quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Entrevista: Cortez

O sertanejo que ganhou o mundo com as letras


É comum ouvir dizer que a história de alguém daria um livro. A de José Xavier Cortez rendeu muito mais: uma biografia, um documentário em vídeo e um livro infantil. Sua vida não foi fácil. Ainda menino no sítio dos pais, em Currais Novos, ele ajudou a família a tirar da agricultura o sustento. Estudou nas horas de descanso. Maior de idade, deixou a terra natal para buscar um futuro melhor para si e para os seus. Entrou na Marinha, foi expulso de lá após o golpe de 64. Morou em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Em São Paulo, foi lavador de carros em um estacionamento. Nessa condição passou no vestibular de economia, da PUC. Vendeu livros na faculdade. Editou teses de mestrado e pós-graduação. Hoje Cortez é reverenciado no meio intelectual brasileiro. Sua editora completou 30 anos no primeiro semestre. A efeméride serviu como mote para relembrar a história desse potiguar que, apesar de ter ganho o mundo, nunca deixou de ter seus pés fincados no sertão do Rio Grande do Norte. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL: Vamos conversar um pouco sobre o seu período em Currais Novos...
CORTEZ - Divido minha trajetória em três momentos. O primeiro foi vivido lá no sertão, onde nasci, me criei, trabalhei e aprendi a ler. O segundo foi a fase militar, onde permaneci na Marinha. Aos 17 anos saí do sítio Santa Rita e fui para Natal. Em seguida entrei para a Escola de Aprendizes de Marinheiros, em Recife, onde fiquei uns dez meses. Em janeiro de 1956, depois de fazer o curso de habilitação para a Marinha de Guerra, fui para o Rio, onde fiquei até dezembro de 1964. Toda essa etapa foi importante para eu deixar a vida de sertanejo e me adaptar à cidade. Fui punido com o golpe militar de 1964...
ZONA SUL - Vamos deixar os detalhes para depois...
CORTEZ - Certo. Então, continuando, o terceiro e último momento da minha trajetória começou logo após o golpe militar, quando fui desligado da Marinha e troquei o Rio por São Paulo. Essa fase segue até hoje. Nesse ano em que a Cortez Editora completou 30 anos, foram lançados um DVD, um livro e uma publicação infantil contando minha trajetória mais ou menos dividida nessas três fases.
ZONA SUL - Vamos falar um pouco sobre essa primeira etapa. Como foi a vida no sítio?
CORTEZ - Essa fase está muito bem detalhada no livro “Cortez - A saga de um sonhador”. A socióloga e biógrafa Teresa Sales fez uma pesquisa muito séria do meu nascimento até os 17 anos. O final dos anos 1950 e anos 60 do século passado foi um período de rudeza, de trabalho árduo. Não havia tecnologia, energia, água... Enfim, passei, uma fase dura lá no sertão do Rio Grande do Norte, trabalhando com os meus pais e a minha família naquela agricultura de subsistência.
ZONA SUL - Você começou a trabalhar muito cedo?
CORTEZ - Estou na faina diária, no trabalho diário, desde os cinco ou seis anos. Nessa idade eu já puxava boi pro meu pai arar a terra com a capinadeira. É uma das lembranças que eu tenho do tempo de criança.
ZONA SUL - Paralelo a isso você também estudava?
CORTEZ - Meus pais sempre tiveram essa preocupação. Somos dez irmãos, dos 17 que a minha mãe teve. A cada dois anos nos reunimos, em um encontro que apelidamos de Bienal da Família. Mas eu dizia que estudei em escola rural a partir de seis ou sete anos. Lá aprendi as primeiras letras.
ZONA SUL - Ajudando a família na roça e estudando, sobrava tempo para brincar?
CORTEZ - Eu e meus irmãos estudamos sempre no horário, digamos, do almoço: das 11 horas até por volta das duas horas da tarde. Algumas escolas eram distantes. Tínhamos que andar quatro ou cinco quilômetros para ir e a mesma distância pra voltar. Tínhamos que trabalhar de manhã até às dez horas. Tomávamos banho, almoçávamos e saíamos para a escola. Na volta, trocávamos de roupa e retornávamos o trabalho no roçado até o sol se por.
ZONA SUL - Então não sobrava mesmo tempo para as brincadeiras...
CORTEZ - Às vezes brincávamos à noite. Naquela época morava muita gente nas proximidades do sítio. Hoje não existe sequer 10% daquela população da época. Depois do jantar, quando comíamos coalhada ou sopa, vinham os vizinhos. Brincávamos de tica ou de outras brincadeiras no terreiro. No final de semana também tínhamos muita ocupação, como dar comida pro gado e levar os animais pra beber água. Geralmente, nas tardes de sábado ou domingo, sobrava um tempo maior pra brincar.
ZONA SUL - Por volta dos 17 anos você mudou-se pra Natal. Por que?
CORTEZ - Nós percebíamos, e meu pai também falava, que seria muito difícil sustentar toda a família naquele sítio que até hoje preservamos. Mal dava para os dez filhos. Pior ainda ficaria na medida em que fôssemos casando. Sabíamos que tínhamos que procurar alguma coisa. A pergunta era: onde encontrar trabalho com parcos estudos? Antes de ir pra Natal fiz outras coisas, como garimpar. Nos anos de seca íamos trabalhar nos garimpos. Eu, o mais velho dos irmãos, nunca tinha ido a lugares mais distantes até resolver mudar pra Natal. Eu sabia que possivelmente teria que servir ao Exército. Mudei para a capital com a expectativa de servir à Aeronáutica. Eu não tinha noção de militarismo, de nada. Em Natal fiquei durante sete ou oito meses na casa de um tio, o tio Alfredo, já falecido. Não consegui entrar na Aeronáutica, mas entrei na Marinha. Dessa forma fui para Recife e iniciei essa minha viagem. Não era o que eu esperava. Ganhávamos mal e o regulamento era muito rígido. Mas eu tinha como objetivo e projeto de vida fazer alguma coisa pra ajudar minha família. Fui e sou uma pessoa muito ligada às questões familiares. Meu pensamento era o de ajudar os meus pais. Dar algo melhor para eles. Eu via na Marinha o canal para isso. Fiquei lá nove anos.
ZONA SUL - Antes da Marinha você fez outras coisas em Natal?
CORTEZ - Quando mudei pra Natal eu sabia que ali era o ponto de partida da minha caminhada. Não pensava mais em voltar para o sertão. Em determinada época apareceu um conhecido do meu pai, que morava em Campo Redondo. Ele tinha um alambique e me arrumou um trabalho temporário pra encher garrafas nos tonéis de cachaça. Depois me envolvi com os exames da Aeronáutica. Como não deu certo, tentei a Marinha. Fiquei hospedado na chácara do meu tio, no Alecrim. Como lá tinha muitas árvores frutíferas, pedi permissão a ele e passei a vender umas frutas pela cidade. Com o apurado eu comprava uma pasta, comia um pão doce com caldo de cana, ou coisas do gênero. Foi assim até a Marinha me chamar, em março de 1955.
ZONA SUL - Quais suas atividades na Marinha?
CORTEZ - Depois de jurar bandeira em Recife, embarcamos em um navio chamado Barroso Pereira. Eu e mais 200 ou 300 colegas fomos para o Rio. Lá nos dividiram entre vários navios. Servi inicialmente um ano e pouco no contratorpedeiro Marcílio Dias. Nossa função era serviços gerais: faxina e tudo o que havia de pior. Depois que desembarquei fui para um quartel de marinheiros. Contraí esquistossomose e fiquei três ou quatro meses em um hospital naval. Depois fiz curso de especialização em máquinas. O maquinista, claro, trabalha na praça de máquinas. Sua função é fazer o navio navegar. Ao terminar o curso, fui servir no Cruzador Barroso. Fiquei cinco anos nesse navio. Em março de 1964 trabalhei na organização da festa de segundo aniversário da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil.
