terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Entrevista: BETO AVILLIS

O PÉ-DE-LÃ DO OPALA COM CHIFRES





Quem diria que o carioca e roqueiro Alberto Silva dos Santos - que aos 11 ou 12 anos tinha uma banda de rock de garagem - alcançaria o sucesso incluindo o forró e assemelhados ao seu repertório, e encarnando o personagem do até então esquecido pé-de-lã? Pois é, o homem que pisa macio e que entra e sai sem ser notado da casa do marido traído transformou-se no passaporte para Alberto Silva - que hoje é conhecido como Beto Avillis - despertar a curiosidade e conquistar o público de Natal e do restante do estado. Pelo menos por enquanto, o Rio Grande do Norte é sua fronteira. Mas Beto tem planos para conseguir entrar de mansinho também na mídia nacional. Como um autêntico pé-de-lã ele passou o ano de 2006 trabalhando para isso. É bom não duvidar que em 2007 ele vai conseguir, pois tem talento e, como bom sedutor, está louco para desfrutar da sua mais nova presa feminina: a fama. (Roberto Homem)




ZONA SUL – Beto, de Alberto, tudo bem, dá para entender facilmente. Mas, por que o Avillis, já que seu sobrenome é Silva dos Santos?
BETO – Há um tempo atrás, quando eu era adolescente, meu nome artístico era Beto Naja. Eu tocava em uma banda de rock, no Rio. Era época dos anos 80 e a gente sofria influência do Legião Urbana, e tal. O nome da banda era Ninho da Serpente. Cada músico tinha um nome de cobra: Maurício Cascavel, Ricardo Coral e Beto Naja. Eu era o líder da banda, cantava e era aquela cobra mais venenosa. Mas vim para o Nordeste, comecei a tocar aqui também, em banda baile, comecei numa banda da Cidade da Esperança, chamada Fator RH. A banda não tinha ônibus, não tinha nada, a gente ia pela rodoviária, com os instrumentos. Terminava o show e a gente esperava a lotação que vinha para Natal. Depois que sai dessa banda fui para a Marinha, em 90. E nessa época, antes de eu ir para a Marinha, eu tentei iniciar minha carreira solo. Saí da banda e passei a tocar sozinho. O Naja não casava bem com o que eu estava fazendo. Uma pessoa que tem uma agência de publicidade, conversando comigo, perguntou por que, já que eu era Silva, não colocava Silva ao contrário. Ele lembrou que tinha um cantor chamado Gonzaga Sevla. Sevla é Alves ao contrário. Achei boa a idéia botei Avlis. Mas achei meio esquisito. Para dar um charme, ficar com a cara de nome italiano, coloquei mais um L e um I. De lá para cá venho adotando o Avillis. O pessoal me chama de Alves, de Avelã, só não me chama de Avillis. Mas ta pegando.


ZONA SUL – Você nasceu no Rio de Janeiro?
BETO – Sou carioca da gema, nascido em Jacarepaguá. Meu pai é militar. A família da minha mãe é toda do Rio Grande do Norte. E meu pai, naquela andança de marinheiro, conheceu minha mãe aqui em Natal. Juntaram-se, tal, e foram morar no Rio de Janeiro. De lá para cá moramos também em Pernambuco, ainda hoje temos até uma casa lá. Sofri influência musical de lá, até meu sotaque é meio misturado. Moramos no Rio, em Pernambuco, e finalmente, em 88, viemos morar em Natal. Mamãe queria morar perto da família. Vivi no Rio até 15 anos de idade, mais ou menos. Comecei com música aos 9 anos, eu já compunha para o Ninho da Serpente. Comecei com música dos 9 para os 10 anos. Eu ganhei um teclado. Meu pai saiu da Marinha de Guerra e foi para a Marinha Mercante. Então ele viajava muito pelo mundo. Antigamente para você ter um instrumento importado era a maior complicação. Mas ele sempre trazia alguma novidade dessas viagens. E trouxe um teclado da Casio para mim. Um tecladozinho que só eu tinha. Comecei a tocar e me entusiasmei com o teclado.


ZONA SUL – Antes desse teclado você já pensava em música?
BETO – Tive uma gaita com 6 anos. Eu já tocava Asa Branca e outras músicas, sem ninguém me dizer nada. Só de ouvir eu aprendi. E a gaita é um instrumento relativamente difícil. Era uma gaitazinha Hering que eu ganhei de aniversário. Tirava muito solo nessa gaita sem ninguém me dizer nada. Eu era pequeno, ninguém sonhava que eu ia entrar nessa.


ZONA SUL – A gaita foi o motivo para você despertar para a música?
BETO – A gaita me iniciou. Mas eu tenho uma influência muito forte de uma irmã minha, que hoje não está entre nós, mas era uma pessoa que, na época que eu era criança, ela já era adolescente. Ela estudava música, estudou no Instituto Villa Lobos, no Rio. E fui estudar lá também por causa dela. Uma pessoa que me influenciou muito na música foi essa minha irmã mais velha. Na questão da irreverência ela também me influenciou. Ela montou uma banda chamada Melancia Nervosa, lá no Rio. Muito irreverente também. Eu olhando, comecei a sofrer essa influência dela também. Meu pai também era um cantor frustrado. Ele adorava cantar, e cantava muito bem. Antigamente gravava naqueles gravadores com fita. Quando ele pegava aquelas viagens, nessas viagens de navio, passa três quatro meses fora. Ele trazia fitas e mais fitas que até hoje eu tenho. Pretendo um dia masterizar, fazer um CD com a voz dele. Mamãe foi cantora da Rádio Poti. Ela participou de um concurso quando ainda era menina. Naquela época tinha aquela discriminação de os pais não deixar. Ela classificou-se para a final de um concurso de a mais bela voz, mas minha avó não deixou ela ir. Agnaldo Rayol foi e ganhou. Mamãe também é muito afinada, mas o único músico da família que se profissionalizou fui eu.


