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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Entrevista: Abimael Silva

A LITERATURA POTIGUAR É VERMELHA

Apesar de reunir todas as cores, é inegável que, hoje, a literatura do Rio Grande do

Norte carrega um tom encarnado. Antes que julguem o contrário, é bom que se diga que não estamos falando de política. O rubro que permeia a cultura potiguar vem de Abimael Silva. Mais precisamente, da sua editora: a Sebo Vermelho Edições. Ex-bancário e ex-vendedor de loja de discos, o sebista e editor é antes de tudo um entusiasta das coisas que dizem respeito ao solo papa-jerimum. A entrevista a seguir foi realizada em parceria com o jornalista, amigo e meu xará Roberto Fontes. Do seu apartamento, Roberto e Abimael conversaram comigo, que estava na minha casa, em Brasília. Via Skype as ideias no ciberespaço e o resultado você pode conferir agora. O texto também está disponível no site http://www.zonasulnatal.blogspot.com


ZONA SUL – Qual o seu nome completo?
ABIMAEL – José Abimael da Silva. Nasci no Agreste potiguar, na cidade de Várzea. Mais precisamente em um lugarejo chamado Tanque do Boi. No final dos anos 1960 fui morar em Tibau do Sul. Fiquei por lá até 1973. Depois mudei para Natal.
ZONA SUL – Em que seus pais trabalhavam?
ABIMAEL – Minha mãe era dona de casa e trabalhava com artesanato, com sisal. O meu pai, carpinteiro, fazia de tudo: móveis, porta, cama e até caixão de defunto quando morria alguém... No tempo em que moramos em Tibau ele construía barcos no porto, além de fazer as outras coisas.
ZONA SUL – Qual o nome deles?
ABIMAEL – O nome da minha mãe é Maria Rodrigues da Silva. E o meu pai, Severino Hercílio da Silva. Só a minha mãe está viva. Lamentavelmente meu pai morreu no ano de 1980.
ZONA SUL – Por que sua família trocou Tanque de Boi por Tibau?
ABIMAEL – No tempo em que a gente morava nesse lugarejo, o meu avô por parte de pai – Manoel Florêncio, o Seu Quincas - de repente resolveu vender a sua propriedade. Cada um dos filhos morava em uma casa dentro dessa área. Meu pai, por ser o filho mais velho, foi o primeiro a ser sacrificado. A gente teve que ir morar junto com outros familiares lá em Tibau.
ZONA SUL – Qual a sua idade nessa época?
ABIMAEL – Uns cinco anos. Lembro da mudança e até da comida que a gente comeu nesse dia. Foi leite de vaca escaldado com farinha. Um pirão, uma comida bem de pobre mesmo. A gente comeu e saiu do sítio em direção à cidade, transportando os móveis... Coisa bem de retirante mesmo.
ZONA SUL – As principais lembranças de sua infância são de Tibau...
ABIMAEL – É. Inclusive, no tempo em que eu morava em Tibau, Pipa não era nada. Havia certa rivalidade entre os moradores de Tibau e os de Pipa. Quando passava, por exemplo, os moradores de Pipa em direção à feira de Goianinha, as pessoas de Tibau jogavam pedra e gritavam: “lá vem os pipeiros”. Era aquela concorrência besta.
ZONA SUL – Qual o motivo dessa rivalidade?
ABIMAEL – Era rivalidade normal de um lugarejo com outro, de uma cidade com outra. Mas eu falava sobre a minha infância em Tibau. Nesse tempo não tinha luz elétrica. À noite, entre 6 e 9, era ligado um gerador. De manhã cedo eu ia pegar água no chafariz para a minha mãe fazer o trabalho doméstico. Depois eu ia ao porto. Todos os dias o meu pai fazia barcos lá. Nossa família era bem pobre, necessitada. Naquele tempo tinha muita lagosta na praia. Quando chegava um barco, os pescadores, com um garfo, dispensavam a cabeça da lagosta e ficavam só com a cauda. Meu pai pegava umas cinco ou seis cabeças das maiores. Meu trabalho era pegar essas cabeças de lagosta e levar para a minha mãe fazer um cozido. A gente comia isso com batata, com macaxeira, com inhame, com farinha mesmo...
ZONA SUL – E os estudos?
ABIMAEL – Em Tibau estudei o básico. No começo dos anos 1970, minha mãe, já preocupada com os estudos dos filhos, resolveu que a família deveria mudar para Natal ou, pelo menos, enviar para a capital os filhos mais interessados. Dois dos meus irmãos não estavam nem aí para os estudos. Foi assim que a gente veio: eu e duas irmãs, que hoje são freiras. Uma mora em Angola, Irmã Maria Dionice, e a outra, Irmã Maria José, em Emaús. Ambas são da congregação Filhas de Santana.
ZONA SUL – Você tem quantos irmãos?
ABIMAEL – Cinco irmãs e dois irmãos. Sou o mais novo entre os homens e o quarto filho.
ZONA SUL – Em Tibau você demonstrava interesse pelos estudos?
ABIMAEL – Com relação a gostar de ler, como eu já falei em vários momentos, devo tudo ao

professor Antenor Laurentino Ramos. É um brilhante professor de língua portuguesa, literatura e francês. Ele foi o grande mestre, um incentivador para eu gostar de ler e de alguns autores, principalmente José Lins do Rego, que é o preferido dele.
ZONA SUL – Vamos voltar um pouco no tempo para você comentar como foi a transição de Tibau para Natal. Você sentiu algum impacto ao vir morar na capital?
ABIMAEL – Senti um impacto forte ao chegar em Natal, no começo dos anos 1970. Fui morar nas Rocas. Morei no Areal e depois fui morar no Alto da Castanha, na Rua Desembargador Lemos Filho. Fui estudar no Isabel Gondim. As Rocas tinha toda aquela efervescência. Existia a festa de Santos Reis, o cinema Panorama... Quando saía da aula, eu ficava no Canto do Mangue curtindo o movimento dos barcos. Como não tinha outra diversão, eu ia na fábrica de gelo que tinha ao lado e pegava duas pedras de gelo e ficava chupando. De repente a gente pode encontrar a felicidade em uma pedra de gelo.
ZONA SUL – Além de estudar no Isabel Gondim você, nessa época, precisava trabalhar para ajudar no sustento da família?
ABIMAEL – Nesse tempo eu não trabalhava, mas logo em seguida comecei a vender confeito. Meu pai construiu um tabuleiro e eu passei a vender confeito na porta das escolas e nas praias do Meio e dos Artistas. Sempre tentei sobreviver de alguma maneira, para não ter que ficar pedindo dinheiro ao meu pai ou à minha mãe. Eles eram tão necessitados que eu resolvi que precisava ter uma certa independência. Eu era muito criança, acho que tinha uns doze anos. Todo ano, quando chegava o inverno, eu falia. É que todos os confeitos e chocolates amoleciam e colavam. Ficava aquela bola de doce. Só quando o inverno terminava eu me recapitalizava para começar tudo de novo. Quando terminou a coisa dos confeitos, trabalhei um tempo em uma padaria enchendo os sacos de brotes e de bolachas. Trabalhava de cinco às onze da manhã e estudava no período da tarde.
ZONA SUL – Nesse ritmo você conseguiu ser um bom aluno?
ABIMAEL – Fui um aluno razoável em algumas matérias. Quando passava para aquela coisa de cálculo, eu me lascava todo. Em matemática sempre fui um fracasso. Também nunca me dei bem em química, física... Em 1976 fui morar nas Quintas e passei a estudar no Colégio João XXIII. Foi lá que conheci o professor Antenor. Ele trabalhava muito José Lins do Rego. Depois acabei conhecendo Pilar, local onde acontece toda aquela trama de Menino de Engenho. Fui com Antenor. Foi uma viagem que até hoje lembro. A gente viajou de Kombi o dia todinho para chegar em Pilar. Até hoje Antenor é um amigo. Ele sempre foi um professor muito dedicado.
ZONA SUL – Além de José Lins do Rego, o que mais ele recomendou a você, nessa época?
ABIMAEL – Ele trabalhava muito os nordestinos: Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e um pouco de Jorge Amado.
ZONA SUL – Você concluiu o segundo grau?
ABIMAEL – Na verdade eu sou um ordinário. Não concluí o segundo grau, parei no terceiro ano. Tudo por causa de um professor de matemática. Minhas notas não estavam muito boas e eu disse a ele que tudo o que eu queria mesmo era concluir o ano. Ele respondeu que não me aprovaria porque lá na frente eu poderia ser reprovado em um concurso e colocar a culpa nele. Insisti, mas ele acabou me reprovando. Fiquei com raiva e disse a ele: “não irei concluir o segundo grau por sua culpa”. ZONA SUL – Quando o Sebo Vermelho entra na sua vida?
ABIMAEL – Antes de ter deixado o colégio, eu já havia aberto o sebo. Isso ajudou na decisão de não concluir o segundo grau.
ZONA SUL – Mas antes do sebo você teve outras atividades...
ABIMAEL – Trabalhei em uma loja de discos, a Discol, durante quatro ou cinco anos. Vendia discos, fitas. Depois trabalhei quatro anos no Unibanco. Tenho 48 anos, mas na verdade me considero um cidadão de 44 anos. Os quatro anos que passei no banco considero perdidos.
ZONA SUL – O que você fazia no banco?
ABIMAEL – Comecei como contínuo. Até aí, tudo bem: eu saía, resolvia as coisas do banco, dava uma volta na rua. Depois fui para o setor de contas correntes. Uma chatice: todo dia tinha que somar 500 cheques e chegar a um valor exato. Era uma tortura. Consegui suportar quatro anos na marra. Depois resolvi sair. Com todo respeito a quem trabalha em banco e aos militares: se você passar 20 anos como soldado, se lhe perguntarem o que você sabe fazer, quando deixar o quartel, a resposta será: “nada, eu fui soldado”. Com o bancário é a mesma coisa. Você trabalha, trabalha, trabalha e não tem nenhuma utilidade.
ZONA SUL – Qual a reação da sua família quando você resolveu deixar o Unibanco para montar um sebo?
ABIMAEL – Só quem deu força foi minha irmã que hoje é freira e mora em Angola. Todos os outros disseram que eu estava maluco. A minha mãe, mesmo, ficou horrorizada: “como pode sair de um banco para botar um sebo, vender livro velho”. Foi um horror. Mas eu estava decidido. Saí por ter participado daquela famosa greve geral dos bancos de 1985, começo de 1986. Fiz piquete na porta do banco. Quando me demitiram, senti um alívio grande.
ZONA SUL – Natal já tinha outros sebos quando você abriu o Sebo Vermelho?
ABIMAEL – Tinha o sebo da família de Jácio. O meu foi o primeiro a usar a palavra “sebo”.

