segunda-feira, 20 de dezembro de 2004

Entrevista: ABRAÃO BATISTA

NO MUNDO ENCANTADO DO CORDEL






Principal cordelista em atividade no país. Homem culto, dotado de inteligência aguçada, humanista escancarado, nacionalista empedernido e, sobretudo, um grande observador e contador de histórias. Abraão Batista é o presente de Natal que o Zona Sul trouxe para o seu leitor neste final de ano. A entrevista exclusiva, foi concedida em Belém do Pará.


Na última vez que utilizei o Google (endereço de busca na Internet) para pesquisar informações sobre Abraão Batista, encontrei 106 resultados. O primeiro deles - de um site do Graphicstudio - Institute for Research in Art, da Flórida, Estados Unidos - trata Abraão como “um dos mais famosos autores de cordel e um venerável artista do folclore nordestino brasileiro”. Em outra página, um release da Universidade de Colônia, Alemanha, anuncia a realização de uma exposição de artes plásticas, em 2001, na qual foram expostas xilogravuras de Abraão. Já a Istoé Gente dedica matéria sobre a utilização da contracapa dos cordéis de Abraão para a venda de espaço publicitário. No jornal O Mossoroense, o articulista Cid Augusto comunica que uma mesa redonda, com a participação de Abraão, debaterá o tema “Xilogravura na ilustração da literatura de cordel”. Homem importante da cultura popular, Abraão Batista participou recentemente da VIII Feira Pan-Amazônica do Livro, em Belém do Pará. Foi lá que o conheci. Ele procurava informações sobre o ex-presidente Juscelino Kubitschek, para servir como tema de um futuro cordel. Do bate-papo, surgiu a idéia da entrevista que você acompanha agora. (Roberto Homem)



ZONA SUL – Encontrei na Internet informações suas em páginas da Alemanha e Estados Unidos, além de dezenas de outras matérias hospedadas em provedores brasileiros. No meio de tanta informação, surgiu uma dúvida: alguns sites dizem que você nasceu em 1936, enquanto outros informam que foi em 1935. Quem tem razão?
ABRAÃO – Nasci em 1935, no dia 4 de abril. Mas alguns dos meus documentos também estão atrapalhados. Um deles diz que foi em 4 de maio. Quando eu fiz o alistamento militar, o babaca lá, anotou errado. Ainda hoje sofro com esse erro de anotação. Eu nasci em 4 de abril, mas só fui registrado, por meu pai, em 4 de maio, embora com a data certa.

ZONA SUL – Seu nascimento foi próximo da morte de duas personalidades: Padre Cícero e Lampião, muito citados no mundo do cordel. Esses acontecimentos têm alguma coisa a ver com sua paixão pelo cordel?
ABRAÃO – Não digo precisamente a morte daqueles dois. O que tem a ver é o vivencial, o cosmo, o mundo em que eu nasci e me criei. O mundo fantástico do padre Cícero, de Lampião, da justiça, da fé, das trapalhadas da polícia, dos políticos, da igreja. Morei toda a minha infância e juventude vizinho à Igreja Nossa Senhora das Dores. Ouvi missa pelo resto da vida. Sem eu querer, querendo, aprendi e convivi com aquilo tudo. Hoje sou o que sou graças a essa convivência, a esse aprendizado.

ZONA SUL – Fale um pouco sobre a visão que tem a respeito de Lampião e Padre Cícero.
ABRAÃO – São dois pontos chaves do mundo nordestino, brasileiro. Primeiro, Padre Cícero foi o maior assistente social que esse país já teve e tem. Ainda hoje ele é um assistente social, um cabo eleitoral, um conselheiro, um vértice de salvamento e esperança. É um santo para aqueles mais ingênuos. Para mim, santo mesmo só tem Deus, o resto são homens, criaturas semelhantes a nós. Já Lampião caiu no cangaço graças à injustiça social. O juiz, o delegado e os políticos daquela época deixaram que a injustiça cometida contra ele - a morte dos pais e o incêndio premeditado de sua casa - permanecesse impune.

ZONA SUL – Faça uma comparação entre a sua infância e a dos dias de hoje.
ABRAÃO – A minha infância foi uma infância fantástica do faz-de-conta, do imaginário, da felicidade. Pés descalços, só um calçãozinho... Segundo os contemporâneos, os amigos do meu pai, eu sempre fui assim vermelho, com a pele alva muito corada e os cabelos assanhados. Eu nunca levei em conta pentear o cabelo. Gosto do vento na face, no cabelo, soprando no rosto. Pra mim é uma coisa espetacular. Meu pai é do Rio Grande do Norte, de Natal, e minha mãe é de Pernambuco. Sou filho de romeiros, nascido em Juazeiro do Norte. Por essa razão me sinto obrigado a compreender a alma nordestina. A minha infância foi extraordinária, mas não vou dizer que quero voltar àquela época. Eu quero ver o que vem pela frente. O que passou, passou. Quero, desde sempre, desde quando eu me lembre, o novo. Descobrir, aprender, seguir. A meta do homem na terra é o infinito. E o infinito não se alcança nunca.

ZONA SUL – Existem registros da história da literatura de cordel, de como ela teria surgido?
ABRAÃO – Existe muita balela, muita conversa furada, muito enchimento de saco dos intelectualóides, daqueles que acham que sabem. Eu aprendi que o cordel surgiu com o próprio homem. Davi, por exemplo, foi um dos primeiros trovadores e cordelistas, mesmo sem papel e sem viola. Ele cantava o próprio criador. Quando os mouros invadiram a Europa, e lá passaram entre 600 a 800 anos, arrastaram consigo seus trovadores e poetas. Não tinham viola, não tinha papel. Hoje, se você escuta uma música espanhola ou portuguesa, você percebe a influência dos árabes. Os portugueses, quando invadiram o Brasil, trouxeram aquela herança que não é deles. Aliás, o europeu, fundamentalmente, é um assaltante, um desordeiro, um pirata. Você vê que quem inventou a pirataria em todos os setores foram os ingleses. Mas, na minha visão, o folheto, essa tradição dos trovadores, veio com os invasores, através do México, dos Andes, até chegar na Paraíba. A Paraíba é o trampolim da literatura popular brasileira para o resto do Brasil. Campina Grande, João Pessoa, Recife e finalmente Juazeiro do Norte, onde o cordel atingiu uma fase áurea com tiragens que chegaram a 40 mil exemplares por edição. No Juazeiro o cordel tomou uma conotação nacional e até universal. Então, a origem do cordel não é a que o europeu divulga e tenta impor. Ele veio com a própria humanidade. O primeiro livro escrito foi em xilogravura. Lá pelo século XIV. Eu não era nascido ainda naquele tempo, mas os estudiosos comprovaram isso. A história da terra precisa ser recontada com cuidado, com carinho e com os pés no chão, sem precisar puxar a brasa para a sardinha de qualquer um.

ZONA SUL – O mundo hoje conhece o cordel?
ABRAÃO – Como conhece! O professor Joseph Luyten, que é um holandês radicado no Brasil, professor da UsP, em São Paulo, e que passou um período no Japão, como professor em Tsukuba, em Tóquio, há mais de seis anos, disse que aquela universidade japonesa tinha uma coleção ultrapassando 3 mil cordéis. Soube através de um boliviano que trabalha para as bibliotecas de Washington e de Berlin, que o acervo de cordel em Berlin ultrapassa 25 mil exemplares.

ZONA SUL – O cordel gera muitos empregos?
ABRAÃO – Muitos empregos, não. Mas gera muita alegria, muita felicidade e muito descobrimento. É o nosso jornal, é a nossa trombeta, é o nosso palanque, é a nossa assembléia. Enquanto, no jornal, os escritores que são acadêmicos têm medo do ridículo, os cordelistas de verdade não têm esse medo. Enfim, o cordel dá mais do que emprego: dá a vida, a brasilidade e o reconhecimento do que somos.

ZONA SUL – O senhor tem um cordel publicado com tradução em inglês, como foi a experiência?
ABRAÃO – Não sei porque cargas d’águas um professor de uma universidade do sul da Flórida gostou do meu trabalho. Por intermédio de uma grande pesquisadora e incentivadora da nossa cultura, Dodora Guimarães, mulher do artista plástico Sérvulo Esmeraldo, esse professor me fez o convite para ir aos Estados Unidos. Aceitei. As passagens aéreas e a estadia no hotel Hollyday Inn foram pagas, além de um cachê de 500 dólares. Também vendi muitos cordéis lá, embora em português. Ainda nos Estados Unidos, escrevi o cordel Um brasileiro na Flórida e fiz uma xilogravura grande, quase de um metro quadrado, a qual vendi por 3 mil dólares. Eles gostaram do cordel, por sinal o primeiro cordel meu acompanhado por oito xilogravuras. Publicaram o texto em inglês, com autorização minha. Também fizeram um álbum espetacular.

ZONA SUL – E o que você achou dos Estados Unidos?
ABRAÃO - Já naquela época, isso foi em 1997, eu disse para esse professor, através da intérprete brasileira Vitória Abreu, que eu não gostaria de estar na pele do norte-americano. O americano não é flor que se cheire. Hoje nós podemos dizer que o Tio Sam pegou outro nome: FMI (Fundo Monetário Internacional). O FMI é o maior agiota da terra. Os americanos são ricos e poderosos graças ao nosso trabalho, ao nosso suor. Eles são os banqueiros, os agiotas. Ganham muito dinheiro em cima da gente. É preciso que eles entendam que é melhor ter o Brasil como companheiro, como parceiro e como amigo do que ter o nosso país como um adversário semelhante a Bin Laden. Eu não escondo, não: se mexerem com o Brasil, eu, mesmo já estando na terceira idade, pelo menos um gatilho ou um botão, aperto. Não sou de brigar frente a frente porque um cara com 1 metro e 80 me dominaria facilmente. Mas existem as ferramentas que tiram essa diferença. O que o Bush anda fazendo e o que os ingleses já fizeram no Afeganistão, na Índia, no Paquistão, tudo isso é crime. O que eles fizeram na América, também.

ZONA SUL – E o norte-americano? Ouvi você contando que sentiu falta de povo por lá...
ABRAÃO – Como senti! Eu não via o povo. Só tinha aquelas louronas, a maioria mal feitas de corpo... Mas, claro que tinha também as lourinhas bonitas, de olhos azuis. Perdoe-me a minha mulher – apesar de eu não trocá-la por um balaio daquelas americanas – mas, como poeta, não posso deixar de notar as coisas bonitas. Mas, eu passei alguns dias perguntando ao professor e aos seus assessores: cadê o povo? Eles respondiam que estava ali, na minha frente. Mas na minha visão, aquelas pessoas não eram o povo. Levaram-me para o centro da cidade, e lá avistei um cara, um louro, um coitado com uma placa na titela, com alguma coisa escrita em inglês. Traduziram que aquele cara ali tava dizendo que aceitava qualquer trabalho. Quando foi no domingo, já com a maleta pronta para voltar ao Brasil, me debrucei na sacada do hotel, e aí sim vi o povo. Alguns negros e morenos vasculhando lixo e carregando roupa suja. O égua do brasileiro vai para os Estados Unidos na doce ilusão de se dar bem e termina como escravo. Vai mesmo é pegar no pesado, fazer o tipo de serviço que o povo americano não quer mais. Ele bota o brasileiro, o mexicano, o latino, os éguas todos, os lascados, para pegar no pesado. Mas eles que tomem cuidado, porque aquele atentado das Torres Gêmeas foi um ponto referencial de uma nova era. Antes eles lutavam contra o comunismo, hoje o inimigo é o terrorismo. O problema é que o terrorismo é internacional, é como a cobra cascavel, está em todo lugar. Não tem bomba de 500 quilos que dê jeito. Pode bombardear, matar criança, velho, adolescente, arrombar tudinho, que não tem jeito.

ZONA SUL – Qual dos seus cordéis atingiu maior repercussão?
ABRAÃO – No início o que causou maior repercussão histórica e social foi O homem que deixou a mulher para viver com uma jumenta na Paraíba. Baseado em uma história real, ocorrida em junho de 1976, no sítio Lagoa do Cumbe, na Paraíba.

ZONA SUL – Você costuma levar para suas histórias personalidades ou pessoas que conhece. Desses personagens que o senhor transcreveu da vida real para o mundo do cordel o que se tornou mais famoso foi o Seu Lunga?
ABRAÃO – É, exatamente. O cordel Seu Lunga, 1º volume assanhou a sociedade leitora e assanhou os jornalistas ao ponto de canais de televisão do Ceará, como a TV Globo e outras organizações, irem a Juazeiro para entrevistar o seu Lunga e comprovar se eu falava a verdade ou não. No início, Lunga tinha pavor a mim. Dizia que eu era um mentiroso. Tive que suportar isso, mas eu nunca detratei, nem nunca vou detratar o Lunga. Eu apenas contei aquilo que o povo conta. O Lunga é uma criatura pública e notória. Os filhos dele queriam cobrar direitos autorais, ora bolas... Daí eu perguntei a eles quem tinha escrito as histórias. Falam da rainha da Inglaterra, do presidente dos Estados Unidos, do príncipe da Dinamarca, de não sei quem, de Ho-Chi-Min, então...