ZONA SUL - Ao descrever suas atividades na Marinha, você falou: “o que tinha de pior sobrava pra gente”. Como você recebia essa diferença de tratamento?
CORTEZ - Toda pessoa merece ser tratada com dignidade, independente de sua raça, condição social ou grau de instrução. Ao entrar na Marinha passei a conviver com pessoas de outros níveis. Comecei a ler jornais, ver televisão, a me informar. No sertão eu não tinha nada disso. Nunca tinha aberto um jornal ou lido um livro todo. Assim começou o meu contato com esse mundo mais civilizado. Passei a me conscientizar de algumas coisas. Por outro lado, quando eu vivi no sertão - em um lugar muito pobre - nunca fui humilhado. Ninguém deve ser humilhado por condição nenhuma. A Marinha tinha um regime arcaico. Seu regulamento já não condizia com a década de 1960. Nós, marinheiros, começamos a reivindicar algumas coisas. Foi assim que fundamos, em 1962 - quando eu já tinha sete anos de Marinha - uma associação de marinheiros. Nós estávamos sendo muito sacrificados e humilhados. As associações não eram permitidas nas Forças Armadas, como não é ainda hoje.
ZONA SUL - Esse movimento culminou com uma revolta dos marinheiros...
CORTEZ - A Marinha do Brasil teve muita importância na minha trajetória. No entanto, apesar de a Marinha ser considerada uma força armada de elite, somente a oficialidade recebia bom tratamento. Os praças e os oficiais subalternos, não. A história da Marinha é manchada por alguns episódios como a Revolta da Chibata, ocorrida em 1910. Os marinheiros se rebelaram contra a aplicação de castigos físicos a eles impostos como punição. Em 1888 a escravidão havia acabado no Brasil, mas os marinheiros apanharam de chibata até 1910. Foi necessário haver um levante sob o comando do almirante negro João Cândido para acabar com essa selvageria. Em 1964 fazia apenas 50 anos daquela rebelião. Era um período muito curto. Ainda existiam pessoas daquela época. Em 1960 os marinheiros começaram a estudar e a participar da vida civil. Isso fez com que o pessoal subalterno, entre aspas, se conscientizasse. Foi aí que tudo começou. Resolvemos fazer uma festa para comemorar o segundo aniversário da associação. Era simplesmente uma festa, mas a Marinha proibiu. Dessa forma começou o grande duelo. Nos rebelamos contra as ordens, coisa que a hierarquia não permitia. Acredito que esse nosso movimento, ocorrido de 25 a 27 de março, foi o estopim para deflagrar o 31 de março.
ZONA SUL - Esse foi o motivo do seu afastamento da Marinha?
CORTEZ - Do meu e do afastamento de muitos outros. Estávamos lá no sindicato uns 2 ou 3 mil, não lembro mais. A nossa luta, que era a mesma de muita gente naquela época, era a favor do presidente João Goulart. Não era contra. Defendíamos as reformas de base, por exemplo. Mas o nosso movimento era interno, por mudanças como a permissão para o marinheiro casar, pelo direito a um tratamento mais humano e por uma melhor comida, entre outras reivindicações. Acabamos o movimento após fechar um acordo com o ministro da Marinha, o Leonel Brizola e outras pessoas que intermediaram essas conversações. Nunca esqueço do dia em que os fuzileiros navais - que são a força terrestre da Marinha - foram nos prender. Eram nossos colegas, a associação também era deles. Chegaram em frente ao sindicato e receberam a ordem de nos levar presos. Os fuzileiros desfizeram dos seus fuzis e ficaram ao nosso lado. Você nem pode imaginar a emoção de ver aderir à sua causa um grupamento convocado pra lhe prender. Depois de acertos e conversações, passamos pelo quartel do Exército e depois fomos liberados. Lá deixamos nossos nomes, essa coisa toda. Três ou quatro dias depois aconteceu o golpe militar. Foi facílimo pegar o nome de todos nós que estávamos lá no Exército. Aí começou a caça às bruxas.
ZONA SUL - O afastamento da Marinha foi a única represália que você sofreu ou houve outro tipo de perseguição?
CORTEZ - Sempre tive bom comportamento na Marinha. Nunca havia sido preso, apesar da rigidez do regulamento. Se o sapato não estava bem engraxado, o oficial não deixava sair, quando o navio estava em terra. Se o chapéu não estava branquinho como ele achava que deveria estar, a saída também era proibida. Só que não dispúnhamos de armário para guardar nossas coisas. Ficava tudo em um saco. Dessa maneira era praticamente impossível manter tudo impecável. Havia uma incompreensão grande. Com a associação, passamos a contar com assistência médica, dentária, assistência social e outras conquistas como o próprio direito de estudar. Se a saída era proibida, o marinheiro perdia sua aula. Quando saí da Marinha respondi a um IPM (Inquérito Policial Militar) simplesmente porque participei dos protestos. Eu não tinha ligação com partido nenhum, era praticamente apolítico. Sentíamos na pele a revolta de, por exemplo, ver um oficial ao seu lado ter direito a uma refeição com pratos especiais enquanto você só dispunha de uma comida de péssima qualidade. Servíamos na mesma embarcação, tínhamos o mesmo objetivo de servir à pátria, nosso estômago era semelhante e éramos pagos pelo governo para desempenhar funções militares. Nossa luta era também para que todos pudessem comer de forma decente. Essa foi a situação. Quando saí da Marinha vim embora pra São Paulo.
ZONA SUL – Por que São Paulo?
CORTEZ – No Rio de Janeiro o desemprego era maior. Além disso, onde arranjar um emprego de maquinista? Até então minha experiência era na agricultura de subsistência e na Marinha. Eu até podia trabalhar na Petrobras ou na Fronape (Frota Naconal de Petroleiros), mas todos nós, os que fomos punidos, entramos em uma lista negra elaborada por órgãos oficiais do governo. Fomos considerados maus elementos, comunistas e coisas desse tipo. Nem adiantava ir a um navio qualquer e dizer que era maquinista. Como o nome constava na lista, a resposta era que não havia emprego. Outro motivo para a escolha é que eu tinha parentes em São Paulo. Inicialmente fui trabalhar em um estacionamento, lavando carros. Não sabia dirigir, depois aprendi. Na Marinha aproveitei muito bem o tempo para estudar. Fiz um curso de técnico em contabilidade em um colégio particular graças a uma bolsa de estudos que ganhei. Quando não estava embarcado, ficava na casa de um parente que morava no Rio. Essa família foi muito importate para mim, pois eu tinha onde ir quando saía do navio. Muitos colegas, por não ter onde ir, ficavam a bordo ou iam morar a 40 ou 50 quilômetros de distância. Graças a essa família pude concluir o curso de contabilidade, embora eu tenha adquirido apenas um pouco de teoria. Meus cursos todos, inclusive o de economia, que fiz na PUC, foram mal feitos. Não por culpa das instituições ou dos professores, mas porque eu não tinha base. Reconheço que eu não tinha onhecimento nem método de estudo. Estudei em escola rural. Até hoje sinto falta de conhecimentos gerais e de uma porão de coisa.
ZONA SUL – Você estudou mais por força de vontade...
CORTEZ – A idade boa para eu ter aprendido era 8, 10, 12 ou 15 anos. Minhas filhas tiveram essa oportunidade. Eu não tive. Essa lacuna existe na minha vida ainda hoje.
ZONA SUL – Em São Paulo você começou lavando carros...