Quando coloquei, pichei alguns muros e coloquei “Sebo Vermelho” junto com algumas frases de efeito: “Transar fiado, no pau ou fazer troca-troca, vá de Sebo Vermelho”. Saí pichando tudo que foi esquina e algumas pessoas se chocaram com essa coisa de sebo. Perguntaram se eu sabia o significado da palavra. Não só as pessoas de fora, mas as da minha família. Tive que mostrar o dicionário para minha mãe, para ela entender que sebo era livraria que vende livros usados. Mesmo assim ela insistiu que aquela era uma palavra horrível. Por parte da família de Jácio eu era o intruso, aquele que não podia dar certo. Tanto que o pai dele, seu Raimundo, ficava lá no início dizendo que era melhor eu vender manteiga do sertão, caixas de uva. Comecei o sebo com a minha biblioteca, sacrificando 90 por cento dos meus livros.
ZONA SUL – Quantos títulos, mais ou menos?
ABIMAEL – Comecei com uns 600 livros. Vendi com a maior pena. Mas era o capital inicial e tinha que ser dessa maneira. Foi muito duro.
ZONA SUL – De um começo de 600 livros, hoje o acervo do Sebo tem quantos?
ABIMAEL – Uns 30 mil.
ZONA SUL – Por que Sebo Vermelho?
ABIMAEL – Tinha que ter um nome. Funcionava em uma cigarreira na Vigário Bartolomeu, quase em frente ao Banco do Nordeste, próximo à Praça Padre João Maria. Natal tinha cigarreira amarela, azul, verde, branca... Só não tinha preto e vermelho. Se pintasse preto, não daria certo por causa do calor. Resolvi pintar de vermelho, que é vida, sangue, energia e é a cor do amor. Toda propaganda importante tem vermelho.
ZONA SUL – Ancorado no Sebo Vermelho você lançou também um jornal.
ABIMAEL – Em 1986 abri o Sebo. Em 1990 lancei o jornalzinho do Sebo. Em 1987, junto com Dorian Lima, eu já fazia o jornal “A Franga”, que era razoavelmente anárquico ironizando e concorrendo com “O Galo”, jornal oficial do Governo do Estado. Estou reeditando em fac-símile a coleção completa, os cinco números. Depois fiz o jornalzinho do Sebo e, em seguida, “O Canguleiro”, um jornal sobre a Ribeira. Fiz também “O Cascudinho”. O “Jornal do Sebo Vermelho” circulou de 1990 a 2004. Teve 55 números com textos importantes. Era mensal, mas saía conforme os patrocinadores.
ZONA SUL – Nos primeiros anos do Sebo Vermelho o que vendia mais? Livros ou discos?
ABIMAEL – No início, principalmente discos. Mas livros também vendia bem, tanto que eu ia comprar em Recife, lá na “Livro 7”. Comprava livro com preço defasado e vendia no sebo.
ZONA SUL – Depois da chegada do CD caiu a procura pelo sebo?
ABIMAEL – De 1992 para cá, o vinil entrou em decadência total. Seu espaço foi ocupado pelo CD. Mas hoje em dia o elepê está voltando a ser procurado, tem todo um encanto. Algumas gravadoras estão fabricando vinil. Acho isso puro sentimentalismo besta. Não tem mais condições. Ninguém tem mais agulha, vitrola... Como vai gravar um vinil desse tamanho podendo gravar tudo isso em um arquivo que é a metade de uma unha?
ZONA SUL – Como surgiu a ideia de o Sebo Vermelho editar livros?
ABIMAEL – Começou com um livro de Anchieta Fernandes, sobre a história do cinema de Natal. Ele estava com dificuldade para publicar o livro. Em 1991 fiz uma parceria com Varela Cavalcanti, que era presidente do Sindicato dos Bancários do RN. Ele disse: “compre o material que eu imprimo”. Assim foi feito. “Écran natalense” foi um grande sucesso e está adotado, inclusive, no curso de Comunicação da UFRN.
ZONA SUL – A primeira edição saiu com quantos exemplares?
ABIMAEL – No geral as nossas edições saem com 300 exemplares. Talvez essa de Anchieta tenha saído com 500, por ser o primeiro livro e ter aquele encantamento todo. O livro recebeu críticas favoráveis de jornalistas da cidade como Nélson Patriota e Otto Guerra.
ZONA SUL – Até então o projeto era o de apenas lançar esse livro, e não uma editora. Como você sentiu que tinha espaço para o Sebo Vermelho ter sua editora?
ABIMAEL – Como esse primeiro livro foi um sucesso, despertou o interesse de continuar. Eu tinha na minha biblioteca particular a primeira antologia poética do Rio Grande do Norte. Reeditei essa antologia em 1993: “Poetas do Rio Grande do Norte”, de Ezequiel Wanderley. Tinha sido publicado em 1922, em Recife. Reúne 108 poetas do RN. Fiz uma reprodução fac-similar em có-edição com Carlos Lima, da “Clima”. O livro foi um sucesso estrondoso. Foi resenhado no Jornal do Brasil, com direito a figurar entre os lançamentos do mês. De repente o livro esgotou. Só na noite do lançamento foram vendidos 102 exemplares. Ao todo, foram vendidos 500. Tomei um gosto danado e resolvei tentar publicar pelo menos um livro por ano. Sempre em parceria, principalmente com Wodem Madruga, na época presidente da Fundação José Augusto.
ZONA SUL – Existe literatura no Rio Grande do Norte?
ABIMAEL – E como tem! O que falta é as pessoas descobrirem. Claro que tem que separar o joio do trigo. Tem muita coisa comum, sem futuro mesmo. Mas, procurando, tem poetas de importância internacional, cronistas, contistas, romancistas e grandes historiadores. No Rio Grande do Norte o que falta é essa separação e também uma divulgação, uma janela que mostre esses autores.
ZONA SUL – Qual o livro da editora que mais vendeu até hoje?
ABIMAEL – O livro que mais vendeu das edições do Sebo Vermelho é um livro de Marlene da Silva Mariz e Coquinho (Luis Eduardo Brandão Suassuna): “História do Rio Grande do Norte”. Quase todo ano a gente faz uma reimpressão dele, de 300 exemplares. Outro que deu um impacto danado foi um livrinho de Celso da Silveira e José de Souza: “O valor que o peido tem”. Esse livro causa um zumzumzum danado. Quase toda semana chega alguém lá no sebo procurando um exemplar. O livro mostra o peido no lado científico. A composição do peido, a descrição...
ZONA SUL – Qual o livro que mais lhe orgulhou publicar?
ABIMAEL – Existem vários livros que até hoje eu não canso de ler e reler. O principal é “Cartas de Drummond a Zila Mamede”, organizado por Graça Aquino. Pretendo reeditá-lo agora em 2012. Reúne mais de 60 cartas que Carlos Drummond de Andrade enviou para Zila Mamede, cada uma mais carinhosa que a outra. Esse livro foi um marco nas nossas edições. Foi o 20º título da Coleção João Nicodemos de Lima.
ZONA SUL – Quem foi João Nicodemos de Lima?
ABIMAEL – Foi o primeiro sebista do Rio Grande do Norte. Teve um sebo, de 1932 a 1975, na Ribeira, na Tavares de Lira. Foi um homem de grande importância, citado por Cascudo em alguns livros, como “O tempo e eu” e “Na ronda do tempo”. É um cidadão completamente esquecido. A única homenagem que ele recebeu foi essa nossa coleção. Não tem um nome de rua, de praça. Depois de João Nicodemos, Natal teve outro sebista, Cazuza. Mas João Nicodemos foi o primeiro.
ZONA SUL – O livro das cartas de Drummond a Zila é uma reedição ou era inédito?
ABIMAEL – É uma edição mesmo.
ZONA SUL – Como você conseguiu essas cartas para publicar?
ABIMAEL – Na lei do direito autoral, a carta pertence a quem recebe. Se você mandar uma carta para o Papa, o Papa é quem vai ter os direitos autorais. Mas se ele lhe enviar uma carta, o direito autoral será seu e você terá total liberdade de publicar essa carta. Zila Mamede manteve correspondência não apenas com Drummond, mas também com João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira e com Geir Campos. A família tem muitas cartas. De João Cabral, tem 37. De Manuel Bandeira, se não me falha a memória, tem 18. De Geir Campos tem mais de 100. Essas cartas pertencem à família de Zila Mamede. Uma professora, Graça Aquino, reuniu, e eu publiquei. Os herdeiros de Drummond ficaram com a cara toda enjoada, querendo fazer confusão pelos direitos autorais. Mas, no pé da letra, a carta pertence a quem recebe.
ZONA SUL – Existe algum título que você gostaria muito de publicar.
ABIMAEL – Dezenas. Tenho nos meus papéis mais de 80 títulos que pretendo reeditar. Na verdade, o que gosto mesmo é de reeditar um livro que tenha alguma importância, além do interesse pessoal. Só de Cascudo - mas aí vou ter que me entender com a família dele - tenho material que dá para fazer mais de vinte livros inéditos, reunindo coisas de grande importância que ainda não foram concretizadas. Como, por exemplo, material de Cascudo só sobre livreiros e editores. Uma série de vinte artigos descrevendo a questão. Tenho uma coleção bem razoável de livros no prelo. Agora mesmo estou publicando o primeiro livro sobre cangaço no Brasil. É de um paraibano chamado João Bandeira. Ele publicou um livro, em 1929, chamado “Cangaceiros do Nordeste”, quando a Paraíba ainda era Parahyba do Norte. Esse livro nunca foi reeditado. Estou fazendo uma reprodução fac-similar dele.
ZONA SUL – O fato de hoje se encontrar livros e fragmentos de praticamente todo tipo de texto na Internet de alguma maneira interferiu no seu negócio como editor e sebista? As novas tecnologias afastaram o leitor do livro?
ABIMAEL – Pelo contrário: a internet só viabilizou, só tornou o livro mais viável, mais íntimo do leitor comum. A Sebo Vermelho Edições, por exemplo, já tem quase 350 livros publicados. A grande maioria sobre o Rio Grande do Norte.
ZONA SUL – O Poder Público estimula o seu trabalho de alguma maneira? Você tem alguma parceria com governo ou prefeitura?
ABIMAEL – Até o presente momento, não. Mas, se for esperar pelo Poder Público, não se realiza nenhum sonho. O Poder Público só chega junto quando envia ofícios solicitando a doação de livros para essa ou aquela biblioteca. Até hoje nunca um governo estadual, municipal ou federal chegou para comprar nem dez títulos sobre a história do Rio Grande do Norte, de Natal, de Baixa Verde, ou de Mossoró...
ZONA SUL – A editora é rentável?
ABIMAEL – Você fez uma pergunta cruel. É e não é. Aqui e acolá um livro acontece, mas no geral a gente espera muito e é aquele fracasso. Às vezes a gente até perde a amizade com o autor porque ele estava esperando vender 100 exemplares e vende oito ou dez. Mas sempre tem um livro que vai compensando os outros. Meu único objetivo é com a venda de um livro viabilizar a publicação de outro.
ZONA SUL – Excetuando o Rio Grande do Norte, qual o estado que mais compra as publicações da editora?
ABIMAEL – É a Paraíba O difícil do livro nem é publicar, mas fazer ele livro acontecer, distribuir. O duro é convencer o dono da livraria a expor o seu livro, que ele poderá ganhar um bom dinheiro com aquilo. Agora mesmo, por exemplo, uma grande livraria de um shopping de Natal não tem nenhum livro de autores do Rio Grande do Norte. Isso é um descaso muito grande, é um desserviço à cultura do estado e ao desenvolvimento da nossa região.
ZONA SUL – Hoje quem é o grande nome da literatura do Rio Grande do Norte?