ZONA SUL – A família de Lampião nunca pediu...
ABRAÃO – As netas de Lampião são meio mercenárias... Meio não, são mercenárias. Não quero nem conversa com elas. Querem logo dinheiro. Mas a entrevista que Lunga deu na televisão só fez aumentar a curiosidade sobre o cordel. Então lancei o segundo volume. Depois disso, meus colegas de Fortaleza lançaram quase uma dezena, tudo simultâneo. Mas eles inventaram. Eu não invento, eu escrevo, em 32 páginas, aquilo que eu escuto do gosto popular. Não vou dizer que ele foi candidato, que tem projeto quando for prefeito... Meus colegas de Fortaleza fizeram isso. Aí sim, nesse caso, o camarada está passível de um processo.

ZONA SUL – Que outro cordel também pode ser considerado campeão de vendas?
ABRAÃO – Hoje, um cordel que chega a vender tanto quanto os de seu Lunga é O poder que o peido tem. Inclusive, eu me inspirei em dois grandes poetas de Natal: o José de Souza e o Celso da Silveira. Quer saber como foi que cheguei a escrever O poder que o peido tem? Em Brasília, eu vi o J. Borges, grande gravador, vendendo, como se fosse dele, O valor que o peido tem. Eu achava que era de J. Borges. Quando fui à uma feira de artesanato em Natal, conheci um artista, um empresário da cultura, que me disse que aquele cordel era do Celso da Silveira e do José de Souza. Esse empresário disse também que os dois pensaram em processar o J. Borges. Mas, depois de ouvirem algumas pessoas, chegaram à conclusão que era melhor deixar passar, já que o J. Borges poderia ter feito aquilo ingenuamente. Eu resolvi escrever um cordel, não com esse título, mas tendo O valor que o peido tem como catalisador. Então fiz O poder que o peido tem, diferente d’O Valor que o peido tem. Já Expedito Sebastião, que é outro cordelista, ele já morreu, escreveu As conseqüências do peido. Depois eu telefonei para Celso da Silveira e pedi autorização para editar o cordel dele e de José de Souza. Já é a segunda vez que eu faço. A tiragem é dividida, meio a meio. Também pedi a Celso que me mandasse uma foto. Com ela fiz uma xilogravura do Celso bem gordinho, está uma belezura. Depois o Celso disse: “Abraão, eu tenho aqui o cordel da bufa”. Depois que li, percebi que o cordel da bufa é muito grotesco, muito agressivo. Na minha visão, o cordel deve ser uma leitura para todos. Você não deve publicar um cordel que uma criança não possa ler ou que a deixe escandalizada ou enojada. Eu não faço isso nem que me dêem o dinheiro do mundo todo. Não que eu seja beato ou santo, mas este é meu temperamento.
ZONA SUL – Qual seu cordel favorito?
ABRAÃO – Não é favorito, mas tem um que quero muito bem. É uma lição chamada Aprenda a ser feliz. Nele a natureza me abriu as portas do grande ensinamento para a felicidade. Eu procuro, dentro da minha limitação, ensinar ao meu leitor a aprender a ser feliz. Quero muito bem a ele, embora ele nem venda muito. O vejo como um anjo. Escrevi esse cordel em Brasília. Aliás, todas as vezes que vou a Brasília ficou azougado. A energia de lá me banha, me favorece. Na penúltima vez que lá estive, escrevi cinco cordéis. Bati um recorde sem querer.

ZONA SUL – E a xilogravura?
ABRAÃO – A xilogravura está para o cordel como a fotografia está para a revista e a manchete está para o jornal. Uma é a imagem do outro. A xilogravura ajuda a vender o cordel, como a manchete e a fotografia ajudam a vender o jornal e a revista. Se você vê uma revista com uma foto bonita, ou um jornal com uma manchete atrativa, compra, mesmo sem saber o conteúdo. É o mesmo jeito com o cordel, quando você encontra uma xilogravura expressiva.

ZONA SUL – Você começou o cordel e a xilogravura na mesma época?
ABRAÃO – Comecei no mesmo momento. Eu pensava que tinha sido em 1969, mas outro dia minha mulher esclareceu. Ela lembrou que eu tinha escrito quando ela estava grávida de uma de nossas filhas. Pra você ver como a mulher tem um referencial. Por causa disso, hoje posso dar uma informação exata. Eu conhecia o mestre Nosa, e sabia que ele fazia xilogravura. Era um imaginário, um escultor de imagens de santos. Eu fui lá pedir um pedacinho de pau, ele me deu. Eu já tinha visto, várias vezes, mestre Nosa trabalhar. Quando cheguei em casa, peguei um canivete tipo corneta, que tem um aço bom, amolei, risquei a tábua, lixei e fiz. Foi a minha primeira gravura. O cara faz, sente a prática, mas aprende com o cotidiano. Meu professor foi a minha prática. É certo que eu tinha visto um grande mestre fazer. Mas o grande mestre não me deu aulas. Aliás, deu... Mas sem saber que eu estava aprendendo.

ZONA SUL – E seu trabalho como professor universitário?
ABRAÃO – Foi muito saboroso, mas também algumas vezes amargo. O brasileiro não tem a cultura de estudar. Sempre fui exigente na minha maneira de ser. Muitas vezes diziam que eu era um carcará, um bicho-papão, mas quando eles aproximavam-se de mim, terminavam confessando que pensavam que eu era de outro jeito. Quem vê cara, não vê coração. Eu não vou andar com os dentes arreganhados pra todo mundo. É bom o sujeito ter muitas amizades, mas não é bom ter amizades falsas. Senti na minha pele, desde a adolescência, o efeito e a garra da hipocrisia.

ZONA SUL – A Internet e as novas tecnologias ajudam no seu trabalho?
ABRAÃO – Como ajudam! Alguns cordelistas do Crato são bobos, dizem que têm que continuar compondo os cordéis letra por letra, porque é a tradição... Ora, quem vive de tradição é museu. O homem deve obrigatoriamente acompanhar a evolução. Esse modo de ver foi motivo de uma discussão educada que tive com um professor na 22ª Feira do Livro de Brasília. O cara, que tinha uma faixa etária semelhante a minha, chegou reclamando alto. “Ah, tão mudando a forma do cordel”. Eu não me contive, levantei-me e disse. “O senhor sabe a diferença de forma e formato? Pois tá aqui, o cordel continua com a mesma forma, a sextilha. Agora, o formato, tem que evoluir”. Ele ainda disse não sei o que e eu falei que até a máquina de escrever já tinha sido aposentada. Ele revelou que continuava escrevendo com a dele. Eu me arretei e falei: “o senhor é um saudosista. Já pensou se eu viesse lá de Juazeiro do Norte pra Brasília num carro de boi? Como é que eu ia chegar? Já pensou o senhor vestido de Luís XV com sapato alto e tudo?” Aí o camarada apertou a minha mão, disse até mais e foi embora. Desse diálogo surgiu o cordel Discussão de um cordelista com o professor Mané do Brejo.

ZONA SUL – Como o público de Natal pode ter acesso ao seu trabalho?
ABRAÃO – Não precisa você ir a Europa para comprar os cordéis de Abraão. Basta, de casa mesmo, uma telefonada, um pedido. Se não sabe usar a Internet, escreve uma cartinha, que eu atendo e mando por reembolso postal. Uma das coisas sérias que temos ainda é o Correio nacional. É facílimo.
Abraão Batista pode ser contatado pela Caixa Postal 204 – CEP 63031-200 – Juazeiro do Norte (CE) – Brasil – Telefones (88)3572-0658 ou email: artesaopadrecicero@ig.com.br

