“PAPAI, ONDE ESTÁ VOCÊ?”
Michelle
Rodrigues Sampaio Bonifácio nasceu em Brasília, fruto de uma paixão fulminante,
mas ligeira. A família de sua mãe é goiana, de Porangatu. Do seu pai ela pouco
sabe. Só o nome, Maurício, e que ele era viúvo na época em que manteve o
relacionamento que a gerou. Michelle foi informada também de que teria dois
irmãos, filhos desse pai desaparecido: Paulo Wagner e Carmen Lúcia. O
nordestino Maurício seria paraibano. Não se tem certeza. A única coisa certa é
que a nossa entrevistada do mês não cansará enquanto não encontrar o pai.
Enquanto isso não ocorre, ela vai vivendo como pode. Vamos conhecer um pouco de
sua história. Se por acaso alguém souber do paradeiro de Maurício, mantenha
contato. (robertohomem@gmail.com – http://zonasulnatal.blogspot.com).
A cobertura fotográfica dessa entrevista foi feita pelo grande fotógrafo
pernambucano e amigo JB Azevedo.
ZONA SUL – O que você
faz, hoje, da vida?
MICHELLE – Sou servidora
pública, trabalho no Ministério da Previdência Social. Entrei em abril do ano
passado. Minha lotação é no Cerimonial. O serviço inclui o acompanhamento da
agenda do ministro em eventos, reuniões e viagens.
ZONA SUL – Fale sobre
alguma viagem interessante que você tenha feito durante esse ano de trabalho.
MICHELLE – Um fato
interessante é que, graças a essas viagens, pude assistir à abertura do São
João 2012 de Caruaru e ao último dia dessa festa em Campina Grande. Quer dizer:
pude ver de perto a disputa das duas cidades pelo título de quem faz o maior
São João do mundo.
ZONA SUL – Se você
integrasse uma comissão julgadora com a responsabilidade de eleger o melhor São
João do Brasil, votaria em qual dos dois?
MICHELLE – Eu escolheria
Campina Grande. Mas essa minha opção poderia nem ser a mais correta, já que, em
Caruaru, vi os festejos juninos durante o dia. Estive no Polo Alto do Moura. Lá
tem uma grande quantidade de ateliês. Esses artesãos se dedicam às esculturas
de barro. Lá funcionam também muitos restaurantes. Durante o São João, ocorrem
apresentações de trios pé-de-serra e bandas de forró e de pífano. Não fiquei
por lá durante a noite porque o evento para o qual viajei seria realizado em
Sertânia, outra cidade pernambucana.
ZONA SUL – E em Campina
Grande?
MICHELLE – Aí, sim,
participei da festa à noite. Eu nunca tinha visto nada parecido. Um monte de
palco, cada qual com uma programação diferenciada. Quando um show terminava, já
emendava outro. Talvez por isso eu tenha achado Campina Grande maior e melhor.
ZONA SUL – E o lado
profissional dessas viagens? Como está sendo?
MICHELLE – Muito bom. Por
enquanto não tive que enfrentar nenhuma saia justa. Como falei antes, trabalho
no Cerimonial do Ministério da Previdência. Vez por outra viajo para participar
de inaugurações de agências em municípios do interior do Brasil. Nessa função,
o principal objetivo é aparar arestas e contribuir para que as solenidades
ocorram sem problemas. Porém, ainda não acho que esse meu emprego na
Previdência seja o definitivo. Fui convocada para esse trabalho no último dia
de validade do concurso para o qual eu havia sido aprovada. Já estava perdendo
a esperança, mas consegui. No Cerimonial a gente lida com autoridades. Nessa
função, tem que haver muito cuidado e respeito. Para mim está sendo importante
desenvolver esse jogo de cintura político. Gosto muito dessa área. Também estou
atuando como mestre de cerimônias. Acredito que tenho perfil de lidar com o
público, de falar, de conduzir os eventos. Mas não estou descuidando e continuo
estudando para outros concursos. Meu objetivo é uma vaga no Judiciário, sobretudo
pela questão salarial e também pela jornada de trabalho. Lá paga bem melhor que
o Executivo. Além do mais, o funcionário entra meio-dia. Nesse horário não pega
trânsito e também é possível conseguir outra atividade pela manhã.
