quinta-feira, 30 de maio de 2013

Entrevista: Michelle Sampaio


“PAPAI, ONDE ESTÁ VOCÊ?” 

 
Michelle Rodrigues Sampaio Bonifácio nasceu em Brasília, fruto de uma paixão fulminante, mas ligeira. A família de sua mãe é goiana, de Porangatu. Do seu pai ela pouco sabe. Só o nome, Maurício, e que ele era viúvo na época em que manteve o relacionamento que a gerou. Michelle foi informada também de que teria dois irmãos, filhos desse pai desaparecido: Paulo Wagner e Carmen Lúcia. O nordestino Maurício seria paraibano. Não se tem certeza. A única coisa certa é que a nossa entrevistada do mês não cansará enquanto não encontrar o pai. Enquanto isso não ocorre, ela vai vivendo como pode. Vamos conhecer um pouco de sua história. Se por acaso alguém souber do paradeiro de Maurício, mantenha contato. (robertohomem@gmail.comhttp://zonasulnatal.blogspot.com). A cobertura fotográfica dessa entrevista foi feita pelo grande fotógrafo pernambucano e amigo JB Azevedo.

ZONA SUL – O que você faz, hoje, da vida?
MICHELLE – Sou servidora pública, trabalho no Ministério da Previdência Social. Entrei em abril do ano passado. Minha lotação é no Cerimonial. O serviço inclui o acompanhamento da agenda do ministro em eventos, reuniões e viagens.
ZONA SUL – Fale sobre alguma viagem interessante que você tenha feito durante esse ano de trabalho.
MICHELLE – Um fato interessante é que, graças a essas viagens, pude assistir à abertura do São João 2012 de Caruaru e ao último dia dessa festa em Campina Grande. Quer dizer: pude ver de perto a disputa das duas cidades pelo título de quem faz o maior São João do mundo.
ZONA SUL – Se você integrasse uma comissão julgadora com a responsabilidade de eleger o melhor São João do Brasil, votaria em qual dos dois?
MICHELLE – Eu escolheria Campina Grande. Mas essa minha opção poderia nem ser a mais correta, já que, em Caruaru, vi os festejos juninos durante o dia. Estive no Polo Alto do Moura. Lá tem uma grande quantidade de ateliês. Esses artesãos se dedicam às esculturas de barro. Lá funcionam também muitos restaurantes. Durante o São João, ocorrem apresentações de trios pé-de-serra e bandas de forró e de pífano. Não fiquei por lá durante a noite porque o evento para o qual viajei seria realizado em Sertânia, outra cidade pernambucana.
ZONA SUL – E em Campina Grande?
MICHELLE – Aí, sim, participei da festa à noite. Eu nunca tinha visto nada parecido. Um monte de palco, cada qual com uma programação diferenciada. Quando um show terminava, já emendava outro. Talvez por isso eu tenha achado Campina Grande maior e melhor.
ZONA SUL – E o lado profissional dessas viagens? Como está sendo?
MICHELLE – Muito bom. Por enquanto não tive que enfrentar nenhuma saia justa. Como falei antes, trabalho no Cerimonial do Ministério da Previdência. Vez por outra viajo para participar de inaugurações de agências em municípios do interior do Brasil. Nessa função, o principal objetivo é aparar arestas e contribuir para que as solenidades ocorram sem problemas. Porém, ainda não acho que esse meu emprego na Previdência seja o definitivo. Fui convocada para esse trabalho no último dia de validade do concurso para o qual eu havia sido aprovada. Já estava perdendo a esperança, mas consegui. No Cerimonial a gente lida com autoridades. Nessa função, tem que haver muito cuidado e respeito. Para mim está sendo importante desenvolver esse jogo de cintura político. Gosto muito dessa área. Também estou atuando como mestre de cerimônias. Acredito que tenho perfil de lidar com o público, de falar, de conduzir os eventos. Mas não estou descuidando e continuo estudando para outros concursos. Meu objetivo é uma vaga no Judiciário, sobretudo pela questão salarial e também pela jornada de trabalho. Lá paga bem melhor que o Executivo. Além do mais, o funcionário entra meio-dia. Nesse horário não pega trânsito e também é possível conseguir outra atividade pela manhã.
