sábado, 14 de janeiro de 2006

Entrevista: J. Freitas

A VIDA ATRAVÉS DAS LENTES DE J. FREITAS

Antônio José de Freitas nasceu em Belo Horizonte (MG), no dia 4 de março de 1953. Sua
permanência na capital mineira foi meteórica: apenas um ano. De lá acompanhou a família na mudança para o Rio de Janeiro, onde permaneceu até 1959. O pai, José de Freitas, fotógrafo de Juscelino Kubitschek, trocou o Rio por Brasília em 1957, por causa do então presidente da República, JK. O nosso entrevistado mudou-se dois anos depois, para crescer junto com a nova capital. Você acompanha a seguir a história desse fotógrafo que freqüentou o Palácio do Planalto durante sete governos e que hoje mira suas lentes nas reuniões das comissões parlamentares de inquérito que estão mudando a forma da população ver o governo Lula. Sua esposa, Inaê Amado participou da conversa, realizada no final de 2005, em Brasília (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – Certamente você ingressou na fotografia conduzido pelo seu pai, Antônio de Freitas, mas, e o seu irmão, o Freitinhas, que hoje também é fotógrafo e atua no jornal O Globo? A influência maior foi sua ou do pai de vocês?
FREITAS - É meio difícil dizer. A diferença de idade entre eu e o meu irmão é de dez anos. Quando ele começou, meu pai já não fotografava há muito tempo. Eu era o fotógrafo da família. Acredito que foi um pouco por minha causa. O culpado sou eu. Mas, no meu caso, a influência foi, sem dúvida, do meu pai, que sempre foi fotógrafo. Ele trabalhou no jornal Folha de Minas, em Belo Horizonte. Também atuou na antiga Agência Nacional, fazendo a cobertura fotográfica do presidente.
ZONA SUL – Antes da fotografia você chegou a assumir outra profissão?
FREITAS – Logo que concluí o serviço militar fui fazer a única coisa que sabia naquela época: dirigir automóvel. Fui motorista da administração do Aeroporto de Brasília. Depois virei fiscal do Departamento de Aviação Civil (DAC) e, logo em seguida, fui trabalhar na Varig, fazendo despacho de vôo. Tudo isso ainda na fase de aprender. Meu desejo era ser piloto. Até que em uma conversa com meu pai, ele falou: “escuta, vamos definir uma profissão?”. Eu disse que sim e ele sugeriu a fotografia. Levou-me para o Diário de Brasília. O chefe da fotografia, Roberto Stuckert, era meio que pupilo do meu pai. Ele me colocou na equipe. Fotografia se aprende fazendo. Comecei no laboratório, aprendendo a parte que não aparece. Depois passei a pegar em câmera devagarzinho, a acompanhar os fotógrafos. Na época eu tinha 19 anos.
ZONA SUL – Você lembra de sua primeira pauta?
FREITAS – Foi um desastre total. Fui escalado para fotografar um jogo de futebol na antiga Vila Planalto (Brasília), à noite. A iluminação era um horror. Depois de ter feito tudo o que eu sabia, baixei a velocidade. Era o último recurso. Tentei pegar o movimento quando ele está finalizando para iniciar um outro. Saiu tudo tremido, balançado. Quando cheguei ao jornal, entreguei o filme para o laboratorista revelar. Depois que concluiu o seu trabalho, ele gritou lá de dentro: “ih, eu não sabia e agitei o filme de Freitas, ta tudo balançado”. A gargalhada foi geral. Ficou muito tempo essa história me perseguindo.
ZONA SUL – Trabalhou quanto tempo no Diário de Brasília?
FREITAS – Permaneci lá três ou quatro anos. Depois fiquei um bocado de tempo fazendo “frila” para as revistas grandes da época: a Veja, e a Manchete, entre outras. A Manchete era uma revista muito exigente, tinha um padrão de fotografia que a gente dificilmente conseguia alcançar, até por falta de equipamentos. Fiz muitos trabalhos para a Fatos e Fotos, que era uma revista mais imagem. Até que fui trabalhar de novo com Stuckert em uma agência que ele tinha, a Stuckert Press. Fazia fotografias para jornais do Nordeste e algumas agências internacionais. Nessa época, já 1976, fui contratado pela Folha de São Paulo, para quem eu já tinha feito alguns trabalhos esporádicos. Fiquei lá até 1983.