ZONA SUL – Como é
trabalhar com o ministro potiguar Garibaldi Alves Filho?
MICHELLE – Nos contatos
que tive com ele pude perceber que é uma pessoa competente, mas também humilde
e acessível. Ele sempre dá atenção a todos os que o procuram nesses eventos e
reuniões dos quais participo. Vejo que tem muito carisma. Dia desses fomos ao
Tribunal de Contas da União. O elevador privativo não estava funcionando. Dentro
do outro, tinha um funcionário de serviços gerais. Quando esse rapaz viu que o
ministro queria utilizar o elevador, ele saiu da cabine, para esperar o
ministro subir. O ministro não aceitou aquela gentileza. Pegou o rapaz pelo
braço, o conduziu de volta ao elevador e viajamos todos juntos. O ministro
Garibaldi tem atitudes de um homem comum, coisa não tão fácil de ver em uma
autoridade.
ZONA SUL – Quais outros
empregos você teve antes de entrar no Ministério da Previdência?
MICHELLE – Trabalhei em
uma construtora que foi envolvida em escândalo investigado pela Polícia Federal.
Essa empresa não existe mais. O dono utilizava informações privilegiadas a
respeito de obras. Mas você não vai falar nisso...
ZONA SUL – Claro que
sim! Um fato interessante desses... Além do mais, você nem citou detalhes.
MICHELLE – Tá certo.
Sendo assim... Mas eu não vou falar mais nada. Deixa esse assunto quieto.
ZONA SUL – Diga só se
essa empresa era da área de construção civil...
MICHELLE – Era construção
de casa, reformas de prédios públicos, estradas... Eu era secretária. Antes eu
trabalhei no Tocantins, em uma empresa de plano de saúde, como também secretária.
Mas o meu primeiro emprego foi aos 15 anos como cobradora de ônibus. Trabalhei
na Viação Anapolina, fazendo a linha Cidade Ocidental/Brasília.
ZONA SUL – Uma pessoa de
menor podia trabalhar como cobradora de ônibus?
MICHELLE – Nessa empresa
era comum pessoas de menor trabalharem. Eu entrei com 15 anos e fiquei um ano
trabalhando. Nesse período, presenciei um acidente. O ônibus se chocou com uma
moto. O motoqueiro foi para o hospital. Ele foi imprudente. A moto, daquelas
bem potentes, apareceu do nada. Felizmente nunca presenciei assalto. Certa vez
houve uma confusão envolvendo um rapaz que já era conhecido por passar a mão
nas meninas.
ZONA SUL – E os estudos?
Trabalhando com 15 anos, conseguiu estudar?
MICHELLE – Consegui, sim.
A empresa empregava menores, mas não atrapalhava os estudos. As escalas não
interferiam no horário escolar. Mesmo com todas as dificuldades que enfrentei,
sempre tive os estudos como prioridade. Em Palmas entrei no curso de História,
na faculdade federal. Mas, antes de concluir, vim embora para Brasília. Dos
cinco anos que morei em Palmas, dois anos e meio eu cursei História.
ZONA SUL – Por que você
escolheu o curso de História?
MICHELLE – Justamente por
meu interesse pela política. Somente estudando história a pessoa pode
compreender conceitos básicos como, por exemplo, o motivo de o Brasil ser hoje
uma democracia. Tudo tem uma história por trás. Outro exemplo: eu não conseguia
entender direito os motivos do conflito entre Israel e a Palestina. Fui
pesquisando e cheguei até a Bíblia para entender essa confusão toda. Estudei o
passado para conseguir entender certas situações do presente. Acho tudo isso
muito interessante. Com dois anos e meio de faculdade, voltei para Brasília.
Terminei o curso nas Faculdades Integradas da Terra de Brasília. Meu ensino
médio eu também terminei em Brasília, no CESAS (Centro de Estudos Supletivos
Asa Sul).
ZONA SUL – Além de
Brasília, você morou onde mais?
MICHELLE – Morei na
Cidade Ocidental dos dez aos 18 anos. De lá, vim para Brasília, para o Recanto
das Emas, quando minha mãe recebeu um lote do governo.