quarta-feira, 17 de novembro de 2004

Entrevista: Rodger Rogério

FALANDO DA VIDA COM RODGER ROGÉRIO

Rodger Rogério, 60 anos completados em janeiro deste ano, é autor de importantes canções da
MPB como Retrato Marrom (com Fausto Nilo) e Ponta do Lápis (com Clodo Ferreira), ambas gravadas por Raimundo Fagner e Ney Matogrosso. Na virada dos anos 60 para os 70, ele e outros artistas - como Fagner, Belchior, Ednardo, Téti, Petrúcio Maia, Jorge Mello e Amelinha -dividiram-se entre Rio, Brasília e São Paulo para levar além-fronteira a música cearense.
Numa noite do início de setembro, enquanto muita música instrumental de primeira, muito bate-papo, bebida e comida rolavam no comitê de um candidato à Câmara Municipal de Fortaleza, eu falava da vida com Rodger Rogério. Cantor, compositor, professor de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC), ator de teatro e de cinema, homem de rádio e, agora também, roteirista, Rodger, junto com Ednardo e Teti, participou do antológico disco Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem, gravado em 1973, e que ficou conhecido como Pessoal do Ceará. Foi através deste elepê, considerado por muitos o Sgt. Pepper’s cearense, que comecei a conhecer e a gostar do trabalho de Rodger. Sua música Falando da Vida (parceria com Dedé Evangelista), é minha preferida do elepê. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – Como a arte, particularmente a música, apareceu na sua vida?
RODGER – Quem apareceu primeiro foi a música popular. Ouvia no rádio e nas irradiadoras, quando criança. Eu era bem menino mesmo. Lembro de letras de música que minha mãe duvida, e acha que aprendi depois. A paixão era tão grande, já naquela época, que o esforço que fiz para me alfabetizar foi para eu poder ler os folhetos com letras de música que eram vendidos. Eu era alucinado por música.
ZONA SUL – E a música como expressão artística? Como aconteceu?
RODGER – Eu já tinha vontade, já gostava de cantar e tal. Mas foi quando ouvi João Gilberto, aquela coisa estranha, aquele jeito diferente de tocar e cantar e de tudo... Para quem gostava de samba, como eu, foi um choque enorme, mas um choque positivo. Eu pensei logo: quero fazer isso também, quero aprender a fazer isso. Eu tinha um colega no bairro que tocava violão. Ele também se interessou por aprender aquela nova batida. Nesse tempo, comecei a azucrinar o juízo da minha mãe para ela comprar um violão para mim. Ela era professora, viúva... A gente vivia com dificuldade. Até que um dia ela perguntou: filho, quanto é esse violão? Eu já sabia os preços e disse o do mais barato. Um Giannini. No fim do mês, ganhei o dinheiro e fui comprar o violão. Meu amigo me acompanhou para ajudar na hora de escolher. Comprei também um método para aprender.
ZONA SUL – Então você aprendeu sozinho...
RODGER – Sozinho, mas também vendo e ouvindo muita gente tocar. Esse processo de ver e de ouvir foi importantíssimo. Logo me entrosei com músicos profissionais, e tive até oportunidade de tocar contrabaixo. Uns amigos que tinham uma apresentação marcada, tiveram problemas com seu contrabaixista. Como eu tocava violão e conhecia o repertório do grupo, fui convidado e aceitei enfrentar o contrabaixo. Na época, não tinha contrabaixo elétrico, era acústico. Passei pouco mais de uma semana ensaiando o repertório, em casa. Lá era uma beleza: o forro era de madeira, a sala tinha o teto baixo e dava um som lindo. Quando foi na hora de tocar, sem a acústica lá de casa, cadê o som do instrumento? Arranquei a pele dos dedos, foi uma coisa horrível!
ZONA SUL - E a parte de composição?
RODGER – Quando comecei na música, queria ser violonista, não pensava em cantar ou compor. Durou até perceber que, para ser violonista, eu precisaria abdicar de outras coisas. Eu era muito estudioso e gostava muito de futebol. Teria de reduzir essas atividades para dedicar-me ao violão. Vi que não ia ter tempo para ser violonista. Comecei a compor, a ver o meu caminho na música por esse lado. Logo notei que tinha facilidade para fazer melodia. Tinha vontade de fazer, e fazia. Era como se tivesse umas notas assim perto do juízo, perto da cabeça. Resolvi que era compositor e não violonista. Estou nessa até agora.
ZONA SUL– Você tem essa mesma facilidade para compor letras?
RODGER – Eu faço letra, mas prefiro fazer música. A música pra mim é mais fácil, mais espontânea, mais natural. Faço letra quando vem uma idéia e tal. Para compor música, não preciso esperar uma idéia, é uma coisa constante. A letra, não. Faço quando vem uma idéia. Preciso de uma inspiração, de um início.
ZONA SUL– Seu primeiro grande momento foi a gravação do Pessoal do Ceará?
RODGER – Foi... Mas teve antes um festival nordestino em Recife, minha música tirou em segundo lugar, mas foi um sucesso de público enorme. A canção era Bye Bye Baião, uma parceria com Dedé Evangelista. Nós gravamos no disco Chão Sagrado, de Rodger e Téti. Esse LP não teve muita divulgação e a distribuição foi ruim. A gente gravou e em seguida teve um problema: nosso produtor brigou com o diretor artístico da gravadora. Mas o disco é bom.
ZONA SUL – Como surgiu o Pessoal do Ceará? Você já era amigo de Ednardo há muito tempo?
RODGER – A gente já era amigo aqui de Fortaleza. Quando saí daqui, fui primeiro para São Paulo, onde terminei Física. Voltei para dar aula na Universidade Federal do Ceará (UFC). Conciliava as aulas tocando contrabaixo em bailes e boates. Tinha uma bolsa no Instituto de Física. Quando comecei a recebê-la, passei a tocar só aos sábados, para evitar me desgastar, por causa da Física. Certa noite, estava tocando numa boate, quando acenderam um spot em cima de mim. Achei que estava agradando. Na segunda-feira, cortaram minha bolsa no Departamento de Física. Um grupo de professores estava na boate e pediu para acenderem a luz, para confirmar se era eu mesmo. Reivindicaram o corte de minha bolsa, alegando que bolsista da Física não podia ser músico. Depois, quando me deram a bolsa de novo, me fizeram jurar que eu não tocaria mais profissionalmente. Passei a tocar mais dentro da Universidade. Foi aí que conheci artistas como Augusto Pontes, que fez Filosofia; Fausto Nilo, que estava terminando Arquitetura; e Ednardo, que era estudante de Química.
ZONA SUL– E a idéia de sair de Fortaleza? De tentar a sorte em outras paragens?
RODGER – Augusto Pontes era um dos mais velhos da nossa turma e quem mais dava corda e levantava o astral da gente. Dizia que nossa música era boa. Fomos pegando aquela corda. Inicialmente fui para Brasília fazer mestrado em Física. Também foram para lá o Augusto, o Fausto, o Dedé Evangelista e o Raimundo Fagner. Fagner foi fazer vestibular em Brasília. Ele tinha uma irmã morando lá. Na verdade, queria mesmo era usar Brasília como um trampolim para ir para Rio ou São Paulo. Enquanto isso, Belchior ganhou um festival universitário da canção, da Tupi, no Rio de Janeiro. Todo mundo ficou muito eufórico com essa vitória. O Fausto Nilo foi para o Rio e quase não voltou. Foi preciso sua mulher ir buscá-lo. O Fagner não se segurou, largou a universidade e foi também. Quando terminei o mestrado em Brasília, fui para São Paulo dar aula na Universidade de São Paulo (USP). Aluguei um apartamento em frente à casa que Belchior tinha em São Paulo.
ZONA SUL– Isso antes do Pessoal do Ceará...
RODGER – Sim, antes do disco. Ia estrear um programa na Cultura chamado Proposta, de um cara chamado Júlio Lerner. A intenção era apresentar músicas originais. O MPB-4 foi convidado, mas não topou porque não tinha composições próprias. Júlio Lerner procurou Belchior. Através de Belchior, encontrou todos nós. Belchior, Téti, Ednardo e eu fizemos o programa durante algum tempo. Compúnhamos cerca de doze músicas por semana, para o programa. Graças a ele conhecemos o produtor Walter Silva. Ele encantou-se com as músicas, disse que a gente tinha que ter uma gravadora. Conseguiu um disco na Continental. A idéia era todo mundo gravar. Mas Fagner já estava com um disco mais ou menos engatilhado no Rio, o Cirino e o Jorge Mello também. Então gravamos o Ednardo, a Téti e eu, com produção do Walter. Na realidade o nome daquele disco foi Meu corpo, minha embalagem, tudo gasto na viagem. Mas a gravadora escreveu isso de forma enigmática, difícil de ler. Quando você abria - era em formato de álbum - tinha Pessoal do Ceará, bem grande. O que vingou mesmo foi o nome Pessoal do Ceará, que é uma boa marca também. Teve uma música de Ednardo que logo despontou nas paradas: Terral.
ZONA SUL– Além do trabalho com os cearenses, em São Paulo, você travou outros contatos? Algum marcou?
RODGER – Um fato marcante foi conhecer Elis Regina. Eu não sabia que gostava tanto dela! Fiquei emocionado demais. Tão emocionado que não voltei mais lá. Ela pediu para eu levar uma fita, e eu nunca levei. Clodo Ferreira foi comigo na casa dela. Não levei nem violão para não ter perigo dela pedir para eu tocar. Isso foi em 1974, 75, antes dela gravar Falso Brilhante. Mais ou menos na mesma época conheci uma professora de Física em São Paulo, Amélia, irmã de Flávio Império, um sujeito muito importante da cultura do Rio e de São Paulo. Depois de conhecer minha música, ela insistiu para que seu irmão ouvisse também. Gravei um acetato e mandei. Ele gostou e marcou um encontro na casa de Amélia, para eu mostrar minhas músicas a Nara Leão. Na noite combinada, todo mundo lá no Conjunto Residencial da UsP (Crusp), onde eu morava, estava vibrando. Saí com o violão. Cheguei na frente da casa, estava o maior movimento, voltei. Não entrei. Eu era muito tímido. Depois dei uma desculpa, disse que tinha ficado doente. O pessoal do Crusp só faltou me matar quando eu contei que não tinha entrado.
ZONA SUL– Por que você voltou para Fortaleza?
RODGER – São muitos motivos, não apenas um. Vim não pra ficar, mas pra passar uma temporada. Vim achando que passaria seis meses. Fui ficando. A família tinha ficado lá, a Téti, com o Pedro e a Daniela. Até que a Téti resolveu voltar. Já estava há muito tempo lá, sozinha. Voltou. Quando a gente acostuma de novo com a água de coco, com o clima e a praia, voltar pra São Paulo fica, realmente, complicado. Hoje estou casado novamente e tive outros três filhos. Eu já tinha três do casamento com a Téti. Pedro, meu filho com ela, formou-se em música e toca comigo. O mais novo, que tem 15 anos, é roqueiro, mas está começando a descobrir a MPB. Um dia desses me pediu pra ensinar Chega de Saudade. Logo essa música, a que mais me marcou quando João Gilberto surgiu.
ZONA SUL– Sua discografia, o que inclui?
RODGER – Antes do Pessoal do Ceará, participei do disco I Festival de Música Popular Aqui. O elepê reúne as 12 canções classificadas neste festival. Entre elas, duas músicas são minhas: Fox Lore (uma parceria com Dedé Evangelista, que depois gravei no elepê Chão Sagrado, de Rodger e Téti) e Esquina Predileta, música minha interpretada por Ray Miranda. Depois teve um disco de um festival nordestino de música da Tupi que incluiu Bye, Bye, Baião. Também teve um disco de um festival do Gruta, mas esse não saiu, ficou só na matriz. Depois veio o Pessoal do Ceará. Gravei ainda um compacto com duas músicas: Bye, Bye, Baião e Chão Sagrado. Depois, de 74 pra 75, gravei, com a Téti, o disco Chão Sagrado, na RCA. Na era do cd, participei de vários discos de amigos. Também toquei e cantei em discos coletivos que me deram um prazer enorme de participar. Lancei agora, em 2004, o cd Rodger de Rogério, gravado na Feira da Música de 2003 e lançado na deste ano. É um disco ao vivo. O potiguar Mingo Araújo participa na percussão.
ZONA SUL– Como alguém pode adquirir esse seu novo trabalho?
RODGER – Tem nas lojas Desafinado e Oboé, em Fortaleza. Também pode ser encontrado com a produtora Modo Maior. Se alguém quiser me telefonar, meu número é 267-4107, o prefixo é 85, Fortaleza. Eu dou um jeito de ver como é que faz e entro em contato com a Modo Maior.
ZONA SUL– Você também atua no cinema.
RODGER – Sou muito tímido, tinha horror a cantar. Só gostava em casa. Lembro que tinha gente que me ouvia cantar em casa e dizia: por que quando você vai se apresentar não canta assim? Já com 40 e poucos anos, fiz um curso de teatro. Aí liberou. Não que deixei de ser tímido, mas venci isso. Hoje não posso ter oportunidade que estou cantando. Foi o teatro que me libertou. Fiz um pouco de teatro, mas participo mais de cinema. De uns 12, 13 anos pra cá, todo ano faço um, dois filmes. Esse ano é que não fiz nenhum filme ainda.
ZONA SUL– Teve algum papel que você gostou mais?
RODGER – Gosto de todos, de uma maneira geral. Em alguns a gente se sai melhor, em outros nem tanto Muitos destes filmes são curtas-metragens. Tem alguns longas, como Corisco e Dada (96), de Rosemberg Cariry, onde fiz um vaqueiro. Dele também fiz participação pequena em Nas Escadarias do Palácio (2002) e um papel grande em A saga do guerreiro alumioso (93). Também atuei em Milagre em Juazeiro, onde fiz um médium que examina a beata Mocinha. Tem um que ainda não está em cartaz: As tentações do irmão Sebastião, de José Araújo. É um filme magnífico, recomendo a todos.
ZONA SUL– Da sua música o que mais alcançou repercussão? Tem alguma que você gostaria de ser lembrado quando tocada?
RODGER – Não tem. As músicas que o Fagner gravou atingiram um público maior. Retrato Marrom e Ponta do Lápis foram gravadas por Ney Matogrosso e por Fagner. Retrato Marrom é uma das que mais me deu alegria. Quando ela foi gravada por Téti, o argentino Elias Slon, que era spalla da Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo, foi contratado para fazer um solo de violino. Normalmente esse pessoal das cordas termina de tocar e vai embora receber seu cachê. Mas quando ele foi botar o violino, já tinha a melodia, na voz da Téti. Ele ouviu muitas vezes, até acertar o som. Quando o argentino saiu da sala de gravação, foi procurar o compositor da música. Para foi uma satisfação enorme ter composto um tango elogiado por um argentino como ele.

quinta-feira, 30 de setembro de 2004

Entrevista: ADEMIR RIBEIRO

A VOZ DE OURO DO RÁDIO POTIGUAR





Ademir Ribeiro, um dos mais importantes nomes da história do rádio potiguar, é o entrevistado deste mês. Entre outros assuntos, ele fala sobre sua trajetória na Rádio Poti, lembra do programa Show da Manhã, comenta a respeito de religiosidade e de sua paixão pelo América Futebol Clube e fornece uma anti-receita para quem quiser preservar sua voz. Irreverente, brincalhão e bem humorado, ele recorda momentos marcantes de sua carreira.


Nascido em Natal, no bairro da Ribeira, no dia 2 de junho de 1939, Ademir Ribeiro sempre foi um homem de rádio. Dono de uma voz limpa, grave e marcante, ele escreveu um dos principais capítulos da história da radiofonia potiguar como apresentador do programa Show da Manhã, transmitido durante muitos anos pela Rádio Poti. Hoje aposentado, Ademir pode ser encontrado todas as manhãs no Bar de Lourival, na avenida Deodoro, em frente ao prédio do Diário de Natal - local o qual ele chama carinhosamente de “meu escritório”. Foi em “seu escritório” matinal que Ademir concedeu essa entrevista ao Zona Sul. Para minha honra, Nélson Siqueira, meu pai, conduziu comigo a conversa, regada a cachaça, whisky, cerveja e queijo de coalho, servidos por Nicodemos, o secretário Nicó. (Roberto Homem)







ZONA SUL – Como começou sua carreira no rádio? Você teve outras profissões ou experiências antes?
ADEMIR – Eu participei de um teste para locução, no começo dos anos 60, na Rádio Poti, disputando com outros 20 candidatos. Alguns deles até já atuavam em outras emissoras. Tinha gente da Rádio Rural e também da Cabugi. Ao final das provas, só passou um. Quem? Ademir Ribeiro! Eu nunca tinha visto um microfone à minha frente, antes daquele dia. Eu tremia, o papel tremia nas minhas mãos, mas a voz manteve-se sempre segura, sempre firme. Dei um show. O teste era diferente dos de hoje. Interpretamos crônica, nota de falecimento, lemos nomes de autoridades estrangeiras... Aprovado, queriam que eu fizesse rádio-teatro. Eu disse que não, que gostaria de ser locutor. Este foi meu primeiro emprego. Papai segurou minha barra até os 20 anos, sem que eu precisasse trabalhar pra ninguém. Nunca fui outra coisa na vida a não ser profissional do rádio. Trabalhei até 1988 no mesmo prefixo, na mesma emissora, a Rádio Poti.


