quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Entrevista: Lene Macedo

A VIDA E A ARTE DE LENE MACEDO

Shirlene Alves de Macedo é o nome de batismo da cantora natalense Lene Macedo. A entrevistada desse mês do Zona Sul foi sabatinada por mim, pelos jornalistas Costa Júnior e Roberto Fontes, pelo músico Ricardo Menezes e pelo advogado e meu irmão, Ronaldo Siqueira. A conversa foi travada no local que se transformou em sede informal do jornal, o Restaurante Veleiros, em Ponta Negra. Lene não mediu palavras ao contar detalhes de sua trajetória artística e pessoal. Para comemorar dez anos de carreira na música potiguar, ela está lançando seu primeiro CD. O lançamento do disco coincide com a publicação dessa entrevista. Vale a pena ler o que Lene Macedo tem para contar. Vale a pena ouvir o que Lene Macedo tem para cantar... (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – Você sempre morou em Natal?
LENE – Aos dois anos fui morar em Picos, no Piauí. Meu pai era do 13º Batalhão de Engenharia, se não me engano. Quando ele foi transferido, a família toda o acompanhou: eu, minha mãe e sete irmãos. Morei lá dos dois aos oito anos de idade.
ZONA SUL – Como foi sua infância em Picos?
LENE – O que mais lembro é que eu tinha muita liberdade. Como minha família nunca teve muito dinheiro, sempre foi de batalha, eu não possuía muitos brinquedos. Então eu brincava muito na rua, em uns morros que tinha perto de onde morava. Também gostava de construir brinquedos de barro, usando a argila molhada de um açude. Eu colocava para secar embaixo da cama de minha mãe, para depois brincar. Meu irmão fazia cavalinhos, eu moldava bonecas, fogões... Na rua a diversão era o pique-esconde. Picos era bem pequena, estava começando a se desenvolver. O clima era horroroso, quente demais. Porém, às vezes chovia granizo. Era uma loucura. Quando formava aqueles redemoinhos na rua, a gente tinha que correr para fechar as portas e janelas. O vento invadia as casas e derrubava cadeiras, objetos, tudo. Os agricultores cultivavam alho na beira do açude que tinha lá. Minhas duas irmãs mais velhas e um dos meus irmãos ajudavam na colheita. Nós, os mais novos, íamos juntos. Era bom demais. A gente caminhava quilômetros e às vezes voltava de carona em caminhão. É muito bom falar nessas coisas que fazia tempo que eu não lembrava...
ZONA SUL – Você citou seus pais e irmãos, mas não falou o nome deles...
LENE – Meu pai, Severino Lopes Macedo, faleceu em 1998. É daquelas bandas de Santana do Matos, Lagoa Nova... Minha mãe é Adalgisa Alves de Macedo. Meus irmãos são sete.
ZONA SUL – Pode dizer o nome de todos, temos duas páginas do jornal.
LENE – (risos) A primeira vai encher só com minha árvore genealógica. Naquela época tinha o costume de as meninas serem batizadas com a inicial do pai e os meninos com a inicial da mãe. Então, na minha família o nome dos meninos começa com “A” e o das meninas com “S”. A mais velha é Sílvia, que trabalha em serviço burocrático na Base Aérea, no Catre. Solange trabalha na CAERN. Depois vem Alexandre, que herdou a profissão do meu pai, a marcenaria. Não posso falar que ele é restaurador, mas Alexandre é ótimo com detalhes. Aprendeu a fazer aquele trabalho de marchetagem, de madeira prensada. Estou misturando homens e mulheres porque estou vindo pela sequência de nascimento.
ZONA SUL – Pois não, pode prosseguir.
LENE – Depois veio Adejair, o mais engraçado dos irmãos. Acho que minha mãe queria Jair, mas como tinha que ser no “A”, ela inventou esse nome. Nós o chamamos de Jair. Ele teve paralisia infantil. Minha mãe batalhou muito com ele. Jair andou com cinco anos de idade. Hoje ainda tem uma deficiência grande, mas consegue levar uma vida normal. Tem seu trabalho, sua esposa e é completamente independente. Atualmente está trabalhando em serviço burocrático, na Unimed. Álvaro, que a gente chama de Neguinho, trabalha com construção. Simone mora com a minha mãe e tem um filhinho. Na sequência, eu sou próxima. A mais nova, Sheila, mora há um ano e meio em Brasília. É corredora profissional. Foi ela quem me ensinou o quanto é gostoso correr. Também terminou curso de gastronomia e está trabalhando em um restaurante. Minha mãe, que durante muito tempo foi “do lar” – como as mulheres de antigamente - hoje é costureira.
