DE
MALAS PRONTAS PARA O FUTURO

ZONA SUL – Como você
gostaria de começar essa entrevista?
CHARLES – Lembrando um
amigo, Caio César. Se estivesse vivo, seu aniversário seria hoje. Morreu de um
ataque cardíaco fulminante, aos 41 anos de idade. Acordou, tomou café e depois
parou.
ZONA SUL – Nós vamos
conversar sobre “vida”... No caso, a sua.
CHARLES - Quando nasci,
meus pais moravam no pé do morro de Mãe Luiza, onde hoje é a “Faz Propaganda”. Depois
mudamos para Areia Preta, Barro Vermelho, Neópolis e Parnamirim, onde morei dez
anos.
ZONA SUL – Fale sobre os
seus pais.
CHARLES – Meu pai,
Eugênio Sérgio Bezerra de Oliveira, é fisioterapeuta concursado da Assembleia.
Era surfista, roqueiro e doidão. Meus pais separaram muito cedo. Não tenho
recordação dele com a minha mãe, que sempre foi do lar. Meu avô, por parte de
mãe, foi presidente do Iate Clube: Charles Dumaresq Madureira. Dele herdei o
nome. Meu bisavô foi um dos fundadores da Labre (Liga de Amadores Brasileiros
de Rádio Emissão). É uma associação que congrega os radioamadores. Meus avôs
sempre tiveram restaurante: Iate Clube, AABB... Meu avô é responsável pelo
crescimento da estrutura da Lagoa do Bonfim. Ele era dono de mais da metade daquelas
terras. Ajeitou o restaurante e mandou organizar a área de piscina e de banho. Já
o meu avô por parte de pai chegou a ser secretário de Finanças do Rio Grande do
Norte. Ele deu uma organizada geral na parte de arrecadação de tributos. Seu
nome era Francisco das Chagas. Começou como jornalista. Foi muito amigo de
Agnelo e Aluízio Alves. Integrou as primeiras equipes do Diário de Natal e da
Tribuna do Norte.
ZONA SUL – Como seu pai
virou “doidão” e surfista sendo filho de um jornalista e secretário de
Finanças?

ZONA SUL – Como seus
pais se conheceram?
CHARLES – Minha mãe, na
época, era estudante. Morava em frente à Igreja do Galo. Um dos nossos primos,
o teatrólogo Paulo Jorge, foi quem os apresentou. Começou como amizade, depois
se envolveram. Quando minha mãe engravidou de mim, tiveram que casar. Passaram
um tempo juntos, mas separaram. Tempos depois, voltaram e tiveram meu irmão.
Separaram novamente. É por isso que praticamente não existe, na minha memória,
lembrança dos meus pais juntos. Até porque, pouco tempo depois de ter sido
aprovado no concurso da Assembleia, conheceu a atual esposa dele e foi
deslocado para trabalhar em Currais Novos. Está lá há mais de vinte anos. Na
minha infância e adolescência, praticamente o via uma vez por mês. Hoje somos
mais próximos, temos contato quase toda semana.
ZONA SUL – Onde você
estudou?
CHARLES – Desde o
maternal até o segundo ano do segundo grau, estudei no Auxiliadora. Antes,
passei dois ou três meses no Instituto Brasil. Fiquei na Congregação Salesiana
até o 2º ano do 2º grau. Estava morando em Parnamirim, o transporte era difícil
e o Pré-Vestibular era à noite. Por isso troquei o Auxiliadora pelo Colégio
GEO, que era mais perto e tinha um bom conceito. Fui aprovado no vestibular
para Computação, mas só fiquei dois meses. Não gostei. Fui fazer cursinho no
CDF. Passei novamente, dessa vez para Engenharia de Materiais. Fiquei uns três
quatro anos, mas desisti. O curso não me motivou e o corpo docente também contribuiu
para eu desistir. Da metade para o final eu ia para a faculdade só tomar
cachaça. Então meu pai sugeriu que eu procurasse algo que quisesse fazer.
ZONA SUL – O que você
escolheu?