CORTEZ – Sim, e eu morava no próprio estacionamento, em uma casinha de madeira. Não gastava nada. Andava de tamanco, chinelo e calção. Fiquei dois anos nesse trabalho. Em frente ao estacionamento tinha um cursinho de alunos da USP. Ganhei uma bolsa para estudar à noite. Com isso passei no vestibular da PUC de São Paulo. Cursei economia a partir do ano de 1966. A partir daí a minha vida começou de fato. Mas deixe eu completar uma informação sobre o período da Marinha. Lá fiz algumas viagens e li bastante. Devo à leitura o que sou hoje.
ZONA SUL – Para ajudar a se manter na universidade, você vendeu livros. Como foi?
CORTEZ – Quando entrei na universidade, eu trabalhava no estacionamento. Um dia apareci com a cabeça raspada, devido ao trote, usando um boné. Os colegas pensaram que eu havia sido preso. Quando expliquei que tinha passado no vestibular, ficaram espantados. Um dos clientes do estacionamento disse que um universitário não podia continuar lavando carros. Conseguiu pra mim um emprego no Ceasa, que hoje é Ceagesp, como escriturário. Aluguei uma quitinete e passei a andar de gravata. Só que, o salário desse emprego não era suficiente para pagar as novas despesas. No estacionamento eu praticamente não tinha gastos. Fui morar ao lado de uma editora. Um funcionário de lá vendia livros na PUC. No intervalo das aulas eu sempre ia ao quiosque e ficava lendo aqueles livros. Ele sabia que eu não tinha dinheiro e me emprestava algumas publicações durante o final de semana. Eram livros de econometria e economia internacional, por exemplo. Ele só pedia para eu não amarrotar os livros. Eu devolvia na segunda-feira. Fizemos amizade. Eu dizia a ele os livros que tinham sido indicados na minha sala e nas salas vizinhas. Enfim, eu dava as dicas para ele levar os livros certos para vender. Após cinco ou seis meses, quando precisou ir embora, ele perguntou se eu não queria ficar com aquele ponto. Aceitei. Por aí começou a minha inserção no mercado livreiro. Depois de algum tempo os livros começaram a dar mais dinheiro do que o trabalho de escriturário. Saí do emprego e me dediquei integralmente à venda de livros. A PUC me cedeu um espaçozinho, abri um balcão com quatro ou cinco prateleiras. Comecei a vender pra psicologia, serviço social e educação. Em dois anos, quando já estava bastante conhecido, mandei chamar um primo, um irmão e assim foram vindo pessoas para me ajudar.
ZONA SUL – Naquela época de censura você conseguia alguns livros considerados proibidos.
CORTEZ – Alguns compradores sabiam que eu tinha sido marinheiro e do problema político. Eu não comentava porque poderia ser ouvido por algum órgão de segurança. Tinha medo que dissessem que eu estava fazendo pregações comunistas. A PUC era a universidade mais importante do país com relação às questões políticas. Quando abri esse espaço, as pessoas começaram a me conhecer e aprenderam a confiar em mim. Dessa forma conheci Florestan Fernandes, Paulo Freire, Otaviani e outros intelectuais que combateram a ditadura. Era a época que nasciam os cursos de pós-graduação na PUC. Foi nesse ambiente que consegui alguns livros que não eram vendidos nas livrarias comuns, por causa da censura. Eu trazia sob encomenda pra algumas pessoas.
ZONA SUL – Como você conseguiu dar o passo de livreiro para editor?
CORTEZ – Fui convencido por alguns professores a começar a publicar também. Comecei de uma forma muito artesanal a publicar teses de mestrado e doutorado. A procura por esse tipo de livro começou na PUC, mas depois se espalhou. Como esses alunos-autores eram bem relacionados pelo Brasil afora, a coisa se espalhou. Publiquei trabalhos de vários estados, inclusive do Rio Grande do Norte, como José Willington Germano e Safira Bezerra Ammann. A Cortez passou a publicar teses que traziam um contexto atual. A Cortez é considerada uma editora histórica porque teve a coragem de começar a publicar esses textos que não estavam de acordo com a política educacional da época, a da ditadura. Outras editoras tinham receio. Foi por aí que começou minha inserção no mercado editorial.
ZONA SUL – De lá pra cá são 30 anos...
CORTEZ – Nessa época a empresa se chamava Cortez & Moraes. Durou nove anos. Depois, por questões societárias, nos separaramos. Foi quando comecei sozinho a Cortez. Na época o nome Cortez & Moraes já estava constituído. Meu sócio, Moraes, era colega de classe. Hoje é professor da PUC, se dedicou ao trabalho acadêmico. Quando nos separamos ele ficou com a Moraes e eu comecei a Cortez, do zero, em janeiro de 1980. Por isso estamos comemorando os 30 anos. A Cortez se espalhou pelo Brasil e até para o exterior.
ZONA SUL – A editora teria um best-seller, um livro que se destacaria diante dos demais?
CORTEZ – O primeiro best-seller da Cortez foi “Metodologia do Trabalho Científico”, de Antonio Joaquim Severino. Foi um dos primeiros livros a ser publicado, no final da década de 1960, quando ainda era Cortez & Moraes. Esse livro sofreu várias reformulações no correr desses anos todos e continua sendo o mais vendido da editora. Temos outros livros que já venderam 500 mil ou 800 mil. Temos Paulo Freire, Boaventura de Sousa Santos e muitos outros intelectuais. Começamos há cinco ou seis anos a trabalhar com literatura infanto-juvenil, que tem dado muito prestígio. Já temos quase 200 títulos. Somos uma empresa familiar pequena. Temos condições de publicar entre 70 a 80 títulos por ano. Nosso pessoal é muito bem preparado.
ZONA SUL – A editora foi palco de uma história pitoresca: um assalto.
CORTEZ – Moro ao lado da editora. Em 2004, fui tomar café em casa, às sete horas da noite. Ficaram cinco ou seis pessoas trabalhando. A editora ainda não era separada da livraria. Logo que saí, chegaram três assaltantes perguntando pela minha filha. Disseram que ela não estava. Realmente Mara tinha saído uns dez minutos antes. Só ela sabia abrir o cofre. Eu não sabia, nem vou aprender nunca. Não ligo para essas coisas. Os ladrões tinham informação de tudo. Um subiu e colocou sentadas no corredor todas as pessoas que estavam lá em cima. Dois ficaram embaixo, tentando descobrir como abrir o cofre. Quando chegaram à conclusão de que não tinha ninguém que soubesse abrir o cofre, tentaram abri-lo com um pé de cabra. Não conseguiram. Nesse ínterim, eu cheguei. Quando entrei, me disseram que era um assalto. Os dois assaltantes estavam sentados, armados com revólveres. Eles deixaram a recepcionista continuar atendendo os telefonemas, mas sem dizer nada.
ZONA SUL – Qual sua reação inicial?