ZONA SUL – Ninguém da sua família mexia com música?
LENE – Não. Minha mãe teve contato e foi amiga de Agnaldo Rayol, quando ele morou em Natal e estava começando. Aos domingos ela não perdia um programa de auditório da Rádio Poti. Também gostava de cantar, em casa. Sempre teve voz muito bonita e afinada.
ZONA SUL – Qual o repertório dela?
LENE – Adorava Ângela Maria, Noel Rosa, Cartola... Minha mãe sempre teve um gosto musical primoroso. Dela herdei pelo menos o gosto por música boa.
ZONA SUL – Como foi retornar para a cidade onde tinha nascido?
LENE – Natal não existia para mim. Eu não lembrava de nada. Quando a gente chegou a Natal, estavam começando a calçar as ruas do Alecrim. Morei anos e anos - e minha mãe ainda mora lá - na Avenida 3. Aquele trabalho de calçamento era ótimo porque a gente brincava com a areia e se escondia na tubulação. O padrinho de minha irmã Solange tomava conta da parte de irrigação da Escola Agrícola de Jundiaí, em Macaíba. Todo mês de junho a gente ia passar as férias lá.
ZONA SUL – E os estudos?
LENE – Fiz até a oitava série na Escola Dom Marcolino Dantas. Depois fui para o Winston Churchill, na época em que as Lojas Americanas estavam inaugurando sua filial, em frente. Nós, alunos, ficávamos loucos: atravessávamos a rua para comprar biscoito.
ZONA SUL – Você foi boa aluna?
LENE – Média ou razoável, dava pro gasto. Os gênios se dão bem em tudo. Como uma pessoa normal, eu me dava bem em algumas: Português, Redação, História, Geografia... Não gostava de Química e Matemática. Porém não tirava notas muito ruins. Prestei vestibular, mas não consegui passar.
ZONA SUL – Você envolveu-se com música na escola?
LENE – Não. Minha história é atípica: ela não tem nada a ver com garagem, com banda, com adolescência...
ZONA SUL – Então vamos prosseguir. Você estava falando no vestibular...
LENE – Vai demorar até chegar na música... Prestei vestibular duas vezes. Uma delas foi para Letras. Resolvi trabalhar por me sentir responsável pela minha família. Meu pai foi alcoólatra durante muitos anos. Eu via que ele já não trabalhava como antes, por isso minha mãe passou a costurar em domicílio. Passava o dia fora, quando chegava em casa tinha um monte de coisas pra fazer. Comecei a trabalhar aos 19 anos.
ZONA SUL – Fazendo o que?
LENE – Meu primeiro emprego foi vendendo cachaça artesanal, a Murim-Mirim. Eu vendia e personalizava as garrafas. Foi lá que adquiri meu problema de miopia. Tinha um campo no rótulo da garrafa para a gente colocar o nome da pessoa, ou uma frase. A gente prensava e personalizava o rótulo na hora. Lembro que um dia Pedrinho Mendes chegou lá na loja quando estávamos fechando. Eu tinha um compromisso e estava doida pra sair. Era perto de uma data comemorativa, todo mundo queria comprar a cachaça. Eu e Noé - um rapaz que trabalhava comigo - queríamos ir embora. Quando fechei a porta, Pedrinho colocou o pé. Apesar de ele estar fazendo muito sucesso naquela época, eu não o conhecia. Ele pediu pelo amor de Deus que eu vendesse só uma garrafa. Eu disse que não podia, estava fechado. Ele perguntou se eu sabia quem ele era. Respondi: “nem quero saber”. (risos).
ZONA SUL – Você apenas vendia ou também tomava Murim? Depois de vender cachaça, o que você foi fazer da vida?
LENE – Naquela época eu não tomava, hoje bebo um pouco de cachaça mineira e de Samanaú. Mas não sou muito fã. Depois dali trabalhei quase sete anos com contabilidade. Quando tive minha filha, resolvi ficar em casa, dar um tempo. Eu sempre dizia que quando engravidasse queria ficar com meu filho pelo menos um ano. Depois disso foi que a música apareceu.