ZONA SUL – Como é o nome dos seus pais?
BETO – Meu pai José Alberto dos Santos e minha mãe Raquel Silva dos Santos.


ZONA SUL – O que você escutava na sua infância?
BETO – Eu escutava os discos dos anos 70 que era o que meu pai escutava muito. Ele gostava muito da música norte-americana e da música brasileira da época do tropicalismo. Por isso que até hoje sou fã do trabalho da Rita Lee, porque cresci escutando. Minha irmã também escutava muito. Eu também ouvia muita música internacional. No Rio de Janeiro até hoje tem isso. As pessoas ouvem muito música internacional. Ouvi muito Disco, Gloria Gaynor, e tal. Também ouvia Elvis Presley, etc


ZONA SUL – Você está com qual idade?
BETO – Três ponto cinco. Turbinado a gasolina e a GNV.


ZONA SUL – Não é total flex não... (risos) Como foi a formação do Ninho da Serpente?
BETO – Eu já tinha participado de um grupo de canto coral na escola. E já era musicalizado, de uma certa maneira. Na época do Ninho da Serpente eu já devia ter de 11 para 12 anos. Juntou aquela turminha de pré-adolescentes na mesma faixa de idade. Até hoje eu tenho contato com eles. Eu já tinha muita coisa anotada, gostava de escrever letras de música e já compunha as músicas, já criava a melodia e tudo. Comecei a me reunir com eles. A gente tinha dificuldade de não ter onde ensaiar, já que morava em prédio. Ensaiava no salão de festas, era expulso. Ensaiava na casa de um, a vizinhança reclamava. Mas a gente começou a fazer shows em colégios. Começamos a ficar conhecidos. Mas tínhamos um grande defeito: tocávamos de graça. Tocava por aquela tara, aquela vontade. Tocava pela vontade mesmo, porque gostava muito. Éramos todos crianças ainda, pré-adolescentes. Mas conseguimos muita coisa sozinhos nas escolas. Estudei por exemplo em uma escola do Rio chamada Maria Rigth, onde fizemos nosso primeiro show grande. Lembro como se fosse hoje. A gente foi a tarde, montou o som. Alugamos uma bateria. A bateria que usávamos para ensaiar foi comprada em Copacabana, um cara que tinha sido músico de Roberto Carlos, só que ele tinha uma bateria com 30 anos de uso. Toda esculhambada. Tava barata, a gente comprou. Só que não tinha chimbal. A gente pegou uma placa de estacionamento que achou na rua e botou como chimbal, que tem um timbre parecido, já que era de zinco. E o bumbo da bateria, que não tinha pele, a gente pegou uma bacia, pregou lá e deu o som parecido. Então a gente ensaiava assim. Nesse show alugamos uma bateria, um som, fizemos uma estrutura, e fomos pra casa nos arrumar. Na hora da festa, mais ou menos 18 horas, a mãe de um dos colegas, que tinha um fusquinha, foi nos buscar. Quando chegamos, a gente achava que não ia dar ninguém. Mas a escola em peso estava lá. Naquela época qualquer showzinho era novidade, ainda mais em uma escola que nunca tinha sediado um show, uma banda tocando ao vivo. A gente pediu pra mãe do amigo pra voltar, a gente estava com medo. Não queria mais tocar. Pra gente descer do carro foi um sacrifício. Quando o fusquinha parou todo mundo cercou o carro. E a gente desceu começando a se achar astros de Hollywood. Mas a gente foi para o palco, começamos a tocar, improvisamos muita coisa mas foi um show excepcional. Foi o primeiro show que eu fiz de verdade. Deveria ter uns 13 anos, nessa época.