ABIMAEL – É difícil citar só um, mas pegando como exemplo um nome que a grande maioria conhece, eu escolheria Nei Leandro de Castro. Ele é um ótimo romancista, ótimo poeta e bom cronista. Tem livros publicados por grandes editoras, como a Nova Fronteira e a Siciliano. Mas não é o único: Sanderson Negreiros é um grande cronista, Iracema Macedo já mereceu o reconhecimento da crítica a nível nacional e temos muitos outros nomes de talento.
ZONA SUL – E o Abimael escritor?
ABIMAEL – Publiquei alguns livrinhos: “Guia dos Sebos de Natal & textos afins”, “Eu e Natal”, “As 14 mais da poesia potiguar” (uma antologia com 14 poetas que eu acho que são figuras importantes aqui) e estou preparando “Como comprar, preparar e comer um bom caranguejo uçá”. Será a primeira publicação sobre caranguejo na gastronomia brasileira. Também estou organizando uma antologia chamada “Poesia Futebol Clube”. O livro reunirá 23 poetas do Rio Grande do Norte, todos escrevendo sobre futebol. Tem Adriano de Souza, Chico Ivan, Ferreira Itajubá e muita figuras interessantes.
ZONA SUL – Onde se pode adquirir os livros da Sebo Vermelho Edições? Eles estão disponíveis pela internet?
ABIMAEL – Um sebo de Campina Grande comercializa na internet todas as edições do Sebo. Na Estante Virtual (http://www.estantevirtual.com.br/) tem muita gente vendendo. Estou pensando em começar a dar cabimento à internet. Ainda sou da máquina de escrever. Mas meus livros estão disponíveis no Sebo Vermelho (Av. Rio Branco, 705, Cidade Alta – Natal) e em algumas livrarias como a Potylivros.
ZONA SUL – Você ainda não utiliza a internet para vender os livros?
ABIMAEL – O Sebo tem um blog (http://sebovermelhoedicoes.blogspot.com/) organizado por Alexandre Oliveira, o meu capista. Ele é um danado, é quem mexe e faz tudo. Quando alguém pede um livro, eu separo e ele envia para o sujeito. Além do blog tenho outra página, também, mas é a minha esposa quem dá os pitacos lá e coordena tudo. Eu nem lembro o danado do nome dessa página.
ZONA SUL – Você pretende comercializar suas publicações também em formato digital?
ABIMAEL – O caminho é esse, embora eu ache que o livro de papel ainda vá durar uns 200 anos. Mesmo com toda a tecnologia e essa história de não derrubar árvores, ele vai continuar existindo. A tendência é que os dois formatos sejam oferecidos ao leitor. Acredito demais no impresso e até no livro como objeto de arte.
ZONA SUL – Fale sobre a entrevista que você deu a Jô Soares.
ABIMAEL – Foi em 2003, quando completei 40 anos e recebi o título de cidadão natalense. Na mesma época eu tinha editado o centésimo livro da editora Sebo Vermelho. A produção de Jô deve ter tomado conhecimento através de matérias que saíram no Diário e na Tribuna. Quando eles mantiveram contato, no início pensei que era brincadeira. O diferencial para a entrevista acontecer foi o fato de o Sebo Vermelho ser o único do país que edita livros. Esse foi o gancho. Pra se sincero, eu viajei meio temeroso. Jô Soares joga muito pesado quando entrevista um cidadão comum. Quando é uma autoridade, ele faz aquele lengalenga. No cidadão comum ele bota pra lascar mesmo. Se ele viesse dizer, por exemplo, que nordestino come calango ou lagartixa, eu responderia à altura. Fui preparado: para a guerra ou para a paz.
ZONA SUL – Você levou uns caranguejos para preparar no programa...
ABIMAEL - Quando a produção estava me entrevistando, antes de agendar a entrevista, falei do projeto de escrever o livro sobre caranguejo. Imediatamente eles pediram para eu levar alguns caranguejos. Foi uma novela danada, uma burocracia tremenda, transportar esses caranguejos. Só o frete no aeroporto, na época, foi quase 80 reais. Caranguejo tem que ser comido quentinho, morno. Se esfriar a carne não sai com facilidade. E como a cozinha ficava longe do estúdio, preparei os caranguejos e pedi a um cara para ele levar quente, durante a entrevista. Do contrário o ar-condicionado muito pesado estragaria o caranguejo. O problema é que quando o cara foi buscar, perdeu o horário. Eu tinha preparado duas cordas de caranguejo. Depois vi pessoas comendo - um músico, um funcionário - mas Jô Soares não comeu.
ZONA SUL – O que Jô Soares procurou abordar na conversa que teve com você?
ABIMAEL – A conversa foi sobre o sebo. Eu mostrei a ele um cartaz feito na primeira eleição pra presidente, em 1989. Reunia depoimentos fictícios de várias figuras. Tinha Lula com um chapéu dizendo: “eu tiro o chapéu para o sebo vermelho”. Gabeira falando: “porra, Abimael bem que podia criar o Sebo Verde, também”. Jô Soares abriu e ficou lá, paparicando Ulysses Guimarães, Afif Domingos e Brizola. Quando a entrevista terminou ele disse: “agora eu conversei com essa figura extraordinária” e papapá. Foi bem interessante. A entrevista foi no dia 2 de julho de 2003.
ZONA SUL – Selecione alguns livros imperdíveis de sua coleção.
ABIMAEL – Começaria citando dois sobre os quais já falei nessa entrevista: “Poetas do Rio Grande do Norte”, de Ezequiel Wanderley, e “Écran Natalense”, de Anchieta Fernandes. Nessa relação, incluiria “Os americanos em Natal”, de Lenine Pinto. É uma reedição do Sebo de um livro publicado pela Gráfica do Senado, em 1975. É a melhor crônica sobre Natal durante a guerra. Tem também um livro de Djalma Maranhão que considero o livro mais natalense que publiquei: “Esquina da Tavares de Lira com a Dr. Barata”. Um outro imperdível foi organizado por Moacy Cirne e Nei Leandro de Castro: “69 poemas de Chico Doido de Caicó”. Esse livro virou peça que foi encenada no Teatro Villa-Lobos, no Rio de Janeiro. Ficou três meses em cartaz. Imagina, uma peça baseada em um livro publicado no Rio Grande do Norte, com resenhas na Veja, no Estadão, Globo, Jornal do Brasil... Outro que eu gostaria de acrescentar é o livro organizado por Manoel Onofre Jr., “Contistas Potiguares”. É uma antologia com os principais contistas do Rio Grande do Norte. Do jeito que tem livros esses livros especiais, tem outros que fico um pouco sem querer lembrar. Chega muita gente querendo publicar livro reiera mesmo. Um amigo, Inácio, bispo de Taipu, certa vez pediu que eu publicasse um livro. Eu disse que não publicaria de maneira alguma, que o texto era muito sem futuro. Ele então sugeriu: “crie uma coleção chamada “Langanha” para editar tudo o que chegar de porcaria”. A ideia é até boa, mas quem é que vai querer ver seu livro sair pelo selo “Langanha”? (risos)
ZONA SUL – Quais os projetos para o futuro?
ABIMAEL – Eu pretendo, agora em 2012, publicar uns 50 títulos. Por ser um ano eleitoral, tudo fica mais fácil. Se você fizer um lançamento na caixa d'água do Banespa, chega fulano, sicrano,

beltrano e tudo que é candidato. Eles vão e compram o livro, tiram uma fotografia e tal. Quando o ano não é eleitoral, como foi 2011, tudo fica mais complicado. Mesmo assim, em 2011 publiquei uns 30 títulos. Agora no começo do ano vai sair um livro que tem tudo para se tornar um best-seller: “Histórias de um taxista”. É de um motorista de táxi de 30 e poucos anos que tem tendência a ser literato. Ele tem histórias ótimas. Uma delas é a seguinte. Um cachorrinho daqueles bem miudinhos morreu. Como a família ficou arrasada, o veterinário se ofereceu para providenciar o enterro em um cemitério de animais localizado em São Gonçalo do Amarante. O dono do animal aceitou. Então o veterinário telefonou para esse taxista e pagou para ele transportar o cachorro, que estava dentro de um saco plástico, até o cemitério. O motorista colocou a “encomenda” na mala do carro e resolveu que levaria o bicho pra São Gonçalo após a última corrida do dia. No final da tarde ele pegou uma corrida de uma família que tinha feito compras no Hiper. Acomodou as compras na mala e fez a viagem. No destino, a família levou as compras e ele continuou a trabalhar. No final do dia, quando resolveu levar o cachorro para o cemitério, cadê o saco? A família tinha tirado, junto com as compras. Quando me contou essa história, o taxista comentou: “só fiquei com pena da mulher quando foi guardar as compras e encontrou aquele cachorro morto”. (risos)
ZONA SUL – Pelo visto vai ser mesmo um sucesso.
ABIMAEL - O cara é demais. Ele está escrevendo e um amigo meu, professor de língua portuguesa, está fazendo uma revisão rigorosa. Outra história contada pelo taxista é de uma mulher que chegou perguntando quanto ele cobrava para ir procurar o marido dela nas Rocas, no picado do Monteiro - no Alecrim - e no bairro Nordeste. A mulher era linda, segundo o taxista. Chegaram em uma espelunca pesada, nas Rocas. O marido não estava. Dez e meia, onze horas, o cara também não estava no Alecrim. Foram para o Bairro Nordeste e ela viu logo o carro do marido. Estava na casa da amante. Ela esculhambou o marido, pegou uma pedra, amassou uma porta e quebrou o para-brisa do carro. Dois minutos depois o marido saiu, só de cuecas e com sono. Ela esculhambou: “Seu cachorro, você não tem vergonha de estar na casa dessa rapariga”. Foi o maior escândalo. A amante saiu também e começou a confusão entre as duas. O marido chegou para o taxista e disse: “rapaz, leva essa mulher daqui”. O taxista perguntou logo: “E a corrida?”. “Eu pago, quanto foi?”. “Trezentos reais”. O cara deu o dinheiro. O taxista chegou para a mulher e disse: “dona, vamos embora que a polícia está chegando, a vizinhança já denunciou”. Quando entrou no carro, ele disse: “a senhora é muito mais bonita do que ela e também o estrago que a senhora fez no carro ele nunca mais vai esquecer”. Assim ele conseguiu levar a mulher. Outra história parecida foi a corrida que ele fez para pegar um cliente em um motel. Quando chegou, uma cinquentona e um garotão com cara de 16 anos. Quando chegou na casa da mulher, o marido fez o maior escândalo. “Como você chega uma hora dessa”. A mulher respondeu no ato: “só vim agora porque sabia que você ia dar esse escândalo”. O marido perguntou quem era o garoto. A esposa já tinha a resposta na ponta da língua: “Dormi na casa da minha prima, esse é o filho dela. Ele veio pra evitar de você me bater. Agora, pague a corrida e dê algum dinheiro ao garoto”. O cara pagou e ainda deu uma gorjeta ao boy. O cara contando é coisa de você gravar e comparar com as histórias de Gabriel Garcia Márquez.
ZONA SUL – E história desse tipo vivida por você? Tem muita?
ABIMAEL – Antigamente, quando perguntavam se eu publicava livro, eu já respondia que sim. Certa vez chegou uma senhora no Sebo Vermelho. Era começo de semana, duas e meia da tarde.

Ela perguntou se eu publicava livros. Respondi que sim. Ela disse que queria publicar um. Expliquei que geralmente o Sebo pagava 50% dos custos e a pessoa interessada pagava a outra parte. “Dinheiro não é problema: quero pagar tudo”, ela respondeu. Nesse instante, já fiquei com uma pulga atrás da orelha. “Quero fazer um livro sobre o meu neto, que está completando cinco anos. Vai ter uma festa bonita e só o contrato com o buffet foi R$ 5 mil ”. Nessa época, com R$ 2 mil a gente editava o livro que ela queria. Aperreado, comecei a me perguntar como eu ia conseguir sair daquela camisa de sete varas, já que eu tinha dito que publicava o livro. Um livro sobre o neto de cinco anos... Se fosse um neto de 30 ou de 40, tudo bem. Ainda perguntei se ela não achava que estava muito cedo para fazer um livro para o neto. “Não, é um presente. Isso aqui já está programado”. Nisso, do outro lado da rua estava uma Pajero. O motorista tinha ficado para estacionar o carro. Tentei explicar à mulher que só publicava se fosse sobre a história do Rio Grande do Norte. Mas ela não aceitou de jeito nenhum. “Nosso acordo é esse e eu vou pagar tudo”. A conversa continuou até que chegou uma hora em que ela disse que queria o livro publicado em uma edição bilíngue - português e inglês - e com capa dupla. Vi aquilo como a minha salvação. Disse logo que eu não fazia capa dupla e emendei: “Seu neto também não tem grande importância, ele é muito novo para a senhora fazer um livro, e ainda por cima em edição bilíngue”. Encerrei dizendo que não tinha a mínima condição de fazer e sugeri que ela procurasse outro. Dei o endereço da Offset Gráfica e autorizei ela a usar meu nome quando fosse falar com Ivan Júnior. Ela insistiu disse que queria o livro com o selo do Sebo Vermelho, que até podia fazer em outro local, mas com o selo do Sebo. Não concordei. Certa hora o motorista ligou e eu só ouvi ela falar: “não, não deu certo. O garoto aqui está todo queixudo”. Eu sentado numa cadeira, tomando uma cerveja, três horas da tarde. “E ele tá me encarando aqui, venha, traga o carro, ele não quer fazer de maneira alguma. Está me encarando agora”. Quando ela botou o pé fora do sebo, fiz um juramento com Padre João Maria: “Nunca mais cometerei esse deslize, esse antiprofissionalismo de dizer que publico qualquer coisa”.
ZONA SUL – Para finalizar, deixe um recado para o leitor.
ABIMAEL – Leia, mesmo que seja bula de remédio, revista Tio Patinhas, Tex, Sabrina, Bianca, Júlia ou jornal disso ou daquilo. A coisa mais importante é ler. Com a leitura você vai descobrir caminhos e fazer novas viagens. O conhecimento é a única coisa que, depois que você adquire, é para sempre. Por fim, quero dar os parabéns a Costa Júnior e a Edson Benigno por manterem esse jornal que já circula há muitos anos. Eu, como idealizador de alguns jornais, sei a dificuldade, a complicação que é fazer e manter um periódico. É muito louvável essa iniciativa.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Entrevista: Cortez