ZONA SUL – Como você
conheceu o seu marido?
MICHELLE – Ele tinha uma
lanchonete na rodoviária. Quando eu trabalhava como cobradora, costumava
lanchar por lá. Naquele entra e sai todo o dia, certa ocasião uma amiga me
disse que tinha alguém afim de mim. Eu já o conhecia, mas não sabia desse interesse
dele. Na verdade, eu ia lá porque era afim do filho dele. (risos). Acabei
casando com o pai. Na época eu tinha 15 anos e ele 40. O filho tinha 18.
ZONA SUL – O pai é quem
estava de olho em você...
MICHELLE – Pois é.
(risos) Depois eu contei para o pai, rimos com essa história.
ZONA SUL – Sua família
não tentou interferir nesse relacionamento? Você tão nova, se envolvendo com
uma pessoa 25 anos mais velha?
MICHELLE – No início a
minha mãe não aprovou, mas eu tinha certa independência, já que trabalhava e
estudava. Ela não tinha como me controlar. Além disso, eu já era mãe. Tive um
filho aos 14 anos. Hoje já sou avó, tenho uma neta de quatro anos. Fui avó com
31 anos. Mas, sobre o namoro, não tinha como minha mãe segurar. Fui me
envolvendo com ele e, aos 18 anos, engravidei da Mariana, que fez agora 18
anos. Estamos juntos há 21 anos e casados há 15.
ZONA SUL – O que seu
marido faz hoje?
MICHELLE – Ele tem uma
farmácia em Vicente Pires, aqui no Distrito Federal.
ZONA SUL – E o pai do
seu primeiro filho?
MICHELLE – Não temos
mais contato. Meu filho é quem vai visitá-lo e também ao avô. Nosso
relacionamento foi uma coisa da juventude. Quando o conheci, aos 13, ele já
tinha 19 anos. Ele também não queria deixar que eu estudasse. E eu sempre
prezei o estudo. Não deu certo. Coincidiu que logo após conheci meu atual
marido, e aí distanciou de vez.
ZONA SUL – Fale sobre a
sua mãe.
MICHELLE – Ela é de
Porangatu, Goiás. Casou também muito nova, aos 14 anos. Até os 28, não teve
filho. Quando se separou do marido, em Goiás, veio para Brasília. Ela se chama
Ana da Anunciação. É a partir da sua vinda para Brasília que começa a minha
história. Aos 28 anos, recém-separada, ela veio trabalhar na casa de uma
família na quadra 410 da Asa Sul, em Brasília. Na época os “points” da cidade eram
o Conjunto Nacional e a Rodoviária. Um dia, voltando de lá, pegou o ônibus e
foi para casa. Poucos minutos depois que subiu para o apartamento, o porteiro
avisou que tinha alguém à sua procura.
ZONA SUL – Essa pessoa a
estava seguindo?
MICHELLE - Minha mãe não
sabe se estava sendo seguida desde a Rodoviária ou se foi depois que desceu na
parada de ônibus. Essa pessoa era Maurício, que depois viria a ser o meu pai. Ela
se relacionou com Maurício durante pouco tempo. Minha mãe tinha vivido na roça
e havia terminado de se separar. Ela não tinha muita experiência de vida.
Talvez por isso ela não tenha contado a Maurício que tinha engravidado dele.
Continuou trabalhando nessa casa por um tempo. Quando eu nasci, fomos morar com
a minha tia, no Núcleo Bandeirante. Depois de algum tempo, minhas primas
conseguiram encontrar o meu pai, Maurício. E avisaram para ele que tinha
nascido sua filha.
ZONA SUL – Onde essas
suas primas o encontraram?
MICHELLE – Alguns
detalhes dessa história continuam nebulosos até hoje. Talvez seja por isso que
eu não tenha ainda obtido sucesso nessa busca pelo meu pai. Sequer sei o nome
completo dele. Tenho só o primeiro nome, Maurício, e alguns outros dados.
ZONA SUL – Por
exemplo...