ZONA SUL – Caiu de pára-quedas? Como foi?
LENE – Eu tinha um rival dentro de casa, que poderia ser meu aliado: o violão do meu marido Josué, o Jô Fernandes. Ele tocava. Quando ele pegava o violão, eu sentia ódio. O desejo que eu sentia era de quebrar o instrumento na cabeça dele.
ZONA SUL – Ele tocava apenas em casa?
LENE – Em casa, farras e na praia. Aliás, naquela época não era “tocar” violão, era “bater” violão. Literalmente. Todo mundo cantava junto. Josué trabalhava na Caixa Econômica Federal. Eu tinha combinado de voltar a trabalhar depois de um ano do nascimento da nossa filha. Mesmo em casa, trabalhei ainda uns seis meses. Era bem apertado, eu tendo que cuidar de Rebeca bem pequenininha. Jô trabalhava à noite na CEF, recebendo adicional e tudo. Mudaram seu horário para o dia e ele perdeu um bocado de vantagens e dinheiro. Passamos por uma barra pesada, financeiramente falando. Tentamos ser empresários, mas não conseguimos.
ZONA SUL – Em qual ramo?
LENE – (risos) De novo a danada da bebida estava lá no meio, me perseguindo. Montamos um quiosque perto do Via Direta para vender espetinho, caldinho, cerveja... Eu preparava tudo previamente em casa e levava para o Jô, quando ele saía do trabalho. Não deu muito certo. Era muito cansativo e o trabalho era bem maior do que a recompensa. E outra: aguentar os bêbados de fim de noite era dose. Em uma fase crítica, vendemos o quiosque.
ZONA SUL – Nada da música ainda?
LENE – Então vamos lá. Em 1999 Jô conheceu uma moça chamada Rejane Luna, que estava começando a cantar profissionalmente. Ele me chamou para irmos ao Safari, um barzinho no bairro Cidade Satélite. Era a estreia de Rejane. No meio da apresentação, ela chamou Jô para dar uma canja. Ele tocou uma música de Djavan, acompanhando Rejane. Depois Jô acompanhou outro cantor, e Rejane Luna veio sentar à mesa comigo. Não nos conhecíamos. Ela percebeu que eu cantarolava as músicas que estavam sendo tocadas. Então, quando retornou ao microfone, Rejane disse: “eu queria chamar uma amiga pra cantar”. Fiquei procurando a amiga, mas só notei que era eu quando ela disse meu nome. Ela deve ter imaginado que eu costumava cantar com Jô, mas eu estava morta de vergonha. Sempre fui tímida demais. Tinham poucas pessoas no bar, mas mesmo assim a cobrança foi grande, depois que eu disse não. A plateia devia estar pensando que eu estava fazendo charme. Resolvi cantar meia música para que percebessem que eu era um fiasco. Cantei “Tigresa”, de Caetano Veloso. Saiu direitinho, não saiu feio. Quando terminei, pediram para eu cantar mais uma. Eu não queria, mas acho que cantei umas cinco músicas, nessa noite. Era tanta vergonha que eu tinha, que eu quase me enforco com o casaco que eu trazia amarrado ao pescoço. Meu pé escorregava no sapato, por causa do suor frio. Quando terminei, o gringo dono do restaurante perguntou se meus sábados estavam livres. Tive que explicar que não era cantora e que jamais assumiria novamente um microfone para canar. A sensação foi ruim, de insegurança. Eu não sabia o que estava fazendo. Foi horrível. Jô ficou surpreso com a forma como me comportei no palco, apesar de tudo. Dava para ver nos olhos dele aqueles cifrões, como se Jô fosse um Tio Patinhas. Enfrentar a noite foi horrível. É maravilhoso hoje, mas naquela época, sem experiência e sem repertório, foi muito difícil.
ZONA SUL – Você encarou a noite antes mesmo de ensaiar e preparar um repertório?