ZONA SUL – E depois da Rádio Poti?
ADEMIR – Fui para a Rádio Cabugi. José Wilde (hoje chefe de gabinete do senador Garibaldi Alves Filho, em Brasília) era o diretor artístico da emissora. Sabendo que eu tinha saído da Poti, ele telefonou dizendo que me queria na Cabugi. Pedi 30 dias para pensar, alegando que não seria fácil, para mim, trabalhar em uma rádio de políticos. No 29º dia, meus irmãos me pressionaram: “Ademir, você só quer viver bebendo, não quer trabalhar...”. Eu disse que não queria mesmo não. Mas eles insistiram e acabei concordando. Liguei para Zé Wilde, para dar minha resposta. Ele falou que já estava quase mantendo contato com Milton Duarte, para ocupar a vaga. Fui. Ricardo Alves, filho de José Gobat, acertou um negócio comigo. “Vou lhe pagar 12 horas-extras sem você cumpri-las, apenas para complementar o seu salário”. Mas aí veio o Plano Collor e Ricardo, alegando que a rádio estava em uma situação difícil, cortou minhas horas-extras.


ZONA SUL – No início da carreira você se impôs um desafio: vencer na vida atuando apenas como radialista, já que essa atividade era considerada mais hobby do que profissão. Você acha que conseguiu?
ADEMIR – O desafio foi lançado por um diretor da Rádio Poti chamado Rui Ricardo. Ele disse: “Ademir isso aqui jamais será uma profissão, não passará de um bico”. Ele me aconselhou a terminar os estudos. Eu já tinha terminado o científico, mas não quis fazer faculdade. Respondi que provaria que aquele emprego como locutor não seria para mim apenas um bico, mas uma profissão. Disse também que tudo o que eu conquistasse seria a partir da minha voz. Provei que não era um hobby, mas uma profissão. Acho que, à época, fui o maior salário do Norte-Nordeste do Brasil. Estou falando em salário como locutor, dentro do estúdio, entre quatro paredes, sem fazer política, sem fazer gravações fora, sem nada.


ZONA SUL – Por que você não costumava aceitar que sua voz fosse usada também em campanhas políticas?
ADEMIR – Eu sempre detestei política. Mas, recentemente recebi uma oferta razoável, em termos financeiros, para trabalhar uma vez por semana, durante dois meses, nessa campanha política. O candidato, que é do interior, me pediu para não dizer o seu nome, e não direi. Vou lá só gravar textos já escritos pela equipe dele. Virá me buscar e me deixar aqui no meu escritório, o Bar de Lourival. Vou só usar a minha voz, a maior ferramenta que Deus me deu. Já fiz trabalhos para Iberê Ferreira de Sousa, para Garibaldi Alves Filho, mas só a voz dentro do estúdio, gravada. Jamais aceitei subir em palanque. Nunca trabalhei ligado a um político para ganhar dinheiro. Hoje a maioria ganha dinheiro de político. Eu nunca trabalhei.


ZONA SUL – O programa Show da Manhã foi sua marca registrada. Fale sobre ele. Quanto tempo durou? Como surgiu?
ADEMIR – Surgiu de uma idéia que César Rizzo, então diretor da Rádio Poti, trouxe do Rio de Janeiro. César era narrador de futebol, mas Luís Maria Alves, então diretor dos Diários Associados em Natal, mandou chamá-lo para o cargo. Eu topei apresentar o programa, mas disse que não faria igual ao modelo do Rio. Propus, e aceitaram, um quadro para eu ler poemas meus e de outros autores. Também abri espaço para uma crônica chamada O nome do dia e sugeri ainda tocar músicas do passado. Assim eu fiz. Foi um sucesso absoluto em Natal. Fiz outros programas, entre eles o Peça Bis pelo Telefone e Geléia Geral. Mas o Show da Manhã foi o que marcou minha vida.


ZONA SUL – Além de programas de entretenimento, você apresentou jornais na Rádio Poti e atuou em rádio-novela. Como foram essas experiências?
ADEMIR – Um dos noticiários que apresentei foi O Galo Informa, com notícias do Brasil e do mundo, fornecidas pela United Press Internacional (UPI) e pela Agência Meridional. Naquela época, Genar Wanderley era doido para que eu fizesse rádio-teatro. E eu queria ser somente locutor. Um dia, quando estava no ar a novela Amargo Silêncio, de Janete Clair, o galã, que era Nilson Freire, adoeceu e Genar pediu para eu substituí-lo. A princípio eu recusei, mas terminei aceitando e dei um verdadeiro show. Depois da exibição daquele capítulo, o telefone não parou de tocar. Dezenas de pessoas queriam saber quem era o novo galã da novela Amargo Silêncio. Fui endeusado pelo povo. Depois dessa experiência, passei a atuar em novela, além de continuar como locutor e redator. Também trabalhei na Televisão Universitária, a TVU, quando ela estava engatinhando. Eu e Liênio Trigueiro apresentávamos um noticiário. Ele ia de bermudas porque a câmera só filmava do peito pra cima. Nem sei se a TVU ainda tem em arquivo alguns destes programas.


ZONA SUL – Com esse vozeirão todo você também canta?
ADEMIR – Vou contar uma história bem interessante. Nélson Gonçalves chegou na Rádio Poti para ser entrevistado no meu programa. Depois de alguns instantes conversando, ele comentou: “Ademir, nunca ouvi um grave tão parecido com o meu como esse que você tem... Cante aí um pouquinho”. Aí eu cantei: “Boemia, aqui me tens de regresso...”. Imediatamente, com aquele jeito dele, gaguejando, ele interrompeu: “Ca-cale a boca, Ademir, não can-cante mais não. Você nasceu só pra falar. Nã-não serve pra cantar nada, é desentoado e desafinado”. Eu ri imediatamente, do jeito que estou rindo aqui, agora.


ZONA SUL – Durante a carreira você tomou algum cuidado com a voz? Você mesmo assume que costumava tomar suas cervejas durante as apresentações dos seus programas...
ADEMIR – Meu cuidado com a voz sempre foi cerveja, rum, whisky e cigarro. Comecei a fumar com 11 anos de idade, nunca tomei cuidado com a voz. Quando eu vejo Carlos Nascimento, Cid Moreira e William Bonner dizendo “eu não bebo, eu não fumo, faço gargarejo todos os dias...”, eu os considero uns imbecis. Todo dia, embaixo lá do meu birôzinho, eu botava as cervejas que tinha comprado no bar de seu João Furtado, próximo à rádio. Era bebendo e trabalhando. Depois dos 15 anos, nunca parei de beber. Estou com 65, já faz 50 que bebo. Tomei cerveja durante 30 anos, vivia doente, tomei dois anos de whisky, vivia doente também. Um dia cismei e pedi para o garçom me mostrar uma cachaça. Cheirei a Pitu e não gostei. Pensei logo: “essa aqui dá cirrose”. Pedi uma dose de Caranguejo. Passei a beber essa marca. Dois anos depois voltei à médica que me acompanha. Contei pra ela que fazia algum tempo que tinha passado a tomar aguardente. Ela ficou preocupada, achou que eu estivesse com cirrose. Passou uma série de exames. Todos deram resultado normal. Mandou fazer uma ultra-sonografia. A responsável pelo exame comentou comigo, após ver o resultado: “Seu Ademir, o senhor nunca bebeu, não é?”. Eu confessei a quantidade de anos que eu já bebia. Ela disse que não acreditava. Repetiu a ultra-sonografia. O resultado foi igual ao de uma pessoa que nunca bebeu.


ZONA SUL – Você ainda mantém a religiosidade e a paixão pelo América - duas das características que tinha naquele tempo?
ADEMIR – Sim. Religiosamente, todas as manhãs, faço cinco orações. Principalmente aquela que eu digo, logo que vou para o sanitário: “obrigado, Senhor, por mais um dia. Que esse dia de hoje seja bem melhor que o de ontem, em todos os sentidos, sob todos os aspectos e em qualquer circunstância”. Essa é a abertura que faço matinalmente. Ainda continuo crendo muito. Tenho aqui a medalha de Nossa Senhora de Fátima, minha Protetora, e a Cruz de Cristo Jesus, meu Pai Celestial. Mas se me perguntar se vou à Missa, responderei que ia quando era menino. Hoje assisto à Santa Missa pela televisão, todos os domingos. Mas não vou à Igreja. A paixão pelo América também é do mesmo jeito. Lembro uma ocasião, o América tinha vencido o ABC, eu fui para a rádio fantasiado como jogador do América: bermuda branca, camisa vermelha, número 9 às costas, que era o usado por Pancinha, o meu ídolo à época. Aí César Rizzo disse: “chefe, vá para casa descansar três dias...”. Eu perguntei se ele estava me suspendendo ou dando uma licença. Ele respondeu que era suspensão. Eu disse: “César, você, por favor vá a ***”. Ele emendou: “você está demitido”. “Me dê essa porcaria para eu assinar”, pedi. Assinei. Na chefia de pessoal, Luis Sena perguntou o que tinha acontecido. Eu expliquei que estava assinando a minha demissão. César Rizzo foi falar com Luís Maria Alves. Chegou lá e contou que estava com uma demissão para seu Luís assinar. Luís Maria Alves perguntou de quem era a demissão. Quando César disse que era a minha, imediatamente ouviu de Luís Maria Alves: “Ademir Ribeiro? Você é quem está demitido. Peça suas contas, vá embora e volte para o Rio de Janeiro!”.

ZONA SUL – Como está a vida de aposentado? Sente saudades dos tempos da ativa?
ADEMIR – A vida de aposentado está ótima. Tomo minha Caranguejo todos os dias, fumo minhas quatro carteiras de cigarro... Apesar disso, tenho a voz ainda do mesmo jeito, com 65 anos de idade. Acho a coisa mais maravilhosa do mundo. Hoje vez por outra sou chamado para alguma coisa. Mas como aposentado, acho que se eu voltar a trabalhar estarei tomando o lugar de alguém que precisa mais do que eu. Por isso só aceito uma ou outra oferta. Já tenho o meu. É pouco, mas o suficiente para viver. Fui a maior indenização do Rio Grande do Norte, quando saí da Rádio Poti. Recebi 1,260 bilhão de cruzeiros. Eu compraria o edifício Wimbledon todinho se quisesse, na rua Seridó. Mas botei o dinheiro na poupança. Com os sucessivos planos econômicos, caiu um zero aqui, outro acolá e o montante ficou bem pequenininho. Não sinto saudades do tempo em que trabalhava. Na hora em que deixo um emprego, não chego mais nem perto.


ZONA SUL – Como está seu coração? Está amando?
ADEMIR – Não amo mais ninguém. Amei quatro mulheres. Uma, inclusive, casada. Passou 12 anos comigo, sem o marido saber. Mas quando minha mulher, Teresa, morreu, descobri que foi a única a quem realmente amei. Me arrepio todo. Numa sexta-feira, em março, no Carnaval do ano 2000, fui em sua casa. Ela vivia dizendo que estava com medo que eu morresse sozinho na minha casa do Cidade Satélite. Propôs que eu fosse morar com ela e nosso filho, Maxwell, o mais velho. Eles estavam preocupados. Eu respondi que não dava certo, já tinha me acostumado a morar sozinho. Então Teresa pediu que eu levasse um lençol velho, para a sua cachorrinha dormir. Prometi ir domingo, ou segunda-feira. Fui na segunda. Bati na porta, nada. Fui embora. Voltei para o bar, continuei bebendo. Depois fui para minha casa, no Satélite. Peguei uma garrafa, continuei bebendo. Tive um estalo. Meu filho Maxwell tinha ido para a Paraíba com a mulher dele. Minha filha, Irina, para Barra de Cunhaú, com o marido. Iriana, a outra filha, estava em Natal. Liguei para ela e perguntei se Teresa tinha viajado. Ela respondeu que não. Mandei ela ir até a casa da mãe, com seu marido, que é advogado. “Pegue seu marido e vá lá, que sua mãe está morta”. Ela pediu que eu não repetisse aquilo. Fiquei em casa aguardando. Ela morreu sozinha, do jeito que não queria que eu morresse. Fico todo arrepiado... Morreu com o nebulizador ao lado. Ela sofria falta de ar. A partir daí, descobri que Teresa foi a mulher a quem realmente amei, apesar de estarmos separados há tantos anos, quando ela morreu.


ZONA SUL - Qual o segundo melhor locutor que trabalhou em Natal? E o terceiro? Sei que você vai dizer que foi o melhor. E eu não vou discordar... E no Brasil?
ADEMIR – O segundo foi Liênio Trigueiro e o terceiro, Nilson Freire, apesar de Nilson ser mais antigo do que eu e Liênio. Os dois tinham muito a ver com a minha voz. O primeiro sempre foi Ademir Ribeiro e não tem para onde correr. E eu não sou modesto não, porque quem é modesto é covarde. Eu não gostava de Cid Moreira, mas gosto de William Bonner, muito bom locutor e apresentador. Cid, que todo mundo endeusa demais, deixou de existir a partir do momento em que passou a ganhar dinheiro vendendo a imagem de Cristo, a Bíblia. Devia dar de graça. E não ganhar dinheiro às custas de Jesus Cristo.


