MOVIDO A GRANDES DESAFIOS

ZONA SUL -
Você é caicoense?
JAIME -
Nasci em Natal por uma necessidade médica: minha mãe teve uma gravidez
complicada e precisou parir em um centro mais desenvolvido. Então ela se
deslocou até Natal. Embora tenha nascido na Maternidade Januário Cicco, me
considero caicoense, já que foi ali que passei a minha infância, minha primeira
adolescência e de onde nunca me afastei.
ZONA SUL –
Fale um pouco a respeito dos seus pais.
JAIME – Minha
mãe, Maria Julieta Dantas de Faria, vem de duas numerosas famílias seridoenses,
Dantas e Medeiros. É prima legítima do Monsenhor Walfredo Gurgel. Meu avô Joel Dantas
- líder político do antigo PSD de Caicó – era tio e padrinho político de
Monsenhor Walfredo Gurgel. Já o meu pai, Jaime Mariz de Faria, era sobrinho de
Dinarte Mariz – irmão de sua mãe Osmila - e também sobrinho de Juvenal
Lamartine – irmão de seu pai Epitácio. Nasci, portanto, numa família política
por todos os lados. Como o lado paterno era dinartista e o materno aluizista
(Aluízio Alves e Monsenhor Walfredo Gurgel eram aliados), vivi um conflito
político muito grande na minha infância e adolescência. Monsenhor era
referência maior em Caicó, juntamente com Manoel Torres. A família se dividia
entre essas duas lideranças.
ZONA SUL –
Como foi conviver com Dinarte Mariz e Monsenhor Walfredo Gurgel?
JAIME – Foi
agradável, apesar de não ter sido muito de perto. Convivi com Dinarte - ele já
no final da vida, mas ainda muito bem e lúcido – quando de suas vindas para a
Fazenda Solidão. Ele e Monsenhor Walfredo Gurgel foram dois grandes líderes
políticos que, a exemplo de outros, se doaram por completo à política, sem
obter praticamente nenhuma vantagem pessoal em contrapartida.
ZONA SUL –
Sua mãe desenvolveu alguma atividade?
JAIME – Sempre
foi dona de casa, nunca teve qualquer participação na política. Da mesma forma,
meu pai também não enveredou pela política, apesar de, quando jovem, ter sido
prefeito de sua cidade Serra Negra do Norte. Mas, depois de maduro meu pai concluiu o curso de Direito, depois que eu,
que sou o caçula, me formei. Advogou até os últimos dias de sua vida. Antes,
ele foi funcionário do Batalhão em Caicó, se dedicou à agropecuária e foi
bancário.
ZONA SUL –
Fale sobre seus irmãos.
JAIME –
Somos dois homens e duas mulheres. A mais velha é Tânia, médica dermatologista em São Paulo há mais de 30
anos, mas está vindo morar em
Natal. Depois tem João Luciano, que é engenheiro da
prefeitura de Natal. Sônia, socióloga e funcionária pública, é casada com
Geraldo Queiroz, que foi reitor da UFRN. Sou o quarto filho. Somos uma família
pequena para os padrões do Seridó da nossa época.
ZONA SUL –
Você morou em Caicó até qual idade?
JAIME –
Até os 14 anos. Caicó era uma cidade muito tranqüila. Os carros da época eram quase
contados nos dedos. Andávamos a cidade toda a pé. Estudei no Colégio Diocesano
Seridoense, talvez o melhor colégio daquela época de Caicó. Com essa formação
relativamente boa, tentei ser estudante de colégio militar com o objetivo de
ter oportunidade de uma formação melhor ainda. Passei no concurso da escola
preparatória de cadetes do ano de 1971, juntamente com apenas dois outros do
Rio Grande do Norte, mas não fui por decisão própria, depois de muitas
reflexões. Aos 15 anos vim para Natal, estudar na Escola Técnica Federal. Vim
morar na casa da minha irmã, Sônia. Depois do curso técnico de Eletrotécnica,
cursei Engenharia, na UFRN. Morei durante muito tempo na casa de Sônia e
Geraldo Queiroz. Tenho por eles enorme carinho, considerando-os uma mistura de
irmãos, segundos pais, além de amigos e conselheiros.
ZONA SUL –
Você foi um bom aluno?

