quarta-feira, 14 de novembro de 2007

ENTREVISTA: SEBASTIÃO VICENTE

O PROFISSIONAL DAS PALAVRAS


Sebastião Vicente trabalhou nos principais veículos de comunicação de Natal. Também teve uma passagem pelo ramo da publicidade. Em Brasília atuou em jornal e televisão. Depois de enveredar pelos textos para teatro, atualmente Tião está na TV Câmara, onde, provavelmente, vai aquietar um pouco. Ou não? Difícil prever. Porém, em sua vida de inquietações e busca por desafios, uma coisa é certa: ele continuará se valendo das palavras para tocar sua vida em frente. (Roberto Homem)



ZONA SUL – Como é mesmo seu nome completo?
TIÃO – Sebastião Vicente dos Santos. Nasci em Caicó, mas só nasci...

ZONA SUL – Como assim?
TIÃO – Quando eu estava para nascer, minha mãe foi de Parelhas para lá. Um tio meu, que era militar, morava lá. Minha mãe precisava fazer uma cesária e optou por Caicó. Nasci e voltei para casa.

ZONA SUL – Do que você recorda da época em que morou em Parelhas?
TIÃO – Foi um período completamente diferente da infância que os meus meninos têm hoje, por exemplo. Não há comparação. A realidade deles é muito diferente da que eu tive. Meu pai era feirante; minha mãe, dona de casa. Morávamos na periferia da cidade, em uma rua que não tinha calçamento. Até hoje não tem. Não tinha televisão em casa, nem bicicleta. Demorou anos para ter televisão em minha casa. No mundo de hoje, tudo está à mão, está fácil. Pelo menos para a gente. Em compensação, a gente aproveitava muito mais o que tinha. Parece que as coisas duravam mais. Como diz uma música da qual não lembro o autor: “vivíamos anos intermináveis”.


ZONA SUL – Os interesses e as brincadeiras das crianças naquela época também eram outros... TIÃO – É verdade. Mesmo quando chegou televisão, nós tínhamos outras brincadeiras. Era outro mundo. Não dá para comparar.

ZONA SUL – Como foi sua primeira saída de casa, aos 15 anos, para estudar em Jundiaí?
TIÃO – Jundiaí era quase um regulamento, um estatuto, uma coisa prevista. Todo ano um monte de gente, ao terminar o primeiro grau, participava do processo seletivo para a escola de lá. Era quase um vestibular. Ou você ia para Jundiaí ou fazia um segundo grau não muito bom em Parelhas mesmo. O ensino da Escola Agrícola era melhor que o das outras escolas públicas. Havia uma história de que o aluno saía empregado da escola, mas era lenda. Era uma escola técnica, mas, na verdade, a maioria ia para lá em busca de um segundo grau melhor para fazer vestibular. O interior do estado inteiro mandava aluno.


ZONA SUL – Por que você escolheu Recife para prestar vestibular?
TIÃO – Apesar de ter parentes em Natal, eu não tinha muito contato com eles. Optei por Recife porque um amigo de Parelhas tinha mudado pra lá cinco anos antes. Eu já tinha ido passar férias por lá. Mas, na verdade, eu não tinha muita expectativa de passar. Passei para o curso de jornalismo, na Universidade Católica.

ZONA SUL – Por que jornalismo?
TIÃO – Pelo motivo mais óbvio: eu gostava de ler livros, revistas e de escrever. Jornalismo era o que mais combinava com isso.


ZONA SUL – Recife foi sua primeira experiência em cidade grande?
TIÃO – Foi. Eu passei no vestibular e fui cursar. Mas tinha um problema: a universidade era particular e a mensalidade era cara. Custava 70 e alguma coisa, não lembro qual moeda era. Mas 70 era muito caro. Fui morar em uma pensão. Junto com esses 70, tinha que pagar mais 30 da pensão. E meu pai não tinha dinheiro para isso. Depois descobri que meu pai pedia dinheiro emprestado ao prefeito. Com 18 anos, eu não tinha muito controle dessas coisas. Quando percebi que, pelo lado financeiro, era inviável eu continuar estudando em Recife, tranquei a matrícula. Estudei um ano e fui tentar transferência para Natal. Por sorte, consegui. Quando tranquei a matrícula, ainda sem ter a certeza de que conseguiria a transferência para Natal, vivi um período de insegurança. De dezembro a fevereiro, fiquei naquela dúvida. Se não saísse a transferência, eu teria que fazer um novo vestibular em Natal, pois já estava com a cabeça completamente contaminada pelas idéias da universidade.

