecer um cemitério, o lugar que mais gostei de conhecer foi a Rússia. Foi emocionante ver a múmia do Lênin. Como falei, tenho um neto com esse nome. Aquilo me arrepiou. Já pensou um comunista ver a múmia do Lênin?

ZONA SUL – E a família?
ROOSEVELT - Fui casado e tive o Jefferson, que também é repórter fotográfico. Ele trabalha com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Tenho também a Gerusa, que é dona de casa. E ainda a Girlaine, que está fazendo faculdade de enfermagem e já trabalha no Hospital das Forças Armadas. Também sou pai da Alessandra, uma filha que tive com uma outra mulher. Ela terminou pedagogia, e é professora. Tenho um neto, Lênin, que está no terceiro ano de jornalismo e quer ser fotógrafo de qualquer jeito, embora eu queira que ele escreva. Hoje estou casado com uma mulher maravilhosa, a Dilan.

ZONA SUL – Dê uma orientação para alguém que está querendo entrar na fotografia.
ROOSEVELT – A fotografia nasce na cabeça, desce para a mão e a mão passa para a máquina. Fotografia é arte. Você também tem que ser artista. Você tem que ter sorte e sacar. Você olha pra ali e vê uma foto. Você tem que estar num lugar onde algo vai acontecer e sacar que esse algo vai acontecer. A mecânica da máquina você aprende estudando, mas a foto você aprende fazendo. Tem que ter sensibilidade.

ZONA SUL – É possível adquirir essa sensibilidade?
ROOSEVELT – Adquire. O cava vai fotografando e vai sentindo que as fotos estão caretas, quadradas. Ele sente que precisa mudar alguma coisa, vai mudando e acaba chegando. Como diretor do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, gostaria de alertar aos colegas fotógrafos o perigo que nossa profissão está correndo. Hoje todo mundo tem sua maquininha. O repórter viaja, leva uma máquina e traz fotos de má qualidades que terminam sendo publicadas de qualquer jeito. Temos que nos unir e lutar para que o repórter fotográfico não termine se transformando em mais um bicho em extinção.