MICHELLE – Ele teve dois
filhos antes de mim: Paulo Wagner e Carmen Lúcia. Sei também que na época em
que se relacionou com a minha mãe, ele era viúvo. Sei ainda que Maurício é
nordestino, parece que paraibano de João Pessoa. Quando completei seis meses de
vida, minha mãe conheceu o homem que me criou, o Herval, a quem também
considero pai. Para evitar qualquer problema com o marido, ela se afastou
completamente de Maurício.
ZONA SUL – Você chegou a
encontrar o seu pai?
MICHELLE – Lembro que,
quando eu tinha cinco anos, Maurício me achou. Eu morava em Taguatinga Sul. Ele
foi até lá em casa. Lembro nitidamente. Houve uma segunda ocasião, quando ele
me levou no comércio do Bandeirante e me deu de presente uma bota e um
apontador de lápis, de ferro. Depois disso, ele passou a me visitar em Taguatinga.
Só que, em uma dessas idas, minha mãe pediu para ele não voltar.
ZONA SUL – Por que?
MICHELLE – Ela explicou que
estava casada e que não queria complicações com o marido. Eu já estava com
cinco anos. Maurício deixou anotado em um papel os seus dados: nome, endereço,
telefone... Ele sempre falou pra minha mãe que tinha vontade de me levar para
apresentar aos pais. Só que nunca deu certo. Nisso, Herval encontrou essas
anotações e rasgou. Foi dessa forma que acabou completamente a possibilidade de
eu encontrar meu pai. Ficaram as memórias e algumas fotografias. As melhores
fotos de infância que tenho são dessa época, da casa onde Maurício me conheceu.
Quando eu estava com oito pra nove anos, o vi de longe. Minha mãe me mostrou. A
gente estava na quadra 38, do Guará. Parece que ele estava fechando um negócio
de venda de carro. Com medo do Herval, minha mãe não me deixou ir até o
Maurício.
ZONA SUL – Desde então
você sonha em reencontrar o seu pai...
MICHELLE – Essa procura
pelo Maurício é muito difícil. Já pensei em ir à antiga Telebrasília para
tentar conseguir um catálogo telefônico daquela época. Ou pelo menos um
catálogo de endereços, para tentar descobri-lo. O maior problema é não ter seu
nome completo. Minha mãe fala que ele tinha um comércio na Asa Sul. Pra mim é
uma procura grande.
ZONA SUL – Hoje em dia a
sua mãe lhe ajuda nessa procura ou ainda tenta colocar obstáculos?
MICHELLE – Ela ajuda. Vivi
um tempo muito triste, minha mãe achava que era por isso. Ela se culpa por não
ter me dado a oportunidade de continuar mantendo contato com meu pai. Ela vê
que eu procuro e me ajuda. Quando pergunto alguma coisa, ela sempre me passa
essa informação. Nessa busca do meu objetivo, já criei perfil na Internet e em
redes sociais. Já fui tema de reportagem no Correio Braziliense, mas nunca
obtive sucesso, até pelo fato de as informações serem muito limitadas. Maurício
é nordestino, tem uma cicatriz em uma das mãos, na época era viúvo e tinha
esses dois filhos...
ZONA SUL – Se ao invés
da cicatriz ele tivesse um dedo a menos, poderia ser o Lula (risos)...
MICHELLE – É, já pensou?
Seria bom demais, uai! Se você me olhar e comparar com a minha família, vai ver
que não tenho muita semelhança com eles. Sou grande e gorda, enquanto todo
mundo da minha família é magro. Hoje, quando vou fazer uma consulta e o médico
pergunta sobre o meu histórico familiar, só sei responder o que diz respeito ao
lado da minha mãe. Dele só guardo uma vaga lembrança. Acho que pareço com Maurício.
Ele era grande, branco. A família da minha mãe é um pouco mais morena.
ZONA SUL – Da fisionomia
dele, o que você lembra? Usava bigode?
MICHELLE – Não lembro. Só
recordo que era branco, forte e alto. Creio que devia ter 1 metro e 75 centímetros.
ZONA SUL – Sua mãe não
lembra sequer o nome completo de Maurício?
MICHELLE – Ela não sabe,
até porque o envolvimento entre os dois foi muito rápido. Ficaram juntos questão
de meses. Eles saíram, tiveram algum envolvimento duas ou três vezes. Como
falei, minha mãe trabalhava e morava em uma casa de família na 410 Sul. Ele também
morava ali nas proximidades.