ZONA SUL – Como é trabalhar com o ministro potiguar Garibaldi Alves Filho?
MICHELLE – Nos contatos que tive com ele pude perceber que é uma pessoa competente, mas também humilde e acessível. Ele sempre dá atenção a todos os que o procuram nesses eventos e reuniões dos quais participo. Vejo que tem muito carisma. Dia desses fomos ao Tribunal de Contas da União. O elevador privativo não estava funcionando. Dentro do outro, tinha um funcionário de serviços gerais. Quando esse rapaz viu que o ministro queria utilizar o elevador, ele saiu da cabine, para esperar o ministro subir. O ministro não aceitou aquela gentileza. Pegou o rapaz pelo braço, o conduziu de volta ao elevador e viajamos todos juntos. O ministro Garibaldi tem atitudes de um homem comum, coisa não tão fácil de ver em uma autoridade.
ZONA SUL – Quais outros empregos você teve antes de entrar no Ministério da Previdência?
MICHELLE – Trabalhei em uma construtora que foi envolvida em escândalo investigado pela Polícia Federal. Essa empresa não existe mais. O dono utilizava informações privilegiadas a respeito de obras. Mas você não vai falar nisso...
ZONA SUL – Claro que sim! Um fato interessante desses... Além do mais, você nem citou detalhes.
MICHELLE – Tá certo. Sendo assim... Mas eu não vou falar mais nada. Deixa esse assunto quieto.
ZONA SUL – Diga só se essa empresa era da área de construção civil...
MICHELLE – Era construção de casa, reformas de prédios públicos, estradas... Eu era secretária. Antes eu trabalhei no Tocantins, em uma empresa de plano de saúde, como também secretária. Mas o meu primeiro emprego foi aos 15 anos como cobradora de ônibus. Trabalhei na Viação Anapolina, fazendo a linha Cidade Ocidental/Brasília.
ZONA SUL – Uma pessoa de menor podia trabalhar como cobradora de ônibus?
MICHELLE – Nessa empresa era comum pessoas de menor trabalharem. Eu entrei com 15 anos e fiquei um ano trabalhando. Nesse período, presenciei um acidente. O ônibus se chocou com uma moto. O motoqueiro foi para o hospital. Ele foi imprudente. A moto, daquelas bem potentes, apareceu do nada. Felizmente nunca presenciei assalto. Certa vez houve uma confusão envolvendo um rapaz que já era conhecido por passar a mão nas meninas.
ZONA SUL – E os estudos? Trabalhando com 15 anos, conseguiu estudar?
MICHELLE – Consegui, sim. A empresa empregava menores, mas não atrapalhava os estudos. As escalas não interferiam no horário escolar. Mesmo com todas as dificuldades que enfrentei, sempre tive os estudos como prioridade. Em Palmas entrei no curso de História, na faculdade federal. Mas, antes de concluir, vim embora para Brasília. Dos cinco anos que morei em Palmas, dois anos e meio eu cursei História.
ZONA SUL – Por que você escolheu o curso de História?
MICHELLE – Justamente por meu interesse pela política. Somente estudando história a pessoa pode compreender conceitos básicos como, por exemplo, o motivo de o Brasil ser hoje uma democracia. Tudo tem uma história por trás. Outro exemplo: eu não conseguia entender direito os motivos do conflito entre Israel e a Palestina. Fui pesquisando e cheguei até a Bíblia para entender essa confusão toda. Estudei o passado para conseguir entender certas situações do presente. Acho tudo isso muito interessante. Com dois anos e meio de faculdade, voltei para Brasília. Terminei o curso nas Faculdades Integradas da Terra de Brasília. Meu ensino médio eu também terminei em Brasília, no CESAS (Centro de Estudos Supletivos Asa Sul).
ZONA SUL – Além de Brasília, você morou onde mais?