ZONA SUL –
Ao concluir Eletrotécnica você foi fazer Engenharia Elétrica na UFRN...
JAIME – Eu
queria trabalhar como eletrotécnico para começar a ganhar o meu dinheiro, por
isso não estudei tanto para o vestibular. Mas passei fácil com a base que tinha.
Mesmo assim, fiz estágio na COSERN. Quando concluí Engenharia fui convidado
pela UFRN para integrar os quadros de professores do departamento, com a
condição de fazer mestrado. Eu, juntamente com uns dez alunos concluintes que
tinham se sobressaído durante o curso de graduação das engenharias. Escolhi a Unicamp, em Campinas/SP, para fazer o mestrado. Grandes
nomes da engenharia elétrica ensinavam lá. Estudávamos mais de 10 horas por
dia. Na volta para Natal, comecei a dar aula na graduação de Engenharia Elétrica
da UFRN, bem como na antiga ETFRN, depois CEFET e hoje IFRN, a convite. Em 1983,
o então reitor Genibaldo Barros me convidou para ser pró-reitor estudantil da
Universidade. Aceitei. Essa foi minha primeira experiência como dirigente. Eu
tinha 27 ou 28 anos.
ZONA SUL –
A que você atribui esse convite?
JAIME – Na
época eu participava discretamente do movimento docente e de grupos espontâneos
que se juntavam para discutir a Universidade. Quando o novo reitor foi anunciado,
entregamos um documento com propostas tiradas dessas discussões. Depois ele nos
convidou para conversar sobre o documento entregue e acabou me convidando para
ser seu pró-reitor estudantil, creio que sob a influência de Dinarte Mariz, na
época senador com grande prestígio em Brasília. O Brasil vivia o final da
ditadura militar. O movimento estudantil retornava forte e atuante. Diante
desse quadro, o pró-reitor estudantil deveria ser alguém jovem e com trânsito
entre os estudantes para tentar construir um diálogo aberto. Esses critérios
devem ter facilitado minha escolha. Participei decisivamente nas negociações
para a primeira eleição direta dentro da UFRN, que foi no Centro de Tecnologia,
onde era professor. Só não fui candidato porque nessa época já era pró-reitor. Como
tal, fui o interlocutor da UFRN perante os estudantes na famosa ocupação da
reitoria.
ZONA SUL –
Como foi?

ZONA SUL –
Nessa época você já tinha começado a construir a sua família?

ZONA SUL –
Depois de ser pró-reitor você não pensou em assumir o principal cargo da Reitoria?
JAIME - Quando
estava terminando o mandato de pró-reitor, começou o primeiro processo na
história da UFRN de eleição direta para a composição da lista sêxtupla para reitor.
A política universitária fervia. A minha situação de Pró-Reitor me colocava
numa posição de destaque e por isso participei ativamente desse processo. Quatro
chapas foram formadas, cada uma com seis candidatos a integrantes da lista
sêxtupla para reitor e mais seis para vice-reitor, sendo, portanto, 48 nomes na
disputa. Uma liderada pelo professor Daladier Pessoa Cunha Lima, outra pela professora
Justina Iva, a terceira chapa era encabeçada pelo professor Adilson Gurgel de
Castro, e a quarta, chamada “Chapa do Bom Senso”, onde constava o meu nome
dentre outros cinco professores para reitor. Cada eleitor – professor,
estudante e funcionários - votava em seis nomes para reitor e seis para
vice-reitor. O mais votado entre todos foi o Professor Daladier Pessoa Cunha
Lima e eu fui o segundo mais votado uninominalmente, mas minha chapa ficou em terceiro
lugar no cômputo geral. No segundo turno o Professor Daladier disputou e venceu
a professora Justina Iva e foi eleito e depois nomeado reitor. Fiquei
satisfeito com a minha votação, até por ser o mais jovem dentre todos os 24 candidatos
a reitor. Logo após essa eleição, Geraldo Melo foi eleito governador do Rio
Grande do Norte e me convidou para presidir a COSERN.
ZONA SUL –
Geraldo Melo já conhecia você?
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ZONA SUL –
Nessa primeira vez que você se ocupou com a COSERN tinha alguma missão
específica?
JAIME – A
legislação da época não ameaçava a perda da concessão federal caso a empresa
não atendesse critérios rígidos de gestão. Então a missão era fazer obras de
transmissão (subestações e linhas de transmissão) e também de distribuição para
levar energia de boa qualidade a todos os recantos do estado ainda não atendidos
pela COSERN. As preocupações normais de gestão de uma grande empresa. Fizemos
um grande programa de expansão, mas não tínhamos uma “espada de Dâmocles” sobre
a cabeça da empresa, caso não atendesse a determinados requisitos,
completamente diferente da segunda vez que fui presidente da empresa.
ZONA SUL –
Como foi a temporada na Bélgica?