ZONA SUL – Até quando essa banda durou?
BETO – Até eu vir para Natal. Meus pais vieram para Natal, eu tive que vir também. Isso em 1988. Papai já era aposentado da Marinha de Guerra. Ele veio pra Natal porque queria morar em um lugar tranqüilo, tinha se apaixonado por Ponta Negra. Aquela coisa, a pessoa vem, olha esse mar... Ele comprou uma casa, reformou e veio morar. Ele ficou até um pouco assim antes de mudar sabendo das dificuldades de sair de uma cidade grande para uma menor, principalmente para os filhos que estão em desenvolvimento e sentem um impacto grande. Lá você ta no Rio, uma cidade muito mais desenvolvida, mais escolas, mais cursos, e em 88 Natal ainda era muito atrasada. Agora não, virou uma metrópole. Mas naquela época não tinha nem TV local. A televisão que a gente assistia era a Globo Recife. Ponta Negra mal pegava TV, tinha que usar amplimatic. No Rio a gente morava na Tijuca, praticamente perto da Barra da Tijuca, bairro super-adiantado. A gente veio para cá e sentiu o impacto. Mas pra mim foi o melhor que poderia ter acontecido, vir pra Natal. O adolescente no Rio de Janeiro, não sei se ainda é assim, fica muito preso dentro do condomínio. Você não vê o mundo lá fora. Sua brincadeira é no playground. Aqui eu me soltei. Ia para a praia, surfava, passava o dia lá. Foi outro mundo pra mim. Quando cheguei aqui senti um pouco o impacto porque eu não consegui continuar com a música. Passei um tempo afastado dela porque não tinha uma escola de música, só tinha o Frederic Chopin, que era na cidade. Não tinha ninguém para tocar. Nenhum dos colegas da rua tocava nada. Fiquei uns seis meses deslocado. Até que uma pessoa de uma escola que eu estudava conhecia uma banda na Cidade da Esperança que precisava de um tecladista. Fui pra lá. Era uma banda baile, tipo Os Impossíveis, o Sui Generis, com quem toquei também. Saí com muita pena do Ninho da Serpente. Acho que se tivesse continuado teria chegado a algum lugar. Estávamos pegando a influência daquelas bandas que estavam começando, como o Capital Inicial e outras bandas de pop rock da época. Legião Urbana estava estourando... A gente assistia eles no Alto da Boa Vista, lá tinha uns locais, um palco pequeno, a gente via show do Legião, do Lulu Santos. Minha irmã ia muito. Como eu era muito novo, não podia ir, mas as vezes quando meu pai ia deixar ela, eu espiava, tentava ver alguma coisa.


ZONA SUL – Como era o nome dessa banda da Cidade da Esperança?
BETO – Era Fator RH. Eu passei uns dois anos com eles. Eu era um músico de um estilo diferente, era roqueiro, tocava rock em banda de garagem. Estava acostumado a tocar cover do Iron Maiden. Tocava Legião, tocava as nossas músicas... Era totalmente diferente. Eu cheguei em Natal, fui em uma boate, e tavam tocando forró na boate. Quem chega de fora e vê acho que até hoje sente o impacto. Mas eu pensei, se quiser continuar na música, vou ter que seguir aquele ditado de que se você não pode com ele, junte-se a eles. Fui participar dessa banda baile com o intuito de pegar uma estrada, aprender, entrar numa banda profissional mesmo. Nessa banda eu fiz muito show. Viajei muitas cidades. Andei em cima de carro de carregar boi porque a banda não tinha caminhão, não tinha ônibus, não tinha nada, e alugava. No Fator RH eu tinha 15 para 16 anos. Fiquei na Fator RH até entrar na Marinha, com 17 anos.


ZONA SUL – Você entrou na Marinha para servir às Forças Armadas ou para seguir carreira?
BETO – Como papai era militar, fiz o concurso de aprendiz de marinheiro, para ir pra Fortaleza. Passei, fiz psicoteste, já estava pronto para ir embora. Meu pai falava muito em uma banda de baile que tinha lá, que eu ia participar dessa banda que tinha no Rio. Banda da Marinha. Mas na época houve um problema em Natal, que não sei qual, que todo mundo de Natal foi dispensado. A gente já estava de mala feita, chegou um telex dizendo que ninguém mais de Natal ia. Meu pai na época estava viajando e não pode agilizar nada. E ficou assim. Pra não ficar com o tempo perdido, fui servir mesmo como marinheiro aluno da Base Naval. Foi bom servir porque aprendi muita coisa. Nessa época eu já dava aula de teclado. Um ano depois que cheguei em Natal, em 89, comecei a dar aula de teclado em Ponta Negra. Botei uma escola chamada Van Beethoven. Não existia escola de teclado aqui, até porque teclado era uma novidade. Teclado portátil estava começando ainda. Antes só tinha os Palmers, os teclados grandes. Como eu já tinha experiência, comecei a dar aula de teclado. A escola era na casa da minha mãe. Começou a dar um aluno, dois, três... Já fiz um quarto no quintal de casa pra ficar isolado lá. Chegou ao ponto de eu ter 60 alunos, só moradores do conjunto Ponta Negra. Até hoje encontro com alunos daquela época. Tem um que foi presidente da Associação. Era um senhor ruivo. Eu com 17 anos já tinha minha própria grana, não pedia mais ao meu pai. Com 18 eu já tinha dinheiro e comprei meu carro, já com a música. Eu usava o método do professor Mário Mascarenhas, os alunos gostavam. Depois, em 90, fui para a Marinha. Fiquei lá e dando aula na escola. Mas depois de algum tempo não deu certo conciliar os dois trabalhos e tive que ficar só na Marinha. Comecei a dar aulas para suboficiais e sargentos para conseguir espaçozinho pra sair mais cedo, chegar mais tarde, escapar de alguns serviços... Eu dava aula pra colegas em troca de serviço, comecei a estudar violão também. Dava uma aulinha de violão, fui me virando na Marinha. Acho que fui o único marinheiro que fez um show dentro do 3º Distrito Naval. Eu estava de serviço um dia, mas com o equipamento dentro do carro, que eu ia tocar no dia seguinte. Apesar de estar na Marinha, eu continuava tocando nas festas normalmente. Na hora em que a gente fica de serviço, na Marinha, só fica o pessoal que está de serviço. Só homem. Hoje em dia acho que já tem mulher no quadro. A gente fica a noite toda lá, não pode ir pra rua. Eu trabalhava, nessa época, no rancho. Pedi ao tenente pra testar o som, no rancho. Ele permitiu, desde que eu testasse baixinho. Quando eu liguei o som, o teclado e o microfone, o tenente achou bom. “Marinheiro, toque uma musiquinha aí, um forró”. Aí foi juntando gente, de repente os marinheiros tavam lá dançando, uns com os outros. Virou uma festa. A gente que era pra fechar o rancho às 9, fechamos de meia-noite. Arrumaram uma bebida, uma coisa e fizemos uma farra lá. Tenho boas recordações da Marinha.