CORTEZ - Fiquei espantado, mas sentei ao lado de um dos assaltantes. Ele perguntou se eu sabia abrir o cofre. Respondi que não, que só a minha filha sabia. Tirei o relógio, a carteira e o celular. Ele disse que não queria nada daquilo. Então o rapaz telefonou para o comparsa que estava fora: “Olha, chegou o homem. Ele também não sabe abrir. Acho que não vai dar nada, melhor darmos de pinote.”. Pinote, nunca esqueci essa palavra. Marcaram de se falar novamente em cinco minutos. Perguntei ao assaltante de onde ele era. Respondeu que era da Paraíba. Eu disse que éramos vizinhos. Expliquei a ele que quem trabalha no ramo de livro não tem dinheiro. A gente compra, vende, paga, compra, vende... Não tem grana. Contei que tinha sido lavador de carros, que ralei muito para melhorar minha situação. Ele falou que procurava emprego e não conseguia. O cúmplice ligou de novo e marcaram de se encontrar em cinco minutos. Eu já estava mais sossegado desde que ele tinha falado que não queria nada daquilo. Ele mandou o colega que estava lá em cima se aprontar. Perguntei se ele tinha filhos. Tinha três ou quatro, acho que de 10, 13 e 14 anos. “Se eu der uns livros você leva para os seus filhos?”. Ele disse que sim. Tinham saído os primeiros 19 livros de nossa coleção de literatura infanto-juvenil. O assaltante levou uma sacola cheia de livros. O comparsa lá de cima desceu com os que estavam reféns e nos colocou a todos em uma sala no fundo da livravia. Disse pra só sairmos depois de 10 minutos. Eu disse ao assaltante: “vou dar esses livros a você porque espero que seus filhos não tenham essa desdita, essa sorte horrível que você tem”. Ele agradeceu, pegou a sacola e foi embora.
ZONA SUL – Uma situação incrível.
CORTEZ - Depois de tudo isso, minha interrogação é se ele realmente levou esses livros, se entregou aos filhos... O que aconteceu com esse filho de 14 anos, por exemplo? Será que hoje ele está na universidade? Não sei. Depois que eles foram embora, morremos de dar risada porque não tinha acontecido nada com a gente.
ZONA SUL - Você é uma pessoa que gosta de preservar as raízes, toda semana frequenta um forró.
CORTEZ - Cultivo muito do Nordeste. Ainda carrego coisas da minha vida de menino sertanejo. A publicação do livro com minha história avivou muita coisa. Teresa fez uma pesquisa muito boa, inclusive do ponto de vista social. Nunca deixei de ir ao Nordeste, à minha casa. Nosso sítio está preservado. Na primeira parte do livro “Cortez – A saga de um sonhador”, a socióloga Teresa Sales conta minha história desde o começo até a minha saída da Marinha. Todo o ambiente do sertão está muito bem retratado lá. Sobre o forró, fiquei muito tempo sem ir a um por falta de condições ou por uma série de circunstâncias. Depois que a vida melhorou, passei a frequentar e não tenho mais como abandonar.
ZONA SUL - Fale um pouco mais sobre o livro.
CORTEZ – Ele foi lançado em comemoração aos 30 anos da Cortez Editora. No começo eu não estava muito confortável com a ideia de ter a minha vida publicada nas páginas de um livro e no som e nas imagens de um vídeo, o documentário “O semeador de Livros”, que saiu em março. Esse DVD foi dirigido por Wagner Bezerra e contou com o apoio da Cosern, Petrobras e da PUC. Uma equipe da TV PUC foi até o sertão gravar tudo sobre o meu passado. Está muito bem feito. A TV Cultura e a TV Câmara transmitiram em rede nacional. Voltando ao livro, a Teresa Sales conversou com muitas pessoas lá no sítio e com meus ex-colegas marinheiros. A segunda parte foi escrita pela jornalista Goimar Dantas, que nasceu na maternidade de Santa Cruz, mas morou em Japi. Ela escreveu do dia 4 de janeiro de 1965 até 31 de março de 2010. Toda essa trajetória desde lavador de carros até o editor que sou hoje. O livro está em todas as livrarias, inclusive na nossa.
ZONA SUL – Teve também um livro infantil.
CORTEZ – O título é “Como um rio - A trajetória do menino Cortez”, de Silmara Casadei. A capa retrata o Rio dos Apertados, em Currais Novos. Os 30 anos da Cortez foram comemorados com uma festa belíssima no Tuca (Teatro da Universidade Católica), de São Paulo. Minha única tristeza em tudo isso é que a Potira, minha esposa, faleceu ano passado. Foi ela quem construiu comigo tudo o que nós temos hoje. Felizmente tenho as minhas três filhas: Mara, Márcia e Miriam, que hoje são minhas sócias e estão tocando o barco.
ZONA SUL – Algum projeto para o futuro?
CORTEZ - Sou muito feliz porque vejo o mundo editorial, livreiro e os intelectuais apoiando meus projetos. Até o final do ano pretendo começar um trabalho novo. Pretendo visitar algumas faculdades, escolas e secretarias de educação de prefeituras. Minha intenção é conversar com professores e alunos a respeito da minha trajetória. Quero dividir com as pessoas tudo o que aprendi: contar como saí do cabo da enxada e me transformei em um editor vitorioso.
ZONA SUL - O que lhe faltou ser perguntado que você gostaria de ter respondido?
CORTEZ - Em linhas gerais, é isso. Mais detalhes estão no livro. Procuro ser uma pessoa ética, compreensiva e cônscia dos meus deveres de cidadão, de brasileiro e de nordestino. Quero ser útil pras pessoas, assim como as pessoas têm sido para mim.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Entrevista: Noélia Ribeiro

A MUSA DO LIGA TRIPA

A pernambucana Noélia Maria Ribeiro da Silva nasceu emRecife, mas saiu de lá aos três anos de idade. Depois de um período no Rio de Janeiro, fixou-se em Brasília. Foi protagonista – junto com os poetas Nicolas Behr e Paulo Tovar, com o artista Renato Russo e com a turma do grupo Liga Tripa – da cena cultural da capital federal. No final do ano passado lançou o livro “Atarantada”, reunindo poemas inéditos e alguns revisitados. Paralelo à produção literária, é testemunha ocular da história do Brasil atuando como taquígrafa da Câmara dos Deputados. Para entrevistar Noélia, o Zona Sul contou com a colaboração dos músicos Glauco Porto (violão) e Paulão (percussão) e da cantora Fátima. Não fosse a reunião marcada para esse bate papo, poderia ter sido organizado um ótimo show. Em tempo: Fátima é irmã de Noélia e mulher de Paulão. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – Você permaneceu durante muito tempo em território pernambucano?
NOÉLIA – Até os três anos de idade, quando minha mãe foi transferida para o Rio de Janeiro.
ZONA SUL – Apesar de ter saído tão cedo, você guarda alguma recordação de Recife?
NOÉLIA – Nada, nada. Aos três anos minha mãe se separou do meu pai e foi para o Rio. Então, não lembro nada... Alias, lembro um pouco da casa onde a gente ficava, na Rua do Lima, no bairro de Santo Amaro. Lembro da gente brincando: eu, minha irmã e meu irmão. Basicamente é só isso.
ZONA SUL – Por que o destino de sua família foi o Rio e não outro local qualquer?
NOÉLIA – Minha mãe era do Ministério da Fazenda e pediu transferência. Talvez tenha escolhido o Rio por ser uma cidade grande. Ela passou a vida inteira trocando um lugar menor por um maior. Está no seu sangue.
ZONA SUL – No Rio, onde a família foi morar?
NOÉLIA – Em Botafogo, na Rua da Passagem.
ZONA SUL – O baiano Hélio Contreiras tem uma música que fala nessa rua... Quais suas recordações desse tempo?
NOÉLIA – Muita coisa. Lembro, por exemplo, de estar torcendo na Copa do Mundo de 1970.
ZONA SUL – Contra ou a favor?
NOÉLIA – A favor. Naquela época eu ainda não era rebelde. Lembro de quando eu ia comprar Coca-Cola em um bar chamado “Orquídea”, para tomar assistindo aos jogos. Lá eu via as pessoas ligadas na TV, aguardando o começo das partidas. Também recordo de trocar figurinhas com os meninos da rua e de pedir pra namorar o vizinho do outro andar. Lembro ainda da minha atuação como patrulheira escolar de segurança. Eu ficava no sinal com as bandeirinhas de “PARE” e “SIGA”.
ZONA SUL – Essa época era a do regime militar. Você entendia que o país vivia sob uma ditadura?