ZONA SUL – Você tentou a UFRN por lá não se cobrar mensalidade?
TIÃO – E também por que lá tinha a Residência Universitária! De uma só vez acabaram as despesas com faculdade e hospedagem. E ainda ganhei uma bolsa, porque eu ocupava uma das diretorias da Residência. A bolsa era de 70 e alguma coisa. Não era tanto quanto os 70 e alguma coisa do ano anterior, já que naquela época a inflação era alta. Mas me deu tranqüilidade. Livrei-me daquele peso de saber que estava provocando uma despesa que meu pai não tinha dinheiro para arcar. Então, pude estudar. Com a transferência, fiquei desnivelado. Tinha aula junto com turmas do primeiro e do terceiro nível.


ZONA SUL – Como foi morar em residência universitária?
TIÃO - A Residência era ótima, a experiência foi fabulosa. Se continuar a mesma coisa, recomendo. Foi relativamente fácil conseguir. Convivi com pessoas de vários cursos diferentes. Morei no célebre apartamento 11, da Residência 1, do Campus. Tinha aluno de medicina, cooperativismo, farmácia... A cultura era de estudar muito. Quem estudava menos era eu, já que fazia jornalismo. No jornalismo o estudo é de outra maneira. Não precisa ficar dia e noite naqueles livros. O estudo da gente é diferente.

ZONA SUL – Onde foi seu primeiro emprego?
TIÃO – Surgiu em decorrência de uma experiência em Caicó. Resolvido o problema da mensalidade e da estrutura, comecei a sentir vontade de trabalhar. Queria praticar o jornalismo. A preocupação não era ganhar dinheiro, mas atuar na área. Em determinado período de férias, resolvi, em vez de passar um mês em Parelhas, ir para Caicó, onde eu tinha um tio. Fui até a emissora de rádio Voz do Seridó, AM, e perguntei se me aceitavam por um mês, ajudando no setor de jornalismo. Fui na cara e na coragem. Eles aceitaram. Nem ficaram surpresos. Devem ter achado que eu era um maluco que não ia contribuir para nada, mas que também não ia atrapalhar em nada. Fiquei um mês escrevendo notícias. Nada muito sensacional. No reinício das aulas, na minha turma da noite tinha Rosemilton Silva. Ele era gente boa e olheiro. Um dia precisou de alguém na Rádio Tropical e me chamou. Essa mini-experiência na Voz do Seridó, que era da mesma rede da Tropical, ajudou bastante. Fiquei um tempo na emissora, talvez uns quatro meses. No dia em que Jânio Vidal foi me contratar, mudei para o jornal Dois Pontos. Roberto Guedes precisava de alguém. Novamente Rosemilton lembrou de mim e sugeriu. Fiquei fazendo frila no Dois Pontos um tempão.

ZONA SUL – Como foi no Dois Pontos?
TIÃO – Foi ótimo porque virou uma fonte de renda. Embora trabalhasse em regime de free lancer, eu recebia toda sexta-feira, de acordo com o que tinha produzido. Foi quando comecei a me sustentar. Não precisei mais do dinheiro do meu pai para ir para Parelhas. Comecei comprar uns livrinhos aqui e acolá. Meu primeiro chefão foi Roberto Guedes. Ele era ultra-exigente. Depois peguei uma série de ultra-exigentes ao longo da vida. Mas foi bom pegar logo Roberto Guedes, para não ficar me achando o máximo. Ele derrubava a gente.