O sertanejo que ganhou o mundo com as letras


É comum ouvir dizer que a história de alguém daria um livro. A de José Xavier Cortez rendeu muito mais: uma biografia, um documentário em vídeo e um livro infantil. Sua vida não foi fácil. Ainda menino no sítio dos pais, em Currais Novos, ele ajudou a família a tirar da agricultura o sustento. Estudou nas horas de descanso. Maior de idade, deixou a terra natal para buscar um futuro melhor para si e para os seus. Entrou na Marinha, foi expulso de lá após o golpe de 64. Morou em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Em São Paulo, foi lavador de carros em um estacionamento. Nessa condição passou no vestibular de economia, da PUC. Vendeu livros na faculdade. Editou teses de mestrado e pós-graduação. Hoje Cortez é reverenciado no meio intelectual brasileiro. Sua editora completou 30 anos no primeiro semestre. A efeméride serviu como mote para relembrar a história desse potiguar que, apesar de ter ganho o mundo, nunca deixou de ter seus pés fincados no sertão do Rio Grande do Norte. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL: Vamos conversar um pouco sobre o seu período em Currais Novos...
CORTEZ - Divido minha trajetória em três momentos. O primeiro foi vivido lá no sertão, onde nasci, me criei, trabalhei e aprendi a ler. O segundo foi a fase militar, onde permaneci na Marinha. Aos 17 anos saí do sítio Santa Rita e fui para Natal. Em seguida entrei para a Escola de Aprendizes de Marinheiros, em Recife, onde fiquei uns dez meses. Em janeiro de 1956, depois de fazer o curso de habilitação para a Marinha de Guerra, fui para o Rio, onde fiquei até dezembro de 1964. Toda essa etapa foi importante para eu deixar a vida de sertanejo e me adaptar à cidade. Fui punido com o golpe militar de 1964...
ZONA SUL - Vamos deixar os detalhes para depois...
CORTEZ - Certo. Então, continuando, o terceiro e último momento da minha trajetória começou logo após o golpe militar, quando fui desligado da Marinha e troquei o Rio por São Paulo. Essa fase segue até hoje. Nesse ano em que a Cortez Editora completou 30 anos, foram lançados um DVD, um livro e uma publicação infantil contando minha trajetória mais ou menos dividida nessas três fases.
ZONA SUL - Vamos falar um pouco sobre essa primeira etapa. Como foi a vida no sítio?
CORTEZ - Essa fase está muito bem detalhada no livro “Cortez - A saga de um sonhador”. A socióloga e biógrafa Teresa Sales fez uma pesquisa muito séria do meu nascimento até os 17 anos. O final dos anos 1950 e anos 60 do século passado foi um período de rudeza, de trabalho árduo. Não havia tecnologia, energia, água... Enfim, passei, uma fase dura lá no sertão do Rio Grande do Norte, trabalhando com os meus pais e a minha família naquela agricultura de subsistência.
ZONA SUL - Você começou a trabalhar muito cedo?
CORTEZ - Estou na faina diária, no trabalho diário, desde os cinco ou seis anos. Nessa idade eu já puxava boi pro meu pai arar a terra com a capinadeira. É uma das lembranças que eu tenho do tempo de criança.
ZONA SUL - Paralelo a isso você também estudava?
CORTEZ - Meus pais sempre tiveram essa preocupação. Somos dez irmãos, dos 17 que a minha mãe teve. A cada dois anos nos reunimos, em um encontro que apelidamos de Bienal da Família. Mas eu dizia que estudei em escola rural a partir de seis ou sete anos. Lá aprendi as primeiras letras.
ZONA SUL - Ajudando a família na roça e estudando, sobrava tempo para brincar?
CORTEZ - Eu e meus irmãos estudamos sempre no horário, digamos, do almoço: das 11 horas até por volta das duas horas da tarde. Algumas escolas eram distantes. Tínhamos que andar quatro ou cinco quilômetros para ir e a mesma distância pra voltar. Tínhamos que trabalhar de manhã até às dez horas. Tomávamos banho, almoçávamos e saíamos para a escola. Na volta, trocávamos de roupa e retornávamos o trabalho no roçado até o sol se por.
ZONA SUL - Então não sobrava mesmo tempo para as brincadeiras...
CORTEZ - Às vezes brincávamos à noite. Naquela época morava muita gente nas proximidades do sítio. Hoje não existe sequer 10% daquela população da época. Depois do jantar, quando comíamos coalhada ou sopa, vinham os vizinhos. Brincávamos de tica ou de outras brincadeiras no terreiro. No final de semana também tínhamos muita ocupação, como dar comida pro gado e levar os animais pra beber água. Geralmente, nas tardes de sábado ou domingo, sobrava um tempo maior pra brincar.
ZONA SUL - Por volta dos 17 anos você mudou-se pra Natal. Por que?
CORTEZ - Nós percebíamos, e meu pai também falava, que seria muito difícil sustentar toda a família naquele sítio que até hoje preservamos. Mal dava para os dez filhos. Pior ainda ficaria na medida em que fôssemos casando. Sabíamos que tínhamos que procurar alguma coisa. A pergunta era: onde encontrar trabalho com parcos estudos? Antes de ir pra Natal fiz outras coisas, como garimpar. Nos anos de seca íamos trabalhar nos garimpos. Eu, o mais velho dos irmãos, nunca tinha ido a lugares mais distantes até resolver mudar pra Natal. Eu sabia que possivelmente teria que servir ao Exército. Mudei para a capital com a expectativa de servir à Aeronáutica. Eu não tinha noção de militarismo, de nada. Em Natal fiquei durante sete ou oito meses na casa de um tio, o tio Alfredo, já falecido. Não consegui entrar na Aeronáutica, mas entrei na Marinha. Dessa forma fui para Recife e iniciei essa minha viagem. Não era o que eu esperava. Ganhávamos mal e o regulamento era muito rígido. Mas eu tinha como objetivo e projeto de vida fazer alguma coisa pra ajudar minha família. Fui e sou uma pessoa muito ligada às questões familiares. Meu pensamento era o de ajudar os meus pais. Dar algo melhor para eles. Eu via na Marinha o canal para isso. Fiquei lá nove anos.
ZONA SUL - Antes da Marinha você fez outras coisas em Natal?
CORTEZ - Quando mudei pra Natal eu sabia que ali era o ponto de partida da minha caminhada. Não pensava mais em voltar para o sertão. Em determinada época apareceu um conhecido do meu pai, que morava em Campo Redondo. Ele tinha um alambique e me arrumou um trabalho temporário pra encher garrafas nos tonéis de cachaça. Depois me envolvi com os exames da Aeronáutica. Como não deu certo, tentei a Marinha. Fiquei hospedado na chácara do meu tio, no Alecrim. Como lá tinha muitas árvores frutíferas, pedi permissão a ele e passei a vender umas frutas pela cidade. Com o apurado eu comprava uma pasta, comia um pão doce com caldo de cana, ou coisas do gênero. Foi assim até a Marinha me chamar, em março de 1955.
ZONA SUL - Quais suas atividades na Marinha?
CORTEZ - Depois de jurar bandeira em Recife, embarcamos em um navio chamado Barroso Pereira. Eu e mais 200 ou 300 colegas fomos para o Rio. Lá nos dividiram entre vários navios. Servi inicialmente um ano e pouco no contratorpedeiro Marcílio Dias. Nossa função era serviços gerais: faxina e tudo o que havia de pior. Depois que desembarquei fui para um quartel de marinheiros. Contraí esquistossomose e fiquei três ou quatro meses em um hospital naval. Depois fiz curso de especialização em máquinas. O maquinista, claro, trabalha na praça de máquinas. Sua função é fazer o navio navegar. Ao terminar o curso, fui servir no Cruzador Barroso. Fiquei cinco anos nesse navio. Em março de 1964 trabalhei na organização da festa de segundo aniversário da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil.
ZONA SUL - Ao descrever suas atividades na Marinha, você falou: “o que tinha de pior sobrava pra gente”. Como você recebia essa diferença de tratamento?
CORTEZ - Toda pessoa merece ser tratada com dignidade, independente de sua raça, condição social ou grau de instrução. Ao entrar na Marinha passei a conviver com pessoas de outros níveis. Comecei a ler jornais, ver televisão, a me informar. No sertão eu não tinha nada disso. Nunca tinha aberto um jornal ou lido um livro todo. Assim começou o meu contato com esse mundo mais civilizado. Passei a me conscientizar de algumas coisas. Por outro lado, quando eu vivi no sertão - em um lugar muito pobre - nunca fui humilhado. Ninguém deve ser humilhado por condição nenhuma. A Marinha tinha um regime arcaico. Seu regulamento já não condizia com a década de 1960. Nós, marinheiros, começamos a reivindicar algumas coisas. Foi assim que fundamos, em 1962 - quando eu já tinha sete anos de Marinha - uma associação de marinheiros. Nós estávamos sendo muito sacrificados e humilhados. As associações não eram permitidas nas Forças Armadas, como não é ainda hoje.
ZONA SUL - Esse movimento culminou com uma revolta dos marinheiros...
CORTEZ - A Marinha do Brasil teve muita importância na minha trajetória. No entanto, apesar de a Marinha ser considerada uma força armada de elite, somente a oficialidade recebia bom tratamento. Os praças e os oficiais subalternos, não. A história da Marinha é manchada por alguns episódios como a Revolta da Chibata, ocorrida em 1910. Os marinheiros se rebelaram contra a aplicação de castigos físicos a eles impostos como punição. Em 1888 a escravidão havia acabado no Brasil, mas os marinheiros apanharam de chibata até 1910. Foi necessário haver um levante sob o comando do almirante negro João Cândido para acabar com essa selvageria. Em 1964 fazia apenas 50 anos daquela rebelião. Era um período muito curto. Ainda existiam pessoas daquela época. Em 1960 os marinheiros começaram a estudar e a participar da vida civil. Isso fez com que o pessoal subalterno, entre aspas, se conscientizasse. Foi aí que tudo começou. Resolvemos fazer uma festa para comemorar o segundo aniversário da associação. Era simplesmente uma festa, mas a Marinha proibiu. Dessa forma começou o grande duelo. Nos rebelamos contra as ordens, coisa que a hierarquia não permitia. Acredito que esse nosso movimento, ocorrido de 25 a 27 de março, foi o estopim para deflagrar o 31 de março.
ZONA SUL - Esse foi o motivo do seu afastamento da Marinha?
CORTEZ - Do meu e do afastamento de muitos outros. Estávamos lá no sindicato uns 2 ou 3 mil, não lembro mais. A nossa luta, que era a mesma de muita gente naquela época, era a favor do presidente João Goulart. Não era contra. Defendíamos as reformas de base, por exemplo. Mas o nosso movimento era interno, por mudanças como a permissão para o marinheiro casar, pelo direito a um tratamento mais humano e por uma melhor comida, entre outras reivindicações. Acabamos o movimento após fechar um acordo com o ministro da Marinha, o Leonel Brizola e outras pessoas que intermediaram essas conversações. Nunca esqueço do dia em que os fuzileiros navais - que são a força terrestre da Marinha - foram nos prender. Eram nossos colegas, a associação também era deles. Chegaram em frente ao sindicato e receberam a ordem de nos levar presos. Os fuzileiros desfizeram dos seus fuzis e ficaram ao nosso lado. Você nem pode imaginar a emoção de ver aderir à sua causa um grupamento convocado pra lhe prender. Depois de acertos e conversações, passamos pelo quartel do Exército e depois fomos liberados. Lá deixamos nossos nomes, essa coisa toda. Três ou quatro dias depois aconteceu o golpe militar. Foi facílimo pegar o nome de todos nós que estávamos lá no Exército. Aí começou a caça às bruxas.
ZONA SUL - O afastamento da Marinha foi a única represália que você sofreu ou houve outro tipo de perseguição?
CORTEZ - Sempre tive bom comportamento na Marinha. Nunca havia sido preso, apesar da rigidez do regulamento. Se o sapato não estava bem engraxado, o oficial não deixava sair, quando o navio estava em terra. Se o chapéu não estava branquinho como ele achava que deveria estar, a saída também era proibida. Só que não dispúnhamos de armário para guardar nossas coisas. Ficava tudo em um saco. Dessa maneira era praticamente impossível manter tudo impecável. Havia uma incompreensão grande. Com a associação, passamos a contar com assistência médica, dentária, assistência social e outras conquistas como o próprio direito de estudar. Se a saída era proibida, o marinheiro perdia sua aula. Quando saí da Marinha respondi a um IPM (Inquérito Policial Militar) simplesmente porque participei dos protestos. Eu não tinha ligação com partido nenhum, era praticamente apolítico. Sentíamos na pele a revolta de, por exemplo, ver um oficial ao seu lado ter direito a uma refeição com pratos especiais enquanto você só dispunha de uma comida de péssima qualidade. Servíamos na mesma embarcação, tínhamos o mesmo objetivo de servir à pátria, nosso estômago era semelhante e éramos pagos pelo governo para desempenhar funções militares. Nossa luta era também para que todos pudessem comer de forma decente. Essa foi a situação. Quando saí da Marinha vim embora pra São Paulo.
ZONA SUL – Por que São Paulo?