ZONA SUL – Como ocorreu a virada no seu repertório? Como você deixou de tocar rock, pop e blues para se dedicar ao forró?
BETO – O forró, porque aqui no Nordeste se você quiser realmente viver de música você tem que tocar o regional. E eu gosto de tocar o regional. O forró é um ritmo, claro que sofreu muitas influências e ramificou demais. Hoje tem vários tipos de forró que você nem sabe. Até o reggae virou forró. Misturaram o reggae com o forró. A suingueira virou forró. Hoje já descobriram isso e implantaram aqui. Mas adoro tocar forró pela técnica do forró, porque é difícil de tocar. Principalmente para o teclado, porque originalmente o forró é tocado na sanfona. Por isso eu tive que aprender a tocar sanfona para melhorar minha técnica no teclado. Hoje em dia eu dou aula de sanfona e tudo, mas antes da sanfona era mais complicado para eu trabalhar no teclado porque o forró é muito rápido, dependendo do forró, e é muita nota e trabalha a escala muito bem trabalhada. Então você tocar forró eu tenho um prazer imenso. Não sou bom dançarino, danço mais ou menos, mas eu gosto do forró. Agora, quando estou para ouvir música mesmo gosto de ouvir uma música tranqüila, uma MPB, um Led Zeppelin, uma música mais trabalhada. Gosto muito de uma música mais técnica, mas eu não posso ainda trabalhar uma música que eu gostaria pelo mercado. Se você for trabalhar uma linguagem muito técnica, não vai atingir uma gama muito grande de público e eu como vivo 100% da música não vou conseguir ter espaço para trabalhar. Se começar a trabalhar com muitos acordes dissonantes, com músicas muito trabalhadas, que é o que eu gosto de estudar. Estudo a música harmonicamente, mas infelizmente fazendo uma música de três acordes melodiosamente boa, você consegue trabalhar.


ZONA SUL – Você sempre viveu de música ou teve outra profissão?
BETO – A única profissão que eu tive foi a de marinheiro, mas minha carteira está lá, lisinha, nunca tive carteira assinada, nunca trabalhei pra ninguém, sempre fui autônomo. Sendo que, além de ser músico, eu sempre tive um feeling muito pra área comercial e pro marketing. Eu sempre tive uma queda muito forte pro marketing dentro de mim mesmo. Acho que se não fosse músico eu seria publicitário ou seria administrador. São outras coisas que falam alto dentro de mim, além da parte da eletrônica que eu gosto muito. Desde moleque eu me trancava no quarto e desmontava a enceradeira da minha mãe, os rádios... Lá em casa não sobrava nada. Eu gostava de criar. Tanto é que quando estudei na Apec, quando cheguei aqui, em 88...


ZONA SUL – Você chegou a se formar em alguma coisa?
BETO – Eu fiz vários cursos técnicos na área musical. Pra concluir mesmo e pegar o canudo de nível superior, estou concluindo Música na UFRN, até pra poder ser mais aceito no mercado acho que a formação é mais importante. Mas a parte da eletrônica que eu estudava quando era adolescente. Na verdade fui ser músico de 88 pra cá. No Rio de Janeiro era mais uma curtição de colegas. Tocava ali, uma banda de garagem. Eu até disse um dia a um amigo, naquela época, que nunca seria músico. Esse mesmo amigo depois me cobrou porque hoje vivo de música.