ZONA SUL – No Dois Pontos você permaneceu mais tempo do que nos trabalhos anteriores?
TIÃO – Não lembro exatamente, sou muito ruim para memorizar tempo. Mas devo ter passado entre seis meses a um ano. Fiquei até cursar TPDJ (Técnicas de Produção e Difusão Jornalística) na UFRN. Albimar Furtado era o professor. A gente escrevia as matérias que ele pautava. Depois de ver meus textos, ele me levou para a Tribuna do Norte. Na época o estágio era muito policiado, mas acontecia e tinha que acontecer porque os estudantes tinham que praticar em algum lugar. Eu tinha certo sentimento de culpa, mas ao mesmo tempo adorava aquele lugar, aquele trabalho. No começo eu ganhava como estagiário, depois, a Tribuna me contratou como operador de telex. Era a forma que existia de a gente trabalhar.

ZONA SUL – Você começou na Tribuna na editoria de cidades?
TIÃO – Sim, como todo mundo começava. O pauteiro era Roberto Machado. Ele era ótimo, sempre foi. Eu trabalhava muito com Emanuel Barreto, que editava o caderno de fim-de-semana. Ele inventava umas maluquices que eu adorava fazer, pois saía daquela coisa quadradinha do noticiário diário. De operador de telex até virar jornalista demorou um bocado. Quanto mais eu tomava gosto pelo trabalho, mais começava a perder interesse pela universidade. Comecei a abandonar disciplina pelo meio. Demorei muito a terminar o curso, enquanto estive na Tribuna. Só fui terminar o curso quando saí de lá e, ainda como estudante, fui para o Diário de Natal. Era um jornal mais organizadinho e, por isso, mais sem graça. Era bom porque era cômodo. Margareth Rose controlava cada coisa. Um dia ela me perguntou se eu não estava escrevendo rápido demais, estava preocupada. Mal sabia ela que eu escrevia na rua, enquanto esperava o carro do jornal ir me buscar. Eu voltava para a redação com a matéria toda escrita em um bloquinho, à mão. Como bom datilógrafo, eu passava rapidinho o texto para as laudas e corria para a Universidade. Por isso terminei o curso.


ZONA SUL – Do Diário você voltou para a Tribuna?
TIÃO – Não, fui para a Faz Propaganda, de Ricardo Rosado e Solino, também como estudante. Terminei a Universidade nessa transição. Trabalhei um ano por lá. Eu não gostava muito porque fui ficando quadrado. A Tribuna era uma bagunça, mas a gente adorava, dormia lá, passava dia e noite, não tinha horário. Era pura paixão. O Diário era mais quadrado, mais certinho, dava para você organizar sua vida. Na Faz era um pouco do que eu chamaria de serviço público, por ter aqueles dois expedientes: 8 ao meio-dia, e das 2 às 6. Só passava do horário quando tinha algo muito especial, como a necessidade de concluir alguma campanha. Esse tempo foi bom para treinar o que a gente chama de apropriação das palavras: a palavra certa no lugar certinho. Solino era muito rigoroso com isso. Eu escrevia um texto um milhão de vezes até Solino achar que estava OK. Eu não tinha muito prazer, pois não havia imediatismo. A gente fazia uma campanha, o cliente aprovava e levava meses para aquilo virar realidade, quando virava. Mas eu aprendi ali, foi um outro tipo de aprendizado. Até chegar na TV Cabugi, tudo foi aprendizado.

ZONA SUL – Então, a TV Cabugi foi seu próximo passo...
TIÃO – Sim. Fiquei um ano na pauta da TV Cabugi. Era um trabalho muito ruim de fazer. Adriano de Souza e Carlos de Souza trabalhavam na Cabugi. Não lembro qual dos dois me convidou. Havia uma espécie de estatuto nessa época: quem entrava tinha que ser pela pauta, para aprender o mais difícil. Não sei se é muito correto, porque a pauta com a experiência da edição é outra coisa. Você sabe o que rende e o que não. O fato é que ninguém gosta de fazer pauta todo dia. Eu trabalhei com Vilma Lúcia e Bernadete Lago. Eu era o chefe da pauta. Elas me ensinaram tudo, eu não sabia daquela coisa técnica. Convidaram-me para a pauta por causa da minha experiência de jornal, de pegar assuntos comuns e ver alguma coisa interessante naquilo. Chegou um dia que eu não agüentei mais.