NOÉLIA – Nem tinha noção. Eu era muito novinha e não era rebelde. Só entendi dessas coisas quando me mudei para Brasília, aos 12 anos. Fátima – minha irmã mais velha – e meu irmão participavam de encontros desse tipo. Eu preferia assistir novela e escutar aquelas trilhas sonoras.
ZONA SUL – A mudança para Brasília também foi para acompanhar sua mãe...
NOÉLIA – Isso. Foi uma mudança completa na nossa vida. No Rio morávamos em uma quitinete com um quarto bem grande. Toda a família dormia nesse quarto: eu, minha irmã, meu irmão, minha tia Cáritas e minha mãe.
ZONA SUL – Diga o nome das pessoas, pois até agora você só nominou Fátima e sua tia Cáritas.
NOÉLIA – Meu irmão é o Vinicius. Cáritas é a irmã mais nova da minha mãe, que se chama Dorinha.
ZONA SUL – E o seu pai?
NOÉLIA – José Raimundo. Ele morreu quando eu tinha 15 anos. Não tive contato com ele após sair de Recife. A separação foi abrupta. Minha mãe deu um dinheiro a ele e disse que estava saindo do casamento. Ele ainda perguntou se podia se despedir dos filhos. Minha mãe respondeu que não, que depois nos explicaria. Em um dia eu estava com o meu pai, no outro não estava mais.
ZONA SUL – Em que ele trabalhava?
NOÉLIA – Acho que era bancário. Espera: Fátima está dizendo que ele era comerciário. Diferente de mim, ela teve contato com ele após a separação.
ZONA SUL – Você guardou alguma mágoa dele?
NOÉLIA – Não, pelo contrário. Guardei mágoa da minha mãe, por não ter deixado que ele se despedisse de mim. Até idealizo um pouco, porque não o conheci.
ZONA SUL – Como foi trocar o Rio por Brasília?
NOÉLIA – Trocar uma quitinete por um apartamento de quatro quartos foi como mudar de classe social. De certa forma mudamos, já que o padrão financeiro melhorou. O quarto maior da casa era meu e de Fátima. Meu irmão tinha um quarto só para ele e minha mãe também. O último ficou para assistir televisão, essas coisas.
ZONA SUL – Quais suas primeiras impressões da nova cidade?
NOÉLIA – Fiquei encantada. Era começo dos anos 70, Brasília estava ainda sendo construída. Não tinha nada muito pronto. Fomos morar na quadra 109 Sul. Até hoje a minha mãe mora lá. Conheci muita gente, a adolescência em Brasília foi maravilhosa.
ZONA SUL – Tudo foi bom nessa mudança? Você não sentiu falta do mar e dos amigos que tinha conquistado no Rio?
NOÉLIA – Quando criança, não. Depois que fui crescendo é que passei a sentir falta do mar.
ZONA SUL – O tamanho do apartamento compensou...
NOÉLIA – Hoje não compensaria, jamais! Naquela época tudo era novo. Eu ficava sentada na jardineira ainda sem planta, conversando com a primeira amiga que fiz, a Gerti. Éramos vizinhas de janela. Ela sentava na jardineira do apartamento dela e eu na jardineira do meu.
ZONA SUL – E o colégio?
NOÉLIA – Comecei no Ginásio Setor Oeste, que era na 912. Ia a pé com as amigas. Essa independência eu não tinha no Rio. Também podia ficar embaixo do bloco. No Rio não tinha isso, e nem era por causa da violência. Não existia esse costume de ficar conversando embaixo de bloco, como em Brasília.
ZONA SUL – Brasília era majoritariamente uma cidade de forasteiros vindos de todos os cantos do país. Você sentiu dificuldade no relacionamento com pessoas tão diferentes?
NOÉLIA – A maioria das pessoas que morava no meu bloco tinha vindo do Rio. Muitos eram do trabalho da minha mãe. Ficamos perto desse pequeno núcleo já conhecido. Depois fui conhecendo outras pessoas.
ZONA SUL – Nessa época você já tinha alguma identificação com a literatura?
NOÉLIA – Comecei a fazer poemas aos nove anos de idade. Ia ao trabalho da minha mãe e lá perguntava o nome das pessoas para fazer versinhos para elas, rimando. Um dia alguém me deu um caderno para eu registrar o que escrevia. Acho que foi minha mãe. O primeiro poema que fiz tinha o nome de “A borboleta prosa”. Aliás, era música, bem jovem guarda. Eu gostava de fazer letra com música.
ZONA SUL – Antes de escrever, você deve ter lido alguns poemas...
NOÉLIA – Não lembro se tive contato com poesia naquela época. Talvez tenha ocorrido na escola. Depois, fiz Letras na Universidade de Brasília. Segundo a minha mãe, aprendi a ler sozinha, antes de ir para a escola. Com a poesia deve ter ocorrido o mesmo. Lembro que adorava minhas professoras de Português. Mas não lembro ter lido poesias ou minha mãe me incentivando a ler.
ZONA SUL – Você tomou gosto pela leitura em qual época?
NOÉLIA – Já em Brasília. Demorei um pouco a ler, era meio preguiçosa. Lia obrigada pelo colégio. No ensino médio, que na época era o segundo grau, é que tomei gosto. Fui incentivada pelos professores de Português. Me identificava com eles.
ZONA SUL – Você começou lendo o que?
NOÉLIA – Na começo li Machado de Assis, José de Alencar e aquelas coisas da escola. “Dom Casmurro” me impressionou um pouco. Eu ainda não sabia que a literatura seria a minha praia. Na época eu lia muito prosa, obrigada pelos professores. Quando entrei na universidade, a poesia tomou conta de mim. Comprei a coleção de Fernando Pessoa, em papel bíblia, e a de Cecília Meireles. Drummond foi outro que li loucamente. Na universidade, Álvares de Azevedo me impactou muito. Vieram os simbolistas: até hoje tenho as obras completas de Cruz e Souza. Augusto dos Anjos é autor do primeiro poema que decorei: “Versos Íntimos”. Outra influência poética, que é tida como segunda categoria foi Bruna Lombardi. Tenho todos os livros dela.
ZONA SUL – Qual o primeiro livro que lhe agradou verdadeiramente?
NOÉLIA – Lembro muito de um livro de Dalton Trevisan, “O vampiro de Curitiba”, que eu gostei muito. Fiquei com ele na cabeça.
ZONA SUL – Quando?
NOÉLIA – Em 1977 ou 1978. Quando comecei a namorar o Nicolas Behr - na época em que ele começou a fazer livros como “Iogurte com farinha” - eu já estudava Letras na UnB. Nesse tempo eu sabia mais de poesia do que ele. Nicolas escrevia intuitivamente. Depois ele passou a ler mais, embora nunca tenha feito curso superior.
ZONA SUL – Fale um pouco sobre Nicolas Behr para os leitores que não o conhecem.
NOÉLIA – Antes deixa eu voltar um pouquinho. Em Brasília comecei a me relacionar com muitas pessoas. Conheci músicos como o Sérgio Duboc, do Liga Tripa. Gostei de ingressar no mundo dos músicos, poetas e artistas. Passei a escrever para mostrar e ver se as pessoas gostavam. Além do Duboc, também faziam parte dessa turma a Gerti (minha amiga de infância), o Aldo Justo (outro compositor da cidade) e o Vicente Sá (poeta). Assisti a todos os festivais de Brasília. Antes de conhecer o Nicolas fiz um poema chamado “Humanita qualquer”. Houve um concurso de letrista e músicos no “Elefante Branco”. Pedi a Abraão para ele fazer uma música para aquele poema. Ele nem gostou muito da poesia, mas fez. Tirei o primeiro lugar no festival. Abraão colocou outra música dele, além da nossa parceria. Ele ficou em segundo lugar com sua música e em primeiro com “Uma Anita qualquer”. Eu era novinha, tinha uns 16 anos. Terminei o ensino médio no “Elefante Branco”. Depois fiz cursinho e passei no vestibular para Letras.