ZONA SUL – O que você cobria na Folha?
FREITAS – Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Ministérios. Na época o grande mote da história era conhecer bem os parlamentares e saber o funcionamento do Planalto. Eu conhecia pelo menos 80% dos congressistas. O trabalho nos ministérios era pautado, o do Congresso, não. Tinha que estar lá cobrindo de A a Z. Trabalhando na Folha e para outros veículos acompanhei vários presidentes. O final do governo Médici, o governo Geisel todo, Figueiredo também, Sarney e Collor idem. Também cobri Itamar e Fernando Henrique Cardoso.
ZONA SUL – Havia muita diferença na condição de trabalho entre os governos militares e os civis? Como era a questão da censura?
FREITAS – Era muito difícil. Para você ter uma idéia, para eu receber a credencial definitiva para cobrir o Palácio do Planalto demorou algo em torno de dois anos. Eu cobria com provisórias de 20 ou 30 dias, que iam expirando e sendo renovadas. Aquilo me tolhia, eu ficava pouco à vontade. Era como se estivesse numa situação de marca de pênalti: ou me enquadrava ou cassavam minha credencial e eu ficava sem emprego. O recado era esse. O que não podia fotografar, não podia e pronto. Nem se discutia. Eu podia até tentar, mas se tentasse arcaria com o ônus disso. Era uma situação o tanto quanto doentia, nos fazia mal. Alguns colegas achavam que era natural. Mas a maioria não. Houve alguns protestos, mas isso já no governo Figueiredo. Uma vez, na hora em que ele descia a rampa do Planalto, nós colocamos as câmeras no chão e não fotografamos. Figueiredo sentiu-se indignado, mandou verificar o que tinha acontecido, encarou como afronta. Dissemos que estavam ocorrendo vários eventos importantes no Planalto e sequer éramos comunicados. E que o protesto era para denunciar isso. O ministro-chefe da Comunicação era quem determinava o que podíamos fotografar ou não. Geralmente o que era negado era o que o jornal queria. Sempre obtínhamos bom resultado após cada protesto. Mas durava pouco.
ZONA SUL – Qual dos presidentes dos que você acompanhou tinha melhor relacionamento com os repórteres fotográficos?
FREITAS – Pode parecer estranho, mas era o Figueiredo. Tinha um tratamento mais solto, mais descompromissado. Era capaz de chegar, como fazia com um colega e comigo (nós éramos torcedores do Fluminense) e comentar sobre futebol. Como eu era muito tímido com relação à ditadura, ao que ela representava, pois meu pai de certa forma foi perseguido, então eu tinha uma mágoa com aquela história toda. Não conseguia interagir muito próximo. Eu mantinha certa distância.
ZONA SUL – Qual deles tinha o pior trato com a imprensa?
FREITAS – Era o Médici. Mas não sei se eu fiquei com essa impressão porque estava mais novo, eu tinha acabo de chegar... O fato é que eu me sentia mais acuado mesmo era no governo Médici.
ZONA SUL – Ao sair da Folha, o que você fez?
FREITAS – Em 1982 eu estava na antiga Empresa Brasileira de Notícias, a EBN, e ainda fotografando na Folha. Foi a época da escolha dos primeiros governadores através do voto direto. Eu e minha mulher, Inaê, estávamos trabalhando em jornal, mas queríamos participar da abertura política. Na época ela também fazia uma assessoria de imprensa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Decidimos viver a abertura política profissionalmente, mas não sabíamos direito como. As opções eram Gerson Camata assumindo o governo do Espírito Santo e Jader Barbalho o do estado do Pará. Tínhamos combinado que pelo menos um de nós dois teria que sair já com emprego garantido. Nossos filhos eram recém-nascidos. Optamos pelo Pará. Virei assessor de imprensa do Jader Barbalho e, Inaê, assessora de imprensa do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Inaiê – Você não saiu daqui assessor de imprensa não. Você saiu daqui desempregado. Com uma mão na frente e a outra atrás... A gente tinha uma proposta melhor, a do Espírito Santo. Mas eu estava no CNPq e não tinha como me transferir para lá. Também pesou que Belém é a porta da Amazônia. Imaginávamos que lá, mesmo com Freitas desempregado, podíamos fazer frilas de imagens... Era um mundo novo. No Espírito Santo ficaríamos fazendo mais ou menos a mesma coisa que já fazíamos em Brasília. Então consegui a transferência do CNPq para o Goeldi.