ZONA SUL – Como você conseguiu deixar a pauta?
TIÃO - As afiliadas da Globo têm um programa chamado Globo Comunidade. Lá era chamado Cabugi Comunidade. Passava aos domingos, às 7 da manhã, e reunia assuntos comunitários. Era pouco visto, por isso ninguém tinha interesse em fazer. Era um programa novo ainda. Eu já tinha pedido para sair várias vezes, e Osair Vasconcelos nunca concordou. Quando ele tirou férias, Nina Rodrigues ficou em seu lugar. Falei para ela que não dava mais para continuar. Ela pediu para eu ficar fazendo o Cabugi Comunidade. Topei. Adriano editava o RNTV 1 e me pegou para ficar como editor-assistente, quase ao mesmo tempo. Foi dessa forma que consegui sair da pauta.

ZONA SUL – Valeu a pena trocar a pauta pela edição?
TIÃO - O Cabugi Comunidade foi ótimo porque eu podia fazer o que quisesse, já que ninguém via, ninguém policiava. Fiz as maiores maluquices. Inventei uns programas temáticos, que até então não se fazia. Uma vez peguei a repórter Anelly Medeiros e fomos a Carnaúba dos Dantas e a outro ponto de peregrinação que tinha surgido na região do Trairi, não lembro a cidade. Um sujeito tinha feito uma estátua grande do Padre Cícero e tinha colocado em cima de um morro. Juntei esse material com cenas de peregrinação de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Parece maluquice, mas não é. Apenas saí do padrão. No morro do Trairi tinha figuras interessantíssimas. Em Carnaúba também tinha. Gravamos a história de um zelador do Monte do Galo contando as histórias que tinham acontecido lá. Eu editava o programa como um Globinho Repórter, com música e outros recursos que até então tinham pudor de usar. Ao mesmo tempo fiquei trabalhando como editor-assistente do RN TV. Fui aprendendo um pouco mais de televisão com Adriano, que fechava o jornal, e com as pessoas que já estavam lá também: Ana Luíza, a própria Nina e tal. A TV Cabugi serviu para minha profissionalização nesse sentido e também no de noticiário pesado.


ZONA SUL – Da TV Cabugi você voltou para a Tribuna ou acumulou os dois empregos?
TIÃO – Chegou outra fase da minha que eu precisei de dinheiro. Quis comprar um apartamento. Acumulei, fui pedir emprego a Osair Vasconcelos. Tinha vaga de editor de polícia. Todo mundo me olhava atravessado, mas eu fui. Éramos eu e Washington Rodrigues. Eu era o editor e ele era o único repórter. Foi ótimo trabalhar com ele. A gente tinha três páginas, era coisa de outro mundo. Às vezes não tinha assunto para encher esse espaço todo. Eu trabalhava de manhã na TV e à tarde no jornal. Até eu vir para Brasília.

ZONA SUL – Como se deu sua vinda para Brasília?
TIÃO – Eu já tinha cinco anos na TV Cabugi, era muita coisa. O máximo que eu tinha trabalhado em algum lugar, até então, tinha sido na minha primeira passagem pela Tribuna, quando fiquei três anos. Já estava cansado e achando que precisava dar uma chacoalhada. Pouquinho antes de eu sair da TV teve uma campanha eleitoral, tipo de trabalho que eu nunca tinha feito. Fui com Antonio Melo, que levou um monte de gente de Natal para Teresina. Fomos fazer a campanha de Átila Lira, candidato ao governo do Estado. Ele perdeu para Mão Santa. Fiz só o primeiro turno. Campanha eleitoral não é tão ruim não, mas eu sou muito caseiro, tenho dificuldade de ficar tanto tempo fora de casa. É aquele regime de quartel: da produtora para o hotel. O trabalho, em si, até é interessante. Eu e Adriano éramos redatores. Fui na frente, precisaram de um outro redator e sugeri Adriano. Ele estava em Brasília. Nossa equipe fazia peças para televisão. Eu fazia discursos. A profissão, para mim, é escrever. Vivi minha vida toda disso. Meu sustento vem disso, de escrever. Por isso escrever, para mim, não é muito agradável. É muito trabalho. O primeiro turno da campanha durou três meses. Esse período foi decisivo porque saí da rotina da TV Cabugi. Ao final, voltei a trabalhar normalmente, mas aquilo começou a parecer meio monótono. Eu queria me sentir desafiado de novo. Lembrei de Adriano, que já tinha voltado para Brasília. Ele precisava de um editor.