CORTEZ – No Rio de Janeiro o desemprego era maior. Além disso, onde arranjar um emprego de maquinista? Até então minha experiência era na agricultura de subsistência e na Marinha. Eu até podia trabalhar na Petrobras ou na Fronape (Frota Naconal de Petroleiros), mas todos nós, os que fomos punidos, entramos em uma lista negra elaborada por órgãos oficiais do governo. Fomos considerados maus elementos, comunistas e coisas desse tipo. Nem adiantava ir a um navio qualquer e dizer que era maquinista. Como o nome constava na lista, a resposta era que não havia emprego. Outro motivo para a escolha é que eu tinha parentes em São Paulo. Inicialmente fui trabalhar em um estacionamento, lavando carros. Não sabia dirigir, depois aprendi. Na Marinha aproveitei muito bem o tempo para estudar. Fiz um curso de técnico em contabilidade em um colégio particular graças a uma bolsa de estudos que ganhei. Quando não estava embarcado, ficava na casa de um parente que morava no Rio. Essa família foi muito importate para mim, pois eu tinha onde ir quando saía do navio. Muitos colegas, por não ter onde ir, ficavam a bordo ou iam morar a 40 ou 50 quilômetros de distância. Graças a essa família pude concluir o curso de contabilidade, embora eu tenha adquirido apenas um pouco de teoria. Meus cursos todos, inclusive o de economia, que fiz na PUC, foram mal feitos. Não por culpa das instituições ou dos professores, mas porque eu não tinha base. Reconheço que eu não tinha onhecimento nem método de estudo. Estudei em escola rural. Até hoje sinto falta de conhecimentos gerais e de uma porão de coisa.
ZONA SUL – Você estudou mais por força de vontade...
CORTEZ – A idade boa para eu ter aprendido era 8, 10, 12 ou 15 anos. Minhas filhas tiveram essa oportunidade. Eu não tive. Essa lacuna existe na minha vida ainda hoje.
ZONA SUL – Em São Paulo você começou lavando carros...
CORTEZ – Sim, e eu morava no próprio estacionamento, em uma casinha de madeira. Não gastava nada. Andava de tamanco, chinelo e calção. Fiquei dois anos nesse trabalho. Em frente ao estacionamento tinha um cursinho de alunos da USP. Ganhei uma bolsa para estudar à noite. Com isso passei no vestibular da PUC de São Paulo. Cursei economia a partir do ano de 1966. A partir daí a minha vida começou de fato. Mas deixe eu completar uma informação sobre o período da Marinha. Lá fiz algumas viagens e li bastante. Devo à leitura o que sou hoje.
ZONA SUL – Para ajudar a se manter na universidade, você vendeu livros. Como foi?
CORTEZ – Quando entrei na universidade, eu trabalhava no estacionamento. Um dia apareci com a cabeça raspada, devido ao trote, usando um boné. Os colegas pensaram que eu havia sido preso. Quando expliquei que tinha passado no vestibular, ficaram espantados. Um dos clientes do estacionamento disse que um universitário não podia continuar lavando carros. Conseguiu pra mim um emprego no Ceasa, que hoje é Ceagesp, como escriturário. Aluguei uma quitinete e passei a andar de gravata. Só que, o salário desse emprego não era suficiente para pagar as novas despesas. No estacionamento eu praticamente não tinha gastos. Fui morar ao lado de uma editora. Um funcionário de lá vendia livros na PUC. No intervalo das aulas eu sempre ia ao quiosque e ficava lendo aqueles livros. Ele sabia que eu não tinha dinheiro e me emprestava algumas publicações durante o final de semana. Eram livros de econometria e economia internacional, por exemplo. Ele só pedia para eu não amarrotar os livros. Eu devolvia na segunda-feira. Fizemos amizade. Eu dizia a ele os livros que tinham sido indicados na minha sala e nas salas vizinhas. Enfim, eu dava as dicas para ele levar os livros certos para vender. Após cinco ou seis meses, quando precisou ir embora, ele perguntou se eu não queria ficar com aquele ponto. Aceitei. Por aí começou a minha inserção no mercado livreiro. Depois de algum tempo os livros começaram a dar mais dinheiro do que o trabalho de escriturário. Saí do emprego e me dediquei integralmente à venda de livros. A PUC me cedeu um espaçozinho, abri um balcão com quatro ou cinco prateleiras. Comecei a vender pra psicologia, serviço social e educação. Em dois anos, quando já estava bastante conhecido, mandei chamar um primo, um irmão e assim foram vindo pessoas para me ajudar.
ZONA SUL – Naquela época de censura você conseguia alguns livros considerados proibidos.
CORTEZ – Alguns compradores sabiam que eu tinha sido marinheiro e do problema político. Eu não comentava porque poderia ser ouvido por algum órgão de segurança. Tinha medo que dissessem que eu estava fazendo pregações comunistas. A PUC era a universidade mais importante do país com relação às questões políticas. Quando abri esse espaço, as pessoas começaram a me conhecer e aprenderam a confiar em mim. Dessa forma conheci Florestan Fernandes, Paulo Freire, Otaviani e outros intelectuais que combateram a ditadura. Era a época que nasciam os cursos de pós-graduação na PUC. Foi nesse ambiente que consegui alguns livros que não eram vendidos nas livrarias comuns, por causa da censura. Eu trazia sob encomenda pra algumas pessoas.
ZONA SUL – Como você conseguiu dar o passo de livreiro para editor?
CORTEZ – Fui convencido por alguns professores a começar a publicar também. Comecei de uma forma muito artesanal a publicar teses de mestrado e doutorado. A procura por esse tipo de livro começou na PUC, mas depois se espalhou. Como esses alunos-autores eram bem relacionados pelo Brasil afora, a coisa se espalhou. Publiquei trabalhos de vários estados, inclusive do Rio Grande do Norte, como José Willington Germano e Safira Bezerra Ammann. A Cortez passou a publicar teses que traziam um contexto atual. A Cortez é considerada uma editora histórica porque teve a coragem de começar a publicar esses textos que não estavam de acordo com a política educacional da época, a da ditadura. Outras editoras tinham receio. Foi por aí que começou minha inserção no mercado editorial.
ZONA SUL – De lá pra cá são 30 anos...
CORTEZ – Nessa época a empresa se chamava Cortez & Moraes. Durou nove anos. Depois, por questões societárias, nos separaramos. Foi quando comecei sozinho a Cortez. Na época o nome Cortez & Moraes já estava constituído. Meu sócio, Moraes, era colega de classe. Hoje é professor da PUC, se dedicou ao trabalho acadêmico. Quando nos separamos ele ficou com a Moraes e eu comecei a Cortez, do zero, em janeiro de 1980. Por isso estamos comemorando os 30 anos. A Cortez se espalhou pelo Brasil e até para o exterior.
ZONA SUL – A editora teria um best-seller, um livro que se destacaria diante dos demais?
CORTEZ – O primeiro best-seller da Cortez foi “Metodologia do Trabalho Científico”, de Antonio Joaquim Severino. Foi um dos primeiros livros a ser publicado, no final da década de 1960, quando ainda era Cortez & Moraes. Esse livro sofreu várias reformulações no correr desses anos todos e continua sendo o mais vendido da editora. Temos outros livros que já venderam 500 mil ou 800 mil. Temos Paulo Freire, Boaventura de Sousa Santos e muitos outros intelectuais. Começamos há cinco ou seis anos a trabalhar com literatura infanto-juvenil, que tem dado muito prestígio. Já temos quase 200 títulos. Somos uma empresa familiar pequena. Temos condições de publicar entre 70 a 80 títulos por ano. Nosso pessoal é muito bem preparado.
ZONA SUL – A editora foi palco de uma história pitoresca: um assalto.
CORTEZ – Moro ao lado da editora. Em 2004, fui tomar café em casa, às sete horas da noite. Ficaram cinco ou seis pessoas trabalhando. A editora ainda não era separada da livraria. Logo que saí, chegaram três assaltantes perguntando pela minha filha. Disseram que ela não estava. Realmente Mara tinha saído uns dez minutos antes. Só ela sabia abrir o cofre. Eu não sabia, nem vou aprender nunca. Não ligo para essas coisas. Os ladrões tinham informação de tudo. Um subiu e colocou sentadas no corredor todas as pessoas que estavam lá em cima. Dois ficaram embaixo, tentando descobrir como abrir o cofre. Quando chegaram à conclusão de que não tinha ninguém que soubesse abrir o cofre, tentaram abri-lo com um pé de cabra. Não conseguiram. Nesse ínterim, eu cheguei. Quando entrei, me disseram que era um assalto. Os dois assaltantes estavam sentados, armados com revólveres. Eles deixaram a recepcionista continuar atendendo os telefonemas, mas sem dizer nada.
ZONA SUL – Qual sua reação inicial?
CORTEZ - Fiquei espantado, mas sentei ao lado de um dos assaltantes. Ele perguntou se eu sabia abrir o cofre. Respondi que não, que só a minha filha sabia. Tirei o relógio, a carteira e o celular. Ele disse que não queria nada daquilo. Então o rapaz telefonou para o comparsa que estava fora: “Olha, chegou o homem. Ele também não sabe abrir. Acho que não vai dar nada, melhor darmos de pinote.”. Pinote, nunca esqueci essa palavra. Marcaram de se falar novamente em cinco minutos. Perguntei ao assaltante de onde ele era. Respondeu que era da Paraíba. Eu disse que éramos vizinhos. Expliquei a ele que quem trabalha no ramo de livro não tem dinheiro. A gente compra, vende, paga, compra, vende... Não tem grana. Contei que tinha sido lavador de carros, que ralei muito para melhorar minha situação. Ele falou que procurava emprego e não conseguia. O cúmplice ligou de novo e marcaram de se encontrar em cinco minutos. Eu já estava mais sossegado desde que ele tinha falado que não queria nada daquilo. Ele mandou o colega que estava lá em cima se aprontar. Perguntei se ele tinha filhos. Tinha três ou quatro, acho que de 10, 13 e 14 anos. “Se eu der uns livros você leva para os seus filhos?”. Ele disse que sim. Tinham saído os primeiros 19 livros de nossa coleção de literatura infanto-juvenil. O assaltante levou uma sacola cheia de livros. O comparsa lá de cima desceu com os que estavam reféns e nos colocou a todos em uma sala no fundo da livravia. Disse pra só sairmos depois de 10 minutos. Eu disse ao assaltante: “vou dar esses livros a você porque espero que seus filhos não tenham essa desdita, essa sorte horrível que você tem”. Ele agradeceu, pegou a sacola e foi embora.
ZONA SUL – Uma situação incrível.
CORTEZ - Depois de tudo isso, minha interrogação é se ele realmente levou esses livros, se entregou aos filhos... O que aconteceu com esse filho de 14 anos, por exemplo? Será que hoje ele está na universidade? Não sei. Depois que eles foram embora, morremos de dar risada porque não tinha acontecido nada com a gente.
ZONA SUL - Você é uma pessoa que gosta de preservar as raízes, toda semana frequenta um forró.
CORTEZ - Cultivo muito do Nordeste. Ainda carrego coisas da minha vida de menino sertanejo. A publicação do livro com minha história avivou muita coisa. Teresa fez uma pesquisa muito boa, inclusive do ponto de vista social. Nunca deixei de ir ao Nordeste, à minha casa. Nosso sítio está preservado. Na primeira parte do livro “Cortez – A saga de um sonhador”, a socióloga Teresa Sales conta minha história desde o começo até a minha saída da Marinha. Todo o ambiente do sertão está muito bem retratado lá. Sobre o forró, fiquei muito tempo sem ir a um por falta de condições ou por uma série de circunstâncias. Depois que a vida melhorou, passei a frequentar e não tenho mais como abandonar.
ZONA SUL - Fale um pouco mais sobre o livro.
CORTEZ – Ele foi lançado em comemoração aos 30 anos da Cortez Editora. No começo eu não estava muito confortável com a ideia de ter a minha vida publicada nas páginas de um livro e no som e nas imagens de um vídeo, o documentário “O semeador de Livros”, que saiu em março. Esse DVD foi dirigido por Wagner Bezerra e contou com o apoio da Cosern, Petrobras e da PUC. Uma equipe da TV PUC foi até o sertão gravar tudo sobre o meu passado. Está muito bem feito. A TV Cultura e a TV Câmara transmitiram em rede nacional. Voltando ao livro, a Teresa Sales conversou com muitas pessoas lá no sítio e com meus ex-colegas marinheiros. A segunda parte foi escrita pela jornalista Goimar Dantas, que nasceu na maternidade de Santa Cruz, mas morou em Japi. Ela escreveu do dia 4 de janeiro de 1965 até 31 de março de 2010. Toda essa trajetória desde lavador de carros até o editor que sou hoje. O livro está em todas as livrarias, inclusive na nossa.
ZONA SUL – Teve também um livro infantil.
CORTEZ – O título é “Como um rio - A trajetória do menino Cortez”, de Silmara Casadei. A capa retrata o Rio dos Apertados, em Currais Novos. Os 30 anos da Cortez foram comemorados com uma festa belíssima no Tuca (Teatro da Universidade Católica), de São Paulo. Minha única tristeza em tudo isso é que a Potira, minha esposa, faleceu ano passado. Foi ela quem construiu comigo tudo o que nós temos hoje. Felizmente tenho as minhas três filhas: Mara, Márcia e Miriam, que hoje são minhas sócias e estão tocando o barco.
ZONA SUL – Algum projeto para o futuro?
CORTEZ - Sou muito feliz porque vejo o mundo editorial, livreiro e os intelectuais apoiando meus projetos. Até o final do ano pretendo começar um trabalho novo. Pretendo visitar algumas faculdades, escolas e secretarias de educação de prefeituras. Minha intenção é conversar com professores e alunos a respeito da minha trajetória. Quero dividir com as pessoas tudo o que aprendi: contar como saí do cabo da enxada e me transformei em um editor vitorioso.
ZONA SUL - O que lhe faltou ser perguntado que você gostaria de ter respondido?
CORTEZ - Em linhas gerais, é isso. Mais detalhes estão no livro. Procuro ser uma pessoa ética, compreensiva e cônscia dos meus deveres de cidadão, de brasileiro e de nordestino. Quero ser útil pras pessoas, assim como as pessoas têm sido para mim.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Entrevista: Nei Leandro de Castro