ZONA SUL – Se você
encontrasse o seu pai, o que diria a ele?
MICHELLE – Já parei
várias vezes para tentar imaginar qual seria a minha reação nesse momento. Não
sei. Tenho muita vontade de conhecê-lo, mas a minha reação eu só saberia na
hora mesmo.
ZONA SUL – Você guarda
alguma mágoa da sua mãe pelo fato de ela não ter permitido uma aproximação
maior sua com o seu pai?
MICHELLE – Não, não
tenho. A situação da vida dela impôs isso.
ZONA SUL – Ela ainda está
com Herval?
MICHELLE – Ele faleceu
em 2009. Meu pai era servidor público do Governo do Distrito Federal. Herval
morreu de câncer, talvez resultado de uma vida muito desenfreada. A bebida e os
cigarros acabaram com ele.
ZONA SUL – Desse
casamento, nasceu sua irmã.
MICHELLE – Sim. Bianca
trabalha em farmácia, mas não na minha. Minha mãe é aposentada. Quando eu tinha
três ou quatro anos, ela colocou um marca-passo. Foi aposentada por invalidez
aos 32 anos.
ZONA SUL – Como você foi
morar em Palmas?
MICHELLE – Meu marido
recebeu uma proposta para gerenciar a Drogaria Unicom, em Palmas, que estava
abrindo. Moramos cinco anos. Palmas ainda não tinha a ponte que ligava a cidade
a Paraíso. O lago também não estava completamente cheio. Quando a gente ia para
Paraíso, tinha que atravessar 40 minutos de balsa. Mas a estrutura da cidade já
era boa.
ZONA SUL – Você gostou
de ter morado por lá?
MICHELLE – Amo Palmas.
De lá, só não gosto do calor. É mais abafado do que Brasília. A cidade é muito
tranquila. O trânsito era ótimo. Você percorria a distância entre sua casa e o
centro em poucos minutos. Pra mim, foi um momento de crescimento pessoal.
Literalmente. Eu cheguei em Palmas e logo entrei na universidade. Foi um
momento de grandes mudanças na minha vida, de conhecimento de quem sou. Lá
passei por uma ruptura em muitas coisas, como na questão do medo, da
insegurança. Em Palmas eu podia dizer para as pessoas o que eu queria falar.
Antes eu apenas concordava com o que elas falavam. Palmas, para mim, foi um
salto na minha vida.
ZONA SUL – Poderia ter
ocorrido em outra cidade?
PALMAS – Sim, mas o
fato é que as mudanças ocorreram em Palmas. O motivo da mudança não foi a
cidade em si. Creio que a universidade e também o fato de eu ficar distante da
família contribuíram decisivamente. Fui morar em um lugar onde não conhecia
ninguém. Éramos eu, meu marido e meus dois filhos. Eu estava sozinha, sem mãe,
sem irmã... Não tinha ninguém para falar mal da minha vida. A história que eu
chegasse lá e contasse, o povo ia acreditar. Eu poderia contar a história que
quisesse, já que ninguém sabia da minha vida.
ZONA SUL – E que
história você contou?
MICHELLE – (risos). O
mais engraçado foi o seguinte: na minha infância eu ia pra Porangatu, e já
achava aquele lugar muito quente e longe. A viagem durava sete horas. Lembro
que uma vez a minha mãe foi a Porto Nacional, que na época era Goiás e hoje
fica no Tocantins. Eu dizia: minha mãe está indo para o fim do mundo. Porangatu
já era o limite. Eu sempre falava que Porto Nacional era perto do além. A vida me
proporcionou essa surpresa: fui morar depois de Porto Nacional. Em outras
palavras: fui morar depois do fim do mundo e estudar no fim do mundo, já que o
meu curso de História era em Porto Nacional.
ZONA SUL – Você saía
todos os dias de Palmas para estudar em Porto Nacional?