MICHELLE – Morei na Cidade Ocidental dos dez aos 18 anos. De lá, vim para Brasília, para o Recanto das Emas, quando minha mãe recebeu um lote do governo.
ZONA SUL – Como você conheceu o seu marido?
MICHELLE – Ele tinha uma lanchonete na rodoviária. Quando eu trabalhava como cobradora, costumava lanchar por lá. Naquele entra e sai todo o dia, certa ocasião uma amiga me disse que tinha alguém afim de mim. Eu já o conhecia, mas não sabia desse interesse dele. Na verdade, eu ia lá porque era afim do filho dele. (risos). Acabei casando com o pai. Na época eu tinha 15 anos e ele 40. O filho tinha 18.
ZONA SUL – O pai é quem estava de olho em você...
MICHELLE – Pois é. (risos) Depois eu contei para o pai, rimos com essa história.
ZONA SUL – Sua família não tentou interferir nesse relacionamento? Você tão nova, se envolvendo com uma pessoa 25 anos mais velha?
MICHELLE – No início a minha mãe não aprovou, mas eu tinha certa independência, já que trabalhava e estudava. Ela não tinha como me controlar. Além disso, eu já era mãe. Tive um filho aos 14 anos. Hoje já sou avó, tenho uma neta de quatro anos. Fui avó com 31 anos. Mas, sobre o namoro, não tinha como minha mãe segurar. Fui me envolvendo com ele e, aos 18 anos, engravidei da Mariana, que fez agora 18 anos. Estamos juntos há 21 anos e casados há 15.
ZONA SUL – O que seu marido faz hoje?
MICHELLE – Ele tem uma farmácia em Vicente Pires, aqui no Distrito Federal.
ZONA SUL – E o pai do seu primeiro filho?
MICHELLE – Não temos mais contato. Meu filho é quem vai visitá-lo e também ao avô. Nosso relacionamento foi uma coisa da juventude. Quando o conheci, aos 13, ele já tinha 19 anos. Ele também não queria deixar que eu estudasse. E eu sempre prezei o estudo. Não deu certo. Coincidiu que logo após conheci meu atual marido, e aí distanciou de vez.
ZONA SUL – Fale sobre a sua mãe.
MICHELLE – Ela é de Porangatu, Goiás. Casou também muito nova, aos 14 anos. Até os 28, não teve filho. Quando se separou do marido, em Goiás, veio para Brasília. Ela se chama Ana da Anunciação. É a partir da sua vinda para Brasília que começa a minha história. Aos 28 anos, recém-separada, ela veio trabalhar na casa de uma família na quadra 410 da Asa Sul, em Brasília. Na época os “points” da cidade eram o Conjunto Nacional e a Rodoviária. Um dia, voltando de lá, pegou o ônibus e foi para casa. Poucos minutos depois que subiu para o apartamento, o porteiro avisou que tinha alguém à sua procura.
ZONA SUL – Essa pessoa a estava seguindo?
MICHELLE - Minha mãe não sabe se estava sendo seguida desde a Rodoviária ou se foi depois que desceu na parada de ônibus. Essa pessoa era Maurício, que depois viria a ser o meu pai. Ela se relacionou com Maurício durante pouco tempo. Minha mãe tinha vivido na roça e havia terminado de se separar. Ela não tinha muita experiência de vida. Talvez por isso ela não tenha contado a Maurício que tinha engravidado dele. Continuou trabalhando nessa casa por um tempo. Quando eu nasci, fomos morar com a minha tia, no Núcleo Bandeirante. Depois de algum tempo, minhas primas conseguiram encontrar o meu pai, Maurício. E avisaram para ele que tinha nascido sua filha.
ZONA SUL – Onde essas suas primas o encontraram?
MICHELLE – Alguns detalhes dessa história continuam nebulosos até hoje. Talvez seja por isso que eu não tenha ainda obtido sucesso nessa busca pelo meu pai. Sequer sei o nome completo dele. Tenho só o primeiro nome, Maurício, e alguns outros dados.
ZONA SUL – Por exemplo...