ZONA SUL – Concluiu o curso?
NOÉLIA – Sim. Nessa época conheci os poetas Paulo Tovar, que já faleceu, e Sóter. Nós três lançamos um livro juntos, o “Salada Mista”. A tiragem foi pequena. O livro era rodado em mimeógrafo, grampeado e vendido de mão em mão. Foi minha primeira participação em livro, isso em 1978, por aí. Esqueci de falar que antes de namorar o Nicolas, na época em que conheci os músicos de Brasília, a gente lançou uma cooperativa de músicos e poetas chamada COPPO, com dois “pês”. Eu era secretária da COPPO, recebia as inscrições. Os artistas preenchiam uma ficha e me entregavam, junto com uma foto. Todos os músicos de Brasília passaram pela minha mão de alguma forma: Eduardo Rangel, Zelito Passos, Paulo Cauim...
ZONA SUL – Você falou que esse COPPO tinha dois “pês”, mas tinha muitas garrafas também?
NOÉLIA – Muitas. Tinha muita cachaça “Velho Barreiro” e outras marcas da época. A gente também tomava conhaque de alcatrão “São João da Barra”. Realizamos o primeiro show da COPPO com Kaluca (piano), Sérgio Duboc (violão) e mais alguém que não lembro. Os músicos tocavam, Gerti e eu dizíamos poemas. Ao final do show dei meu primeiro autógrafo, a um senhor que pediu.
ZONA SUL – E o Nicolas Behr?
NOÉLIA – Junto com Tovar e Sóter fomos lançar o “Salada Mista” em Catalão (GO). Foi lá que conheci o Nicolas. Voltei com ele, os meninos ficaram. Na viagem de volta, dentro do ônibus, começamos a namorar. Niki tinha lançado o livro de poesias “Iogurte com Farinha”. Vendia em escolas, cinemas, na rua, nos bares e restaurantes... Passei a acompanhá-lo. Niki brilhando e eu ao seu lado. Eu tinha poemas guardados que ninguém lia. Eu era a que estudava literatura e Nicolas o que fazia poesia. Paulo Tovar foi quem teve a ideia de lançar meu primeiro livro individual, também em mimeógrafo, o “Expectativa”. O desenho da capa é da Fátima. Tem uns 20 poemas, é um livro pequenininho. O lançamento foi legal, o Paulo Tovar ajudou muito. Foi no Centro Cultural da 508. Vários músicos da cidade tocaram. Vendi um pouquinho, embora não tivesse muito jeito pra isso. Tovar me ajudou. Namorei o Nicolas por cinco anos. Era um namoro muito intenso. Fiquei mais conhecida por causa de um poema que ele fez pra mim: “Te amo 24 horas por segundo”. Ele até pichou seu quarto com esse poema.
ZONA SUL – Como é o poema?
NOÉLIA – “Te amo 24 horas por segundo”. Esse é o poema. Niki pegava o microfone nos “Concertos Cabeças” e falava pra mim. Era um namoro superfestejado.
ZONA SUL – O que eram esses “Concertos Cabeças”?
NOÉLIA – Eram apresentações periódicas promovidas pela galeria de artes “Cabeças”. Ocorriam na 310 Sul. Eram shows ao ar livre com muita música, teatro, dança, poesia e artes plásticas. Também tinham uns joguinhos, umas adivinhações sobre música. Eu e o Niki acertávamos todas. A gente ganhava tudo que era oferecido naqueles concertos. Nesse meio tempo, acredito que antes do lançamento de “Expectativa”, participei do livro “Aí é que são elas”. É uma coletânea da qual participamos eu, Tita (a mãe do Haroldinho Matos e do Paulinho Matos) e Teca.
ZONA SUL – Que tipo de música você escutava nessa época?
NOÉLIA – Todos os de Minas: Lô Borges, Milton Nascimento... Eu era louca pelo Beto Guedes. Fiz poema pra ele. Minha poesia tem um pouco de letra de música. Até hoje sou ligada em letra de música. Muito letrista me inspira. Eu também sofria influência da minha irmã, que ouvia Gonzaguinha, Ângela Rorô... Aprendi a gostar. Ouvi muito o “Boca Livre”. Eu tinha uma discoteca enorme, um baú entupido de coisa. Tudo o que era lançado, eu ia olhar. Também adorava os baianos.
ZONA SUL – Você falou de muita gente, mas não citou ninguém de Brasília.
NOÉLIA – Eu estava com os músicos de Brasília o tempo inteiro. Não citei porque eles ainda não tinham gravado discos, e a pergunta foi sobre os elepês que eu ouvia. Convivi muito com os músicos daqui: Gadelha, Flávio Faria, Sergio Duboc, Aldo Justo, Abraão, Paulo Tovar, Calouro...
ZONA SUL – Você conviveu também com artistas de outros estados que moraram em Brasília, como Fagner e Ednardo?
NOÉLIA – Os cearenses também faziam parte da minha discoteca. Tive o primeiro disco de Ednardo, Rodger e Téti. Pedi a minha mãe, que estava em São Paulo, para procurar o primeiro de Belchior nas discotecas de lá. Gostava do Fagner e era apaixonada pelo Clodo. Mas minha ligação era apenas de fã. Quando Ednardo veio fazer um show aqui, dei um vinho pra ele. Sempre tive essa coisa de fã. Até já disse ao Djavan que o amava... Eu amava todo mundo. Era apaixonada pelo Climério, queria conhecê-lo. Um dia me levaram até a sua casa. Ele abriu a porta e eu fiquei paralisada, sem saber o que fazer. Fui embora pra casa porque não dava conta de falar com Climério. Acabou que ele fez um livro e colocou um poema meu. Fiz minha monografia sobre canções do Paulinho Moska. Fui até a casa dele, o entrevistei e até hoje trocamos e-mail. Ainda cultivo essa coisa de fã.
ZONA SUL – Paulão está nos lembrando que saímos um pouco do rumo da conversa. Estávamos falando sobre o Nicolas Behr.
NOÉLIA – Sim. Outro poema que ele fez para mim foi “Estou perdendo o medo de gente: já pego na mão da minha namorada”. E teve o que acabou virando música, que foi o “Travessia do Eixão”. É mais ou menos assim: “Nossa Senhora do Cerrado / Protetora dos pedestres / Que atravessam o Eixão / Às seis horas da tarde / Fazei com que eu chegue são e salvo / Na casa da Noélia”. Ele atravessava realmente o Eixão para ir à minha casa. Nicolas morava na 415 Sul e eu na 109 Sul.
ZONA SUL – A oração funcionou? Ele conseguiu sempre atravessar o Eixão ileso?
NOÉLIA – Funcionou, nunca aconteceu nada. Amigos dizem que até hoje rezam quando vão atravessar o Eixão. Continuei convivendo com amigos músicos, como o Nonato Veras. Nessa época o “Liga Tripa” estava começando a aparecer. Um dia fui ao apartamento do Nonato. Ele mostrou a música que fez pro poema “Travessia do Eixão”. O “Liga Tripa” criou uma versão e incorporou às suas canções. Nesse meio tempo, conheci o Renato Russo. Ele era fã dos poemas do Niki. Como eu namorava o Niki, a gente foi se conhecendo. Renato acabou se aproximando da gente em encontros na noite. Nunca fui amiga de ir à casa dele, mas a gente sempre se encontrava. Renato era muito gentil e receptivo. Aproximei-me mais dele do que o Niki, que se retraiu um pouco. Tenho até a foto de um aniversário de Niki na qual estou sentada no colo do Renato. Quase todos os músicos da cidade estão nessa foto.