O POETA QUE NÃO TREINOU O FLAMENGO

Segundo o próprio Nei Leandro de Castro, ele era tão bom no futebol que, no mínimo, hoje poderia ser técnico do Flamengo - caso não tivesse abandonado os gramados. Felizmente para mim, que sou vascaíno, para o atual treinador do Fla, Andrade, e para a literatura brasileira ele abandonou o infanto-juvenil do América e deixou sua vida trilhar o rumo que o transformou no principal nome das letras do Rio Grande do Norte. A entrevista ocorreu em um domingo de janeiro, na sala do apartamento de Nei. Eu, meu filho Gabriel Siqueira (que fez as fotos para a matéria) e o jornalista Costa Júnior conversamos durante quase duas horas com o escritor, poeta e publicitário. É um prazer para o Zona Sul oferecer ao seu leitor um pouco da história de vida do criador de Ojuara. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – Você nasceu em Caicó, mas trocou a cidade por Natal aos cinco anos. Recorda alguma coisa dessa época?

NEI – Meu pai foi delegado de polícia em Caicó durante dez, quinze anos. Dos meus irmãos, apenas dois nascemos lá: eu e Berilo de Castro, que é médico. Não lembro muita coisa, pois saí de lá aos cinco anos. Minhas lembranças da infância começam realmente em Natal. Recordo, por exemplo, da Rua Professor Zuza, a primeira onde morei.

ZONA SUL – Apesar de ter deixado a cidade tão cedo você guardou alguma ligação com Caicó? Retorna muito por lá?

NEI – Em Caicó tenho amigos, entre eles Oberdan Damásio, com quem tenho muito relacionamento. Conversamos muito por email e sempre que vou a Caicó faço questão de ir pra casa dele.

ZONA SUL – Mas Caicó, a cidade em si, lhe diz alguma coisa?

NEI – É uma cidade onde tenho amigos, mas que não tem aquela força de memória que tem Natal.

ZONA SUL – Então a sua cidade é Natal...

NEI – Sim, é Natal.

ZONA SUL – Quais as lembranças mais antigas que você guarda de Natal? Do que você costumava brincar?

NEI – Quando eu tinha dez anos de idade, a Rua Apodi era um areal que ia bater no Morro do Estrondo. Era naquela rua e nas suas transversais onde jogávamos futebol. Joguei muito tempo, cheguei a ir para o infanto-juvenil do América. De repente, larguei tudo. Bobagem minha: hoje eu seria pelo menos um técnico do Flamengo. Quem sabe? Meu irmão, Berilo, jogou futebol e é reconhecido ainda hoje como grande craque. Atuou no Alecrim e no América.

ZONA SUL – Além de jogar futebol, o que mais o Nei Leandro menino fazia?

NEI – Também tinha a natação no Rio Potengi. Eu era daqueles meninos que nadava, atravessava o rio, participava dos campeonatos de cangapé, pulava da Pedra da Chapuleta e pescava morés e outros peixes bobos que têm lá naquela margem do rio... São lembranças maravilhosas. Também lembro as praias que naquele tempo eram afastadas, como a Praia do Forte. Íamos a pé mergulhar no Poço do Dentão. Havia uma lenda de que o francês Riffault teria escondido tesouros em uma daquelas pedras do Poço do Dentão. Mergulhávamos para procurar aqueles tesouros que nunca surgiram, nem nunca surgirão.

ZONA SUL – Nessa época você já dividia os jogos de bola e os esportes aquáticos com a leitura?

NEI – Comecei a ler aos 11 anos de idade, influenciado por meu pai, que era um leitor assíduo. Antes eu lia os livros católicos do padre Eymard L´Eraistre Monteiro, que eram uma tortura. Quem se classificava em primeiro lugar na disciplina do padre ganhava livros profundamente desagradáveis. Era obrigado a ler e a comentar em classe aqueles livros que prometiam o reino dos céus e que diziam que o bom comportamento levava direto ao paraíso. Eu ficava profundamente entediado com aquilo.

ZONA SUL – O prêmio era um castigo.

NEI – Sim, o prêmio era um castigo. Uma vez meu pai me viu muito chateado, com um livro nas mãos, e perguntou o que eu estava lendo. Respondi que era um livro dado pelo Padre Eymard. Ele então sugeriu que eu lesse “Capitães de areia”, de Jorge Amado. Foi uma descoberta. Descobri a literatura graças a meu pai e a Jorge Amado. Quando terminei “Capitães de areia” entendi que livro era aquilo, e não aqueles conselhos sobre como ir para o paraíso. O resultado é que li quase tudo de Jorge Amado. Depois que entrei no Atheneu Norte-Rio-Grandense recebi indicações valiosas de Zila Mamede, que era bibliotecária. Newton Navarro também me deu belas sugestões. Luiz Rabelo me deu indicações de poesia. Por isso, quando hoje qualquer pessoa bate à minha porta, vem à minha casa pedir conselhos ou mostrar originais, eu cuido com muita atenção. Também cuidaram de mim com muita atenção.

ZONA SUL – O que mais você recorda dos tempos do Atheneu?

NEI – Éramos os estudantes mais bagunçados do mundo. Costumávamos brigar com os meninos do Marista. Na nossa concepção os meninos do Marista eram afrescalhados. Reuníamos um grupo de 10 e ficávamos ali na Rua Apodi esperando que os alunos do Marista aparecessem, para bater neles. Lembro demais quando uma vez vinham uns dez estudantes com um padre bem alto tomando conta deles. Para nós o padre era bicha também. Nossa intenção era bater nele e nos alunos. Partimos pra cima, mas o padre era macho como o diabo. Bateu em todos. Bateu em nós nos dez. (risos) Nunca mais nossa turma foi lá bater nos meninos do Marista. Os trotes no Atheneu eram terríveis. As brincadeiras com os professores também. Professor de música geralmente era mulher. Lembro que Mozart Romano, no primeiro dia de aula quando foi ensinar essa disciplina, enfiou uma peixeira na mesa e disse: “eu ensino música, mas sou macho”. (risos).

ZONA SUL – Ao sair do Atheneu você foi estudar na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Por que escolheu o curso de Direito?

NEI – Meu pai queria que eu fizesse Direito. Eu não. Outro motivo é que Letras, no início dos anos 1960, era um curso muito fraquinho, muito primário. Então, escolhi Direito para atender pedido do meu pai e também porque havia professores como Câmara Cascudo, Américo de Oliveira Costa, Véscio Barreto e Edgar Barbosa. Eram intelectuais e pessoas a quem eu admirava. Fui mais por isso, até porque nunca gostei de Direito, acho horrível. Eu jamais seria advogado.

ZONA SUL – Nessa época você já imaginava que escrever poderia ser um caminho?