ZONA SUL – Você foi trabalhar como editor em qual veículo?
TIÃO - Na TV Bandeirantes, que estava para lançar uma edição do seu jornal - que já era veiculado à noite – à tarde. Vim como editor de texto. Mal sabia eu que a estrutura era menor do que a da TV Cabugi, na época. Na TV Cabugi, a gente trabalhava em computadores. Na Bandeirantes era máquina de escrever. Voltei um pouco no tempo. Fui trabalhar no Correio Brasiliense para complementar, porque eu também perdi dinheiro nessa mudança. No Correio, Antonio Melo era sub-editor de política. Nessa época ainda existia a função de redator, para pentear os textos dos repórteres. Além disso, eu também escrevia títulos e fazia legendas. Deixava as matérias do tamanho adequado para a página. Às vezes, a matéria era ótima, mas ela tinha 50 centímetros e precisava ficar com 40. Se você fosse um redator incompetente, cortava pelo pé. Se não, ia tirando ali e ajustava o texto cortando palavras do meio. Dessa forma não agredia tanto a informação do repórter. No Correio, fio para a editoria Brasil. Na Bandeirantes era tudo muito parecido, mas no Correio, aprendi muito, mas o trabalho era muito cansativo. Eu entrava às 5 e saía meia-noite. Na sexta-feira tinha os pescoções, quando a gente saía às 4 da manhã. Às vezes eu estava de plantão na Bandeirantes, no dia seguinte. Era massacrante. Fiquei pouco tempo. Seis meses só, nessa primeira vez. Saí do Correio e permaneci só na Bandeirantes. Aí apareceu uma campanha para prefeito de Sorocaba.

ZONA SUL – Então você arrumou as malas e foi novamente trabalhar em campanha política...
TIÃO – Sim. Eu estava sofrendo aquela síndrome de quem está há um ano e pouco em Brasília, de querer voltar desesperadamente para o lugar de onde veio. A Bandeirantes também tinha uma redação muito tensa. Eu queria sair da Bandeirantes porque aquela tensão toda me incomodava. Eu achava que não valia à pena, que não precisava daquilo. Achava que dava para fazer a mesma coisa sem aquela tensão toda. Era um estresse muito brasiliense. Na TV Câmara também tem esse estresse. Fico olhando de longe e achando engraçado, porque faço a mesma coisa sem precisar daquilo. Mas tem uma cultura, uma espécie de charme. Na época as chefias eram todas muito estressadas. De lá para cá, acho que mudou muito. As direções das empresas perceberam que determinado nível de estresse por parte da chefia é contraproducente.


ZONA SUL – Você conseguiu voltar para Natal?
TIÃO – O jeito que eu tinha para conseguir voltar era sair da Bandeirantes. Mas eu tinha que sobreviver. Ir com Antonio Melo fazer essa campanha para prefeito, em Sorocaba, foi a solução que encontrei para deixar a Bandeirantes. Eu já tinha saído do Correio. Minha intenção era, ao final da campanha, dar um jeito de voltar para Natal. Como sempre, acabou o primeiro turno e eu me desliguei da equipe. Só que minha mulher, Rejane Medeiros, estava trabalhando na produção da Record. Quando vim de Natal para Brasília, ela veio comigo e passou um tempão desempregada. Fez o sacrifício de vir, sem reclamar. Não dava para voltar para Natal assim. Então fui procurar emprego. Fiquei duas vezes desempregado na vida. Todas as duas foram muito dolorosas. Essa foi a primeira. Passei um mês desempregado, foi horrível. Mas a experiência é boa para você baixar a bola, perceber que essa profissão não tem glamour algum.