ZONA SUL – Isso tudo deve ter acontecido antes de Renato Russo fazer sucesso com o “Legião Urbana”...
NOÉLIA – Sim, foi antes de ele estourar.
ZONA SUL – Dava pra notar que ele era diferente?
NOÉLIA – Sim. Quando ouvi aquele primeiro disco, fiquei completamente em êxtase.
ZONA SUL – Você ouviu o disco após ele estar sendo vendido nas lojas ou teve uma audição privilegiada?
NOÉLIA – Só depois que o disco saiu. Conhecia o trabalho do “Aborto Elétrico”, não do “Legião Urbana”. Eu já adorava o som mais pesado e agressivo do “Aborto Elétrico”. Conhecia alguma coisa que o “Legião” gravou e que o Renato cantava muito, como “Dado Viciado”. Mas aquela coisa de “Geração Coca-Cola” eu não conhecia. Certa vez recitei para Renato, em um concerto no Lago Norte, um poema que fiz pra ele. Era e ainda sou muito tímida. Eu disse assim: “Gente, vou falar um poema, mas como sou muito tímida, vou falar de costas”. Foi assim que fiz. Fui super aplaudida.
ZONA SUL – Por que você respondeu com tanta convicção que dava para notar que Renato Russo era uma pessoa diferenciada?
NOÉLIA – Não apenas seu som, mas como pessoa, ele também era muito especial. Era muito carismático, era uma pessoa divina.
ZONA SUL – Você também conviveu com Cássia Eller?
NOÉLIA – Pouco. Meu ex-marido tinha mais contato.
ZONA SUL – E Oswaldo Montenegro?
NOÉLIA – Entrou de penetra na minha festa de 18 anos. (risos). Não foi convidado, entrou porque era muito ligado a Léa, uma das minhas convidadas. Chamei esse meu aniversário de 18 anos de “Realce”, por causa daquela música do Gil. Eu colocava purpurina em todo mundo que entrava. Não tinha contato com Oswaldo, mas gostava daquelas primeiras músicas dele. Zélia Duncan morou perto. Namorei o irmão dela, Luiz Otávio. Eu tinha 13, ele estava com 12 anos. Mas, voltemos ao Renato Russo. Encontrei com ele no Conic após o lançamento do primeiro disco do “Legião”, antes de estourar. Eu tinha ficado fascinada. Disse a ele: “Renato, o que é aquilo? Que disco lindo!”. Comprei até uns óculos como os dele, para ficar parecida. Nesse dia, enquanto conversávamos, Renato me mostrou as marcas da tentativa de suicídio que ele praticou na banheira. Cortou os pulsos. Usava muito aquelas camisas de mangas compridas para as cicatrizes não aparecerem. Fiquei mais fascinada ainda. Achei tudo aquilo lindo, sou uma fã inveterada, não tem jeito. Já a gravação que ele fez de “Travessia do Eixão” ficou guardada na gravadora. Só saiu depois que Renato morreu. Quando o disco começou a ser vendido, me ligaram: “Pega o disco póstumo do Renato que saiu a sua música lá”.
ZONA SUL – Apenas para relembrar, “Travessia do Eixão” é a oração que Nicolas fazia para chegar “são e salvo na casa da Noélia”.
NOÉLIA – Sim. Na época em que eu tinha contato com os músicos, eu e o Duboc compusemos uma canção. Ele me deu uma melodia para eu colocar a letra. A música chama-se “Entressafra”. O nome foi aproveitado por Duboc para batizar um show que ele organizou. Depois virou o nome desse grupo dele. Paulão, que está aqui conosco, era o percussionista. ZONA SUL – Renato Russo continuou seu amigo mesmo depois do sucesso?
NOÉLIA – Após ele ir para o Rio de Janeiro, depois daquele sucesso estrondoso, perdemos um pouco o contato. Passei a receber apenas cartões de Natal. Ele vinha sempre a Brasília ver a família. Em uma dessas vezes, ligou pra mim. Eu morava com uma amiga. Renato deixou um recado na secretária eletrônica que até hoje tenho gravado em uma fita k7. Ele disse: “queria falar com a Noélia, mas já que não está, queria desejar Feliz Natal para ela e para a secretária eletrônica também”. Outra vez me telefonou convidando para assistir a duas apresentações que faria aqui em Brasília: no Teatro Nacional e no Ginásio de Esportes. Respondi que iria e que até já tinha comprado ingresso para o show no teatro. Fui apanhar com ele convites para o ginásio também. O show me deixou impressionada. Vi como ele estava fazendo sucesso. Tinha gente se jogando lá de cima para poder chegar perto do palco. A polícia teve que fazer milhões de manobras pra segurar os fãs. Eu não acreditava que era convidada para aquele show. Depois vi o mesmo show na Sala Villa-Lobos, do teatro. No dia seguinte, Renato me ligou chamando pra eu ir ao hotel onde estava hospedado. Estava promovendo uma recepção para poucos amigos. Respondi que estava dura. Ele disse: “venha que eu pago o táxi”. Fui e ele pagou meu táxi. A festa era muito louca. Todos completamente enlouquecidos. Eu não fazia parte daquilo, me senti meio perdida. Diverti-me o que pude, falei com ele e fui embora. Depois o encontrei no Gate's Pub. Fui falar com ele. Foi engraçado. Ele estava enlouquecido: se ajoelhou aos meus pés e beijou minha mão. Eu disse: “Renato, pelo amor de Deus, levanta, meu filho. Você está me matando de vergonha”. Ele nem aí. Aquele ídolo para quem muita gente se ajoelharia, estava ali ajoelhado diante de mim. Ele dizia sempre que não esquecia os amigos de Brasília. “São os únicos sinceros, o resto veio por interesse. Vocês são as pessoas que realmente conquistei. Gostam de mim apesar de qualquer coisa”. Ele sempre frisava isso.
ZONA SUL – Quando terminou o curso de Letras você foi fazer o que da vida?
NOÉLIA – Terminei o curso de licenciatura e fui ensinar Português. Fui professora do Colégio Santa Dorotéia durante um ano e meio. Depois disso resolvi voltar à UnB. Fui fazer bacharelado em Inglês. Foi na época em que entrei para o Ministério da Fazenda, como agente administrativo. De manhã era professora e de tarde trabalhava no Ministério. Larguei a sala de aula porque estava muito cansada. Optei por estudar.
ZONA SUL – E a poesia?
NOÉLIA – Continuei escrevendo uma coisa ou outra e guardando.
ZONA SUL – Quando você resolveu desengavetar esse material?
NOÉLIA – Somente no ano passado. Parei um pouco de escrever quando casei. Em 1989 comecei a namorar o meu ex-marido, Adauto Soares. Casamos em 1992. O conheci na noite. Virou amigo. Eu desabafava com ele. Sempre fui uma mulher apaixonada. Toda semana eu estava apaixonada por uma pessoa diferente. Acho que a paixão era sempre a mesma, só mudava o destinatário. Queria estar sempre apaixonada para poder usar esse sentimento escrevendo muita poesia.
ZONA SUL – Alguns dizem que a poesia flui mais fácil quando a pessoa está sofrendo...
NOÉLIA – Ou sofrendo ou muito apaixonada. É um sofrimento ficar muito apaixonada. Tudo é muito intenso. Quando a vida está morninha, não. Quando casei com Adauto, a vida ficou morninha, a produção caiu a zero. Cinco anos depois veio o primeiro filho, o Nino Soares, que tem 15 anos hoje. Como sou meio intensa, só consigo fazer uma coisa de cada vez. Fui ser mãe, só pensava nele. Depois, pra quebrar um pouco essa ligação muito forte que tive com ele, resolvi engravidar de novo. O nascimento da minha filha, Alice, foi minha libertação. Pensei que seria minha prisão, mas foi minha libertação. Ela tem nove anos hoje.