ZONA SUL – Você nunca pensou em prosseguir sua carreira em outro estado?
ADEMIR – Fui convidado pela Rádio Globo, do Rio de Janeiro, pela Rádio O Povo, do Ceará. O diretor da O Povo veio aqui e me convidou, não para ser locutor, mas para dirigir a rádio. Eu respondi que amo a minha cidade e que não sairia de jeito nenhum. E também que amava o prefixo onde estava trabalhando, a Rádio Poti, que era a dona do mundo naquela época, em termos de rádio.


ZONA SUL – Como você gostaria de ser lembrado?
ADEMIR – Eu? Nem sei... Podia ser Ademir Ribeiro, a voz de ouro do rádio. Porque esta voz eu não ganhei de graça. Foi Deus quem me deu. Pode botar lá no meu túmulo. “Ademir Ribeiro – A voz de ouro do rádio”. Só isso.

segunda-feira, 30 de agosto de 2004

Entrevista: ADEMILSON BRAGA

O POETA SABIÁ

Na segunda metade de julho, eu e o meu amigo Costa Júnior estivemos na Sorveteria Chapinha, no Parque das Orquídeas, para entrevistar o cantor carioca radicado em Natal Ademilson Braga. Saboreando sorvetes de diversos gostos, conversamos com ele sobre vários temas como religião, música, trabalho comunitário e sua paixão pela capital potiguar.

Os 37 anos parecem pouco tempo para comportar tanta história. Nascido em Campo Grande, no Rio de Janeiro, parente distante do grande cantor romântico Evaldo Braga, Ademilson Braga já foi quase tudo na vida. De pastor evangélico a auxiliar administrativo de uma prestadora de serviço do Projak, da Rede Globo, ele já trabalhou. Logo que chegou a Natal, costumava, junto com um amigo, cantar em ônibus. O percurso preferido era o Macaíba-Natal. Ao final da cantoria, rodava o chapéu para faturar algum. Quando morava no Rio, recebeu um convite inusitado para cantar. “Você canta em qualquer lugar?”, perguntou uma criança desconhecida. Depois de responder que sim, Ademilson Braga ficou imaginando onde seria o tal show. “Em um cabaré?”, arriscou... Não era. “É que meu pai faleceu e ele gostava muito de Nélson Gonçalves. Queria que você cantasse para ele no cemitério”. Ademilson foi, e nessa ocasião até dançou com a viúva do falecido. Cantor, compositor e percussionista, ele é o entrevistado do mês do Zona Sul. (Roberto Homem)

ZONA SUL – Por que você trocou o Rio de Janeiro por Natal?
BRAGA – Primeiro pelo sossego, a calmaria e a tranqüilidade dessa cidade. Eu sempre fui uma pessoa muito tranqüila e aquela coisa de cidade grande, de tumulto, já estava me enchendo. Sempre fui uma pessoa reservada, embora aparente não ser. Quem me vê tão agitado por fora, pode até não imaginar que por dentro sou uma pessoa tranqüila pra caramba. Então, pra mim Natal é uma maravilha.

ZONA SUL – Mas por que Natal? Você já conhecia a cidade?
BRAGA – Sim, eu já conhecia. Já trabalhei aqui, passei um ano e pouco. Vim transferido como pastor de igreja evangélica. Atuei em quase todos os estados do Norte-Nordeste, mas foi por Natal que me apaixonei. Eu trabalhava em missão, trabalho religioso, vim para Natal e gostei muito. Depois disso fiz o percurso do Nordeste, só que Natal me marcou. Não sei se foram as praias ou as pessoas. O povo daqui é muito bacana, simples e a gente acaba se envolvendo.

ZONA SUL – Você continua professando a religião evangélica?
BRAGA – Não. Hoje eu não tenho religião e procuro até não ter. eu tinha uma visão sobre a religião e hoje penso exatamente o contrário. Religião hoje em dia, pra mim, é ajudar o próximo, estar bem comigo mesmo e não prejudicar ninguém.

ZONA SUL – E a música? Como ela passou a fazer parte de sua vida?
BRAGA – Eu comecei a compor aos seis anos de idade. Venho de uma família de artistas. Minha bisavó era poetisa. Meu pai era primo em segundo ou terceiro grau de Evaldo Braga. Um tio do meu pai era repentista. Até meu pai cantava, embora não fosse compositor. Fundamos uma banda lá em Campo Grande, na zona oeste do Rio, chamada Os Vagabundos do Espaço. Éramos vagabundos no bom sentido: de vagar e também porque ninguém trabalhava. Comecei a cantar nessa banda. Comecei com 13 anos, na década de setenta. Nos anos oitenta abrimos shows do Paralamas, Titãs, Ultraje a Rigor, Kid Abelha...

ZONA SUL – A banda chegou a manter contato com o pessoal do Paralamas, Titãs, Ultraje e Kid Abelha?
BRAGA – Batemos papo, conversamos. O contato foi pouco, coisa de momento. Primeiro porque eu era muito novo, não tinha tanta experiência, depois porque eu sempre fui um pouco tímido. Tinha dificuldade de me aproximar. Eu tocava percussão e cantava, além de compor as músicas para a banda. Tenho mais de 300 composições. Do nosso grupo, o guitarrista, o baixista e o baterista (Geraldo, Victor e George) tocam na banda Mega Brite, que inclusive vez por outra faz shows na Europa.

ZONA SUL – Rock era o estilo da Vagabundos? E a Mega Brite?
BRAGA – Ambas tocavam rock heavy metal. Na época começamos tocando heavy metal, mas surgiu aquela fama de que roqueiro era maconheiro e drogado, e eu nunca gostei disso. Foi uma das razões para eu priorizar meu trabalho solo. Tinha vez que chegávamos para tocar e estava aquela fumaceira de maconha. Eu me trancava e dizia que só entrava depois que apagassem os cigarros. Mas ninguém queria saber de apagar seus cigarros, ainda mais em um show de heavy metal! O mais engraçado é que eu ti nhá um cabelo moicano e pintado acaju. Minha orelha era cheia de brincos. Mas todos os brincos eram de pressão. Até minhas tatuagens eram pintadas. Muitos olhavam para mim e pensavam: “esse bicho é muito doido!”. Mas, que nada... Meu irmão desenhava as tatuagens e quando terminava a apresentação eu tirava os brincos. Até porque se eu chegasse em casa com brincos ou tatuagens meu pai me arrebentava.

ZONA SUL – Com o fim da banda, o que você passou a fazer?
BRAGA – A banda acabou entre 88 e 89, e eu não quis integrar a Mega Brite. Passei a tocar em barzinho, com um violonista, a fazer outras coisas como o teatro de rua, trabalhar com mambembe, teatro de arena. Fui deixando essa coisa de banda. Entrei na vida religiosa, fiz alguma coisa de teologia, me formei, fui pastor, mas continuei voltado para a música. Acho que uma das coisas que fez com que o lado religioso não tivesse dado certo foi que terminavam os cultos e eu ia para um clube, uma danceteria. Compus algumas músicas religiosas. Às vezes tinha vigília na igreja e eu estava lá no Free Jazz. Eu não ia perder B.B. King, Al Jarreau e outros.

ZONA SUL – A família o incentivou a seguir a carreira artística?
BRAGA – Não. Também não proibiu. Meu pai sempre me orientava a manter os pés no chão. Esse tipo de carreira é muito difícil. Até os dias de hoje sou muito sonhador e nem sempre estou voando baixo. Meu pai já cantava, participava de show de calouros, de serestas...

ZONA SUL – E suas ligações musicais em Natal?
BRAGA – Em Natal, quando cheguei, em 1996, vim porque havia uma proposta para eu trabalhar na TELERN. Uma amiga conseguiu, eu estava desempregado, tinha acabado o contrato com a empresa que prestava serviço ao Projac, da Rede Globo. O Projac foi entregue, fiquei sem expectativa. Vim para Natal com o intuito de trabalhar na TELERN. Mas, quando cheguei, a vaga tinha sido preenchida um dia antes. Conheci um pessoal de teatro, mas não era muito a minha praia, era teatro evangélico. Faziam um trabalho em igrejas, e eu não queria. Sempre gostei de atuar em associações beneficentes, trabalhar com creches, orfanatos, asilos... E eles estavam levando muito para o lado religioso. Foi aí que saí e conheci pessoas, músicos, comecei a voltar a me envolver com música novamente.

ZONA SUL – Uma de suas músicas está fazendo sucesso no Rio de Janeiro. Como é essa história?
BRAGA – Tenho um amigo locutor em uma rádio recém inaugurada. Ele foi visitar minha mãe, há 25 anos não nos vemos. Minha mãe deu para ele um CD meu, de presente. Ele tocou na rádio, fez uma divulgaçãozinha e hoje minha música O Poeta Sabiá é a mais tocada e a mais pedida na emissora. Outro dia ele ligou para cá e eu dei uma entrevista via satélite. As pessoas perguntaram quando eu ia aparecer no Rio. Eu soube que estão formando um fã clube por lá!

ZONA SUL – O Poeta Sabiá é o título do seu único CD gravado. Fale um pouco sobre esse trabalho.
BRAGA – Esse disco é um sonho de mais de 20 anos. Só em 2001 consegui gravá-lo, mesmo com pouco recurso financeiro. Foi gravado na Art Music, em Natal. São 12 faixas, incluindo diversos ritmos musicais.

ZONA SUL – E da música potiguar, o que você destacaria?
BRAGA – Temos grandes nomes em Natal. Almir Padilha, Babal e Marina Elali são alguns exemplos. Aliás, ela nem precisava estar naquele programa Fama, da Globo, porque já é uma estrela, canta muito bem e é uma pessoa maravilhosa. Temos também Pedrinho Mendes, Ismael Alves, Nara Costa e outros nomes importantes. Gilson de Moura, considerado a maior revelação da música atual da Suíça, é daqui e pouca gente conhece. Na música brasileira costumo escutar Caetano Veloso, Chico Buarque... Gosto muito dos antigos como Noel Rosa e Pixinguinha. De Nara Leão, Tom Jobim, João Gilberto e toda a turma da bossa nova. Chico Buarque foi minha grande influência musical. Ouvíamos muito Chico. Meu pai tinha muito vinil dele. Ainda tenho muita coisa dele, no Rio e em Natal. Tem músicas de Chico que falam diretamente comigo. Eu costumo falar sozinho. Às vezes minha esposa me pega conversando: “olá, como vai?. Eu vou indo e você, tudo bem?”

ZONA SUL – Você tem planos para um segundo CD?
BRAGA – Já estou elaborando as músicas, tenho várias composições novas. Também quero formar um coral para me acompanhar em apresentações. É uma forma também de ajudar a retirar meninos das ruas. Eu faço um trabalho com a comunidade, estou sempre voltado para o meio social. Sou fundador do conselho comunitário aqui do Parque das Orquídeas. Conseguimos trazer linha de ônibus, iluminação e outros benefícios.

ZONA SUL – Você está com alguma banda em Natal?
BRAGA – Formamos uma banda chamada Idos, mas demos uma parada. Chegamos a ter dez componentes. Era uma estrutura muito grande. O problema maior era que havia muitos adolescentes na banda, e alguns deles não tinham muita responsabilidade. Também os contratos que fazíamos rendiam pouco ou então tocávamos e tínhamos dificuldades para receber, depois da apresentação, o valor combinado. Nosso repertório era MPB e pop rock. Cantávamos de Chico Buarque a João Gilberto, de Paralamas a Charles Brown Jr. E também algumas composições minhas. Eu gosto muito de protestar, tenho algumas músicas falando da política local, metendo o pau também em religiões que arrecadam fundos para si próprias e não se preocupam com os seres humanos. O grupo está parado há um ano, depois do falecimento da mãe do nosso baterista, o Bruno. Ela era quem nos dava mais apoio. Desanimamos um pouco. De repente chegamos para um ensaio e recebemos a notícia de que ela tinha morrido. Isso desanimou bastante. Eu continuo exercitando, ensaiando, mesmo sozinho. Às vezes pego três ou quatro pessoas e tocamos algumas coisas. Espero um violonista, alguém que me acompanhe, pelo menos dois violões, para fazer um acústico. Quem quiser manter contato comigo pode fazê-lo pelos telefones (84)643-2855 ou (84)643-4373.

quarta-feira, 21 de julho de 2004

Entrevista: Alexandre Siqueira


“NATAL ESQUECE SUAS PRÓPRIAS RIQUEZAS CULTURAIS”

O Zona Sul entrevistou o cantor, compositor, instrumentista e professor de violão Alexandre Siqueira. Ele esteve em Brasília visitando dois irmãos. Em setembro, o artista se apresenta mais uma vez no Seis e Meia, no Teatro Alberto Maranhão. Em suas duas primeiras participações no projeto, ele foi a atração local dos shows de Moraes Moreira e Renato Braz. Conheça um pouco mais desse que é um dos principais talentos da nova geração de músicos que ocupam a cena cultural potiguar.