LENE – Fui levada a isso, não foi irresponsabilidade. Um dia depois daquela minha estreia, encontramos o artista Rubinho, que também trabalhava na CEF. Jô falou, brincando com ele e comigo: “olha, Rubinho, tem concorrência na parada, a bichinha aí cantou sexta-feira e parece que tem a voz boa: se trabalhar acho que dá certo”. Rubinho nos convidou para ir à sua casa. Jô ficou tão empolgado que já queria ir no dia seguinte. Dois dias depois passamos lá. Rubinho tocava e me perguntava se eu conhecia tal música. Foi numa dessas idas que recebi a ligação avisando que meu pai tinha falecido. Mas, voltando, uma semana depois Rubinho ligou perguntando se Jô conhecia alguém para substituí-lo durante uma hora na praça de alimentação do Via Direta. Ele ia cantar em um casamento. Jô, com os cifrões ainda nos olhos, respondeu que conhecia. Quando eu soube que ele pretendia me colocar para cantar, corri pro banheiro. Nunca me senti tão mal em toda minha vida. E ele me pressionando: “Lene, entenda, ele falou que vamos ganhar tanto”. Na época a gente estava precisando mesmo. Eu reclamei “não faça isso comigo, você não pode colocar a responsabilidade em mim, eu não sei cantar”. Ele propôs a gente sentar naquela hora para ensaiar. Respondi que não era assim, que eu sequer sabia como me comportar, que tinha muito medo, era muito ansiosa e não ia conseguir. Emagreci horrores no começo, perdi uns cinco ou seis quilos, pois quando sabia que teria que cantar, dava vontade de me mudar para o banheiro. As amigas perguntavam que dieta era aquela. Dieta coisa nenhuma, era medo mesmo.
ZONA SUL – Como foi essa estreia recebendo cachê?
LENE – Horrível. Rubinho tinha dito: “pra você que está iniciando, vinte músicas dá pra fazer uma hora”. Pegamos canções simples, que todo mundo canta. Quando terminei de cantar as vinte, ainda faltavam vinte minutos para o show encerrar. Foi aí que começaram os pedidos das pessoas. E eu não contava com isso. Eram músicas fáceis, como “Canteiros”. Durante todo o show cantei com os dedinhos no cós da calça, por não conseguir movimentar minha mão. Eu parecia uma pedra de gelo ali, tesa. Quando me pediram para cantar “Leãozinho”, Jô insistiu que era fácil demais. Mas eu não lembrava da letra. Começamos a discutir baixinho. Eu não querendo cantar, ele insistindo. Por fim ele perguntou se eu conhecia a melodia. Disse que sim. Ele combinou: “então você vai cantando e eu vou soprando daqui”. Eu respondi que estava certo, mas não ia dar certo. Jô começou a tocar e eu a cantar. Quando eu mais precisei dele, na parte que eu não lembrava da letra, quando olhei para o lado Jô estava de cabeça baixa, tocando. Parei de cantar, foi aquele silêncio total. Ele olhou pra mim, desandou tudo, foi horrível. Mas eu gostei de alguma coisa naquela noite. Não sei nem dizer muito o que foi. Rubinho voltou a precisar da gente outras duas vezes, se não me engano. Mas até lá, montamos um repertório. Rejane Luna sempre que ia cantar nos chamava para dar uma canja. Ela foi muito importante pra gente. Arrumava os contratos, pegava seu som, nos levava até o local do show, montava o equipamento, passava o som, ia embora, e voltava quando a gente acabava de cantar para recolher o som e nos levar pra casa no carro dela. Nunca vou esquecer.
ZONA SUL – Jô também enfrentou a mesma insegurança que você sentiu?
LENE – Não, porque ele já tocava há muito tempo, desde os oito anos de idade. Ele foi um louco, mas a responsabilidade maior foi minha. Eu tinha que dar a cara à tapa. Eu não tinha a dimensão disso. Para cantar eu precisava fazer o teste prático da Ordem dos Músicos. Quando fiz, o presidente da época, depois de me ouvir, disse: “Lene você tem uma coisa na voz que pode ser um problema ou uma característica da sua voz. Seria legal você ver isso”. Sugeriu que eu fizesse uns cursos na Escola de Música. Fiz e foi muito legal, aprendi coisas que até hoje guardo e uso. Foi bem prático, mas não me deu tudo que eu precisava. Fiz mais umas três oficinas e entrei no curso básico de música na Escola de Música da UFRN.
ZONA SUL – Você toca algum instrumento?
LENE – Nunca me interessei em tocar. Acho muito bonito. Estou mais pra percussão do que pra cordas.