ZONA SUL – Você conseguiu primeiro um emprego ou voltar para Natal?
TIÃO - Estava sendo implantado o Canal Rural. Era o começo da TV a cabo, que hoje é uma coisa disseminada. A Globonews tinha acabado de entrar no ar. A TV Rural montou uma sucursal em Brasília, que, a princípio, tinha um projeto muito ambicioso. Patrícia Marins, que tinha sido repórter da Bandeirantes, estava trabalhando lá. Ela me indicou para uma vaga de editor. A diretora, Cíntia Sasse, era uma pessoa que nunca tinha feito televisão. Ela tinha dificuldade confessa, não escondia isso, de mexer com televisão. Quis se cercar de pessoas com experiência, eu fui. Só que fiquei uns três ou quatro meses. Descobri que implantar coisas não é minha praia. Não tenho muita paciência, sou imediatista. Gosto de fazer e ver no dia seguinte. Mas o Canal Rural tinha a proposta de fazer um jornalismo diferenciado, tinha preocupação com o próprio formato das matérias. Fizemos coisas que eu nunca tinha feito em lugar nenhum. Por ser TV a cabo, não tinha esse compromisso todo com audiência, naquele momento. O problema é que eram três jornais por dia, era muito pesado. A pauta era absurda e a estrutura era muito pequena para dar conta. Como é em todos os lugares, a nossa sina é trabalhar com estrutura pequena. Agüentei uns três meses. Eu tinha muita dor de cabeça, mas dor de cabeça mesmo, não estou falando metaforicamente. Chegava à noite em casa com uma dor de cabeça esquisita, que eu nunca tinha tido. Aquilo era estresse. Então saí. Na verdade, eu saí também porque tinha havido um corte de pessoal na Record e Rejane havia sido demitida. Com a grana da rescisão resolvemos tentar voltar para Natal.


ZONA SUL – Como foi retornar à cidade?
TIÃO - Ficamos quatro meses em Natal. Nesse período trabalhei novamente na Tribuna e Rejane no RN Econômico. Mas a diferença salarial era absurda e Natal já não era mais uma cidade barata como era antes. A gente tinha que investir um tempo para conseguir se fixar novamente em Natal. Acho que faltou esse tempo, não tínhamos essa disponibilidade. A queda salarial era muito grande, não dava para estruturar a vida da gente. Meu pai e minha mãe dependiam de mim. Rejane ajudava bastante a família dela. Por mais que a gente levasse uma vida com o mínimo de gastos, era muito incerto. No quarto mês, liguei para um amigo, Renato. Naquela época sempre se precisava de alguém em Brasília, hoje nem tanto. Tinha uma vaga para ser redator de novo no Correio. Rejane veio e foi trabalhar na TV Manchete, através de Patrícia Marins. O programa Frente a Frente precisava de um produtor. Ninguém queria a vaga, não sei por quê. A vaga era ótima, o trabalho era ótimo, o salário era bom e tudo. Rejane ficou até a Manchete fechar. Em um ano a gente recuperou finanças, perspectiva e a auto-estima, que estava lá embaixo.

ZONA SUL – Foi sua última tentativa de tentar se fixar em Natal?
TIÃO – Ainda voltei outra vez para Natal. Meu pai sofria de mal de Parkinson e começou a piorar, a ter esclerose. Não tenho irmãos. Minha mãe começou a se sentir em apuros, pois não tinha ninguém para ajudar. Pedi demissão do Correio e fui para Natal tentar um novo retorno. Rejane continuou trabalhando em Brasília. Emergencialmente fui ver o que era possível fazer para ajudar meu pai. A situação era crítica. Ele nunca tinha sido agressivo, mas a doença o estava deixando assim. Fiquei pouco tempo, menos de dois meses. Não consegui trabalho em lugar nenhum. Não tinha vaga ou as pessoas achavam que eu não ia ficar. Eu realmente queria ficar, pelo menos uns seis meses. Fiquei um tempo desempregado. Como meu pai não melhorava, eu tinha um problema familiar e um profissional. Eu nunca pude ficar desempregado muito tempo. Todo mês tenho que arrumar dinheiro para pagar as contas. Mas, quando a coisa estava ficando séria, desesperadora, e eu sem saber o que fazer, uma amiga chamada Cláudia Buono, que tinha trabalhado como produtora comigo na Bandeirantes, ligou para Rejane me procurando. Ela tinha virado diretora da sucursal em Brasília e estava atrás de um editor. A situação familiar eu resolvi: aluguei uma casa para meu pai em Parelhas, para minha mãe ficar com ele perto de pessoas conhecidas. Também contratei uma pessoa para ajudar a cuidar dele, para minha mãe ter alguém com quem contar. Eu precisava ganhar a vida e voltei para Brasília. Fiquei três anos na Bandeirantes. Organizei a vida de novo.