ZONA SUL –
Concluído o curso, o que você foi fazer da vida?
JAIME - Voltei
à atividade docente nas duas instituições, UFRN e CEFET, até que, em 1994,
Aluízio Alves foi escolhido para o Ministério da Integração Regional e me
convidou para ser diretor da Sudene. A missão era tentar moralizar a liberação
dos recursos do Finor, implantando critérios técnicos rigorosos e objetivos. A
influência política na aprovação e liberação de recursos passou a ser nenhuma. Para
liderar essa empreitada foi escolhido um militar de cinco estrelas do Exército
Brasileiro, o general Nilton Moreira Rodrigues, para o cargo de superintendente
da Sudene. O presidente da República era Itamar Franco. Fui o diretor da Finor
– que era fundo financeiro que financiava a implantação das indústrias na
região. Nosso trabalho era tirar as empresas inadimplentes e, com viés
absolutamente técnico, preservar o pouco dinheiro que existia para garantir os
projetos que estavam cumprindo a lei e se implantando com regularidade.
Obtivemos sucesso na empreitada, pois no final do primeiro ano os critérios já
eram conhecidos por todos, elogiados pela grande maioria e as pressões quase
inexistentes.
ZONA SUL –
Qual seu destino ao sair da Sudene?

ZONA SUL –
Sua relação com Garibaldi começou a partir daí ou já existia?
JAIME – Já
existia, pois morei perto de familiares dele e o via sempre quando de suas
visitas a sua irmã. Além do mais sempre foi um deputado muito atuante, com
grande visibilidade em todo o estado. E quando foi prefeito de Natal e eu
presidente da COSERN essa relação estreitou-se bastante, já que existia uma parceria
entre Prefeitura e COSERN para a iluminação pública e todos os outros assuntos
comuns às duas instituições. Nesse convite para ser presidente da COSERN pela
segunda vez, o Garibaldi determinou que a gestão fosse, obrigatoriamente, técnica
para que a empresa pudesse enfrentar com chance de êxito os desafios que
estavam postos. Isso implicou em contrariar interesses políticos de
correligionários e adversários, já que a nova lei de concessão não nos dava
outra alternativa. Fizemos um plano de recuperação da empresa que passava por princípios
básicos: aumentar receitas e cortar despesas. Aumentar a receita porque a COSERN
não recebia as contas de energia de uma grande parte dos consumidores públicos,
como prefeituras e o próprio estado, além de consumidores privados com
influência política que se achavam também desobrigados de pagarem suas faturas
de energia. E na outra ponta, tivemos que elaborar um plano de corte de
despesas, pois a empresa gastava exageradamente em várias áreas. Começamos
pelos salários do presidente e dos diretores, que foram cortados para um terço,
isto é, um corte expressivo de 66%. Reduzimos as assessorias das diretorias e
de toda a estrutura organizacional em geral, e extinguimos até os carros que
serviam ao presidente e aos diretores. Depois de cortar na própria carne, pedimos
a colaboração do sindicato dos eletricitários, extremamente combativo, que tinha
conseguido fechar um acordo trabalhista muito generoso com a diretoria que
estava saindo, no final do governo anterior.
ZONA SUL –
Acordo bom é esse, que se faz para outro pagar...

ZONA SUL –
Depois da Secretaria de Planejamento, você foi secretário de Administração...

ZONA SUL –
Voltou para sala de aula?

ZONA SUL –
Esse retorno à UFRN e CEFET foi por muito tempo? Você tentou retomar sua
carreira política dentro da universidade para pleitear novamente o cargo de
reitor?
JAIME –
Voltei em 2003 e permaneci por lá até 2010. Aprendi que a atividade política na
universidade não pode ser interrompida. Na hora em que você sai, ao voltar
perde praticamente tudo o que havia acumulado e tem que recomeçar do zero. Por
isso não me envolvi mais com a política universitária, como fizera antes.
Foquei em outras prioridades, me dediquei com mais afinco à sala de aula, e
resolvi estudar Direito.
ZONA SUL –
Essa nova saída, em 2010, foi para onde?