ZONA SUL – Vamos voltar
um pouco no tempo, até o período do Auxiliadora. Você sofreu muito para se
enquadrar em um colégio que tinha como foco a formação religiosa?
CHARLES - Sempre fui
atento a questões que me trazem interrogações. E o espaço, as estrelas e a religião
sempre me trouxeram interrogações. Gosto de ler sobre esses temas. Nunca fui
uma pessoa 100% católica, apesar de a minha família ser. No Auxiliadora, questionava
algumas coisas. Por exemplo: se Deus havia criado o homem e a mulher, por que o
meu professor de religião era homossexual? Nada contra o homossexualismo, muito
pelo contrário! Mas era contraditório aquele professor falar isso e aquilo e
não ser um celibatário. Algumas vezes ia para a escola sentindo vontade de
assistir à missa. Nessas ocasiões saía de casa mais cedo, prestava atenção à
oratória do padre, tudo direitinho. Em outras ocasiões, a freira tentava
obrigar todos a irem à igreja. Eu questionava. Ela dizia que era para falar com
Deus. Mas eu retrucava que já tinha falado com Ele ao acordar e no caminho até
a escola. Algumas vezes eu ia e, quando chegava à capela, tinha um cara que nem
era o padre. Se fosse pelo menos um padre, um cara que estudou para celebrar
uma missa com embasamento... Por essas e outras, não fiz primeira comunhão, mas
comunguei pela primeira vez por conta própria.
ZONA SUL – E o seu relacionamento
com os colegas?

ZONA SUL – Como você emagreceu?
CHARLES – Fiz cirurgia
bariátrica há sete anos. Cheguei aos 150 quilos, meço 1,80. Resolvi fazer a
cirurgia quando surgiram problemas como pressão alta, tendência a diabetes,
apneia no sono e o próprio cansaço. Quando trocava uma camisa, saía pingando de
suor, morto de cansaço. Dois anos antes de fazer realmente a operação, comecei
a pesquisar. Dieta não tinha adiantado. Minha obesidade também era hormonal,
familiar... Pratiquei esportes no colégio. Fiz judô, futebol e vôlei. Sempre
gostei muito de caminhar. Quando resolvi encarar a cirurgia, meu pai me
aconselhou aguardar um pouco, já que aquela técnica estava apenas começando. Dois
anos depois fui para a mesa de operação sabendo todo o processo.
ZONA SUL – Você sentiu
muita dificuldade para se acostumar com o novo corpo?
CHARLES – Depois da
cirurgia, seu estômago fica com um volume muito pequeno, de aproximadamente 50
ml. Por isso é colocado um anel no esôfago, um dosador, para evitar que grandes
quantidades de comida desçam e arrebentem o estômago. É comum dar umas golfadas
quando não mastiga muito ou come um bico de pão com café e aquilo ali incha. Em
alguns momentos é chato, mas tudo é aprendizado no dia a dia. A pessoa tem que
aprender a respeitar o seu novo organismo, que nunca mais será o mesmo. Eu fiz
há sete anos e estou no meu peso normal. Cheguei a 150 quilos, mas no dia da
cirurgia estava com 146. Hoje tenho 94.
ZONA SUL – Você foi bom
aluno?
CHARLES – Regular. Ia
para recuperação porque não admitia ter que pagar mais uma mensalidade sem
estar estudando (risos). Minhas notas eram intermediárias, mas nunca fui reprovado.
Mas era bem comportado. Não ficava na brincadeira, nem na baderna. Não chamava
atenção para ir pra coordenação. Nunca fui expulso de sala.
ZONA SUL – E na
universidade? Conseguiu fazer boas amizades?

ZONA SUL – Então conte
mais uma.
CHARLES – Fui da
segunda turma de Materiais da UFRN. Como só havia uma turma antes da nossa, quando
entramos batemos de frente e não aceitamos ser vítimas de trote. Fizemos um
acordo para nos unirmos e fazer um trote pesado com a turma que entraria no ano
seguinte. Quando os calouros seguintes entraram, compramos um quilo e meio de
betonita, que é uma massa usada nas paredes de buracos, para elas não caírem.
Enchemos uma bacia grande com essa massa pastosa e jogamos um por um lá dentro.
Depois do mergulho, eles saíam sujos dos pés à cabeça. Os cabelos das meninas
duros, quase quebrando. Pegamos esse povo todo sujo, suado, feio e fedorento e
levamos para pedir dinheiro no sinal. Aquilo fede que só a moléstia. Mandamos
juntar dinheiro para um churrasco que seria na semana seguinte. Fizemos o tal
churrasco em São José de Mipibu, na granja de um amigo. Mas distribuímos com os
calouros um mapa de uma casa qualquer em São Gonçalo do Amarante. No dia
recebemos várias ligações dos calouros, que não estavam encontrando a casa. Respondíamos:
“é aqui, estamos todos esperando, entra na segunda rua...”. E eles rodando de
um lado para o outro... A experiência na UFRN fez com que eu chegasse na UnP e
desenrolasse tudo tranquilo. Foi na universidade que aprendi realmente a viver.
Foi lá onde tive a formação pessoal e profissional e aprendi a correr atrás e
não ficar esperando.
ZONA SUL – Na UnP você
continuou com a rotina de ir para a universidade beber?
CHARLES – Não. Cheguei
lá como outro aluno. Eu não queria ter amizade ou contato com ninguém. Falava
extremamente o necessário, porque eu já tinha passado por esse turbilhão todo.
Já sabia o que ia acontecer. Eu dizia muito: “se eu quisesse amigo ia pro
shopping, vim aqui pra consumir aula, quando acabar, conversamos”. Vi vários
alunos passando pelo que eu tinha passado na federal. Não haviam adquirido a
bagagem e o jogo de cintura que eu havia adquirido. Devido a essa experiência,
consegui tudo o que queria na particular, apenas com conversa. Eu sabia como
chegar e dialogar com o professor. Sabia o que podia e o que não podia exigir,
o que eles davam e o que não permitiam.
ZONA SUL – Durante o
período de estudo você trabalhou?
CHARLES – Meu pai
sempre disse que enquanto eu estivesse estudando, me dedicando aos estudos, não
precisava ir atrás de trabalho. Eu recebia minha mesada. Fui correr atrás de
trabalho quando estava saindo da federal e indo para a particular. Paguei
metade do curso na UnP. A outra metade foi meu pai. A pós-graduação eu também
paguei. Na UnP a minha concepção não era a mesma da maioria dos alunos. Para
começar, eu tinha uma idade mais elevada que a galera que estava entrando. Eu
já tinha gastado o tempo de brincar, de poder errar. Minha obrigação era fazer
a coisa certa.
ZONA SUL – Em que você
foi trabalhar?