NEI – Escrever não é um caminho porque não leva a nada, em termos financeiros. Estou lendo um livro sobre Drummond no qual ele diz como ganhou tão pouco com sua poesia. E olha que ele é o nosso maior poeta. A literatura só dá dinheiro a um mago, a um bruxo, que é Paulo Coelho. Escreve mal, só diz e só escreve besteira, mas é milionário, com livros publicados em todo o mundo. Você chega a Paris, como estive há pouco tempo, em Florença ou em Roma, e os livros dele entopem as prateleiras.

ZONA SUL – E ele é respeitado.

NEI – É, e eu não entendo isso. Jorge Amado, por exemplo, que viveu de escrever, não teve uma vida boa. Se não fosse o empurrãozinho do Partido Comunista, a vida teria sido ainda pior pra ele.

ZONA SUL – De certa maneira você construiu sua vida escrevendo publicidade, criando textos publicitários. A partir do momento em que você cogitou fazer Letras, mas optou pelo curso de Direito, não sinaliza que na sua imaginação escrever poderia ser uma profissão?

NEI – Não sei. Só sei que não gostaria de ser advogado. Já pensou ser advogado de José Roberto Arruda? Ou ir para a televisão defender um bandido ou um canalha? Tenho grandes amigos advogados, mas eu quero distância dessa profissão. Acho que ela deixa moralmente muito a desejar.

ZONA SUL - Seu primeiro livro, “O pastor e a flauta”, foi publicado em 1961. Ele é dedicado aos seus pais: Antônio de Castro e Alice Leandro de Castro. Fale um pouco sobre eles.

NEI – Meu pai, como eu disse, era delegado de polícia. Era um policial que tinha muita sensibilidade e que gostava de ler. Mas isso não impedia que ele enfrentasse bandidos, como enfrentou em Caicó. Lia o tempo todo que estava em casa, em sua cadeira de balanço, quando estava de folga. Lia todo tipo de livro. Minha mãe é uma figura maravilhosa, teve nove filhos. Está viva até hoje, aos 96 anos de idade. Educou os filhos, encaminhou-os bem e deu muito amor a todos.

ZONA SUL – Em 1964 saiu o seu segundo livro, “Voz geral”. Ele tem algo a ver com o golpe militar daquele ano?

NEI – É um livro político. Naquela época eu era ligado à esquerda. Eu e Moacyr de Góes éramos presidentes da Ação Popular, aqui em Natal. Nunca me filiei, mas sempre estive ligado ao Partido Comunista. Quando estive preso, o livro fez parte do interrogatório ao qual fui submetido. É um livro daquela época em que todos nós acreditávamos que haveria uma revolução socialista. Hoje faço uma autocrítica. Grandes amigos meus - pessoas maravilhosas - foram presos, torturados e mortos em nome de um ideal: a revolução socialista. Se uma revolução esquerdista tivesse acontecido no Brasil, teria sido um desastre. O comunismo foi um dos maiores blefes de toda a história da humanidade. Durou apenas setenta e poucos anos na União Soviética e todos viram o que foi feito: mortandade. O Estado matou 30 milhões de pessoas. Mais do que Hitler. Era aquela vida sob o jugo, sob as botas do comunismo o que a gente queria? Tantos foram torturados e até mortos em busca de um ideal desses? Faço essa autocrítica: rezei mesmo pela cartilha do Partido Comunista, mas se tivesse triunfado uma revolução socialista, teria sido um grande desastre.

ZONA SUL – Em quais circunstâncias ocorreu sua prisão?

NEI – Quase todos nós fomos presos. Havia pessoas infiltradas em todas as faculdades. Eles eram muito organizados e nós, esquerdistas, nos achávamos o máximo. A última reunião que houve pouco antes do 1º de abril de 1964 - quando se deu o golpe – foi em uma sala de Gumercindo Saraiva, onde hoje é o primeiro andar do Sebo Vermelho. Lá havia a euforia de quem ganhou a revolução. Houve um coquetel chamado sangue de gorila. Era vodka com uma coisa vermelha. Todos gritavam: “vamos beber o sangue do gorila”, “viva a revolução”, “viva o Brasil socialista”... Era uma euforia estúpida. Fui um desses. Fui preso por um dos agentes infiltrados lá na Faculdade de Direito. Ele se chama Ivan Benigno. Foi lá na casa onde eu morava, perto do Colégio Marista, me rendeu com um revólver e me levou para a polícia. Haviam infiltrados em todas as faculdades. Eles estavam muito bem organizados e nós éramos apenas eufóricos.

ZONA SUL – Como foi o período em que você estudou na Faculdade de Letras de Lisboa?

NEI – Lá eu fiz uma extensão universitária em Letras. Tive ótimos professores, como Jacinto do Prado Coelho e Lindley Cintra. Quando cheguei, no final de 1968, Salazar já estava entrevado em uma cama, já não fazia mais nada, mas a PIDE (Policia Internacional de Defesa do Estado) dominava Portugal de uma maneira perfeita. Tive muitos amigos comunistas e grandes amigos na Faculdade de Letras. Tive bons professores, sobretudo Lindley Cintra, que foi preso por conta da posição política dele. Em 2008 voltei a Lisboa só para comemorar os 40 anos da minha estada em Portugal. Foi marcante. Eu amo Lisboa.

ZONA SUL – Antes de ir para Lisboa você passou pelo Rio de Janeiro. Como foi deixar Natal?

NEI – Em 1968 eu estava vivendo os fins de um casamento desastrado. Não havia possibilidade de continuar esse casamento. Ela tinha um temperamento muito difícil que se chocava com o meu de uma maneira terrível. Depois de uma briga desagradabilíssima, sai desesperado com a roupa do corpo, peguei um ônibus com pouco dinheiro no bolso e fui bater no Rio de Janeiro. Ainda bem que lá eu conhecia algumas pessoas, como Moacy Cirne. Fiquei uns tempos morando com ele. Em seguida arranjei emprego em uma editora e fui me ajeitando. No fim de 1968 fui para Lisboa. Voltei em 1969 e fiquei no Rio até 2005.

ZONA SUL – Antes de trocar Natal pelo Rio você organizou, em 1967, “Contistas norte-rio-grandenses”. Fale sobre essa obra.

NEI – Sempre digo que há poucos ficcionistas no Rio Grande do Norte. Talvez você conte os bons nos dedos de uma mão. Resolvi levantar os poucos contistas que havia, pois, romancistas, nem pensar. Com certa cautela, peguei os contistas antigos, os mais ou menos e os atuais. Acho que fiz um bom trabalho. Já deveria ter saído uma segunda e até uma terceira edições ampliadas. Mas não fiz, não sei por quê. Qualquer dia faço, pois hoje já tem bastante contista.

ZONA SUL – Em seguida, 1969, você publicou “Decomposição do nu”.

NEI – Lancei em Lisboa, na Revista Hidra. É um poema processo. Em Lisboa tive contato também com os poetas de vanguarda, entre eles Ernesto Manuel de Melo e Castro, que publicou este meu poema.

ZONA SUL – Já de volta ao Rio, você lançou, em 1970, “Universo e vocabulário do Grande Sertão”. Até então você não pensava em escrever romances?

NEI – Sabe que não? Sempre fui um grande leitor de romance. Acho que nos anos 70 não me ocorria. Somente na década seguinte comecei a pensar na possibilidade de escrever romances. Em 1982 escrevi “O dia das moscas”, que foi lançado no ano seguinte.

ZONA SUL – Como surgiu a oportunidade de escrever no Pasquim? E o pseudônimo Neil de Castro?

NEI – Depois de ver aquela publicação maravilhosa, irônica, brincalhona e criativa, escrevi uma crônica nesse estilo e levei para Millôr Fernandes. Ele ficou entusiasmado: não só publicou o texto, fez também uma introdução dizendo que havia um novo cronista e tal. Puxa, fiquei nas nuvens, né? Adotei o quase pseudônimo Neil de Castro porque Ziraldo achou que meu nome era muito grande. Pediu para diminuir. Botei Nei L de Castro. Virou Neil e ficou conhecido. Tem gente no Rio que até hoje me chama de Neil de Castro. Eu podia ter escrito mais, ter ido mais adiante. Mas eu trabalhava dois expedientes, não podia largar para ficar escrevendo para o Pasquim. Além disso o pessoal do Pasquim me inibia. Paulo Francis me inibia, o Ivan Lessa me inibia... Eu chegava lá, deixava uma crônica e ia embora. Tinha mais contato com Jaguar e Ziraldo.

ZONA SUL – Sobre o Neil de Castro tem até uma historinha sua com Carlos Drummond de Andrade. Como foi?

NEI – Estive com ele algumas vezes. Nesse livro “Dossiê Drummond”, baseado em uma entrevista concedida ao jornalista Geneton Moraes Neto, Drummond faz uma referência a mim. Tive alguns encontros com ele, em sua casa na Rua Conselheiro Lafaiete. Em uma daquelas ocasiões, lá pelas tantas eu perguntei: “poeta, e os seus poemas eróticos?”. Ele respondeu: “deixa pra lá, isso é pra quando eu morrer. Por falar nisso, tem um quase homônimo seu, Neil de Castro, que escreve contos eróticos muito bem”. Quando eu disse “Neil sou eu”, ele ficou encabuladíssimo. Jamais Drummond teria feito esse elogio de corpo presente. Era meio arredio. Ficou vermelho e comentou: “mas como sou estúpido”. (risos). Foi muito engraçado.

ZONA SUL – Como foi sua vida como publicitário?

NEI – Foi boa. Escrever sempre é bom, criar é bom. Eu detesto cigarros, mas quando tinha que fazer uma campanha para uma determinada marca, eu era obrigado a produzir o melhor possível. Produtos pelos quais não dá um tostão por eles, você têm que elogiar e fazer com que as pessoas os comprem. É difícil. Em compensação a profissão sempre foi muito bem remunerada. Ficava em uma agência, daqui a pouco recebia uma proposta que significava um aumento de 30, 40 ou 50 por cento. Depois ia para outra agência, demorava mais. Esse lado sempre foi o mais prazeroso pra mim, porque sempre ganhei bem. Tudo o que eu tenho de bens materiais devo a minha fase como publicitário. E não tenho muita coisa, porque não tenho vocação de rico. Mas se não fosse a publicidade, eu não teria o que tenho.

ZONA SUL – No Rio você lançou alguns livros tendo Natal como musa inspiradora de seus poemas. Seria o desejo de voltar a morar na cidade?

NEI - “Romance da cidade do Natal” escrevi em Natal e levei para o Rio, onde publiquei em 1975. Eu gosto muito do Rio. Sempre me dei muito bem com a cidade. Nunca fui assaltado no Rio de Janeiro, durante 37 anos. Vim ser assaltado aqui em Natal, no Pão & Companhia. Isso porque dizem que o Rio é a cidade mais perigosa do Brasil. Tenho uma filha e uma neta que moram lá. Minha mulher, Sandra, é do Rio. Estou sempre indo por lá.

ZONA SUL – Você tem poemas sobre o Rio?

NEI - Sim. Estão publicados nos meus livros de poesia. Certa vez peguei uns dez desses poemas e coloquei no livro “Às margens do Rio”. Com ele concorri, em 1980, ao prêmio Casa de las Americas. Esse prêmio literário é outorgado anualmente pela Casa de las Americas de Havana, Cuba, desde 1960. Na época era o mais prestigiado dos prêmios. Algum tempo depois, João Ubaldo, ao se encontrar comigo, indagou se eu sabia que tinha vencido e não tinha levado o prêmio Casa de las Americas. Perguntei que história era aquela. João Ubaldo, que fez parte da comissão julgadora no ano que concorri, disse que meu livro foi julgado o melhor pela comissão. Era o primeiro ano que a Casa de las Americas tinha aberto inscrição para livros na língua portuguesa. O professor Antonio Cândido era o presidente da comissão julgadora. Ele convocou uma reunião e disse que não era justo, no ano em que o Casa de las Americas estava abrindo para a língua portuguesa, premiar um livro “com muitos palavrões e erotismo”. Meu livro não foi premiado por conta do senhor Antonio Candido. Pela sua estupidez, imbecilidade e falso moralismo. Fiquei revoltadíssimo com isso. Seria uma chance de mostrar minha poesia para a mídia. Eu poderia ter escrito mais livros, penetrado no eixo Rio-São Paulo, que é difícil.