ZONA SUL – Você compõe?
LENE - Tenho umas coisas escritas, mas nunca mostrei. Talvez eu não acredite no que escreva. De repente um dia vou mostrar e alguém vai dizer que é legal. O fato é que hoje sinto que não sei o que seria de mim sem a música. Cantar pra mim é uma coisa fabulosa. Pra minha personalidade e pra minha vida a música foi fundamental.
ZONA SUL – Você começou a tocar na noite em qual barzinho?
LENE – Estação de Minas. Era uma cachaçaria. O tempo que esse bar existiu, cinco anos, eu cantei lá.
ZONA SUL – Você enfrentou alguma situação inusitada cantando na noite?
LENE – Lembra daquela música “Titanic”? Rubinho insistiu que eu aprendesse a cantá-la. Ele me incentivou dizendo que a música subia um tom não sei como, não sei onde, e que seria bom pra mim. Passamos essa música algumas vezes e em todas deu certo. Marcamos uma canja no “Praia Shopping”. Rubinho estava no teclado e Jô no violão. Começaram a tocar a música do Titanic. Eu estava muito nervosa, meu lábio tremia, mas comecei muito bem. Quando foi perto da hora de começar a subida, eu ouvi Jô dizer a Rubinho que eu não ia conseguir. Rubinho apostava que eu ia. Na hora de subir o tom, eles naquela discussão, quase gritando, Jô levou um choque e deu um grito.
ZONA SUL – Mas você conseguiu alcançar a nota ou não?
LENE – Acho que ia conseguir, mas não sei. Foi um choque tão grande que Jô soltou o violão e foi aquele barulho. Nem fiquei sabendo se eu ia conseguir ou não. Mas esse dia foi muito engraçado.
ZONA SUL – Tocando em barzinho você deve ter sentido vontade de, por exemplo, cantar em um teatro.
LENE – Na época do Estação de Minas uma das sócias, Míriam, promoveu alguns festivais. Participei do I Festival da Canção como intérprete. Quem me acompanhou foi Eduardo Taufic. O conheci quando Miriam resolveu gravar um disco só com canções de Minas. Pagou pra gente gravar um CD no estúdio de Eduardo Taufic. Cantei quatro canções no disco “Estação de Minas canta Minas”. Foi assim que conheci o Eduardo. No festival pedi que ele me acompanhasse tocando teclado. Eu queria um arranjo só com voz e teclado. A música nas duas primeiras fases foi “A quem interessar possa”, de Mirabô Dantas e José Nêumanne Pinto. Eduardo não conhecia a canção e nem quis ouvi-la gravada. Apenas pediu para eu cantar. Cantei um pedacinho e ele perguntou qual era o tom. Gravamos para eu ficar ouvindo em casa e me acostumar com o arranjo. Ele anotou as cifras em um papel e me entregou. Pediu para eu devolver as anotações na hora da apresentação. Mas no dia, não achei esse papel. Pra completar, o palco era tão pequeno que ele tinha que ficar de costas pra mim. Apesar de tudo isso, a música ficou linda! Na terceira fase, como intérprete, eu podia trocar a canção. Escolhi “Cantar”, de Galvão Filho. Fiquei em segundo lugar. Fui eleita melhor intérprete no II Festival da Canção, com uma música chamada “Tudo Valeu”, de Jô Fernandes e Ivan do Monte.
ZONA SUL – Como foi sua participação no Projeto Seis e Meia?
LENE – Fiz duas vezes. A primeira com Luciana Melo e a segunda com Selma Reis.
ZONA SUL – Você chegou a ter contato com elas?
LENE – Com a Selma Reis, sim. Também tive contato com Vanessa da Mata, no circuito Banco do Brasil. Eu estava fazendo vocal no show de abertura. Antigamente colocavam o artista da terra para dividir o palco com a atração nacional. Agora eles já chegam em cima da hora, atrasados, não dá pra combinar nada. Cantei duas músicas em um show instrumental de Eduardo Taufic, chamado “Tributo a Tom Jobim”. Participei do I Cosern Musical, na Casa da Ribeira. Cantei nos CDs de Fábio Fernandes, Manassés Campos e de Genildo Costa, uma figura lá de Mossoró. Houve muitos outros projetos legais, como o da “Quartinha da Cultura”, da Petrobras e o “Poticanto”. No “Poticanto” eu cantei músicas de um compositor que gosto muito, o Zeca Brasil. Nesse CD que estou lançando tem três canções dele. Antes desse disco agora, gravei um demo. Quando a gente canta em determinados lugares, sempre cobram, principalmente os turistas. Eles querem levar uma lembrança. Gravei mais como um cartão de visita. Foi gravado na época em que eu ia viajar para Portugal, por volta de 2001.