ZONA SUL – Quando e como você resolveu colocar a pitada da irreverência no seu trabalho?
BETO – Eu sempre fui muito irreverente. Tanto é que muita gente estranha mas eu não bebo. Não bebo uma gota de álcool. Acho que bebi muito em outra vida. Se eu beber um copo de cerveja eu fico enjoado. Não consigo, parece que tomei uma grade inteira. Já tento não me aproximar muito da bebida porque sei que ela destruiu a carreira de muito artista. Tenho bebida grátis em vários locais, vários empresários, donos de restaurante que me conhecem me convidam pra tomar uma. Às vezes tomo uma pra não ficar tão anti-social. Mas chego no palco entro, falo com o público. Sempre tive essa facilidade. Na sala de aula era eu quem apresentava os trabalhos de grupo. Nunca tive vergonha. Você tem que ter cara de pau, chegar e falar com o pai da namorada. Levava um fora, mas não tinha problema não. Eu sabia que ele não ia me matar. Apesar de que um dia quase um me mata mesmo. Mas a irreverência era uma coisa que eu tinha vontade há muito tempo e estava esperando o momento certo, que o mercado abrisse as portas pra que eu pudesse fazer um trabalho diferente. Na verdade, se a gente ... Uma coisa que eu não gosto de fazer, e a gente peca muito aqui no Brasil de uma forma geral, é copiar algo que já existe. Nunca gostei de copiar. Se eu olhasse para alguém fazendo algo, olhava, aprendia, mas tentava fazer diferente, de uma maneira melhor. Nunca gostei de ver o cara fazendo e eu repetir igualzinho. A questão de eu tocar, por exemplo, o homem banda... Em 91, quando saí da Marinha, fui tocar por aí, fazer minhas festas, mas eu não me sentia bem sentado num bar, tocando. Me incomodava ficar sentado num bar, o pessoal bebendo, eu tocando teclado e o pessoal mandando papel pedindo música. Vi que não era isso que eu queria. Comecei a viajar pelo interior e percebi que eu poderia fazer um trabalho mais completo. Como eu tinha a experiência da banda baile, de banda de rock, comecei a tocar rock no teclado. Incluí no meu repertório músicas de Legião Urbana, e bandas similares, coisa que ninguém fazia na época. Naquele tempo você ouvia MPB e seresta no teclado. Não ouvia ninguém tocando rock mesmo no teclado, com som de guitarra, distorção e tudo. Eu liguei um pedal de distorção no teclado e deu certo. Deu certo. Tive que comprar outro teclado para fazer outro tipo de som. Quando fui ver eu já tinha cinco teclados para fazer o som que eu queria, isso em 91 ou 92. Comecei a fazer festa no interior. Alugava som grande como se fosse uma banda. O pessoal começou a gostar. Eu ia para uma festa, quando chegava na cidade, perguntavam pela bateria, pelos outros instrumentos. Quando eu começava a tocar eles comentavam, “pô, o cara está tocando aquela música que só tais bandas tocam...”. Uma vez eu estava andando na minha Fiorino baú, bem velhinha, de vez em quando caía o para-choques. Nessa época ainda não se adesivava carro. O nome dela era Fifi, da Fiorinho. Fifi quando começava a dar defeito, eu passava a mão no painel e prometia: “Fifi, quando a gente voltar pra Natal eu lavo você”. E ela voltava a funcionar. Mas eu viajava com Fifi no interior com dois meninos para ajudar. Eu rodava o interior, fui muito para a região do Mato Grande, para Brejinho... Conquistei um público cativo. Eu fazia o baile nos teclados. Naquela época quem tocava teclado era chamado de seresteiro, quando acontecia isso comigo eu ficava P da vida. “Seresteiro não”. Eles viam o teclado, e por ignorar que o instrumento podia fazer outras coisas, achava que a festa seria uma seresta. Quanto mais de seresteiro me chamavam mais eu pensava em qual rock mais pesado eu tocaria logo no começo da festa. A música mais tronxa pra começar. O que malhava, quando ouvia, corria para o clube pra dançar. A partir disso, a meninada passou a me reconhecer na rua “olha, aquele cara que faz a banda... O homem banda, o homem banda”. Eu escutei e gostei. Botei o slogan de o homem banda desde 1991. A criançada do interior, o pessoal, começou até a surgir fã clube. E na época eu não tinha base para o sucesso ainda. As vezes o sucesso vem e você não está preparado pra ele. Eu comecei a me desorganizar, tive uma úlcera duodenal braba. E olha que eu não bebia. Só do stress da época, do corre-corre, da confusão. Sofri muito também, ficar com carro quebrado no meio da estrada. Ou chegar na festa, montar tudo e não aparecer ninguém no clube. Você voltar de lá frustrado porque não deu nada. Você chegar numa cidade do interior e não ver ninguém na cidade, uma cidade fantasma, e o contratante dizer daqui a pouco aparece todo mundo. E não aparece ninguém. Levei carreira de um marido ciumento numa festa dessa também. Fui juntando muita coisa nesses anos e...