ZONA SUL –
Antes de entrar nessa parte, por favor, responda: a transposição sai ou não
sai?
JAIME –
Sai sim. O trecho Leste, por exemplo, já é irreversível. Mas a obra está atrasada.
ZONA SUL –
Os ânimos foram apaziguados? Quando esse projeto voltou a ser discutido, Bahia,
Alagoas e Sergipe fizeram uma confusão enorme contra a realização das obras.
JAIME – Hoje
não há mais nenhuma resistência visível ao projeto. A polêmica tinha um viés
político muito forte, porque tecnicamente não há nenhum problema, nem de
prejudicar a geração de energia elétrica, porque a água já está praticamente se
encaminhando para a foz do rio. Aquela é uma grande obra e muito complexa, mas
ela é estratégica para o Nordeste. Poderá garantir o abastecimento humano e aumentar
em muito a possibilidade de irrigação. Não vai acabar com a seca, mas amenizará
bastante onde a transposição puder chegar.
ZONA SUL –
Voltemos ao Ministério da Previdência...
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ZONA SUL –
A imprensa também ajudou...
JAIME – A
mídia teve papel importantíssimo! O ministro determinou que antes de iniciar a
discussão deveríamos dar à imprensa todas as informações possíveis. Ele convidou
jornalistas dos grandes jornais, das grandes revistas e dos principais canais
de TV para explicar-lhes os detalhes do projeto. Ao conhecer os números, a
imprensa se tornou forte aliada. Foram vários os editorias e matérias
favoráveis em importantes veículos de comunicação. Com dados sólidos e
argumentos consistentes que nós tínhamos, obtivemos sucesso no debate. Até
partidos que fazem oposição ao governo no Senado Federal e Câmara dos Deputados
perceberam que ali não se tratava de um projeto de um partido, coligação ou de um
governo, mas o projeto do Estado Brasileiro. A aprovação da FUNPRESP permitirá um
redesenho interessante nas contas públicas. Na hora em que o governo acena com
um futuro menos preocupante para a conta previdenciária, demonstra que está trabalhando
efetivamente para o equilíbrio das contas públicas do Brasil. Apesar de os
efeitos da FUNPRESP só serem no médio e longo prazo, já estamos convivendo com
os benefícios de sua aprovação. No meio dessa queda de juros que houve, tem lá
uma colaboração real da FUNPRESP. Com o apoio decisivo da presidenta Dilma
Rousseff e a liderança do ministro Garibaldi, pudemos mostrar que é possível
fazer reforma no Brasil através do bom debate. Se o projeto é consistente e há disposição
para o diálogo, para a argumentação, é possível construir uma solução que seja
a melhor para o país.
ZONA SUL –
Se Raissa - sua filha que está cursando Direito - ingressar no serviço público
você recomendará a ela que adira à FUNPRESP?

ZONA SUL –
Como fica a situação dos funcionários que ingressaram no serviço público
federal antes de a FUNPRESP entrar em vigor?
JAIME –
Para os antigos, não muda nada. O servidor público federal que entrar a partir
de fevereiro é que vai estar submetido a esse novo sistema. Essa reforma respeitou
todos os direitos adquiridos dos atuais servidores, e os novos servidores vão
entrar com regras claras, sabendo o que vai reger a sua aposentadoria. Os
especialistas dizem que o ministro Garibaldi conseguiu viabilizar a aprovação da
maior reforma previdenciária que o Brasil conheceu até hoje. E de uma maneira
pacífica e mansa, sem atropelar direitos ou expectativa de direito. Garibaldi,
apesar do jeito pacato e conciliador, quando necessário enfrenta desafios e
trava embates extremamente ousados. Ele tem conduzido o Ministério da
Previdência pensando muito mais nas próximas gerações do que nas próximas
eleições.
ZONA SUL –
Qual será sua próxima missão no Ministério?
JAIME – Logo
que a FUNPRESP foi aprovada, o ministro me deu outra missão: tentar interagir
com estados e capitais para viabilizar a criação de um fundo que sirva como multipatrocinador
para estados e municípios poderem também fazer reformas semelhantes nos seus
regimes próprios de previdência. Não adianta só equilibrar as contas
previdenciárias dos servidores públicos da União. Existem contas de estados e
de municípios em situação preocupante. Então, o desafio para esse ano é tentar construir
outro fundo - que estamos chamando de Prev-Federação - para tentar resolver
também a situação das contas previdenciárias de estados e municípios.
ZONA SUL –
Quando não está envolvido com o trabalho, onde gasta seu tempo? Em que você se
diverte?

ZONA SUL –
Você pode ser encontrado nas mídias sociais?
JAIME – No
Facebook e Instagram, principalmente. Meu email é jaimemariz@yahoo.com.br. Estou à
disposição para qualquer contato.
ZONA SUL –
Você planeja algo para o futuro?
JAIME – Meu
próximo projeto de vida é ser advogado, depois de ter passado 35 anos sendo
engenheiro e professor. Quero advogar nessa próxima fase de minha vida, durante
o tempo que Deus me der, a exemplo do meu pai, que morreu aos 83 anos, ainda
advogando. Além disso, curtir a família e os amigos.
ZONA SUL –
E planos para ingressar na política?
JAIME – Aqui e acolá me incentivam para entrar na política
partidária. Até recebi convites para me candidatar em Caicó, minha terra. Mas
considero que o meu perfil é muito mais técnico. Gosto de política, nasci
dentro da política. Desde pequeno ouço e participo de movimentações políticas,
mas essa participação é muito mais dentro dos bastidores do que no front.