FREITAS – Sim, é verdade. Mas a história da Amazônia já começou complicada na mudança. Inaê foi na frente, com as crianças, assumir o trabalho dela. Permaneci em Brasília cumprindo o aviso prévio da Folha. Nosso casamento estava no começo, engatinhando. Ela era repórter da Folha quando nos conhecemos. Fui para Belém receber a mudança. Alugamos uma casa antiga, da época da escravatura, na Vila de Icoaraci, a cerca de 18 quilômetros de Belém. Recebi a mudança, coloquei dentro da casa e fui para Belém, dormir na casa de um amigo. Na manhã seguinte fui informado que tinham arrombado a casa e roubado nossa mudança. Cheguei lá e o que tinha sobrado estava quebrado, destruído, arrebentado. Os ladrões carregaram um barco com nossas coisas e levaram tudo.
Inaiê – Levaram tudo. Geladeira, fogão, equipamento fotográfico...
FREITAS – Diante disso, Icoaraci já ficou estranho. Resolvemos ir morar na cidade de Belém. Passamos nove meses. Fomos embora porque houve certo desgosto, uma decepção com o governador. Aliás, nem foi direto com Jader. Um assessor dele me deu um ultimato: queria que eu assinasse a ficha de filiação do Partido Comunista. Eu disse que não assinaria ficha de partido nenhum. O clima ficou ruim. Conversei com Inaê e resolvemos ir embora. Escrevemos uma carta pedindo minha demissão. Embarquei o que tinha de mobília, que a gente tinha comprado e o que tinha sobrado do assalto. A transportadora, a mesma que tinha feito a mudança Brasília – Belém, nos deu um desconto pra levar tudo de volta. Botei a família no carro. Ao passar pela casa do governador, desci e fui me despedir. “Governador, muito obrigado, mas nos vemos em Brasília. Agradeço sua ajuda, sua recepção, mas estou voltando”. Ele perguntou o que estava acontecendo, se eu estava com raiva dele. Expliquei que meu chefe direto disse que eu tinha pisado na bola por não ter assinado ficha de filiação partidária. Falei que tinha outras coisas que eu preferia não detalhar e me pus à disposição dele quando estivesse em Brasília.
ZONA SUL – Então acabou dessa forma frustrada o seu sonho amazônico...
FREITAS - Desembarquei três dias depois em Brasília, no dia do meu aniversário. 4 de março de 1984. Domingo de carnaval. O carro parou na porta de casa. Se a mulher ou uma das crianças tivesse me dito naquela hora “pague um cafezinho, senão vou morrer”, morria. Eu não tinha dinheiro pra comprar um cafezinho. Acabava ali combustível, acabava ali sonho e toda uma história. Fui morar na casa do pai dela, de favor, até conseguir me posicionar novamente.
ZONA SUL – Qual foi o próximo passo?
FREITAS – Eu tinha um amigo dono de uma agência de notícias, o Bezerra, que me deu alguns trabalhos pra fazer. Um deles era um serviço para uma empresa paranaense que estava colonizando o norte do Mato Grosso. Fazer um audiovisual. Viajei para Cuiabá. Na primeira semana eu ainda não sabia o que estava fazendo lá. E o Bezerra pagando hotel, pagando tudo. Todo dia eu ia para o governo do estado, e sentava na ante-sala do secretário de Comunicação, um dos caras que ajudou a criar a Pais e Filhos, Mauro Cid. Somente depois de uma semana ele me recebeu. Pediu para eu voltar no final do expediente, que iríamos para um boteco jantar e conversar. Aquilo me deixou muito atrapalhado. Liguei para Bezerra e detalhei a situação. Ele ficou surpreso quando soube que eu não tinha feito uma foto sequer até aquele momento. Bezerra falou que se eu quisesse ficar e fazer o trabalho, tudo bem, que pra ele não tinha problema algum. Mas sugeriu que eu pegasse o próximo vôo para Brasília.