ZONA SUL – Como foi essa história?
LENE – Eu e o Jô gravamos o CD em 2001. A gente fez base de voz e violão e gentilmente meu amigo Eduardo Taufic fez uns samplers, botou tudo que você possa imaginar. Ficou lindo. A gente pensava em fazer um disco bem básico, mas ficou lindo. O repertório era só gente desconhecida: Tom Jobim, Chico Buarque, bossa nova do Vinicius, Roberto Carlos... Pretendíamos viajar para Portugal e ter algum registro para apresentar nosso trabalho. Quando estávamos nos apresentando em bares e restaurantes, muitos turistas portugueses davam endereço e nos convidavam para se apresentar por lá. Alguns diziam que eram donos de restaurante. Nossa ideia era conhecer outro país e, de quebra, ganhar um dinheirinho. Compramos passagens e fizemos algumas despedidas, mas, faltando uma semana, minha filha teve um problema emocional e eu fiquei com medo de ir. Portugal não está riscado dos planos. Minha filha Rebeca Macedo hoje tem 15 anos, canta com uma voz linda e está tocando seu violãozinho.
ZONA SUL – Qual seu repertório atual?
LENE – É bem variado. Se fosse tocar agora, seria Chico, Djavan, Vinicius, Adriana Calcanhoto e gente nova como Vander Lee e Vanessa da Mata. Adoro Ceumar e Céu.
ZONA SUL – E dos compositores do estado?
LENEPedro Mendes, Babal, Mirabô Dantas, Manassés Campos, Nelson Freire, Zeca Brasil, Ivan do Monte, Jô Fernandes, Rebeca Macedo. Sim, minha filha é compositora, tem uma música. ZONA SUL – Fale sobre o seu CD.
LENE – É um sonho que tenho há muito tempo de cantar e mostrar como eu quero que as pessoas me conheçam. O disco ficou a minha cara: versátil e diferente. Tem samba, bossa, salsa, chorinho... O repertório ficou muito bom. São composições do Nelson Freira, Zeca Brasil, Jô Fernandes, Ivan do Monte, Antonio Ronaldo, Rebeca Macedo, Chico Eliont... São músicas que fizeram parte da minha trajetória de dez anos de carreira. Todas de compositores potiguares. O nome do disco é o meu nome: Lene Macedo. A direção musical, os arranjos, a mixagem e o estúdio foram de Eduardo Taufic, meu padrinho e meu amigo que sempre ajudou pra caramba. Tem participações especiais como as de Ricardo Menezes tocando sete cordas, Jubileu Filho fazendo guitarra e cavaquinho, Rafael Almeida no bandolim e cavaquinho. Também tem Darlan Marley na bateria, Sami Tarik e Dudu Campos na percussão. Tem ainda Roberto Taufic, que está na Itália há tantos anos, tocando violão. Meu marido não quis participar. Disse que não ia se meter nesse meio, porque ele tocava apenas um feijão com arroz.
ZONA SUL – A internet ajuda de alguma forma na sua carreira?
LENE – Não sou muito ligada nessa história. Meu marido faz, através de e-mail, a divulgação dos nossos shows. Tenho Myspace com algumas fotos, músicas e a minha biografia. O endereço é http://www.myspace.com/lenemacedo/ .
ZONA SUL – Você prefere trabalhar em bar ou teatro?
LENE – O palco do teatro tem a magia e requer todo aquele preparo. Chegar lá é como um sonho que está se realizando. No bar ou restaurante tem a proximidade maior, uma troca que eu gosto mais. Troca de energia mesmo. É mais interativo. O repertório é moldado de acordo com as pessoas que estão ali. Acho que nosso repertório hoje reúne 600 músicas. Tem músicas a partir da década de 30, pois fiz show, no inicio do ano, comemorando o centenário de Carmem Miranda, no Praia Shopping. Não sou muito de modismos, muita coisa tenho decorado. Levo quatro pastas para os shows. Tem dias que nem olho. Mas às vezes pedem uma música que não estou lembrando e pego a pasta para tentar atender da melhor maneira possível.