ZONA SUL – Nessa sua volta à Bandeirantes, você foi fazer o que?
TIÃO – Fui fazer a edição nacional. Era aquela coisa regrada: horário certinho, 6 horas por dia... Editava uma matéria por dia, duas era muito difícil. Eu não tinha muita satisfação, mas era uma maneira de ganhar o sustento. Nos horários vagos que eu tinha, que eram muitos, principalmente nos plantões, comecei a escrever para me distrair. Quando meu pai adoeceu, esse período de um mês e pouco que eu fiquei em Natal, fiz um texto de teatro depois de conversar muito com Titina, irmã de Rejane Na Bandeirantes, resolvi fazer para matar o tempo. A diferença é que na Bandeirantes tinha uma colega, que era editora, Márcia Reis, com experiência profissional em roteiro de cinema. Meio estimulado por ela, fui escrevendo. Ela conhecia todo o circuito de prêmios culturais e avisou de um concurso do Ministério da Cultura. Inscrevi e deu certo.

ZONA SUL – Como é o nome dessa primeira peça?
TIÃO – Valsa na varanda. Fiquei em terceiro lugar. No ano seguinte, resolvi tentar de novo participar do mesmo concurso, para ver se o resultado confirmava. Escrevi outro texto, mas já mais preocupado com aquilo. Escrever uma coisa em casa ou no trabalho, nas horas vagas, achando que ninguém vai ler aquilo, é uma coisa. Mas depois que você inscreve em um concurso, mesmo sem esperar nada, e é selecionado, muda completamente. O que você escreveu achando que ninguém ia ficar de olho, vai ser exposto para um monte de gente daquela maneira bruta que você escreveu. Houve leituras dramáticas em Brasília, São Paulo e no Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro eu fui. Arlete Sales leu interpretando um dos personagens era ela. Se eu tivesse noção de que aquilo ia ser classificado, eu teria reescrito 500 vezes.


ZONA SUL - E a segunda peça?
TIÃO - No segundo concurso, tentei caprichar um pouco mais. Ganhei novamente o terceiro lugar, dessa vez com A exclusão. Em Natal adaptaram, fizeram no Praia Shopping. Era exclusão nos dois sentidos. Exclusão social mesmo e os personagens literalmente se excluíam uns aos outros, iam se matando. De dez personagens, no final restavam dois. Havia um extermínio mútuo. O terceiro texto escrevi para um concurso em Natal. Só tinha um prêmio. Resolvi participar. Era da Prefeitura. Fiz o texto todo em verso. Fiquei tão obcecado com aquilo que comecei a raciocinar em verso. Era uma espécie de auto de Natal. Mas meu amigo que levou para inscrever, Carlos Magno, perdeu o prazo por um dia. Ele ficou todo preocupado, mas eu não liguei não.

ZONA SUL – Esse texto continua inédito?
TIÃO – Não. No ano seguinte inscrevi em uma nova edição do concurso do Ministério. Além de já estar com o texto pronto, o prêmio era em dinheiro, me ajudava. Cada prêmio desse tem uma parte em dinheiro que me ajuda muito. Ajuda a comprar um carro ou pagar o sinal de um apartamento que eu comprei com o maior sacrifício. Eu estava precisando de dinheiro, tinha o texto pronto e mandei. Foi quando ganhei o primeiro lugar. Mas aí já era diferente. Já foi no governo Lula. O prêmio era o mesmo, mas era distribuído um por região. Ganhei pelo Centro-Oeste, na categoria infanto-juvenil e o dinheiro era ótimo, me ajudou bastante.