ZONA SUL – E o que você resolveu?
FREITAS - Ficar, mas precisava ter alguma segurança. Contei tudo a Mauro Cid. Expliquei que não tinha um tostão no bolso e perguntei o que devia fazer: se embarcar no próximo avião ou permanecer lá. “Cara, agora a gente não pode conversar de jeito nenhum. Mas fica no hotel, eu já vou assumir a conta, a Secretaria vai pagar. Você almoça e janta lá, toma todas, mas, pelo amor de Deus, me dê um tempo que eu preciso organizar essa história”. Cheguei a pensar que do hotel eu iria direto pra cadeia, já que não tinha dinheiro para pagar a conta. Liguei pra Inaê, em Brasília. Ela aconselhou: “bicho, relaxa e goza. Toma um porre, destrava porque assim você não vai fazer nada”. Não tive dúvida, parceiro. Tomei um banho, troquei de roupa, botei uma beca, desci pro restaurante do hotel que era “o restaurante” da cidade, sentei, pedi uma picanha à la não sei o quê, que era fantástica, uma garrafa de whisky e tomei um foguete. Fui dormir. No dia de seguinte, de ressaca, destravei. O whisky funcionou, liberou.
ZONA SUL – Então a ressaca foi suave...
FREITAS - Um dia Mauro disse, “ô cara, não venha aqui não, vá andar pela cidade, vá para o cinema. Olha, atrás do hotel tem uma casa de massagens, vá lá, assina um vale e manda pra mim. Quer um dinheiro? Eu mando levar aí”. No dia seguinte o motorista chegou lá com uns 400 reais. Uma fortuna pra mim, que tava duro. O carro tinha oito meses de prestação atrasada. Tava devendo o que tinha e o que não tinha. E a mulher aqui, o CNPq não queria trazê-la de volta, ela teve que pedir licença sem vencimentos. Batalhando emprego.
ZONA SUL - Mas nada de trabalho?
FREITAS – Um dia o Mauro me chama. Vou ao gabinete. Ele manda eu ajudar um amigo que tinha uma apresentação para fazer na Escola Superior de Guerra, em Sinop, no norte do Mato Grosso. Ricarte de Freitas Júnior era quem tava pedindo. Conheci o tal Ricarte: gordão, bonachão, radialista, gente boa. Tava me esperando no hotel. Conversador, paranaense. Enio Pepino é o colonizador do norte do Mato Grosso. Fez onze cidades, todas com nome de mulher. A sede da colonizadora chama-se Sinop. Cheguei em Sinop, Ênio contou um pouco da sua história e explicou que precisava de um audiovisual para apresentar para o pessoal da Escola Superior de Guerra. A apresentação culminaria com a inauguração do campo de pouso oficial de Sinop. Queria que eu mostrasse toda a história. Perguntei quanto tempo eu teria. Algo em torno de vinte dias. Era uma loucura. Eu não sabia como conduzir. Ele disse que estava me contratando porque eu era o homem, o cara que iria resolver isso. Expliquei que mesmo que eu fosse resolver, teria que contratar pessoas a peso de ouro, porque era muito serviço para pouco tempo. Falei que precisava de um texto, de um roteiro, de fotógrafos me ajudando, de revelar e editar o material, de montar, de um locutor. Ele respondeu que não queria saber, que eu me virasse que ele precisava do trabalho pronto.
ZONA SUL – E qual solução você encontrou?