ZONA SUL – Você tem um Opala com um par de chifres na frente. O nome do seu último CD é Cuidado com o Pé de Lã... Isso se deve a um chifre que você levou?
BETO – Chifre é uma coisa que a gente não pode dizer que nunca levou porque todos nós já levamos pelo menos uma gaiazinha na vida. Mas no meu caso, o que motivou a colocar um par de chifres no Opala e gravar o CD foi o seguinte. Esse Opala era o xodó do meu pai. Ele está lá em casa desde 1974. Meu pai comprou zero na época. Ele é todo original, eu revisei tudo, coloquei ar-condicionado, trava-elétrica, está pronto pra viajar pra qualquer lugar. Tem boate, tem tudo. Como meu pai gostava muito desse carro, no condomínio que a gente morava no Rio todo mundo tinha carro novo. E só meu pai tinha aquele Opala. Ele tinha condições de comprar um carro novo, mas não queria. Depois que ele morreu fui descobrir o porque de ele gostar tanto do carro. Ele morreu em 98. Passou aí 4 anos parado. E eu sonhava muito com meu pai. Antes dele morrer a gente conversava muito sobre pra onde ia depois de morrer, a gente tinha muito essa conversa. Ele até brincava comigo dizendo que tinha vindo de um planeta chamado Clarion. Ele era muito brincalhão. Num sonho ele falou: “por que você não usa meu carro no seu CD?”. Eu não entendi como eu ia usar o carro no CD. Nessa época eu estava com a idéia de gravar o CD, já. Demorei muito para gravar CD. Fui gravar há pouco tempo. Eu não queria gravar um CD qualquer, começou a prostituir demais. Todo mundo passou a gravar, gravar. Eu pensei que se eu gravasse ficaria com aquele CD na mão sem ter o que fazer. Eu queria ter algum resultado. Aproveitei o tempo para me organizar, fui investindo e montando meu próprio estúdio, profissionalizei tudo para fazer o CD do jeito que eu queria. Eu fui a vários estúdios e ninguém entendia o que eu queria. Eu explicava que queria gravar meus teclados como se fosse uma banda, eu queria tudo separado. Os caras achavam que era só ligar L e R e gravar direto. Eu não queria assim. Queria tudo separado, a bateria, o baixo, tudo. Eu quero pelo menos 16 a 24 canais. Mas eles respondiam que, como era teclado, tinha que ligar tudo junto. Nenhuma pessoa de estúdio entendia. Tanto é que meu CD que gravei no meu estúdio é tudo separado. Bateria, baixo, guitarra, vozes... Separei tudo. Mixei tudo separado, como uma banda mesmo, para dar mais realidade ao trabalho. Aí o carro, meu pai falava muito desse carro nos sonhos. Num condomínio que eu conheço, que tem aqueles porteiros que vivem fazendo aquelas fofocas, eu tava conversando com ele e ele falou pra mim. “Ta vendo aquele carro que ta saindo ali? Aquele ali é o pé-de-lã. O compositor capta as coisas no ar. Você vê e capta. Eu perguntei o que era pé de lã. Ele explicou: “o que bota gaia”. Ah, o Ricardão... No Rio chama de Ricardão. O pé de lã é um termo que de um tempo pra cá estava meio esquecido. O pessoal não falava mais em pé de lã. Tava um tanto morto. Chamava de corno, mas não falava no pé de lã. E as músicas falavam de corno. Corno isso, corno aquilo. Falcão gravou o corno, banda tal o corno, mas ninguém nunca falava do pé de lã. O porteiro me contou que todo dia que o marido da mulher saía pra trabalhar, ele saia 6 e meia em ponto. 6h35 o cara passava pela portaria. 5 e meia o pé de lã ia embora, e o marido chegava as 6. Eles saiam pra praia, pra todo canto. O porteiro procurou saber e ouviu falar que o pé de lã era o irmão dela. A mulher do porteiro fazia faxina em vários apartamentos do condomínio. Mas que irmão é esse? Eu vejo minha irmã uma vez por mês e olhe lá. História muito mal contada, o cara ir todo dia pegar a irmã pra sair, pra ir pra praia, pra shopping. A história era essa. O marido deve ter ouvido algum comentário e ela justificou que era o irmão. Fui com essa idéia na cabeça pra casa...


ZONA SUL – Só a idéia na cabeça, pois o marido andava era com outra coisa, né?
BETO - Sim. Eu quis investigar mais a história. Fui na hora que o porteiro falou e constatei que tinha mesmo aquele carro branco chegando logo depois que o marido da mulher saía. Passei uma semana observando. Vendo o movimento. E o marido dela é baixinho, careca, buchudo. O suposto pé de lã é algo, boa pinta, novo e tal. Eu fui pro estúdio, tava com uma melodia na cabeça já. Quando a música vem, se você não gravar logo, perde. Aí veio a música, a melodia. Corri pro estúdio e comecei a preparar a letra também. “Você que tem mulher / Olhe bem, tome cuidado / Feche portas e janelas / Tranque bem os cadeados / Pé de lã é curioso, pé de lã é perigoso / Se der bobeira ele foge, foge, foge com tua mulher”. Peguei essa primeira parte da música e comecei a fazer. Nesse dia eu estava tão inspirado que fiz quatro músicas inspiradas nesse tema. Então surgiu assim a brilhante idéia do CD. Até então o carro estava de fora. Mas pensei que se chamasse o CD só de Pé de lã ficaria pouco agressivo. Surgiu a idéia do Cuidado com o pé de lã. A música é pra pessoa se prevenir. A segunda parte da música fiquei imaginando o que o pé de lã fazia no apartamento do cara. “Tem um amigo meu que trabalha o dia inteiro / Assim que ele sai, pé de lã chega faceiro / Come, bebe, se aproveita até do teu dinheiro / Deita na tua cama, toma banho em teu banheiro”. Então lembrei que papai queria que eu usasse o carro. Tirei uma foto para a contracapa do CD sentado no carro. Ele já pintado de vermelho, mas sem a caracterização que tem hoje. Mas comecei a estudar o pé de lã. Comecei a imaginar aquele cara com chapéu, sapato legal, calça estilo anos 30. Aquele cara todo estilizado e ele precisava de um carro antigo estilizado pra poder representá-lo. Um dia, no condomínio, deu uma doida em mim e comecei a desmontar o carro todinho. Tirei os bancos, mexi daqui e dali, comecei a ter as idéias de ornamentação do carro. O carro do pé de lã precisa disso e daquilo. A idéia inicial era ter um pé estilizado em cima do capô. Depois pensei que como o pé de lã bota gaia, bota chifre, eu decidir botar um chifre no carro. Botei na cabeça que queria um chifre, mas aqui em Natal não tinha chifre...