Também sou Siqueira. Mas não conhecia Alexandre. Sequer sei se somos parentes. Mas uma coisa descobri: ele é um dos grandes talentos da música potiguar, mesmo tendo nascido em Recife, em 1971. Apesar do que diz a certidão de nascimento, como negar a naturalidade papa-jerimum a um cidadão que trocou a capital pernambucana por Natal aos dois meses de idade? Alexandre esteve em Brasília em meados de junho. A conversa, cujos melhores momentos você acompanha a seguir, foi realizada em uma noite fria, no bar de Chico, no Clube da Imprensa. O jornalista Átila Pessoa (ex-TV Cabugi) deu uma canja ao Zona Sul ajudando nas perguntas. Além de assisti-lo tocar algumas composições logo após o bate-papo, repeti a experiência na noite seguinte, quando Alexandre apresentou-se no bar Nosso Mar, na Asa Norte de Brasília. Primeiro ele tocou sozinho, depois foi acompanhado pelo músico cearense Marcílio Homem. (Também sou Homem e, da mesma forma, ainda não descobri se eu e Marcílio somos primos). (Roberto Homem)

ZONA SUL - Quem é Alexandre Siqueira?
ALEXANDRE – Nasci em Recife, em 1971. Passei dois meses lá e fui rebocado para Natal, por meu pai. Ele foi convidado para ser professor de violão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, substituindo meu avô, que tinha sofrido uma trombose. Fiz iniciação musical na Escola de Música, quando ainda era criança. Hoje, além de professor de violão concursado da Fundação José Augusto há 15 anos, trabalho com informática. Estou me especializando em uma área chamada musicografia em Braille. Foi uma coisa que surgiu sem querer. Um aluno deficiente visual procurou a escola. Ele fez um teste disputando com outros 100 concorrentes normais, entre aspas. Pensei: por que não dar uma oportunidade a ele? Dei, e a escola me botou como seu professor, como se fosse um castigo. Resolvi usar isso a meu favor, e comecei a estudar o método Braille. Agora estou buscando aperfeiçoamento na musicografia em Braille. É a partitura em Braille. Até então eu trabalhava com gravação. Ele decorava o que estava gravado.
ZONA SUL – Como surgiu a vocação para a música? Qual o primeiro instrumento? Toca outros? Como aprendeu? A família incentivou sua investida nessa área? Qual sua formação na área da música?
ALEXANDRE – A flauta foi o meu primeiro instrumento. Depois eu quis estudar violão, mas meu pai não aprovou muito a idéia. Aprendi violão por insistência. Levei várias surras porque pegava o violão escondido. Ele só cedeu após me ver tocando. Não teve como continuar proibindo. Talvez eu não tenha herdado o talento do meu pai ou do meu avô, mas com certeza tive facilidades por fazer parte dessa família. Tinha tudo: violão, partitura... Cresci em um ambiente musical. Não sei se o talento foi transferido geneticamente, talvez sim. Me dediquei à bateria um tempo e me desiludi porque emprestei a um amigo uma baqueta que Lobão me deu e ele nunca mais me devolveu. Isso me desestimulou... Mas, enfim, o violão é o meu instrumento número 1. É a ele que me dedico. Na verdade eu gostaria de tocar todos, mas quando descobri que tinha que me dedicar a só um, senão não conseguiria ser alguma coisa na música, escolhi o violão. Minha formação no violão é a música clássica, mas sempre toquei música popular também. Eu terminei um curso básico de violão na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, um curso técnico. Desisti do bacharelado, que eu entrei em 98 e já estava concluindo, quando faltavam 18 créditos. Mesmo assim, me considero, e me consideram também, bacharel. Mas não sou de fato.
ZONA SUL – Mas por que você desistiu?
ALEXANDRE – Um dos motivos é que estava havendo uma certa redundância nas aulas. Eu me vi no seguinte dilema: como poderia estudar uma peça de violão com um professor que não conseguia tocar essa peça? Eu tocando a peça! Isso começou a me desestimular, e eu passei a me perguntar o que estava fazendo naquela sala de aula. Então, resolvi trancar. A parte financeira também pesou. Na época, eu estava precisando trabalhar e ganhar dinheiro com música não é fácil. Tive que buscar outra atividade. Eu estava com 30 anos, tinha que correr atrás. Abri uma firma de informática e comecei a desenvolver uma atividade que também gosto, que é a informática, na parte de redes e manutenção.
ZONA SUL – Que influências podem ser encontradas na música que você faz? O que costumava escutar? Os meios de comunicação influenciaram sua formação?
ALEXANDRE – Além de executar peças clássicas e da MPB, também tenho um trabalho composicional, onde faço letra e melodia ou desenvolvo algumas parcerias. Esse é um estilo que eu diria que é meu. Não é uma coisa que estou imitando ninguém. Minhas influências principais são Djavan, misturado com Pink Floyd e João Bosco. Sem deixar escapar Tom Jobim e a própria música erudita. Acredito que a gente sempre colhe um pouquinho de cada coisa que escuta e, de uma maneira ou de outra, acaba colocando no seu trabalho. Como fui radialista, o rádio me marcou muito. Fiz uma temporada acompanhando Glorinha Oliveira. Ela fazia um programa chamado Feitiço da Vila, que era transmitido do Hotel Vila do Mar. Acompanhei-a durante uma temporada. Foi a primeira e única experiência que tive com música ao vivo no rádio. Ainda hoje acompanho Glorinha, de vez em quando. Tenho algumas composições feitas com Chico Eliont. Trabalhei na FM Tropical como locutor. Fui a primeira voz que foi ao ar na FM 98,9, a Nordeste FM. Deixei o rádio para me dedicar mais à música.
ZONA SUL – Você se apresentou no Projeto Seis e Meia duas vezes. Em uma, a atração nacional era Moraes Moreira e, na outra, Renato Braz. Também abriu um show de Nana Vasconcelos na Casa da Indústria. Participou dos ótimos cds “A nuvem e a sede”, do carioca-potiguar Sérgio Farias, que hoje mora na França, e de “O tocador de flauta”, de Carlinhos Zens. Como foram todas estas experiências? Além delas, o que mais você destacaria no seu currículo artístico?
ALEXANDRE – Sérgio Farias foi meu aluno, é meu filho musical, eu diria assim. Ele entrou na música influenciado também por mim. Não vou dizer que foi só por mim, mas Sérgio Farias freqüentou minha casa numa época em que ele não tocava violão. Todos os dias ele ia e ficava me vendo tocar, perguntando coisas, pedindo partituras e discos. De repente ele surgiu tocando, para minha surpresa. Até hoje é um grande amigo, e a gente tem composições juntos. Carlos Zens é meu irmão, praticamente. A gente tem muito trabalho junto. O pouco que aprendi de chorinho foi com ele. Do seu último disco eu fiz o arranjo para Nau Catarineta / Canção Trovadoresca, faixa que tem uma poesia, uma variação poética de Dácio Galvão. Praticamente fiz o arranjo dessa música. Ele chegou com uma proposta e eu mudei completamente. Ele costuma me pedir opinião antes de gravar. Traz o material e pede para eu escutar. No Projeto Seis e Meia, toquei e cantei com Renato Braz uma música de Gilberto Gil, Estrela. Ele tocando bongô e cantando e eu tocando violão e cantando. Ele é uma pessoa ótima e até hoje temos contato. Com Moraes Moreira, sequer fui apresentado a ele. Já com Naná Vasconcelos, o contato foi mais interessante, embora não tenhamos preparado nada para tocar juntos. Mas conversamos bastante, ele é pernambucano, também. Estudou com meu pai na Escola de Belas Artes de Recife. Ele lembra ainda do meu pai. O admiro muito como percussionista. Ele disse que gostou do meu show, que chegou a assistir umas partes. Também gravei muitos cds em Natal com artistas locais, como Valéria Oliveira. Em seu primeiro cd fiz o arranjo e toquei violão da faixa Vem, de Cleudo. Chico Eliont me convidou pra gravar, mas até agora furei com ele. Está danado comigo. Quer que eu cante uma música no seu disco.
ZONA SUL – Quais seus projetos para curto, médio e longo prazo? Algum show, cd ou participação em vista?
ALEXANDRE - Tem o meu próprio cd no qual estou trabalhando. Como além do lado financeiro, sou muito perfeccionista, já faz dois anos que toco este projeto. Vai se chamar Instinto de Pássaro, que é o título da música carro-chefe do disco, uma composição minha e de Átila Pessoa. Participarei do Projeto Seis e Meia em setembro, mas ainda não sei com quem. Sobre outros planos, confesso que não sou muito pretensioso. Sou uma pessoa que faço música por amor mesmo. Não vou mentir: gostaria de ser um sucesso nacional. Mas não sou. Se um dia chegar a isso, ótimo. Mas não é o meu objetivo. Minha pretensão com a música eu já consegui. Que é a parte que eu faço, de tocar e cantar. Claro que sempre vou procurar me aperfeiçoar, mas já atingi o que eu queria. Se vier alguma coisa a mais, vai ser lucro. Quero continuar buscando o máximo me apresentar e mostrar o meu trabalho. Se isso der frutos, ótimo. Se não der, ótimo também.
ZONA SUL – Como é o seu processo de composição? Algum software auxilia no seu processo criativo? A informática e a Internet contribuem para o seu trabalho como artista?
ALEXANDRE – Normalmente surge a melodia primeiro. Mas tenho experiências de pegar letras e tentar fazer a melodia depois. Deu certo algumas vezes. Dificilmente dá, mas uma música por ano, duas, a gente faz, não é, Átila? E músicas boas. Sobre a questão da informática, eu utilizo muito. Eu trabalho com Cake Walk, Notewhorty Composer, Encore, Finale 2004, e com programas como o Protools, de edição de áudio. Sou curioso, estou sempre buscando novidade. Mas para compor não. A composição é violão e voz. Depois que ta pronto, aí sim já vou direto para o programa. Porque eu vou ouvir as cordas, testar um instrumento ou outro. Sairia muito caro fazer esse tipo de experimento contratando músicos para instrumentos específicos. Mas a base da música eu faço no violão mesmo. A Internet também me ajuda muito. Eu tenho até uma página na Internet. http://www.alexandresiqueira.com.br/ . Eu mantinha essa página no HPG. Ela era chamada de Violonista Potiguar, dedicada aos violonistas de Natal. Quando comprei esse novo domínio, eu copiei todo o conteúdo e passei para lá. Agora estou retrabalhando, fazendo a manutenção. Muitos violonistas de Natal utilizam os serviços que disponibilizei lá. Estou sempre colocando reportagens sobre violão, alguns links para outros sites na Internet que hospedam softwares para download. Tem também a parte dos currículos dos músicos. Quem quiser pode me enviar seus dados, a página tem uma seção que inclui o conteúdo de cada um. Estou atualizando. Estou querendo colocar agora algumas músicas. Preciso digitalizá-las. Também estou buscando autorização para divulgar algumas coisas que eu gravei em cds de outras pessoas.
ZONA SUL – Enquanto a Paraíba, o Ceará e Pernambuco vivem exportando artistas para o país, o Rio Grande do Norte costuma ser mais tímido nessa área. Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Antonio Madureira e Lenine saíram de Pernambuco. Cátia de França, Vital Farias, Elba Ramalho, Zé Ramalho e Chico César representam a Paraíba. Do Ceará, se destacaram, entre outros, Fagner, Ednardo, Amelinha, Belchior e Manasses. Do Rio Grande do Norte, Terezinha de Jesus e Elino Julião ocuparam espaço importante, mas tiveram que voltar para Natal. Por que essa diferença com os estados vizinhos, quando sabemos que o RN possui artistas importantes como Babal, Pedro Mendes, Cleudo e Valéria Oliveira, só para citar esses quatro.
ALEXANDRE – Isso é um bordão, mas é a realidade: a questão é cultural. Acredito que Natal é uma cidade sem identidade. Isso é histórico também. Natal foi o Trampolim da Vitória, na Segunda Guerra. Sofreu a invasão de americanos que deixaram raízes. Natal tornou-se uma cidade que abriu-se para os estrangeiros, para o que vem de fora, esquecendo das suas próprias riquezas culturais. Buscou um outro mundo. Minha tese é a de que Natal ainda tem essa visão cultural de estar olhando pra fora e não para dentro. Isso me deixa muito triste, mas é uma coisa que a gente praticamente luta o tempo todo e nunca consegue vencer. Eu luto contra isso praticamente desde quando comecei na música. Os produtores musicais locais dão valor ao forró da Paraíba, de Fortaleza, aos artistas da MPB do Rio de Janeiro, trazem os artistas de todo o país para Natal, colocando o nosso trabalho de artista local em segundo, terceiro, até quarto plano. Isso deixa mágoas na gente. De uma certa maneira a classe artística também é responsável pois até se acomodou com isso.
ZONA SUL – E a música potiguar de hoje? Quem se destaca, na sua avaliação. Que perspectivas você vislumbra para essa gente que está trilhando o caminho do som no Rio Grande do Norte?
ALEXANDRE – O artista que eu destaco é o Sérgio Farias. É um cara que pra mim é completo. Ele consegue compor, ser um bom instrumentista e ainda está cantando bem, que não cantava antes. Se tornou um cara que faz tudo. É produtor, arranjador... E tudo o que faz é bem feito. Agora, Pedro Mendes é um grande músico. Tem um cara chamado João Salinas, o próprio Babal é um grande compositor. Temos alguns trabalhos que estão se destacando como o de Galvão. Elino Julião é um ícone da música regional. Recebeu até recentemente uma menção honrosa da prefeitura. Merecidamente. Ele foi parceiro de Luiz Gonzaga, de Jackson do Pandeiro. Tem um trabalho forte até hoje.
ZONA SUL - O MADA (Música Alimento da Alma) e o projeto Nação Potiguar, desenvolvido por Candinha Bezerra, são duas experiências culturais do estado que dão certo e são reconhecidas em todo o país. A última edição do MADA, por exemplo, reuniu bandas como Sepultura e O Rappa, além de artistas como Lulu Santos, Marcelo D2 e Jorge Benjor. Como você vê iniciativas desse tipo?
ALEXANDRE – Acho ótimas e Natal precisa de muito mais. Agora, como temos somente isso, vamos incentivar e fazer com que funcione. O MADA é fantástico. A cada ano me impressiona mais ainda o que acontece. Fiquei surpreso com o número de pessoas que freqüentou o evento esse ano. Hoje o MADA está ganhando dinheiro mesmo. No começo não era assim. Acho que é o maior evento cultural que existe no nosso estado atualmente. É um sucesso. E o projeto de Candinha eu participei de dois. De um nós já falamos, que foi esse show com Nana Vasconcelos. Mas eu também gravei um cd com uma artista popular, a Dona Militana, de São Gonçalo do Amarante. Tive a felicidade de gravar duas faixas do seu cd como violonista. São duas músicas relacionadas à Península Ibérica. Dácio Galvão, o produtor, queria um instrumento flamenco e eu toquei um violão espanhol que foi do meu avô, fabricado no século XVIII. Gravei as duas faixas com ele. Ficou muito bom. Não tenho o disco e nunca ouvi o resultado. Só na hora, após a gravação, que ouvi que ficou muito bom.
ZONA SUL – Qual o motivo de sua visita a Brasília? Gostaria de mandar algum recado para o povo potiguar? Deixe também um endereço de e-mail para quem quiser manter contato.
ALEXANDRE - Vim fazer um turismo familiar. Tenho dois irmãos que moram aqui, um deles é meu irmão gêmeo. Vim também para dar uma relaxada. Tive uns problemas de saúde e resolvi dar uma parada geral de dez dias nos meus trabalhos. Também desejo reativar minha musicalidade. Mas ao povo de Natal, mando um recado: se preparem que estou chegando para fazer o Seis e Meia, sei que tem muita gente cobrando. E para os que quiserem manter contato, meu e-mail é alexandre@alexandresiqueira.com.br