ZONA SUL – Você sobrevive da música? Canta em velórios, como o violonista e compositor potiguar João Salinas?
LENE – Vivo completamente da música. Já cantei em dois sepultamentos, foi inusitado, mas não envolveu contrato ou pagamento. Quiseram me contratar, mas não aceitei. Um rapazinho era freguês assíduo do Seven, na Praça das Flores, onde eu cantava. Sua mãe, sempre que aparecia por lá, me pedia uma música. Ela estava passando por um tratamento contra câncer. A gente acompanhou a evolução do problema superficialmente. O rapaz chegava lá, bebia alguma coisa e comentava se a mãe tinha melhorado ou piorado. Sempre dava alguma notícia. No dia em que ela se internou, o rapaz já sabia que não tinha mais volta. Ele comunicou que sua mãe poderia falecer a qualquer momento e pediu que cantássemos a música que ela gostava, quando ocorresse o sepultamento. Não havia como negar. Poucos dias depois, estávamos chegando em casa, depois de tocar em Macau. Encontramos uma mensagem na secretária eletrônica. Ela tinha morrido. O enterro seria às oito horas da manhã. Dormimos uma hora e fomos. Cantei a música dela, “Naquela Estação”, de Adriana Calcanhoto. Foi difícil, mas emocionante. O outro foi quando a mãe de um amigo nosso morreu. Foi improvisado. Ela gostava de “Como é grande o meu amor por você”, de Roberto Carlos. Eu estava lá, todo mundo chorando. A nora dela chegou pra mim e pediu pra eu cantar. Cantei sozinha, à capela. O silêncio foi absoluto. Também foi tocante.
ZONA SUL – Você também participou de um projeto que homenageou Chico Buarque.
LENE – Foi um projeto de Zé Dias. Cantei o Chico Buarque político. O projeto piloto era chamado de “Nós e Chico”. No cartaz tinha a foto dele meio embaçada, junto com as nossas fotos e nossos nomes. Teve gente que pensou que Chico cantaria conosco. Participei junto com Tânia Soares, Andrezza Costa e Sirleide Andrade, de Pernambuco. Também fiz Carmem Miranda e Roberto Carlos. Com Luciane Antunes fiz o show “Afinidade”. Ela é madrinha da minha filha, uma grande amiga e comadre. Luciane é mineira. Como é às de informática, me ajuda na divulgação das apresentações. O projeto foi feito sem muita pretensão, mas superou as expectativas. Quando é coisa boa, acaba acontecendo. Cantávamos Rita Ribeiro, Vanessa da Mata, Céu e Maria Rita: quatro cantoras em evidência, na época. Mudamos um pouco os arranjos. Apresentamos umas dez ou doze edições do “Afinidade”. O Armazém Pará tinha um projeto chamado “Pararte”. O palco era montado no estacionamento e a cada mês um artista era convidado. Também me apresentei por lá.
ZONA SUL – Onde se pode assistir Lene Macedo cantando?
LENE – Tenho uma agenda fixa e outra que vai mudando à medida em que os shows vão pintando. Aos domingos, segundas e quintas-feiras canto no Restaurante Rio, na orla de Ponta Negra. Há cinco anos me apresento toda terça-feira no Guinza, no dia do sushi. As sextas tenho show agendado no SeaWay. Cantei durante quase cinco anos aqui mesmo, no Veleiros. Em todo lugar que eu me apresento termino me tornando uma pessoa da casa, da família.
ZONA SUL – O que faltou dizer? Se despeça do Zona Sul
LENE – Comecei minha carreira aos trinta anos, o que não é comum. Estou correndo até hoje. Esse CD representa pra mim a conquista de um objetivo importante. Por isso eu gostaria que todos ouvissem as canções que escolhi para compor esse disco. É o resultado de uma batalha grande. Não sei o que vai acontecer a partir de agora. Mas isso é o que menos importa. O que vale é que gravei um disco como eu queria, com a minha cara. Gostaria de agradecer a todos os que colaboraram para que esse sonho pudesse ser concretizado.