ZONA SUL – Não é possível... Mas o que você fez? Foi procurar um em Ceará Mirim?
BETO – Fui em Ceará Mirim e não tinha também, tava tudo escondido. (risos) Procurei chifre, mas só achei aqueles catoquinhos de chifre. Eu queria um chifre grande. Rodei, rodei até que um amigo meu que mexia com venda de roupa de vaqueiro, tem uma loja na cidade, disse ia me arrumar um par de chifres torando. Ele conseguiu esse chifre dizendo que veio lá do Sul. De uma raça que tem por lá que o chifre é grande e pra trás. Procurei um torneiro mecânico para fazer uma peça que permitisse que o chifre fosse removido do carro quando eu quisesse. Fui ornamentando o carro por dentro. Pensei no pé de lã também como um freqüentador de cabaré. O pé de lã, como gosta muito de mulher, quando não está com a mulher dos outros está no cabaré. Então resolvi fazer um cabaré dentro do carro. Coloquei um globo de espelhos, jogo de luz, os bancos tem pelúcia, tem bichos de pelúcia, em tudo que é canto tem camisinha, tem frigobar, ar-condicionado, tem calcinha espalhada. Comecei a entrevistar pé de lã, a conversar com os caras que se diziam pé de lã. Um me disse que gostava de colecionar calcinhas das mulheres casadas com quem se relacionava. Era pra quando encontrasse o marido dela pensar: “olha, tenho a calcinha da tua mulher e tu nem sabes”. Comecei a guardar calcinhas no carro. Calcinha na direção, em todo canto. Não fiz ainda o show do pé de lã mesmo, mas só nesse rebuliço do carro, saíram matérias, a TV local cobriu bem. AS meninas, no meu show, passaram a jogar calcinhas para mim. Quando joga a calcinha, eu coloco dentro do carro. A última que recebi está na direção, no volante do carro. Começaram a jogar bicho de pelúcia também. Eu boto dentro do carro. Tem uma perereca vestida com uma calcinha que o nome dela é Xaninha, tem uma cobra grande colorida, a Tchuca-Tchuca...


ZONA SUL – A cobra não avança na perereca?
BETO – As duas ficam juntas. A cobra de olho na perereca. Tem o urso, porque o pé de lã é chamado também de urso. Na frente do carro eu pus um sistema de maquina de fumaça. Funciona a 12 volts. Aciono ela dentro do carro. Tem uma buzina com 46 sons, tem som de tudo que é animal que você imaginar. Tudo que é fuleiragem tem nessa buzina. Se passa uma mulher bonita na rua eu aciono a buzina do assovio, ela fica procurando de onde veio. Criei uma máquina pro carro, chamada máquina detectora de pé de lã. Minha mãe tinha umas perucas em casa, que eram da minha irmã, que mexia com teatro, ela me deu e botei no carro. Tinha um blazer marrom, cor de burro quando foge, que ganhei e nunca usei, aquelas ombreiras, a coisa mais ridícula do mundo, enfeitei ele e coloquei no carro. O carro virou um símbolo do marketing do CD. Estou mandando fazer uma réplica do carro em fibra de vidro pra ficar em cima do palco, nos shows. Criei um palco novo que é giratório. O show do pé de lã estou deixando com uma cara de show mesmo. A fuleiragem do carro tive que passar pro palco também. Não podia o carro todo cheio de fuleiragem e o palco sem. Contratei um cabra que trabalha com decoração de teatro. Disse que queria afrescalhar o palco, botar fuleiragem no palco. Disse que queria uma cama de casal no palco pras dançarinas dançarem em cima de babydoll e cinta-liga. Não vão dançar como dançarina de banda normal, vão dançar em cima da cama de casal. Já mandei fazer a cama. Vou botar lençol e travesseiro bem extravagante de seda vermelha com dourado e uns almofadões prata com dourado. Ornamentei todo o palco, que hoje é um quarto.


ZONA SUL – Você canta apenas suas músicas no show?
BETO – Não. O show é o seguinte. Hoje em dia eu pesquiso muito. Vou muito a shows e vejo o que o pessoal gosta e o que não gosta. Eu toco músicas atuais também, mas vejo que o que o pessoal mais gosta é das músicas das décadas de 80 e 90. Por exemplo, no show, o forró brega é essencial eu tocar. Toco mesmo, o pessoal gosta. Alípio Martins, José Orlando, Borba de Paula. Toco em ritmo de forró brega, animado mesmo. E toco as minhas músicas, alguma coisa atual e gosto muito de fazer fusão. Gosto muito também de fazer versões diferentes. Pegar uma música que tem um ritmo, um estilo, e transformo em outro. Esse fim de ano fiz uns 30 shows só pra empresas diversificadas. Fiz muito show fechado. Eu pude testar o formato do novo show, pra dar uma cara a ele. Não fiz o show do pé de lã ainda porque era festa particular de empresa. Mas caracterizei com algumas coisas que quero fazer com o show do pé de lã. A receptividade foi positivíssima, o pessoal gostou muito, dançou muito. Quando é uma festa particular, o repertório eu diversifico mais, toco Bee Gees, toco algo dance. O repertório ganha uma cara diferente. Toco axé também. Quando é festa particular faço bem dançante, vario bastante o ritmo. Meu negócio é ver o pessoal pulando.