MICHELLE - Depois do
serviço tinha um ônibus que nos levava para Porto Nacional. Esse transporte era
bancado pela prefeitura de Palmas. Eu trabalhava na Unimed. Viajava sessenta
quilômetros de distância e depois voltava. Foi nessa época que ocorreu esse “boom”
na minha vida. Foi também quando experimentei bebida. A turma levava vinho
dentro do ônibus. Nas aulas de sábado, muitas vezes ainda tinha gente bêbada da
sexta-feira, das festas que a gente fazia. A gente matava aula para pegar
carona e voltar para Palmas. A gente ia para o trevo de Porto Nacional e os
motoristas já sabiam que aquele pessoal era estudante pedindo carona para ir
embora.
ZONA SUL – Devem ter
sido tempos divertidos...
MICHELLE - Tem várias
histórias... Uma de nossas colegas era dona de uma funerária. Ela morava em
frente ao cemitério. A gente ia beber na casa dela. No próprio lote onde ela
residia, tinha as capelas para velar os corpos. Teve ocasião de estar havendo
velório e a gente bebendo, fazendo a maior bagunça dentro da casa dela. Só o
que não fizemos foi beber dentro do cemitério.
ZONA SUL – E as caronas?
MICHELLE - A primeira
carona que pegamos foi com um senhor que passou conduzindo uma caminhonete. A
turma tinha combinado que ou ia todo mundo ou não ia ninguém. Éramos cinco.
Fomos duas na frente e três na carroceria. Quando o carro ia passar pela
Polícia Rodoviária, que o guarda fez menção de que iria mandar parar, a gente
se escondeu na carroceria. O policial pediu documentos e fez uma revista.
Quando foi olhar na carroceria, encontrou a gente. Ele perguntou ao dono do
carro sobre as moças “ali atrás”. Quando ficou esclarecido que a gente estava
apenas pegando uma carona, o policial liberou o carro e disse ao motorista: “Vá
embora, você está muito bem”. Essa foi a primeira carona.
ZONA SUL – Nenhuma
dessas caronas deu errado?
MICHELLE – Não, a gente
teve sorte. Outra vez nosso grupo tinha sete pessoas. Quando a gente perdia o
ônibus grátis pago pela prefeitura, tinha que pegar um outro que custava cinco
reais, a passagem. A gente estava em um ônibus desses, voltando para Palmas,
mas ninguém tinha passado a roleta ainda. Foi quando alguém fez uma conta
rápida e comentou que o total das sete passagens, 35 reais, dava para pagar um
bocado de cerveja. Isso ocorreu em 2005. A gente tinha embarcado no centro de
Porto Nacional e estava chegando no trevo. Uma de nós disse ao motorista que
tinha esquecido a bolsa. Essa foi a senha para descer todo mundo para ir tomar
cerveja em um bar próximo, na esperança de, mais tarde, conseguir carona até
Palmas. Era dia de sorte mesmo. A gente conseguiu carona para os sete e foi
embora. Na chegada a Taquaralto, antes de Palmas, o dono do carro parou para
beber e ainda pagou mais cerveja para a gente.
ZONA SUL – Você não
bebia até entrar na faculdade por pertencer à religião evangélica?
MICHELLE – Sim. Comecei
a frequentar a igreja evangélica por conta da minha família. Depois da
faculdade, eu saí. Eu já tinha saído antes. Lá em Palmas foi que degringolou
tudo. Lá foi um oba-oba danado.
ZONA SUL – Seu marido
não era evangélico?
MICHELLE – Não, mas ele
não participava dessas festas. Apesar disso, nunca me impediu de ir. Aquela
época de Palmas foi mesmo muito boa. Estive até em Natividade, para a festa do
Divino Espírito Santo. Fica depois de Palmas. Palmas foi muito bom, tenho muitas
histórias de lá.
ZONA SUL – Por que você
voltou para Brasília?
MICHELLE – Separei do
marido e voltei. Ele ainda ficou por lá mais uns sete meses. Voltei para a casa
da minha mãe. Foi quando decidi literalmente estudar para concurso. Um dos
motivos é que eu não suportava ter que trabalhar sábado e domingo. E se eu fosse
para mercado, para farmácia ou outro comércio, eu teria que trabalhar nesses
dias. Meu pai, Herval, me incentivou muito. Ele era servidor público. Pena que
morreu antes de poder não conseguiu ver a minha posse. Herval comprou
apostilas. O engraçado é que eu dizia pra ele: “vai sair um concurso assim e
assim, preciso de dinheiro para comprar apostila”. Ele fazia questão de comprar,
só que comprava a pior que existia, a mais barata que havia. Mas Herval sempre
me incentivou. Sinto orgulho de dizer que na minha família fui a primeira a
entrar na faculdade a também a primeira a ingressar no serviço público.