ZONA SUL – Nessa época você já trabalhava na Câmara dos Deputados?
NOÉLIA – Quando estava de licença-gestante devido a meu primeiro filho, passei no concurso para a Câmara. Estudei taquigrafia alguns anos e passei. Trabalho lá até hoje.
ZONA SUL – Os taquígrafos devem encontrar muita dificuldade para anotar o discurso de determinados políticos.
NOÉLIA – Um bem difícil era o Enéas. A gente perdia trechos do que ele falava, mas depois recuperava ouvindo a gravação. Ele falava 140 palavras por minuto, nosso treinamento é para pegar 120 por minuto.
ZONA SUL – Você lembra ter taquigrafado algum fato histórico ou situação engraçada?
NOÉLIA – Várias. Teve um deputado que levou uma galinha viva, farinha e outros tipos de comida para a tribuna. Eu estava presente no dia em que certa deputada fez aquela “dança da pizza”, comemorando a absolvição de um colega de partido. Ainda apareci na beirinha da foto. Outro dia entrei toda de verde no Plenário. Saia verde, blusa verde e colete verde. Clodovil me olhou de cima abaixo e fez uma cara de reprovação. Olhou como quem diz: “que abacate é esse, que árvore é essa chegando?”. Percebi claramente que não agradei. Como eu trabalho mais pela manhã, pego sessões mais tranquilas.
ZONA SUL – Agora, depois de muito tempo você tirou a poesia das gavetas.
NOÉLIA – Apesar de não publicar, eu vinha escrevendo no meu caderninho. No começo do namoro com Adauto, escrevi algumas coisas pra ele. Depois se tornou aquela coisa morninha e não tinha poesia que segurasse. Quando o casamento começou a entrar em crise, voltei a escrever. E a sofrer. No fim eu já estava meio engatada no livro. Quando estava prestes a me mudar - o casamento já terminando - as caixas do livro chegaram para eu fazer a revisão.
ZONA SUL – A crise no casamento influenciou o título do livro: “Atarantada”?
NOÉLIA – Não. Esse é o título de um poema feito muito antes. Ele estava guardadinho. Peguei poemas novos e juntei com uns antigos, nos quais dei uma recauchutada, uma melhorada. “Atarantada” já existia há muito tempo. Na verdade o nome do livro seria “Sorriso do desconhecido”
ZONA SUL – Por que a troca?
NOÉLIA – Fui à casa de uma amiga que gosta muito de mim e é muito ativa. Ela foi me ajudar a mexer na capa. Ela achou a capa horrível e o título também. O editor também já havia opinado que aquela capa anterior não vendia. Juntou uma coisa com outra.
ZONA SUL – Como foi o lançamento do livro?
NOÉLIA – Foi lançado no Café da Rua 8, no dia 3 de dezembro. Convidei vários músicos pra tocar. O “Liga Tripa” se apresentou maravilhosamente. O astral estava muito bom. Só não foi melhor porque choveu. Nonato cantou Nonô (“Travessia do Eixão”). Gadelha cantou também. Foi uma grande festa. Falei alguns dos meus poemas e convidei alguns amigos pra falarem outros. Minha irmã falou um, Duboc e Nicolas falaram também. A tiragem foi de 750 exemplares.
ZONA SUL – Você tem algum site para divulgar o seu trabalho?
NOÉLIA – Tenho Orkut. Uma amiga entrou no Orkut, no “Recanto das Letras” e vendeu livro pra caramba. Eu entrei no Orkut pra divulgar um pouco a minha poesia, mas não mudou muita coisa. Muita gente ligada a Literatura me escreveu através do “Recanto das Letras”, mas, com relação às vendas, não teve esse impulso todo. Também lancei o “Atarantada” no “Café com Letras”, junto com o lançamento do livro do Joãozinho da Vila. A intenção agora é lançar no Rio de Janeiro. Tenho feito contato com alguns músicos. Mandei o livro pro Celso Fonseca e pro Antonio Adolfo. Como gosto de música, espero que repercuta de alguma forma. Fui convidada a lançar o livro também em uma semana de literatura do Ceub. Coincidentemente fui colocada no mesmo dia de uma palestra do Nicolas. Acabou que fizemos a palestra os dois. Foi interessante porque contamos milhões de histórias e os estudantes ficaram animados. Histórias do tempo em que a gente namorava. Ao final ele vendeu os livros dele e eu vendi os meus. Foi muito legal.
ZONA SUL – Qual a repercussão do livro?
NOÉLIA – Os homens, principalmente, fizeram comentários como se a minha poesia fosse meio sexual e pornô, o que não tem nada a ver. Uns perguntaram se as pernas da capa do livro são as minhas. Eu gostava da poesia de Bruna Lombardi porque ela é meio erótica. Sempre tive essa queda para a sensualidade, para o erotismo. Mas alguns confundem um pouco o “eu” poético com o próprio poeta. Tem gente que pensa que tudo o que escrevi eu fiz. Quando escrevo “no meu colchão lilás deitariam homens”, já imaginam que tenho um colchão lilás dentro de casa e que encho de gente. Tem homens que reagem assim: “nossa, seu livro, hein... uma sacanagem pura”. Mas na verdade é um livro muito feminino. Em um poema falo de mãe, num outro o tema é Paulinho Moska. Já a reação das mulheres é de identificação com o que escrevo.
ZONA SUL – Como alguém, por exemplo, em Natal, pode adquirir seu livro?
NOÉLIA – É só escrever para o meu e-mail: nocamaria@gmail.com/. O prefácio é da compositora Ana Terra que faz músicas com Joyce. Elis Regina gravou várias canções com a letra dela. Não a conheço pessoalmente. Mandei o livro por e-mail, depois de encontrá-la na Rede de Escritoras Brasileiras (Rebra). A internet funcionou nessa hora! Participei de uma antologia da Rebra. No email que enviei para ela eu escrevi mais ou menos assim: “Ana Terra, sou sua fã desde os 20 anos, você é tudo pra mim. Suas letras me inspiram, são maravilhosas. Você não quer fazer o prefácio do meu livro?”. Mandei junto com o livro. Ela foi super gentil. Fez um prefácio muito gracinha e até me comparou a Florbela Espanca. Achei tudo lindinho. Engraçado que devido a essa minha ligação com música acabei chamando uma compositora, e não um poeta, pra fazer o prefácio. Nicolas fez a orelha e Aluisio Brandão, que compõe muito com Climério, fez a contracapa. O livro tem 71 poemas e duas gravuras de Gustavo Maron, um amigo que desenha acessórios em Paris para a Chanel. Foi editado pela Verbis. Foi o primeiro livro da editora. Ainda tem alguns exemplares a venda no Café com Letras, na quadra 203 Sul, ou por e-mail, comigo. Meu editor vai tentar comercializar também através da Saraiva e da Cultura.
ZONA SUL – Deixe um recado para o leitor do Zona Sul. Mas, antes, diga qual o seu poeta preferido
NOÉLIA – O poeta é Drummond. Aos amigos de Natal eu posso dizer que já estive nessa linda cidade, quando tinha 18 anos. Não lembro muitos detalhes, mas guardo a sensação de que gostei muito. Também quero complementar que “Atarantada” é um livro muito acessível. A linguagem não é difícil. As mulheres adoram e os homens também gostam muito. É gostoso de ler. A minha manicure adorou. Minha professora de Literatura adorou. Na verdade, quem lê, gosta.