FREITAS - Liguei para Brasília, falei com um colega da Folha de São Paulo, Kin Irsen Pires Leal. Ele detestava jornalismo fotográfico. Expliquei o que estava acontecendo e perguntei quanto queria para ir comigo para o Mato Grosso me ajudar no material. Ele cobrou um xis. Ofereci co-responsabilidade na história e três vezes o que estava me pedindo. Topou de imediato. Eu já havia fotografado antes dele chegar umas 70 ou 80 horas de foto alucinado. De manhã, de tarde e de noite, de avião, sem avião, a pé, montado em jegue... Mas o material estava sem ordem. Kim fez uma pré-edição. Eu tinha feito mais de mil fotos. O material estava corrido. Precisava ser detalhado. Tinha mandioca de avião, na beira do rio, a raiz, mas tudo aberto. Precisava detalhar, mostrar o tamanho da folha de mandioca no lugar. Ele partiu para isso. Fotografar para construir um elo com o material que eu tinha feito. Fui para São Paulo conversar com o empresário do Sérgio Chapelin para ver se ele toparia gravar o texto que ainda nem sabíamos quem iria fazer.
ZONA SUL – Ainda não tinha sequer o texto?
FREITAS - Havia um jornalista no Paraná incumbido de me enviar todo o histórico para subsidiar o texto do audiovisual. Só que ele prometia para hoje, para amanhã e o dia chegando e ele não dava nada. Liguei para Ênio. Expliquei que sem o material eu não podia fazer nada. Ele deu um monte de esporro e o cara mandou pra mim uma pilha de papel com uns 40 centímetros de altura. Nenhum texto direto. Revista, jornal, texto velho, o escambau. Vim para uma Brasília numa sexta-feira. Tomei umas cachaças e fui dormir. No dia seguinte, Clube de Imprensa. Encontro Clodo Ferreira. Peço um minuto. Digo a situação. Peço ajuda. Passei o material para ele. Clodo fez acontecer a chuva. Foram os 16 minutos da coisa mais bonita que produzi na minha vida. Foi aplaudido de pé pelas 150 pessoas que estavam lá.
ZONA SUL – Depois daí, o que foi fazer?
FREITAS – Voltei pra Brasília e fui contratado por Fernando César Mesquita. Era governo Tancredo, que virou governo Sarney. Já com prestações do apartamento e da casa pagos, recebo na minha casa o Ricarte de Freitas Júnior me chamando para cobrir a posse de Tancredo. E Tancredo morre não morre, no hospital, aquela história toda, e eu chefiando a fotografia da Empresa Brasileira de Notícias. Estava um belo dia na EBN aí o Frota Neto assume a presidência da Radiobras e vira para Rui Lopes, que havia sido meu diretor na Folha de São Paulo e diz que precisa de alguém de confiança na Radiobras. Me pede emprestado por uns meses. Fui pra Radiobras e acabei ficando lá, porque o Rui me ligou alguns meses depois e disse que ia me demitir porque precisava de um chefe. Com essa história fico na Radiobras sem contrato, daqueles contratos temporários, acabo, no final da história brigando com Frota Neto, que me demite da empresa, fico desempregado e ele sai da Radiobras e soube que a pedido dele fui efetivado na Radiobras logo em seguida, fiquei lá dezoito anos, até seis meses atrás. Hoje estou terceirizado no Senado.
ZONA SUL – Você referiu-se sobre sua paixão por voar. Chegou a pilotar algum avião?
FREITAS – Eu queria fazer curso de piloto. Não tinha como. Eu virei o que eles chamavam, na época, de manicaca. O cara que mexe, que fuça avião, que curte avião, mas não tem formação para isso. Entra Paulo Irajá, que hoje é dono de táxi aéreo na Amazônica. Eu fotografando pra Folha no interior da Amazônia, Santarém, Brasil Novo, Pacau. Ele vira pra mim e sugere que eu esqueça a fotografia e vá voar com ele. Mudar pra Santarém. Disse que era empregado, mas logo compraria um avião. Disse que lá ele me brevetaria. E eu poderia voar. Era tudo o que eu queria. Paulo sabia da minha competência e das minhas necessidades. Sabia o que eu precisava estudar. Mas eu já tinha filho, mulher, uma história toda ponteada, e não tive peito para largar. Eu cheguei a pilotar com ele. Uma vez em Santarém, com uma equipe de jornalistas a bordo, houve uma pane, Paulo precisou fazer navegação para encurtar a distância, e eu tive que assumir o avião.