ZONA SUL – Mas você estava
dizendo que, sete meses depois da sua vinda, seu marido retornou para Brasília...
MICHELLE – Ele voltou
para cá, reatamos o casamento e estamos juntos até hoje.
ZONA SUL – Fale sobre
seus filhos.
MICHELLE – Marlon vai
fazer 22 anos em setembro. Ele é do Exército. Já está há três anos lá. Pretende
continuar na carreira militar. Entrou no Exército por minha vontade. Lembro que
na época da primeira semana, ele chorava muito. Nunca tinha recebido grito de
ninguém, a não ser meu, como mãe. O banho dele, em casa, era de 40 minutos. No
mato não tinha essa mordomia. A comida dele era especial, ele não comia tudo, era
cheio de exigências. Lembro que quando Marlon voltou do campo, devorou uma
panela com carne, arroz, quiabo e um monte de coisa. Ele comia de um jeito que
eu falava para mim mesma: “caramba!”. O Exército fez com que ele mudasse em muita
coisa. Ele é motorista de um coronel. O serviço é bem leve, mas Marlon detesta
o trânsito. Ele já me deu uma neta, Marília. Foi pai aos 17 anos. Eu estava com
31. Foi um choque grande, para mim. Quando ele me comunicou que tinha começado
a sua vida sexual, o orientei a usar camisinha não só para evitar filho, mas
também por causa de doenças venéreas. Mas o fato é que Marília está aí e ela é
uma alegria.
ZONA SUL – E a sua
filha?
MICHELLE - Mariana fez
18 anos. Ela cursa o terceiro ano do ensino médio. Estuda na Católica. É minha
menina. Mariana é quem cuida de mim. Ela cobra para eu me arrumar, tirar
sobrancelha. Exige que eu seja mais perua. Mariana cobra para que eu tenha mais
vaidade. Os dois dão um equilíbrio muito grande. Sou apaixonada pelos meus
filhos.
ZONA SUL – Deixe uma
mensagem para o leitor do “Zona Sul”.
MICHELLE – Natal é uma
cidade que eu tenho muita vontade de conhecer melhor, de passar mais tempo. Já fiz
alguns planejamentos, quem sabe dá certo? Recentemente estive por aí na
inauguração de uma unidade de desenvolvimento de software da Dataprev. Mas é
preciso mais tempo para realmente viver a cidade. Espero ter essa oportunidade.
Mas quero dizer ao leitor do jornal que ele procure conhecimento, estude, busque
sempre estar de bem com a vida. Ter uma fé também é fundamental. Mesmo que você
acredite em uma folha de árvore, se ela lhe ajuda a dar um direcionamento na
vida, então é válido. Tenha fé, tenha uma religião. A cada dia tente ser melhor
com os outros e consigo próprio.
ZONA SUL – E para o seu
pai e irmãos, que recado você deixaria?
MICHELLE – Às vezes
penso que talvez meu pai não esteja mais vivo. Eu gostaria muito de encontrá-lo,
mas, se for o caso, mesmo assim tenho muita vontade de conhecer meus irmãos.
Sinto um espaço dentro de mim, um vazio, que precisa ser preenchido. Tenho
muita curiosidade de saber como eles são, o que gostam, onde vivem. Pode até
ser que eu os conheça e nada mais aconteça. Mas também pode ocorrer o
contrário: a gente ganhe uma oportunidade de se aproximar como família. Penso
no meu pai e nesses meus irmãos todos os dias. Quem puder ajudar nessa busca,
por favor, mande uma mensagem para michellersb@gmail.com
ou mantenha contato pelo Facebook. Basta procurar por Michellersb.
Bom entrevistar alguém que não seja coonhecido, famoso ou célebre, do povo, comum, que tem história de vida para contar...
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