MICHELLE – Ele teve dois filhos antes de mim: Paulo Wagner e Carmen Lúcia. Sei também que na época em que se relacionou com a minha mãe, ele era viúvo. Sei ainda que Maurício é nordestino, parece que paraibano de João Pessoa. Quando completei seis meses de vida, minha mãe conheceu o homem que me criou, o Herval, a quem também considero pai. Para evitar qualquer problema com o marido, ela se afastou completamente de Maurício.
ZONA SUL – Você chegou a encontrar o seu pai?
MICHELLE – Lembro que, quando eu tinha cinco anos, Maurício me achou. Eu morava em Taguatinga Sul. Ele foi até lá em casa. Lembro nitidamente. Houve uma segunda ocasião, quando ele me levou no comércio do Bandeirante e me deu de presente uma bota e um apontador de lápis, de ferro. Depois disso, ele passou a me visitar em Taguatinga. Só que, em uma dessas idas, minha mãe pediu para ele não voltar.
ZONA SUL – Por que?
MICHELLE – Ela explicou que estava casada e que não queria complicações com o marido. Eu já estava com cinco anos. Maurício deixou anotado em um papel os seus dados: nome, endereço, telefone... Ele sempre falou pra minha mãe que tinha vontade de me levar para apresentar aos pais. Só que nunca deu certo. Nisso, Herval encontrou essas anotações e rasgou. Foi dessa forma que acabou completamente a possibilidade de eu encontrar meu pai. Ficaram as memórias e algumas fotografias. As melhores fotos de infância que tenho são dessa época, da casa onde Maurício me conheceu. Quando eu estava com oito pra nove anos, o vi de longe. Minha mãe me mostrou. A gente estava na quadra 38, do Guará. Parece que ele estava fechando um negócio de venda de carro. Com medo do Herval, minha mãe não me deixou ir até o Maurício.
ZONA SUL – Desde então você sonha em reencontrar o seu pai...
MICHELLE – Essa procura pelo Maurício é muito difícil. Já pensei em ir à antiga Telebrasília para tentar conseguir um catálogo telefônico daquela época. Ou pelo menos um catálogo de endereços, para tentar descobri-lo. O maior problema é não ter seu nome completo. Minha mãe fala que ele tinha um comércio na Asa Sul. Pra mim é uma procura grande.
ZONA SUL – Hoje em dia a sua mãe lhe ajuda nessa procura ou ainda tenta colocar obstáculos?
MICHELLE – Ela ajuda. Vivi um tempo muito triste, minha mãe achava que era por isso. Ela se culpa por não ter me dado a oportunidade de continuar mantendo contato com meu pai. Ela vê que eu procuro e me ajuda. Quando pergunto alguma coisa, ela sempre me passa essa informação. Nessa busca do meu objetivo, já criei perfil na Internet e em redes sociais. Já fui tema de reportagem no Correio Braziliense, mas nunca obtive sucesso, até pelo fato de as informações serem muito limitadas. Maurício é nordestino, tem uma cicatriz em uma das mãos, na época era viúvo e tinha esses dois filhos...
ZONA SUL – Se ao invés da cicatriz ele tivesse um dedo a menos, poderia ser o Lula (risos)...
MICHELLE – É, já pensou? Seria bom demais, uai! Se você me olhar e comparar com a minha família, vai ver que não tenho muita semelhança com eles. Sou grande e gorda, enquanto todo mundo da minha família é magro. Hoje, quando vou fazer uma consulta e o médico pergunta sobre o meu histórico familiar, só sei responder o que diz respeito ao lado da minha mãe. Dele só guardo uma vaga lembrança. Acho que pareço com Maurício. Ele era grande, branco. A família da minha mãe é um pouco mais morena.
ZONA SUL – Da fisionomia dele, o que você lembra? Usava bigode?
MICHELLE – Não lembro. Só recordo que era branco, forte e alto. Creio que devia ter 1 metro e 75 centímetros.
ZONA SUL – Sua mãe não lembra sequer o nome completo de Maurício?