ZONA SUL – O erotismo sempre esteve presente na sua obra.

NEI – “Zona erógena”, de 1981, é um dos livros mais fortes nesse sentido. Em “Era uma vez Eros”, de 1993, quando reuni “Zona erógena” e mais dois livros, ficou mais evidente ainda. Depois publiquei “Diário íntimo da palavra”, no ano 2000, que é mais amenizado. É nesse livro que tem o livro com os poemas do Rio de Janeiro.

ZONA SUL – Você voltou a Natal para escrever seus primeiros romances?

NEI – Foi. Voltei em 1981. Escrevi “O dia das moscas” em 1982. Depois, em 1985, escrevi “As pelejas de Ojuara”. Eu só conseguia escrever aqui, com esse clima.

ZONA SUL – Quer dizer que você voltou para Natal já focado em escrever romances?

NEI – Querendo. Você não pode dizer que vai escrever um romance. É difícil.

ZONA SUL – Fale um pouco sobre “As pelejas de Ojuara”.

NEI – Acho que Ojuara “pegou” pelo perfil do cavaleiro sem medo e sem mácula e por aquela viagem que ele faz em torno do Rio Grande do Norte, no sertão, como um Quixote não quixotesco indo através da Espanha. Don Quixote me influenciou e é, para mim, o maior romance de todos os tempos. “As pelejas de Ojuara” tem muito erotismo. Algumas pessoas gostam, outras não. Na segunda ou terceira página tem um episódio que faz muita gente largar o livro ali: ele fazendo a barba de uma mulher e tal.

ZONA SUL – Você tem um livro em parceria com Celso Japiassu: “50 sonetos de forno e fogão”, publicado em 1982. Como foi a experiência?

NEI – Escrevi no Rio de Janeiro. Eu gosto de cozinhar, Celso Japiassu também. Escolhíamos uma receita, testávamos e três dias depois eu ia para a casa dele onde escrevíamos o soneto a quatro mãos. Terminamos escrevendo 50 sonetos. Não tenho um único exemplar desse livro na minha casa. Acabei dando todos.

ZONA SUL – Vocês engordaram quantos quilos escrevendo esses sonetos?

NEI – (risos). Depois desse livro lancei, em 1984, “Musa de verão”. Antes eu tinha lançado outros dois livros de poesia: “Feira livre”, em 1975, e “Canto contra Canto”, em 1981.

ZONA SUL - Um dos prêmios que recebeu foi um carro, da revista Playboy.

NEI – Foi o maior prêmio que recebi, em termos de valor. O carro hoje seria o equivalente a um Stilo. Foi em 1995. Concorri a um prêmio de contos eróticos. Foram 1200 inscritos. A comissão julgadora era da maior qualidade: Ivan Ângelo, Lygia Fagundes Telles e José Castello. Algum tempo depois de eu ter me inscrito, estava em casa almoçando com Danilo Bessa, sua esposa e minha filha. Minha mulher estava trabalhando. Quando atendi ao telefone que estava tocando, alguém disse que era da Playboy e que eu tinha ganhado um carro. Respondi: “me diga logo quem está falando e não venha com trote para cima de mim não”. A pessoa insistiu que era verdade, disse que era fulano de tal e me convidou para ir a São Paulo receber as chaves. Finalizada a ligação, peguei a chave do carro que eu tinha e entreguei a minha filha, dizendo: “você acaba de ganhar um carro”. Fui para São Paulo, almocei no Fasano - que é o restaurante mais caro do mundo - e recebi um carro maravilhoso. Acho que vou publicar um livro de contos cujo título será o desse conto premiado: “Nossa semelhança com os deuses”. É a história de um serial killer que vai conquistando e matando mulheres com requintes de muito erotismo no meio.

ZONA SUL – Além de Drummond você manteve contato com outros escritores?

NEI – Estive no apartamento de João Cabral de Melo Neto, no Flamengo. Tentei falar com Manuel Bandeira, por quem eu tinha muita admiração, mas não consegui. Dos mais jovens, tive contato com Affonso Romano de Sant'Anna e Silviano Santiago. Respeito muito a casa das pessoas. Tenho vontade de ir, mas me controlo. Só vou quando convidado. Cabral era mais tímido do que Drummond. Com Drummond cheguei a trocar correspondência. Ele nutria uma simpatia muito grande por mim. Nesse livro de Geneton Moraes Neto, Drummond me chama de “meu amigo”.

ZONA SUL – Carlos Drummond de Andrade também elogiou “As pelejas de Ojuara”.

NEI – Eu transcrevo na quarta capa de uma das edições o comentário que ele fez a respeito do livro. Pedi autorização a Drummond para publicar esse elogio. Ele ficou surpreso e respondeu: “o que escrevi para você, é seu. O que me admira muito é você pedir autorização, porque ninguém pede isso não”. Eu disse que jamais publicaria sem autorização.

ZONA SUL – O livro foi premiado pela União Brasileira de Escritores. Você gostou da adaptação de “As pelejas de Ojuara” para o cinema? Você ajudou no roteiro do filme “O homem que desafiou o diabo”?

NEI – Dei palpites, mas a maioria deles não foi levada em conta. Acho que o filme poderia ter sido melhor. Se fosse dirigido pelo Guel Arraes, com aquele tempero que ele dá às coisas nordestinas, seria um excelente filme. De qualquer forma, “O homem que desafiou o diabo” é um filme razoável. Um problema é que ele é centrado em um único personagem, deixa de lado histórias engraçadas. Pedi a Luiz Carlos Barreto que colocasse pelo menos o Sancho Pança, o Celso da Silva, aquele gordo comilão. Ele não quis. Pedia palpite, mas nunca aceitava nada.

ZONA SUL – Mas o filme deu um impulso na sua carreira.

NEI – Foi, sem dúvida nenhuma. Muita gente viu o filme e correu para comprar o livro. Mas o filme poderia ter sido melhor. Talvez por medo de gastar muito dinheiro, por receio de passar o orçamento, Luiz Carlos Barreto ficou muito em cima do diretor, Moacyr de Góes Filho, que é muito bom. Barreto ficou em cima, manobrando. Ele não faria isso com Guel Arraes.

ZONA SUL – “As dunas vermelhas” ou “Fortaleza dos vencidos” chegaram a despertar o interesse do cinema?

NEI – Até agora não. Muitas pessoas já comentaram que “Fortaleza dos vencidos” daria um ótimo filme. Gosto particularmente desse livro por causa do final mágico, onde pessoas dos séculos XVI e XVII se juntam com outras como Baracho, que ficou conhecido por assaltar e assassinar motoristas de táxi em Natal. Dizem que o túmulo dele no Cemitério do Bom Pastor é cheio de flores, e que ele faz milagres. No final também aparece o Jacó Rabbi, o judeu que comandou o massacre de Uruaçu. Tem ainda o soldado Luiz Gonzaga, Zé Limeira Filho...

ZONA SUL – Você tem muitos inéditos guardados? Está trabalhando em algum projeto?

NEI – Só tenho contos. Estou à procura de uma idéia para desenvolver, mas não é fácil. Quando surge a idéia fica mais fácil prosseguir. Ojuara surgiu da seguinte forma: era uma pessoa que se chamava Araújo e que vivia sendo manobrado. Ele resolveu mudar de vida e trocou o nome para Ojuara, que é o contrário de Araújo. Era isso que eu tinha. A partir daí desenvolvi a história toda. No livro tem amigos e até inimigos meus. Tem um lá que me odeia. O amigo Celso da Silveira passou oito anos sem falar comigo. Depois desse tempo ele disse que tinha sido muito estúpido: “hoje eu tenho orgulho de ser seu personagem”, confessou.

ZONA SUL – Quem você destacaria da literatura potiguar?

NEI – A poesia norte-rio-grandense é muito boa. Tem Jorge Fernandes, Luiz Carlos Guimarães e tem Berilo Wanderley, que publicou pouco, mas é um belo poeta. Também tem Zila Mamede, Myriam Coeli e umas jovens poetisas que são muito boas: Iracema Macedo, Diva Cunha, Carmem Vasconcelos, Jeanne Araújo e Maria Gomes. Costumo dizer que, proporcionalmente, aqui se escreve poesia mais e melhor do que no Rio de Janeiro. Apesar dos enganadores, têm muito poeta em Natal. Luiz Carlos, por exemplo, podia ser um nome nacional. Uma vez, em um recital no Rio, ao invés de dizer poemas meus, resolvi recitar Luiz Carlos Guimarães. Li uns cinco poemas dele. Quando acabei, todos queriam saber quem era e onde encontrar poemas dele.

ZONA SUL – O que faltou para Luiz Carlos Guimarães se tornar um poeta nacional?

NEI – Faltou a mídia. A mídia só quer saber do eixo Rio / São Paulo. Dificilmente um poeta bom daqui vai alcançar repercussão lá fora. É muito complicado. Ter uma resenha n’O Globo, no Jornal do Brasil ou em Veja é a coisa mais difícil do mundo. Tem muito livro ruim resenhado porque o autor é do Rio ou de São Paulo. Muitas pessoas que não valem uma resenha estão nas páginas das revistas famosas e importantes.

ZONA SUL – A internet ajuda no seu trabalho de alguma maneira?

NEI – Eu não uso. Eu uso computador às vezes para pesquisar no Google, para me corresponder e para escrever. É a melhor máquina de datilografia do mundo. Imagina escrever 300 páginas datilografadas.

ZONA SUL – Pelo que você está dizendo o computador ajuda e muito no seu trabalho, já que ele serve para suas pesquisas, para você se corresponder com o mundo e também para digitar seus textos.

NEI – Corrigir um livro no computador é uma coisa. Agora, errar escrevendo em uma máquina de datilografia é terrível: tem que riscar ou jogar fora a página e começar de novo. Foi um grande avanço. Uso principalmente como excelente máquina de datilografia. Tem gente que passa quatro, cinco horas no computador. Eu não fico. No máximo passo duas horas por dia. Tenho muita correspondência com a França, Portugal... Em questão de segundos a mensagem chega lá.

ZONA SUL – Você já pensou em criar uma página para divulgar seu trabalho na Internet?

NEI – Não. Quem divulga um pouco é Sandra, através do seu blog: (http://sandraporteous.blogspot.com/)

ZONA SUL – O que você acha desse novo equipamento que está surgindo, o leitor eletrônico, capaz de armazenar milhares de livros?

NEI – Uma loucura. Eu não leio em tela. Só leio em página de livro. Gosto de pegar no papel, de amassá-lo, de boliná-lo e de sentir o cheiro. Ler texto grande na Internet, jamais. Pode até ser esse o futuro da literatura, mas eu quero é meus livros de papel mesmo. Claro que as gerações novas vão se adaptar ao ponto de no futuro nem chegar perto de livro.

ZONA SUL – O que você recomendaria a alguém que está começando a escrever

NEI - Como é difícil isso. Eu recomendaria tentar, tentar, tentar e ler muito. Se quer escrever ficção, leia boa ficção. Depois que Jorge Amado me arrebatou com aquela leitura agradável e sacana, li todo Erico Veríssimo. Ele é excelente narrador. Li muito e nunca deixei de ler. É isso que eu recomendo.

ZONA SUL – Muito obrigado pela entrevista.

NEI – Acho que é isso. Tire os excessos e acho que vai ficar bom. Outro dia uma menina veio me entrevistar. Quando ela acabou, perguntei o que tinha achado. Ela respondeu: “Vou tirar os ‘puta que o pariu’ e o resto vai ficar bem”. (risos).