ZONA SUL – Fale um pouco
sobre o NatalX e explique por que ele acabou.
CHARLES – O NatalX
surgiu há uns dez anos. Foi ideia de Ranieri. Não havia aquela visão comercial
ou uma busca de lucro. A intenção era aproximar as pessoas de Natal, servir
como um espaço onde as pessoas poderiam se ver online. O slogan era “onde Natal
se encontra”. Entrei já na fase final. Todos éramos jovens, verdinhos e o
conflito de ideias fez com que o NatalX acabasse. Em determinado momento, quisemos
colocar no mercado o site como sistema de comunidade. Mais ou menos o que seria
o Orkut anos depois. Nós tínhamos essa ideia na cabeça, mas alguns integrantes
do grupo não compartilhavam dessa visão. Queríamos pensar NatalX como marca, já
que é um nome muito forte, uma marca espetacular.
ZONA SUL – Tem dono?
CHARLES – Temos ainda a
patente. Tudo pago, bonitinho. Dá para fazer muita coisa com esse nome ainda. Propusemos
criar a grife NatalX, dar para a galera vestir o nosso conceito. Mas alguns dentro
do negócio não concordaram. Alegavam que NatalX não era o cara que estava
consumindo a ideia, mas nós, os idealizadores e os que estávamos tocando o
site. Da proposta de criar uma comunidade para todo mundo conversar, o máximo
que conseguimos foi construir um mural. Mais do que isso não concordaram. A
alegação era de que quanto mais pessoas criassem um perfil no NatalX, mais gente
se sentiria dona do site. Se for parar para pensar, nossa linha era direcionar
o site para o que são hoje as redes sociais. Muitos dos que naquela época batiam
de frente com essa ideia, hoje pagam pau nas redes sociais. O sucesso do NatalX
pegou todo mundo desprevenido. Minha participação não foi tão grande porque já
entrei do meio para o final. Foi surpreendente um site formado só por criança
bater em número de acessos o Cabugi.com – que tinha todo o fomento da televisão
e dos principais jornais. Ganhamos até prêmio Ibest de site de entretenimento
mais bem colocado. A imaturidade das pessoas fez com que se botassem os pés
pelas mãos. Foi quando Ranieri, que era o detentor oficial da marca, saiu. Pedi
pra sair também, saiu mais outro e se criou uma ruptura. Uma galera ainda ficou
tentando manter o NatalX. Passaram uns seis meses, até que retiramos a
autorização para o site funcionar e ele saiu do ar.
ZONA SUL – Como estão os
planos para reutilizar a marca NatalX?
CHARLES – Tem vários
projetos, mas cada coisa tem seu tempo e sua ocasião. Uma das ideias é bolar
algo onde o natalense pode passar informações sobre sua cidade. Um barzinho que
acha legal, um restaurante, um ponto turístico. Mais ainda: estender esse
serviço para os quatro cantos do Brasil, juntar informações de natalenses
espalhados pelo país. Criar essa afinidade entre os próprios natalenses. Em
função de toda a tecnologia atual, a potencialidade da coisa cresceu muito
mais.
ZONA SUL – Fale sobre a
empresa de consultoria que você montou quando foi cursar Administração na UnP.