MICHELLE – Ela não sabe, até porque o envolvimento entre os dois foi muito rápido. Ficaram juntos questão de meses. Eles saíram, tiveram algum envolvimento duas ou três vezes. Como falei, minha mãe trabalhava e morava em uma casa de família na 410 Sul. Ele também morava ali nas proximidades.
ZONA SUL – Se você encontrasse o seu pai, o que diria a ele?
MICHELLE – Já parei várias vezes para tentar imaginar qual seria a minha reação nesse momento. Não sei. Tenho muita vontade de conhecê-lo, mas a minha reação eu só saberia na hora mesmo.
ZONA SUL – Você guarda alguma mágoa da sua mãe pelo fato de ela não ter permitido uma aproximação maior sua com o seu pai?
MICHELLE – Não, não tenho. A situação da vida dela impôs isso.
ZONA SUL – Ela ainda está com Herval?
MICHELLE – Ele faleceu em 2009. Meu pai era servidor público do Governo do Distrito Federal. Herval morreu de câncer, talvez resultado de uma vida muito desenfreada. A bebida e os cigarros acabaram com ele.
ZONA SUL – Desse casamento, nasceu sua irmã.
MICHELLE – Sim. Bianca trabalha em farmácia, mas não na minha. Minha mãe é aposentada. Quando eu tinha três ou quatro anos, ela colocou um marca-passo. Foi aposentada por invalidez aos 32 anos.
ZONA SUL – Como você foi morar em Palmas?
MICHELLE – Meu marido recebeu uma proposta para gerenciar a Drogaria Unicom, em Palmas, que estava abrindo. Moramos cinco anos. Palmas ainda não tinha a ponte que ligava a cidade a Paraíso. O lago também não estava completamente cheio. Quando a gente ia para Paraíso, tinha que atravessar 40 minutos de balsa. Mas a estrutura da cidade já era boa.
ZONA SUL – Você gostou de ter morado por lá?
MICHELLE – Amo Palmas. De lá, só não gosto do calor. É mais abafado do que Brasília. A cidade é muito tranquila. O trânsito era ótimo. Você percorria a distância entre sua casa e o centro em poucos minutos. Pra mim, foi um momento de crescimento pessoal. Literalmente. Eu cheguei em Palmas e logo entrei na universidade. Foi um momento de grandes mudanças na minha vida, de conhecimento de quem sou. Lá passei por uma ruptura em muitas coisas, como na questão do medo, da insegurança. Em Palmas eu podia dizer para as pessoas o que eu queria falar. Antes eu apenas concordava com o que elas falavam. Palmas, para mim, foi um salto na minha vida.
ZONA SUL – Poderia ter ocorrido em outra cidade?
PALMAS – Sim, mas o fato é que as mudanças ocorreram em Palmas. O motivo da mudança não foi a cidade em si. Creio que a universidade e também o fato de eu ficar distante da família contribuíram decisivamente. Fui morar em um lugar onde não conhecia ninguém. Éramos eu, meu marido e meus dois filhos. Eu estava sozinha, sem mãe, sem irmã... Não tinha ninguém para falar mal da minha vida. A história que eu chegasse lá e contasse, o povo ia acreditar. Eu poderia contar a história que quisesse, já que ninguém sabia da minha vida.
ZONA SUL – E que história você contou?
MICHELLE – (risos). O mais engraçado foi o seguinte: na minha infância eu ia pra Porangatu, e já achava aquele lugar muito quente e longe. A viagem durava sete horas. Lembro que uma vez a minha mãe foi a Porto Nacional, que na época era Goiás e hoje fica no Tocantins. Eu dizia: minha mãe está indo para o fim do mundo. Porangatu já era o limite. Eu sempre falava que Porto Nacional era perto do além. A vida me proporcionou essa surpresa: fui morar depois de Porto Nacional. Em outras palavras: fui morar depois do fim do mundo e estudar no fim do mundo, já que o meu curso de História era em Porto Nacional.
ZONA SUL – Você saía todos os dias de Palmas para estudar em Porto Nacional?