ZONA SUL – Houve um entrevero entre você e um crente lá no Grande Ponto. Como foi a história?
BETO – Foi lá na João Pessoa. Entrevista que fui dar para a TV Ponta Negra, que seria veiculada no Programa do Ratinho. Eu estava em frente a C&A. Faço um pocket show, um mini show, no carro. Boto o pessoal pra tirar foto com o chifre, pergunto se tem alguém ali que assume ser pé de lã, e as meninas, as promogatas, vendendo CD e tudo. O carro é pra divulgar e vender CD. Tenho vendido cada disco por 5 reais, preço popular pro cara comprar mesmo. O pirata é 3 reais, hoje em dia. O meu você compra na mão do próprio artista e autografado. A gente vende em média, em cada paradinha dessa, de 30 a 50 CDs. Cada parada de meia hora que a gente faz. Mandei fazer mil cópias do CD original, vendeu rápido. Desse ao vivo acho que já vendi umas 3 mil cópias. Toda hora tou comprando de 500, faço tudo no meu próprio estúdio mesmo. Nesse dia do crente, eu parei em frente a C&A e teve um problema lá do carro ficar em cima da calçada. Eu sempre que vou fazer um show desse paro em cima da calçada, eu abro as portas do carro e fica o pessoal tirando foto e tudo. É um atrativo a mais. Fui para frente da loja Rabelo. O pessoal de lá autorizou. Hora, eles iam aparecer de graça na TV, iam achar ruim? O crente parou em frente à C&A, abriu a mala, um sonzão tocando. E todo mundo em volta de mim e ninguém em volta do crente. Quando eu paro o carro as pessoas cercam mesmo. O carro já é irreverente. Quando para o carro todo mundo já cerca, e nessa época que eu parei, eu já tinha aparecido na TV Cabugi, que é a Globo de Natal. Então muita gente já começou a comentar, tem o carro do chifre que o cara para na rua, e tal. Quando parei lá já tinha o público certo, que o pessoal vê televisão. A TV filmando aí é que chega mesmo. E o crente, revoltado. Na hora de eu sair, cadê o carro pegar? O crente jogou uma mandinga que o carro nada de pegar. O mecânico depois falou que esse Opala o motor dele não é estacionário, não é pra ficar com ele ligado parado. Tem que ligar e andar, porque senão ele esquenta demais. A hélice é no próprio motor. Ele não tem aquela ventoinha elétrica. Agora ele tem porque eu botei o ar-condicionado. Mas naquela época não. E eu tinha que deixar ele ligado pra não descarregar a bateria, já que tinha som ligado, jogo de luz, máquina de fumaça, microfone sem fio, tudo puxando na bateria. Só com a máquina de fumaça ligada, demora 3 minutos pra descarregar a bateria. Se eu ligar ela, desligar o carro, em 3 minutos come a bateria. Um dia, eu fazendo a apresentação, o pessoal entretido, o carro estava no gás, morreu. Eu não vi que tinha morrido. O som rolando, a fuleiragem, a fumaça. Na hora de eu ir embora, a bateria nem acendia a luz do painel. Eu pensando, num show desse, filmar e sair daqui empurrando o carro, é uma malhação. O pessoal já tem preconceito porque o carro é velho. Mas ta bem conservado.


ZONA SUL – Você nunca pensou em inscrever o Opala no programa de Luciano Huck?
BETO – O Lata Velha, esse ano, eu tava me organizando. Consegui esse ano na verdade eu tava reunindo material de mídia pra poder trabalhar em cima dele. Essa entrevista pro Zona Sul será muito importante pra isso. Tenho gravadas as reportagens da TV Cabugi, da Ponta Negra, tudo o que saiu nos jornais. O Diário de Natal me deu uma página inteira. E pediu exclusividade, na época. O negócio começou a crescer.


ZONA SUL – O que você está planejando para agora?
BETO – O ano passado foi a parte que tentei trabalhar o marketing pra poder aparecer e as pessoas soubessem quem eu era. Consegui bastante espaço. Antes, eu era mais um músico que tocava na noite. Agora esse ano tenho que cair em campo. Minha idéia é ir pra mídia nacional mesmo. Vou batalhar uma ida a Jô Soares. Meu trabalho é irreverente, e acredito que... Eu pretendo mandar material pra lá. Quero ir como artista norte-rio-grandense. Apesar de dizerem que não damos valor ao que é nosso, mas é porque muita gente que vai pra fora esquece que é potiguar. Meu trabalho é um trabalho que não tou agredindo ninguém. Tou brincando com uma coisa que ninguém brincou. Com o outro lado. O pessoal brincava com o corno. Acho que machuca mais brincar com o corno do que com o pé de lã.


ZONA SUL – Aconselhe o leitor como fazer para se precaver do pé de lã.
BETO – No fim de semana, quando ela disser, eu quero sair. Você sai com ela. Quando ela disser, eu quero um presente. Vá lá e compre. Quando disser que quer viajar, vá e viaje. Por que senão o pé de lã faz tudo isso. E ele faz ainda mais com seu dinheiro, não é nem com o dinheiro dele. Quando sua mulher pedir um negócio pra você, cumpra e faça. Pois se não fizer, o pé de lã faz.