terça-feira, 15 de junho de 2004

Entrevista: Ceumar

A RENOVAÇÃO DA BOA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

A mineira de Itanhandu, Ceumar - que está entre as três maiores revelações da música brasileira nos últimos 10 anos (junto com Roberta Sá e Vanessa da Mata) - é o presente que o Zona Sul reservou para seus leitores este mês. Depois de lançar os CDs Dindinha e Sempre Viva!, ela foi uma das convidadas do músico Gereba para participar do disco que está sendo lançado com composições da potiguar Dona Militana.
Foi perambulando por sites de venda de CDs na Internet que ouvi falar em Ceumar pela primeira vez. Eu procurava novidades para incorporar à minha coleção de discos. Deparei-me com Dindinha, produção de Zeca Baleiro, gravado em 1999. Algumas faixas estavam disponíveis para uma pequena audição de 30 segundos. Bastou ouvir a faixa-título, do próprio Zeca, e uma regravação de Galope Rasante, autoria de Zé Ramalho, para tomar a decisão de incorporar a preciosidade à minha lista de compras. Quando recebi a encomenda, tive a certeza de ter feito um excelente negócio. Além das duas músicas já citadas, fiquei impressionado com a delicadeza de Cantiga (Zeca Baleiro), a atualidade de Maldito Costume (Sinhô), a nova roupagem dada a Boi de Haxixe (Zeca Baleiro) e ao tom acústico emprestado a Let it Grow (M. Dunford e B. Thatcher), antigo sucesso do grupo Renaissence. Depois disso, ela esteve em Brasília algumas vezes, sempre com casa lotada e realizando shows imperdíveis. Na última, trazida pelo meu amigo Glauco Barreto (empresário de shows de artistas que gosta), marcamos um sarau do qual ela participou junto com outros ilustres - como o compositor Clodo Ferreira e o guitarrista Marco Nabuco (ex-integrante da banda de Ednardo) - e desconhecidos - grupo do qual faço parte. Daí surgiu a idéia dessa entrevista para o Zona Sul. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – Ceumar, soube depois, é nome próprio e tem uma historinha interessante. O que poderia ser a junção do Céu com o Mar, apontando um horizonte de renovação e sucesso dentro da música brasileira, na verdade é a mistura de Clélio e Wilmar, seus pais. Como é isso?
CEUMAR - Na verdade, acabou sendo mesmo a junção do céu com o mar. Mas, a princípio, o que havia era a expectativa do meu pai e de minha mãe de que eu nascesse um menino. Meu pai se chama Clélio, e minha mãe, Wilmar. Eles já tinham duas meninas e, sem ultra-som, sem nada na época, imaginavam que viesse um menino. O nome já estava escolhido: Cleomar. Então, quando nasci, ficou aquela coisa. Um nome escolhido para menino e eu ali, uma moça, uma menina. Então minha mãe - aí sim é que entra a parte poética - teve a idéia de tirar o “l” de Cleomar e trocar a letra “o” pela “u”, para ficar céu. Eles poderiam ter mantido o “l”. A grande diferença, eu acho, foi a sensibilidade da minha mãe em optar pelo “u” ao invés do “l”. Se eu tivesse nascido menino, seria Cleomar. Acho engraçado isso.
ZONA SUL – De onde veio a música? Será que o Ceumar, que tem tudo de nome de estrela, influenciou? Ou no sangue da família já corria essa tendência musical? Como foi esse começo, como tomou gosto pelo som, que influências recebeu? Qual a primeira experiência que marcou nesta área?
CEUMAR - Meu pai era músico. Essa informação pode ser encontrada no meu site oficial (http://www.ceumar.com.br/). Até ele completar 18 anos, tinha um trio e costumava tocar em festas. Seu instrumento era o violão. Aliás, ele foi uma das primeiras pessoas a possuir um violão elétrico lá em Itanhandu, no sul de Minas Gerais. Meu pai também era cantor. Ele canta até hoje, mas naquela época era profissional. Depois que casou foi que resolveu parar. Até hoje só canta em casa. Minha mãe também cantava muito em casa, e ainda canta, e costumava ouvir rádio. Meu vô, por parte da minha mãe, tinha uma pequena orquestra. Ele era regente, tocava tuba e escrevia. Ainda hoje guardo partituras do meu avô, composições que ele fez para a minha avó. Meu vô escrevia a mão. Mais tarde, depois que completei 15 anos, lembro que eu sempre ficava curiosa para ouvir os discos que minhas irmãs levavam para casa. Era a época do Clube da Esquina, de Milton Nascimento, Lô Borges... Elas também ouviam Joyce e Boca Livre. Você já deve estar percebendo na minha família sempre houve essa veia musical. Eu já tocava piano, mas, mais ou menos nessa faixa dos 16, passei a me interessar também pelo violão. E terminei cantando também, depois de um amigo elogiar muito a minha voz.
ZONA SUL – Você nasceu em Itanhandu, que fica a 420 km de Belo Horizonte, nas Terras Altas da Mantiqueira. Que caminhos você percorreu até chegar em São Paulo, cidade na qual reside atualmente? Como foi trocar sua pequena Itanhandu, de aproximadamente 15 mil habitantes e rodeada de cachoeiras, pelo mundo? Sua família apoiou a decisão?
CEUMAR - Apoiou sim. Por eu ser a caçula da casa, acho que tive essa sorte. Minhas duas irmãs já tinham desbravado essa situação. Sou de uma família tradicional do interior de Minas. Minhas duas irmãs já tinham saído de casa, já trabalhavam fora. Isso tornou minha saída mais fácil. Saí de casa para fazer cursinho em Belo Horizonte. Passei no vestibular e cursei um ano e meio de faculdade, no curso de design gráfico. Até hoje gosto dessa área. Eu até uso os conhecimentos que adquiri em algumas das minhas coisas, como na confecção das capas dos meus discos e tal. Fiquei uns três ou quatro anos em Belo Horizonte. Naquela época, a cidade ainda tinha um ambiente de interior. Isso tornou suave a minha transição. As pessoas eram muito amáveis e isso ajudava para que eu me sentisse como se estivesse em casa. Morando em BH, eu sempre ia para Itanhandu nas pausas da faculdade. Ficava um pouco, cantava aqui e ali, participava de festivais de música. Quando saí de Belo Horizonte, morei um ano em Itajubá, que é um pouco maior que Itanhandu e fica ali pertinho, no sul de Minas. Em Itajubá fiz vários amigos, trabalhei bastante e foi muito legal. Nessa época passei a tomar gosto pelos shows. Até então, eu só cantava na noite. A diferença é enorme de você cantar na noite e ter um trabalho próprio, para shows. Comecei a experimentar músicas de amigos. Lembro de um show que fiz em um bar chamado “Trinta Músicas Que Você Não Ouve No Rádio”. Essa idéia foi bem bacana, porque o repertório era composto por músicas quase inéditas. A minha intenção era fazer algo diferente do que se costuma ter na noite. Eu não queria fazer igual a todo mundo, ficar tocando Djavan e coisa e tal. Inventei esse show. Foi legal porque eu e os músicos de Itajubá começamos a nos entrosar a partir daí, a vislumbrar a possibilidade de fazer outras coisas.
ZONA SUL – E de Itajubá, que rumo você tomou?
CEUMAR – Permaneci um ano e meio em Itajubá. De lá, fui para Salvador por causa de um namorado que eu tive. Fiquei oito meses na capital baiana. Fiz várias experiências musicais. Uma delas foi me apresentar em um restaurante português. Até hoje lembro bem desse lugar. A vista do local dava para a Baía de Todos os Santos. Passei várias noites quentes baianas cantando ali... Até aprendi a cantar alguns fados! Tudo era muito bonito, tenho uma boa recordação desse período em Salvador, apesar de ter sido durésimo. Ganhar dinheiro era difícil fazendo MPB. Depois de oito meses, voltei para Itanhandu. Fui me refazer dos amores e tocar a bola pra frente. Acabei chegando em São Paulo em 1995. Comecei a aparecer na cidade para cantar em um bar, com amigos, e acabei ficando. No começo, cantei de tudo: samba, bossa nova... Mas eu também fazia umas coisas tipo vocais com letra. Cantava Hermeto Paschoal, Egberto Gismonti e muita música de mulheres, como Joyce e Tetê Espíndola. Também rolava jazz e tudo o mais.
ZONA SUL – Vários nomes consagrados da música brasileira impulsionaram suas carreiras através de festivais que entraram para a história da MPB. Esse tipo de evento cultural perdeu um pouco do pique de antigamente. Qual a importância dos festivais na renovação da MPB atualmente? Você defendeu Dindinha em um festival. Como foi?
CEUMAR – No primeiro festival que participei eu tinha uns 16 anos, lá em Itanhandu. Apesar de muito nova, eu tocava violão e cantava. Ganhei o prêmio de melhor intérprete. Mas o festival de Avaré foi o mais destacado. Participei com Dindinha, de Zeca Baleiro. Não ganhamos nada. Mas um dos jurados, que era da rádio Musical FM, de São Paulo, resolveu apostar na música. Como era de praxe, foi gravado um CD com as finalistas do festival, e Dindinha entrou no disco. Então ele pegou essa gravação ao vivo e passou a tocar. Foi a partir da ousadia desse cara que passei a ser conhecida em São Paulo. Não foi por causa dos festivais. Até porque, com exceção de alguns prêmios de melhor intérprete, não ganhei nenhum.
ZONA SUL – Com a substituição dos elepês pelos CDs e com a popularização da informática, gravar discos deixou de ser uma coisa tão complicada. Ao que me consta, mais difícil do que ver o disco pronto é fazê-lo chegar ao público. Como foi gravar “Dindinha” e “Sempre Viva!”. Fale um pouco sobre estes dois CDs e diga como os potiguares poderão comprá-los.
CEUMAR – Para mim dá o mesmo trabalho gravar o CD e divulgá-lo. Mas eu conheço pessoas que montam estúdio em casa. Nesse caso, se faz um disco brincando. Meu amigo Kleber Albuquerque costuma gravar no estúdio e editar muita coisa em casa. Para quem gosta e tem o equipamento, é legal. Eu não tenho essa facilidade. Tem que ser no estúdio mesmo, gastar horas e horas em um processo muito trabalhoso. E para divulgar, eu mesma vou para as emissoras de rádio, faço shows e apresento meu trabalho. Se alguma loja de Natal se interessar em adquirir meus CDs para revenda, basta entrar em contato através da minha página na Internet. (http://www.ceumar.com.br/)
ZONA SUL – Por falar em Internet, como ela contribui para o trabalho de divulgação de um artista? Mais especificamente, qual a importância da rede mundial de computadores para o seu trabalho? Você também utiliza a Internet para manter contato com seus colegas artistas?
CEUMAR – Nossa, eu acho a Internet o máximo! Penso que não saberia mais fazer o meu trabalho sem essa facilidade. É uma ferramenta que me permite estabelecer comunicação com pessoas de todos os lugares. Serve para tudo. Por exemplo: às vezes vou a um site de buscas e digito o meu nome. Vem um montão de coisa que eu nem sei. É uma grande ferramenta. Daqui a pouquinho a gente vai estar fazendo disco virtual. Você coloca a música aqui e um cara lá na China vai poder adquirir o CD, imprimir o encarte... Não terá mais tantas barreiras. Também uso o programa Sound Forge para registrar algumas idéias. Gravo e envio para algum amigo ouvir a nova idéia. É bem legal.