ZONA SUL – Sua mulher é sobrinha de Jorge Amado...
FREITAS – É verdade. Ela era colega de trabalho na Folha. A gente chegava da cobertura do dia a dia, a redação ficava na parte térrea do lugar, na 104 Sul, em Brasília, e a fotografia, telex e direção, na parte superior. Eu vinha pra redação bater papo, conversar. Frota Neto, na época, era editor de economia e fazia umas coisas malucas. Ele me dava o texto dele todo dia pra eu ler. Queria que eu entendesse o que ele estava escrevendo, pra não ficar economês. Quando eu não entendia, ele reescrevia. Eu fazia um copy dessa forma. Transformar o economês no português. Nasceu uma grande amizade em cima disso. Ficávamos os dois fofocando, dizendo essa Inaê tem um...
ZONA SUL – Qual a foto da sua vida?
FREITAS – 1981. Uma foto do ex-ministro da Economia e do Planejamento, Antonio Delfim Neto, com um quadro, esqueço o nome do autor. É um quadro de Ouro Preto que tem um laço de forca no meio. Consigo colocar num ângulo a forca na cabeça de Delfim anunciando a ida do Brasil ao FMI.
ZONA SUL – E a foto que você perdeu?
FREITAS – Foram tantas, companheiro. Machuca tanto que fica difícil de lembrar assim. Mas vamos falar de uma que eu não perdi. Foi numa viagem a Londres, para cobrir a visita do presidente Fernando Henrique Cardoso. Quando eu cheguei, as posições estavam todas sorteadas. Sobrou pra mim o que sobrou. Tinha uma única foto que podia dar alguma coisa. Mas precisava levantar a foto na minha cabeça, primeiro. Cheguei 48 horas depois do sorteio do pool. Fui para um lugar em frente a um dispositivo maravilhoso de pompa e circunstância, onde não tinha a menor condição. Do meu lado tinha o diplomata de carreira Francisco Chagas que se desculpava o tempo todo. Eu estava há uns 200 metros de onde o presidente passaria com a rainha. Muito longe. E ainda tinha o fog, aquele nevoeiro. Preparei a câmera para uma única foto. Uma porrada de flash para uma única foto. Sem tempo pra recarga, nada. Eu disse a Chico: na hora em que o presidente passar na carruagem com a rainha, levanta a mão, porque eu não posso. Eu vou tirar as mãos das luvas, segurar a câmera, mas vou estar tremendo. Não posso levantar a mão e fotografar. Tenho que chamar a atenção dele. Ele também está numa situação que está doido para ver algum conhecido. “Freitas, você é doido? Isso não existe. Você quer me demitir. Você é louco. Quer arranjar um inquérito pra mim”. Eu pedi que levantasse só a mão e desse uma abanadinha pro presidente dele. Saiu a carruagem, os caras fotografando. Embarque do presidente e da rainha, entra na carruagem e sai. Na hora que chegou no ponto eu grito: “Chico Chagas a foto, me dá a mão”. Ele, atrás de mim, Fernando Henrique acena em resposta. Foi a foto da viagem
Inaê – Todo mundo deu. Globo inclusive abriu na primeira página.
FREITAS – Saio correndo a pé atrás daquela porcaria até o Palácio de Buckingham. Fiquei três dias em Buckingham, que é fantástico. Lugar que ninguém entra. Os ingleses gostariam de conhecer. Passei três dias lá. Que é outra coisa gratificante, interessante da profissão.
ZONA SUL – Você se espelhou em algum profissional para seguir sua carreira?
FREITAS – Espelhar, não. Mas admirar, muitos. Meu professor Roberto Stuckert, apesar de eu não concordar com uma série de posturas, de coisas, é uma pessoa a quem sempre admirei muito e respeitei muito. E meu pai, é outro.