ZONA SUL – Como está sua
vida profissional hoje?
CHARLES – Toco alguns projetos.
um deles é o “Meu ramal”. É uma operadora VOIP que está funcionando em fase
experimental. Queremos oferecer esse produto em todo o Brasil.
ZONA SUL – Como
funciona?
CHARLES – Quando
qualquer pessoa em Natal liga para o nosso número de telefone fixo (3032-9032),
ela ouve uma gravação orientando a discar um número de ramal. Essa ligação é
automaticamente transferida o nosso usuário que adquiriu aquele ramal. Por
exemplo, uma pessoa que mora no Rio de Janeiro pode ter um ramal aqui em Natal
para que seus amigos possam ligar para ele a custo de uma ligação local. Existe
também a possibilidade de a pessoa adquirir um número exclusivo, sem a
necessidade de passar por um ramal. Nesse caso o preço seria mais caro. Estamos
viabilizando um preço acessível para tornar o serviço bem popular. A intenção
é, por exemplo, chegar a 10 reais por cada ramal. Está em fase de testes há
três meses. Outro detalhe é que você utilizando esse ramal pode ligar para
qualquer número fixo do Brasil a custo zero. Estamos assinando um pacote que
permitirá ligar para qualquer número do Brasil, inclusive celular, também
pagando zero. Pegando isso e colocando no meio corporativo, aí é que é
vantajoso mesmo. Imagine uma pousada, que precisa confirmar reservas, por
exemplo. A um custo fixo ligaria para qualquer telefone do país sem variar seu
custo. O único ponto negativo é que você não pode utilizar o serviço de VOIP
como sua linha exclusiva, já que ele não funciona como telefone emergencial.
Você não pode fazer ligação para números de emergência, como bombeiros ou
polícia. O outro ponto é que se a Internet não estiver funcionando, você não
vai ligar.
ZONA SUL – Quem se
interessar em adquirir uma linha no “Meu Ramal”, como deve fazer?

ZONA SUL – Por falar em
extrapolar limites, você e Ranieri colaboraram para que o último Jailbreak
pudesse ser lançado...

ZONA SUL – E a vida
sentimental?
CHARLES – Estou
solteiro já há muito tempo, apesar de nunca ter sido casado nem noivo. Nunca
subi no altar, nem botei aliança no dedo. Mas não fico preocupado, pensando ou
procurando. Deixo rolar. Agora que estou passando do meu primeiro quarto de
vida, já que pretendo viver pelo menos até os 120. Quando eu passar da metade,
penso nisso.
ZONA SUL – Um medo que
existe hoje é de a pessoa ter seu computador, tablete, notebook ou telefone
invadido. O que você recomendaria a respeito de segurança na navegação na internet?
CHARLES – O engraçado é
que 90% das invasões ou roubos não são nem roubo, nem invasão. A própria pessoa
revela seus segredos. A recomendação é saber o que vai falar e expor para as
pessoas. O negócio é se controlar na hora de digitar. Certa ocasião, na época
do Orkut, passamos uns quinze dias brincando de roubar, entre aspas, email das
pessoas. Era só pensar um pouquinho para conseguir. Não precisava de nenhum conhecimento
tecnológico. Nas comunidades de solteiros e solteiras do Orkut conseguíamos o email
do MSN das meninas e íamos lá recuperar a senha. Pergunta secreta: qual a
comida que mais gosto? Voltava para o Orkut e lá olhava as comunidades da
menina: eu amo chocolate, apaixonada por lasanha... Era só usar um pouco a
inteligência. Depois a pessoa reclamava que tinha sido hackeada... Nada disso,
ela própria se dedurou. Uma boa dica para evitar esse tipo de problema é não se
expor demais. Quanto mais se expor, mais frágil fica.
ZONA SUL – E Brasília? Você
gosta da cidade?

ZONA SUL - Deixe um
recado para o “Zona Sul”.
CHARLES – Para qualquer
lugar que você se vira, hoje em dia, há uma carga infinita de informações. Por
isso você tem que delimitar quais as que servem para você e quais não. É
necessário usar um bom filtro, até porque grande parte daquelas informações é
lixo. Outro recado tem a ver com esse período em que o povo saiu às ruas para
exigir mudanças e protestar. Se você é a favor das mudanças, comece tentando
mudar a si próprio. Não adianta estar nas ruas gritando e protestando se você
chega em casa e comete os mesmos pecados que criticou. Por fim, uma frase: não
acredite em tudo que você lê, que você vê e que você ouve, tudo na vida é uma Matrix.
Valeu.