ZONA SUL – Diferente do seu primeiro disco, em Sempre Viva! você mostra sua faceta de compositora em parcerias com Chico César, Tata Fernandes e Alice Ruiz. É uma experiência nova? Além das músicas já gravadas, você tem muitas outras composições? Voltando um pouco à pergunta anterior, as facilidades da informática mudaram sua forma de compor? Você utiliza algum software para compor ou para isso basta o violão?
CEUMAR – Sou tímida para compor. Eu até devo ter feito muitas musicas, mas não dei bola. Às vezes estou brincando e sai uma. Eu canto ela ali, passa o tempo e depois esqueço. Hoje em dia estou levando um pouquinho mais a serio, estou começando a mostrar quando acho que uma idéia é boa. Mas não é algo que eu faça normalmente. Eu prefiro pegar uma música e criar um arranjo, bolar um novo jeito de tocá-la. Mas para compor, uso apenas o violão. Às vezes é ocasional, vem a idéia. Boca da Noite, do CD Sempre Viva!, surgiu a partir de uma letra de Tata Fernandes. Comecei a brincar em cima e de repente saiu. Depois Chico César participou também da parceria.
ZONA SUL – Seu repertório inclui canções de Zeca Baleiro, Chico César, Paulo Tatit, Kleber Albuquerque e Josias Sobrinho, entre outros. Como conheceu essa turma toda? De que maneira você escolhe o seu repertório? No sarau que fizemos no dia 1º de maio no Clube da Imprensa em Brasília, percebi que as músicas de Ednardo lhe agradam bastante. Sua interpretação de Brincando É Que Se Aprende, parceria dele com Dominguinhos, é linda! Planos pra incluir Ednardo nos próximos trabalhos? Aproveitando a deixa: já está pensando em músicas para constar no próximo CD?
CEUMAR - Zeca eu já conhecia há muito tempo, através de sua produtora em Belo Horizonte, Rossana Decelso. Ela divulgava muito e a gente era amiga. Quando cheguei em São Paulo, peguei o telefone dele e me apresentei. Ele também já tinha ouvido falar em mim. Eu cantava nos shows que Rossana fazia interpretando as músicas dele. Tem que amar muito, gostar muito para poder trabalhar por um artista. Mas eu liguei para Zeca e o contato foi fácil. Mais para frente ele me apresentou Josias, que mostrou suas músicas. Eu conhecia apenas Engenho de Flores, sabia quem ele era. Depois de alguns encontros em São Paulo, descobri em Josias Sobrinho um irmão. Somos parecidos até fisicamente! Os cabelos e os olhos dele são parecidos com os meus. Quero muito bem. E as coisas foram vindo. Zé Ramalho foi outra descoberta boa. Mais recentemente conheci Kleber, que é grande amigo hoje. Naturalmente a gente acaba se aproximando. Mas também sempre procuro ficar ligada nas coisas de outros lugares. Na verdade os discos são poucos para tanta música boa que tenho vontade de cantar.
ZONA SUL – Natal está na sua lista de lugares onde pretende se apresentar? Como manter contato para agendar um show seu? Você já conhece a cidade? Já viu e experimentou o céu e o mar de Ponta Negra?
CEUMAR - Acabei recentemente um trabalho com Gereba, em São Paulo, para a fundação de cultura do Rio Grande do Norte. É um disco sobre a obra de Dona Militana. Gereba fez uns arranjos novos e convidou artistas como Mônica Salmaso, Alzira Espíndola e mais outra galera de São Paulo. Quando cheguei no estúdio, ele já tinha preparado as bases. Gravei e ficou lindo! Eu, Mônica e Alzira gravamos um pastoril juntas. Estou bem curiosa para ver o resultado no disco pronto. Quero ir sim cantar em Natal, cidade que dizem ser maravilhosa mas que ainda não conheço.
ZONA SUL – Como é essa experiência de acordar sempre em lugares diferentes quando está viajando para se apresentar? Clodo Ferreira contou outro dia que essa vida de viagens e compromissos transforma o artista em um ser solitário. Ele falou isso depois que opinou sobre a importância de eventos como aquele sarau já citado, no Clube de Imprensa. Clodo comentou da tristeza que é terminar uma apresentação em uma cidade desconhecida e voltar sozinho para o hotel. De não ter por perto pessoas afins com quem conversar. Você compartilha dessa opinião que ele expressou?
CEUMAR – Não, não concordo. Até é estranho sim, mas para quem está nessa loucura de viagens intermináveis. Comigo tem época com mais viagens e outras não. Dia desses viajei pelo interior de São Paulo e passei quatro dias fora. Um em cada cidade. Adorei! Nestes lugares diferentes você conhece pessoas. Como ocorreu em Brasília, naquela reunião. Acho gostoso estar em hotel, é quando realmente posso ter tempo para pegar o violão, escrever e ler fora do ambiente de casa. Quando estou em casa, sempre tem o que fazer. Então estar em um hotel, para mim, até que é bom. Eu gosto, não me sinto só. Agora, quando fui para a Bélgica, me senti um pouco só, talvez porque eu não dominava a língua, não sabia o que pedir para comer. Dá uma certa aflição não conseguir se comunicar. Na China, onde fiquei um mês, foi a mesma coisa. É difícil, complicado. Mas aqui pelo Brasil as viagens têm sido ótimas e tenho conhecido pessoas legais.
ZONA SUL – Comenta-se no meio esportivo que a cada jogador de futebol que o Brasil exporta para o exterior, revela outros tantos. Essa característica de produzir gente de qualidade não é exclusiva do esporte. Na música também, a cada dia, estão surgindo novos excelentes intérpretes e compositores. Quem você destacaria destas novas gerações? O que você costuma ouvir no som de sua casa? E dos novos compositores, quem você apontaria como sucessores dos que já estão no batente há mais tempo?
CEUMAR – Sinceramente, eu destacaria Gero Camilo. Ele é um menino-homem de Fortaleza, que mora em São Paulo. Começou estudando teatro, depois disso já escreveu livro, fez cinema, e agora está também fazendo música. Gero participou de filmes como Carandiru, Cidade de Deus e Bicho de Sete Cabeças. Ele é especial, um criador, um menino de ouro! Faz musica lindas, letras maravilhosas, poesia pura, como antigamente. Ele mais compõe, não tem muita vontade de cantar, eu acho. A primeira faixa do CD Sempre Viva! é uma composição dele: Prenda Minha. Nós fizemos um show juntos em São Paulo. Eu, Gero, Kleber Albuquerque, Rubi e Tata Fernandes. Ouço tanta coisa em casa... Por exemplo, Dona Edith do Prato, ela toca um pratinho com umas faquinhas... É lindo! É de Santo Amaro da Purificação, na Bahia, e tem 88 anos. Ela participa do disco Araçá Azul, de Caetano Veloso. Toca samba de roda, música de domínio público e agora lançou um primeiro disco pelo selo de Maria Bethânia. São essas coisas que mais ouço, essas expressões ricas vindas do povo. A cantora e rabequeira Renata Rosa, que interpreta cocos, caboclinho, baiões e ciranda é outra que adoro. Também escuto bastante todos os meus amigos.
ZONA SUL – Num dos shows que fez em Brasília, no Feitiço Mineiro, você cantou o hino de sua cidade, Itanhandu. Imediatamente lembrei de um amigo, o cantor e compositor potiguar Babal. Ele sabe de cor e gosta de cantar o hino de Natal. Como funciona na sua carreira esse amor tão bonito pela terrinha? Ainda é seu porto seguro? Também ouvi você falar com saudades dos CDs de novelas de antigamente, que primavam pela qualidade das músicas que incluía. O que falta para Ceumar estrear cantando temas de novelas globais?
CEUMAR – Na verdade, a relação maior é com a minha família do que propriamente com a cidade. É mais com o centro familiar. Itanhandu é o lugar onde está o meu pai, a minha mãe, minha irmã, meu sobrinho, tio... Minha referência é muito familiar. É lógico que também gosto da cidade. Adoro quando vou lá, mas hoje em dia tenho outros refúgios que não estão somente em Itanhandu. Mas gosto mesmo de me embrenhar no mato, de não sentir o asfalto sob os pés. Onde menos luz e movimento tiver, estou indo. Itanhandu já é uma cidade normal. Com certeza é um lugar que vou muito mais por causa de minha família. Sobre eu participar da trilha sonora de uma novela da Globo, só falta o Mariozinho Rocha querer. Mas é difícil. Eu não tenho gravadora, não tenho padrinho, não tenho jabá... Mas se ele quiser, vou achar bom... Aliás, vou achar ótimo!
ZONA SUL – Quando clicamos no link “imprensa” do seu site (http://www.ceumar.com.br/), automaticamente uma janela abre com uma foto sua e a seguinte frase: “Ceumar não aparece nos programas de tevê nem toca nas FMs, mas tem público fiel nas cidades onde faz show”. A que você atribui essa contradição de você ter um público cativo em todos os lugares onde vai e praticamente ser ignorada pela mídia?
CEUMAR – Existe uma certa curiosidade em torno do meu nome, até desmentindo uma tendência de que quanto mais as pessoas aparecem nos lugares são famosas ou reconhecidas. Acho que essa afirmação é um chavão. Na verdade, quanto mais a pessoa é incógnita, maior a curiosidade. Eu sinto assim. Quando eu chego em um lugar, há sempre uma curiosidade enorme em torno de mim, principalmente em torno de minha música e de minha voz. Ficam comparando, querendo encontrar algo parecido. É um barato! É saboroso chegar em um lugar pela primeira vez. Você aparece lá, não tem CD em lugar nenhum para vender, só encontra no show. Fica uma coisa muito mais próxima, mais real. Mas, sobre a questão da mídia, costumo ir a muitos programas da TV fechada. Estive na TV Câmara, em Brasília, e foi ótimo. Até hoje muita gente me fala que viu o programa. Recentemente estive na TV Sesc, do Rio. Também está rolando na TV Assembléia, de São Paulo. Às vezes também dou entrevistas para televisão. As rádios de São Paulo tocam minhas músicas, em Belém tem emissoras que tocam também. Em Belo Horizonte, a mesma coisa. Vários jornalistas e escritores importantes escreveram resenhas favoráveis sobre meu trabalho, como Zuenir Ventura, Luis Fernando Veríssimo e Maurício Krubusly. São caras que prezo e respeito... É muito mais interessante do que estar lá no Faustão, no Gugu...
ZONA SUL – Por fim, que projetos você anda acalentando? Gostaria de deixar um recadinho para os potiguares ou para alguém em especial?
CEUMAR - Como falei há pouco, estive fazendo, em São Paulo, no Sesc Pinheiros, uma temporada-show com os quatro amigos: Gero, Tata, Rubi e Kleber. O show chamava-se Canto de Cozinha. Estamos com vontade de transformar em disco e de levar o espetáculo para outros palcos. Vamos ver o que vai acontecer. São só canções nossas e algumas parcerias. Tudo é muito gostoso. Quem viu, adorou. Parece até um movimento, como houve com o recente Tribalistas. Optamos por um show acústico, com ambientes para até 100 pessoas e foi uma experiência nova, não convencional e ótima. Fazíamos uma roda com as pessoas em volta, muito próximas. Estou querendo levar minha música a todos os lugares onde for possível. Enquanto eu estiver fazendo meu som de forma íntima e pessoal, manufaturado apenas pelo coração, estarei feliz. Quanto ao recadinho, é para Natal. Quero ir aí. Dizem que é lindo e eu preciso conhecer, não é? Estou sabendo que tem um programa do governo chamado Seis e Meia. Quero ir lá!