MICHELLE - Depois do serviço tinha um ônibus que nos levava para Porto Nacional. Esse transporte era bancado pela prefeitura de Palmas. Eu trabalhava na Unimed. Viajava sessenta quilômetros de distância e depois voltava. Foi nessa época que ocorreu esse “boom” na minha vida. Foi também quando experimentei bebida. A turma levava vinho dentro do ônibus. Nas aulas de sábado, muitas vezes ainda tinha gente bêbada da sexta-feira, das festas que a gente fazia. A gente matava aula para pegar carona e voltar para Palmas. A gente ia para o trevo de Porto Nacional e os motoristas já sabiam que aquele pessoal era estudante pedindo carona para ir embora.
ZONA SUL – Devem ter sido tempos divertidos...
MICHELLE - Tem várias histórias... Uma de nossas colegas era dona de uma funerária. Ela morava em frente ao cemitério. A gente ia beber na casa dela. No próprio lote onde ela residia, tinha as capelas para velar os corpos. Teve ocasião de estar havendo velório e a gente bebendo, fazendo a maior bagunça dentro da casa dela. Só o que não fizemos foi beber dentro do cemitério.
ZONA SUL – E as caronas?
MICHELLE - A primeira carona que pegamos foi com um senhor que passou conduzindo uma caminhonete. A turma tinha combinado que ou ia todo mundo ou não ia ninguém. Éramos cinco. Fomos duas na frente e três na carroceria. Quando o carro ia passar pela Polícia Rodoviária, que o guarda fez menção de que iria mandar parar, a gente se escondeu na carroceria. O policial pediu documentos e fez uma revista. Quando foi olhar na carroceria, encontrou a gente. Ele perguntou ao dono do carro sobre as moças “ali atrás”. Quando ficou esclarecido que a gente estava apenas pegando uma carona, o policial liberou o carro e disse ao motorista: “Vá embora, você está muito bem”. Essa foi a primeira carona.
ZONA SUL – Nenhuma dessas caronas deu errado?
MICHELLE – Não, a gente teve sorte. Outra vez nosso grupo tinha sete pessoas. Quando a gente perdia o ônibus grátis pago pela prefeitura, tinha que pegar um outro que custava cinco reais, a passagem. A gente estava em um ônibus desses, voltando para Palmas, mas ninguém tinha passado a roleta ainda. Foi quando alguém fez uma conta rápida e comentou que o total das sete passagens, 35 reais, dava para pagar um bocado de cerveja. Isso ocorreu em 2005. A gente tinha embarcado no centro de Porto Nacional e estava chegando no trevo. Uma de nós disse ao motorista que tinha esquecido a bolsa. Essa foi a senha para descer todo mundo para ir tomar cerveja em um bar próximo, na esperança de, mais tarde, conseguir carona até Palmas. Era dia de sorte mesmo. A gente conseguiu carona para os sete e foi embora. Na chegada a Taquaralto, antes de Palmas, o dono do carro parou para beber e ainda pagou mais cerveja para a gente.
ZONA SUL – Você não bebia até entrar na faculdade por pertencer à religião evangélica?
MICHELLE – Sim. Comecei a frequentar a igreja evangélica por conta da minha família. Depois da faculdade, eu saí. Eu já tinha saído antes. Lá em Palmas foi que degringolou tudo. Lá foi um oba-oba danado.
ZONA SUL – Seu marido não era evangélico?
MICHELLE – Não, mas ele não participava dessas festas. Apesar disso, nunca me impediu de ir. Aquela época de Palmas foi mesmo muito boa. Estive até em Natividade, para a festa do Divino Espírito Santo. Fica depois de Palmas. Palmas foi muito bom, tenho muitas histórias de lá.
ZONA SUL – Por que você voltou para Brasília?