ZONA SUL – Você também é blogueiro...
TIÃO – Tive dois blogs. O primeiro eu criei na Bandeirantes, também nos plantões de sábado. Ele foi retirado do ar porque eu demorei a atualizar. Durou pouco e era ainda bem rudimentar. Nessa época fiquei sem computador em casa, por isso o primeiro blog não foi para frente. Era o Poticandango. Agora, já na TV Câmara, fui testar pra ver se conseguia fazer blog de novo. Fiz o Sopão do Tião. Pedi a Márcia Reis - que além de mexer com roteiro de cinema e com televisão, também mexe com design de computador - para ela refazer o template. Ficou com uma cara melhor, mas é um blog de brincadeira, de amigo, de família. Não tem nada de profissional, não é um blog de notícias. Às vezes fico 15 dias sem atualizar, por falta de disponibilidade de tempo, mental ou de espírito. Depois aparecem 50 páginas de uma vez.

ZONA SUL – Você já está há quanto tempo na TV Câmara?
TIÃO – Completo três anos agora em novembro, é o fim do estágio probatório. A Câmara não é o que eu pensava que seria. Em tese ela é uma TV institucional. Mas às vezes funciona como TV pública, legitimada pela proposta da direção de lá. Não tem nada legal estabelecido. Às vezes essa proposta de fazer uma TV pública se choca com a realidade legal de ser uma TV institucional. Mas a direção é muito hábil e consegue politicamente fugir dessa ambigüidade e até manter um pouco de TV pública no formato que eles pensam que seja TV pública. Na verdade, nem existe esse formato consagrado, está todo mundo procurando fazer. Também percebo muito uma necessidade grande de copiar o modelo consagrado da TV aberta. Vejo certo complexo de inferioridade, com relação à TV convencional aberta. Boa parte dos colegas, especialmente os que não tiveram um exercício profissional nessas redações convencionais, tem um desejo muito grande de fazer igual, de não ficar abaixo da TV aberta, de competir de igual para igual, de seguir aquele modelo. Eu acho que a TV Câmara é uma excelente oportunidade para não seguir esse modelo, para buscar outros formatos. Eu faço lá, às vezes, a mesma coisa que eu fazia na TV Bandeirantes. E isso me incomoda. A TV Bandeirantes não enxergava o Legislativo como acho que deva ser enxergado. Às vezes, na TV Câmara, se brincar, a gente cai nessa mesma esparrela. E a TV Câmara duplamente não devia ser isso, pois além do mais ela tem o lado institucional dela. Mas esse é um pensamento meu, não posso impor isso às pessoas. Elas sabem, eu já disse à direção de lá quando me perguntaram. Várias pessoas pensam assim, mas o pensamento hegemônico de quem tem a direção na mão é diferente do meu.


ZONA SUL – E você está planejando, anda escrevendo alguma coisa nova?
TIÃO – Não, estou preocupado com os meninos. Desde que eles nasceram eu não consigo fazer mais nada. Tenho que esperar eles crescerem.

ZONA SUL – Deixe uma mensagem final.
TIÃO – Vou falar uma coisa para quem estuda jornalismo. Acho que os estudantes de jornalismo precisavam recuperar um pouco do que foi a nossa época. Precisam ver o jornalismo não como uma profissão de mercado, de tratar a informação como produto. Isso é muito pouco. Eles precisam ter uma consciência de país, parar de ter vergonha do Brasil, do estado ou da cidade. Precisam enxergar as potencialidades que temos, ter uma postura mais construtiva. É muito fácil ser crítico e cínico, é quase moda hoje. Precisam fugir um pouco disso, nadar contra a corrente. Enxergar o país, enxergar a realidade que existe, conhecer a realidade, circular, andar, visitar, ver o diferente para ter uma formação que não seja só a que predomina hoje em dia.