MICHELLE – Separei do marido e voltei. Ele ainda ficou por lá mais uns sete meses. Voltei para a casa da minha mãe. Foi quando decidi literalmente estudar para concurso. Um dos motivos é que eu não suportava ter que trabalhar sábado e domingo. E se eu fosse para mercado, para farmácia ou outro comércio, eu teria que trabalhar nesses dias. Meu pai, Herval, me incentivou muito. Ele era servidor público. Pena que morreu antes de poder não conseguiu ver a minha posse. Herval comprou apostilas. O engraçado é que eu dizia pra ele: “vai sair um concurso assim e assim, preciso de dinheiro para comprar apostila”. Ele fazia questão de comprar, só que comprava a pior que existia, a mais barata que havia. Mas Herval sempre me incentivou. Sinto orgulho de dizer que na minha família fui a primeira a entrar na faculdade a também a primeira a ingressar no serviço público.
ZONA SUL – Mas você estava dizendo que, sete meses depois da sua vinda, seu marido retornou para Brasília...
MICHELLE – Ele voltou para cá, reatamos o casamento e estamos juntos até hoje.
ZONA SUL – Fale sobre seus filhos.
MICHELLE – Marlon vai fazer 22 anos em setembro. Ele é do Exército. Já está há três anos lá. Pretende continuar na carreira militar. Entrou no Exército por minha vontade. Lembro que na época da primeira semana, ele chorava muito. Nunca tinha recebido grito de ninguém, a não ser meu, como mãe. O banho dele, em casa, era de 40 minutos. No mato não tinha essa mordomia. A comida dele era especial, ele não comia tudo, era cheio de exigências. Lembro que quando Marlon voltou do campo, devorou uma panela com carne, arroz, quiabo e um monte de coisa. Ele comia de um jeito que eu falava para mim mesma: “caramba!”. O Exército fez com que ele mudasse em muita coisa. Ele é motorista de um coronel. O serviço é bem leve, mas Marlon detesta o trânsito. Ele já me deu uma neta, Marília. Foi pai aos 17 anos. Eu estava com 31. Foi um choque grande, para mim. Quando ele me comunicou que tinha começado a sua vida sexual, o orientei a usar camisinha não só para evitar filho, mas também por causa de doenças venéreas. Mas o fato é que Marília está aí e ela é uma alegria.
ZONA SUL – E a sua filha?
MICHELLE - Mariana fez 18 anos. Ela cursa o terceiro ano do ensino médio. Estuda na Católica. É minha menina. Mariana é quem cuida de mim. Ela cobra para eu me arrumar, tirar sobrancelha. Exige que eu seja mais perua. Mariana cobra para que eu tenha mais vaidade. Os dois dão um equilíbrio muito grande. Sou apaixonada pelos meus filhos.
ZONA SUL – Deixe uma mensagem para o leitor do “Zona Sul”.
MICHELLE – Natal é uma cidade que eu tenho muita vontade de conhecer melhor, de passar mais tempo. Já fiz alguns planejamentos, quem sabe dá certo? Recentemente estive por aí na inauguração de uma unidade de desenvolvimento de software da Dataprev. Mas é preciso mais tempo para realmente viver a cidade. Espero ter essa oportunidade. Mas quero dizer ao leitor do jornal que ele procure conhecimento, estude, busque sempre estar de bem com a vida. Ter uma fé também é fundamental. Mesmo que você acredite em uma folha de árvore, se ela lhe ajuda a dar um direcionamento na vida, então é válido. Tenha fé, tenha uma religião. A cada dia tente ser melhor com os outros e consigo próprio.
ZONA SUL – E para o seu pai e irmãos, que recado você deixaria?
MICHELLE – Às vezes penso que talvez meu pai não esteja mais vivo. Eu gostaria muito de encontrá-lo, mas, se for o caso, mesmo assim tenho muita vontade de conhecer meus irmãos. Sinto um espaço dentro de mim, um vazio, que precisa ser preenchido. Tenho muita curiosidade de saber como eles são, o que gostam, onde vivem. Pode até ser que eu os conheça e nada mais aconteça. Mas também pode ocorrer o contrário: a gente ganhe uma oportunidade de se aproximar como família. Penso no meu pai e nesses meus irmãos todos os dias. Quem puder ajudar nessa busca, por favor, mande uma mensagem para michellersb@gmail.com ou mantenha contato pelo Facebook. Basta procurar por Michellersb.